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segunda-feira, 16 de julho de 2012

A "blitzkreig" da OTAN na Líbia e outras guerras coloniais

 


 

 

A escala da tragédia que chegou à Líbia com as tropas da Otan e aliados é cada dia mais visível. O número estimado de mortos, até agora, de cerca de 50 mil, é baixo. Só o Ministério da Defesa britânico tem anunciado, em tom triunfante, que foram mortos 35 mil líbios, só em maio último. E o número nunca parou de crescer.

Por Dan Glazebrook*, no Pambazooka, Reino Unido


A destruição das forças do estado líbio, na blitzkrieg de que foi alvo pelos exércitos britânico, francês e dos EUA deixou o país em situação de total anarquia - no pior sentido da palavra. Sem nada a uni-los, além da disposição volúvel para servir como bucha nos canhões da Otan, os ex-"rebeldes" lutam agora uns contra os outros. 147 ex-"rebeldes" foram mortos no sul da Líbia, numa única semana, no início desse ano; em semanas mais recentes, vários prédios públicos - entre os quais o bunker onde está instalado o gabinete do primeiro-ministro - foram atacados por "rebeldes" que reivindicam o pagamento prometido por seus serviços. Já receberam até agora US$ 1,4 bilhão - o que comprova que o colonialismo da Otan, e não Kadafi, depende de bandos mercenários. Mas os pagamentos foram suspensos mês passado, porque começou a faltar dinheiro para manter os acordos construídos pelo nepotismo. A corrupção já é endêmica - cerca de outros US$ 2,5 bilhões da renda do petróleo, que deveriam estar contabilizados nas contas do Tesouro líbio, sumiram.

Os recursos da Líbia são hoje saqueados por empresas transnacionais do petróleo e por um punhado de famílias convertidas repentinamente em neo-elite nacional: o padrão clássico do neocolonialismo que se instala.

A destinação dos recursos que o país produz, para os megaprojetos nacionais de infraestrutura como o Grande Rio Feito pelo Homem, e o padrão de vida sempre ascendente para a grande população que marcaram os últimos 40 anos (nos últimos 40 anos, desde 1969, quando Kadafi assumiu o poder, a expectativa de vida na Líbia subira, de 51 para 77 anos) já são, desgraçadamente, fatos do passado.

Mas ninguém se atreva a ter saudades dos bons tempos. O novo poder colonial decidiu que nenhum candidato ou partido que apóie as políticas do governo de Kadafi concorrerá às eleições. Mas já houve mudanças ainda menos democráticas. Uma "Lei 37", aprovada mês passado pelo governo instalado na Líbia pela Otan, criou o crime de "glorificação do antigo governo ou seu líder", punível com pena de prisão perpétua. Alguém precisará lembrar ao povo líbio que as coisas, no governo de Kadafi, eram muito melhores?

A "Lei 37" é suficientemente vaga para permitir inúmeras interpretações. Foi concebida como fórmula para legalizar e institucionalizar a perseguição política.

O saque ao petróleo líbio

Ainda mais indicativa do desrespeito à lei, sob o novo governo da Otan - o qual, vale lembrar, ainda não tem qualquer tipo de poder democrático legítimo delegado pelo povo, e cuja única base de poder ainda é o exército colonial implantado na Líbia - é outra lei, a "Lei 38". Por essa lei, têm imunidade e garantia de que não serão nem acusados nem processados nem, e muito menos, condenados, os que pratiquem ações (inclusive ações que o mundo civilizado define há séculos como crimes) que visem a "promover e proteger a revolução".

Os autores da operação de "limpeza" étnica em Tawergha - como a autoproclamada "brigada de Misrata para executar peles-pretas" - podem continuar a caçar negros naquela região, sabendo antecipadamente que "a nova lei" os protege. Outras milícias, responsáveis pelos massacres em Sirte e em outras cidades, tampouco têm algo a temer. Os envolvidos na tortura já disseminada de prisioneiros podem continuar a torturar, sem temer repercussões - desde que façam, seja lá o que for, para "proteger a revolução", isto é, para manter a ocupação militar e a ditadura da Otan.

