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terça-feira, 15 de maio de 2012

Os ovos da serpente chocam novamente

   



Foi dada muita atenção para os 17,8% de votos da candidata Marine Le Pen, do Partido da Frente Nacional, de extrema-direita, no primeiro turno das recentes eleições presidenciais francesas, e vários políticos europeus demonstraram “preocupação” com esse resultado. Ela teve praticamente o mesmo desempenho que seu pai, Jean Marie Le Pen, que recebeu 17,79% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais contra Jacques Chirac, em 2002, embora esse percentual caísse para 10% em 2007, quando Nicolas Sarkozy conquistou parte de seu eleitorado, elegendo-se presidente.

As preocupações se justificam. De um lado, pelo fato de há mais de dez anos um em cada cinco eleitores da França, o segundo maior país da União Europeia, votar na extrema-direita e a favor da política racista que a Frente Nacional apregoa, o que sugere a consolidação dessa visão entre milhões de franceses, e a votação de Marine Le Pen provavelmente aumentaria se ela tivesse ido ao segundo turno.
De outro lado, a atração pela extrema-direita na França não é um fenômeno isolado, e sim o desdobramento de um processo disseminado pela Europa que vem crescendo, principalmente, nos momentos de crise econômica, desemprego e redução de direitos sociais, cada vez mais frequentes desde a introdução das políticas neoliberais no final dos anos 1970.

Após a derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, reduziu-se o espaço político na Europa para a participação da extrema-direita, embora a partir da década de 1970 alguns partidos neofascistas conquistassem presença nos Parlamentos, como o Movimento Social Italiano (MSI), que chegou a ter uma neta de Mussolini em suas fileiras. Outros como a Nova Aliança Flamenca e a Liga Norte cresceram eleitoralmente com base em propostas separatistas das regiões industrializadas, respectivamente, do norte da Bélgica e Itália, que estariam “sustentando” as regiões meridionais mais pobres.

O fenômeno mais recente, porém, é a viabilização da extrema-direita como governo. O primeiro caso foi na Áustria, em 2000, onde o Partido da Liberdade de Jörg Haider se coligou com o Partido Popular de direita, assumindo diversos ministérios, e ele só não se tornou o primeiro-ministro devido à pressão contrária da União Europeia. Posteriormente, o número de votos de partidos semelhantes cresceu em vários países, como Dinamarca e Suíça. Neste, o Partido Popular provocou um plebiscito contra a construção de minaretes no país, embora existissem somente quatro, obtendo o apoio de 57,5% dos eleitores.

Em 2009, quando o primeiro-ministro dinamarquês Anders Fogh Rasmussen deixou o governo para assumir o cargo de secretário-geral da Otan, foi o ingresso do Partido do Povo Dinamarquês, de extrema-direita, na coligação governamental que evitou a antecipação das eleições e sustentou o governo de direita por mais dois anos. Nesse mesmo ano, os democratas suecos, da mesma tendência ideológica, chegaram ao Parlamento pela primeira vez, com 5% dos votos e vinte deputados, e o Partido Nacional Britânico elegeu três deputados para o Parlamento Europeu.
A extrema-direita cresceu também na Finlândia, com o Partido dos Verdadeiros Finlandeses, detendo atualmente 19% dos votos, e na Hungria os partidos Fidesz e Jobbik governam hoje promovendo restrições à liberdade de imprensa e perseguindo homossexuais e minorias étnicas. O partido neonazista grego “Aurora Dourada” acabou de romper a cláusula de barreira com 7% dos votos e elegendo 21 deputados.
O caso holandês é talvez o mais revelador da estratégia que esses partidos adotaram. O Partido da Liberdade, liderado por Gert Wilders, foi o fiel da balança para o Partido Liberal de direita obter ligeira maioria e assumir o governo em 2010. Agora retirou seu apoio, sob a alegação de discordar do aumento da idade para aposentadoria proposto pelo governo, que então renunciou, obrigando a convocação de novas eleições. Quando estas ocorrerem, em setembro, certamente o partido de Wilders ampliará a votação com seu discurso nacionalista, contra a imigração e em defesa dos direitos sociais.

Ou seja, a aliança com partidos de direita é circunstancial para crescer eleitoralmente. A agenda comum que esses partidos vêm revelando é o Estado nacional forte com proteção social, como defendia o antigo Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (Nazista). A diferença é que o racismo atual não é antissemita, e sim anti-islâmico. O Partido Nazista tornou-se o segundo maior do país em 1930 e o mais votado em 1932, com 33,1% dos votos, tornando Adolf Hitler chanceler da Alemanha, com as consequências que conhecemos.
A conjuntura de crise que atualmente favorece a expansão da extrema-direita europeia prosseguirá e os partidos socialdemocratas estão perdendo votos para ela, principalmente entre os trabalhadores menos qualificados, bem como entre os pequenos produtores rurais e urbanos. A reação deste e de outros partidos é assumir parte de seu discurso, notadamente o xenofóbico, levando os governos cada vez mais para a direita, no entanto, sem garantir que os novos fascistas não venham a governar de fato.
Kjeld Jakobsen é consultor em Cooperação e Relações Internacionais

Fonte: TEORIAeDEBATE

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