A realidade da nova Líbia é guerra civil, saque de recursos nacionais e colapso das estruturas sociais; é crime manifestar preferência pelos tempos que a Líbia viveu em paz e próspera; mas linchar e torturar são ações além de legais e permitidas, também encorajadas.

E nem o desastre líbio é desastre só líbio. A ação de desestabilização da Líbia, pela Otan, já se estendeu ao Mali, gerou um golpe e levas imensas de refugiados, sobretudo entre a vasta população de migrantes líbios negros que fugiram para países vizinhos, tentando desesperadamente escapar dos ataques aéreos e do linchamento pelas milícias racistas mantidas pela Otan, o que aumentou a disputa por recursos escassos em outros pontos da região. Muitos mercenários que combateram na Líbia, dado por concluído ali o serviço para o qual foram pagos, já foram despachados por seus empregadores imperialistas para a Síria, com a tarefa de disseminar também lá a violência sectária.

Do ponto de vista do continente africano como tal, ainda mais preocupante é a marcha em ritmo apressado do AFRICOM - Comando do Exército dos EUA na África -- presente desde o início do ataque à Líbia. Não é acaso que, apenas um mês depois da ocupação de Trípoli, ainda no mês em que Kadafi foi assassinado, em outubro de 2011, os EUA tenham anunciado o envio de soldados para nada menos que quatro países africanos: República Centro-Africana, Uganda, Sudão do Sul e República Democrática do Congo.

E o AFRICOM já anunciou, ainda para 2012, outras 14 grandes operações militares, de manobras e exercício, em associação com governos fantoches locais, movimento sem precedentes na história do continente africano. A reconquista militar da África pela Otan-EUA avança a passos largos.

Nada disso seria possível com Kadafi no poder. Fundador da União Africana e seu principal doador-mantenedor, além de presidente eleito, Kadafi sempre teve ampla e profunda influência em todo o continente africano. É mérito de Kadafi que os EUA tenham sido obrigados a instalar o quartel-general de seu Comando Africano em Stuttgart, na Alemanha, em fevereiro de 2008, quando os EUA criaram o AFRICOM. Kadafi recompensou com dinheiro e investimentos, todos os governos africanos que se negaram a acolher bases dos EUA em seu território.

Durante o governo de Kadafi, a Líbia manteve investimentos estimados em US$ 150 bilhões em vários pontos da África. Também é ideia de Kadafi, que se dispôs a contribuir com 30 bilhões de libras, a criação de um Banco de Desenvolvimento da União Africana, que teria reduzido muito consideravelmente a dependência dos países africanos em relação aos bancos ocidentais.

Em resumo, a Líbia de Kadafi foi sempre um enorme principal obstáculo, a impedir que o AFRICOM ocupasse o continente africano.

Agora, Kadafi assassinado, o AFRICOM faz avançar seu projeto imperial. As invasões do Iraque e do Afeganistão mostraram ao ocidente que os cidadãos não reelegem presidentes que comandem guerras nas quais morram seus próprios co-cidadãos. Coube então ao AFRICOM assegurar que, nas próximas guerras coloniais contra a África, só morrerão africanos. As forças da União Africana estão sendo "integradas" aos exércitos do AFRICOM, subordinadas a comandantes norte-americanos. Kadafi jamais admitiria isso. Por isso foi deposto e assassinado.

Quem queira ter uma antevisão do que o AFRICOM-EUA fará à África, que olhe a Líbia hoje, modelo do que a Otan está criando, como estado africano: tutelado, condenado a décadas de violência e trauma gerado por colonialismo militarizado. E absolutamente incapaz de promover melhores condições de vida para o próprio povo, ou de contribuir para a independência regional ou continental.

O novo colonialismo militarizado na África tem de ser detido. Não deve avançar nem mais uma polegada.

*Dan Glazebrook escreve para o jornal Morning Star e é um dos coordenadores na Grã-Bretanha da União Internacional de Parlamentares pela Palestina.

Fonte Redecastorphoto. Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu

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