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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Marxismo e revolução no Brasil



Marxismo, partido e revolução

 

RAUL PONT*

A humanidade chega ao final do século num grande vazio de horizonte
histórico com legitimidade e perspectiva futura. A hegemonia do
neoliberalismo construiu resultados sensíveis na imposição de um modelo
de mundialização do capital sob direção do capital financeiro.
Os saltos espetaculares de novas tecnologias na produção e,
principalmente, nas comunicações jogaram um papel decisivo para
justificar esse processo.
A globalização é veiculada na mídia, grande e pequena, ideologicamente
como algo inevitável. Caminho único que todos os países
devem trilhar baseados nas diretrizes essenciais da desregulação dos
mercados, do privativismo, do individualismo e de um Estado mínimo.
Se é inquestionável o predomínio econômico em escala planetária desta
concepção reconstruída a partir do Fórum Econômico Mundial, de Davos,
sobre velhos conceitos do liberalismo, não é menos verdade sua fragilidade
enquanto .concepção de mundo. .
Esse liberalismo exacerbado é incapaz de construir um horizonte
político dotado de valores éticos, morais e políticos que articulem uma
sólida dominação de classe que combine coerção e legitimidade de forma
duradoura.
Seus principais apelos ideológicos não sintonizam com a vida cotidiana,
real, das pessoas e estas não aderem nem defendem esse modo de vida
como seu. Sofrem as conseqüências, são integradas mais por imposição
do que convencimento.
A aceitação é superficial, marcada pela repetição do senso comum e
pelo poder da mídia, mas, no confronto com a denúncia e a mobilização
sintonizadas com a realidade, tende rapidamente a ser revertida. Neste
quadro de predomínio ideológico neoliberal e de profunda crise das
experiências do socialismo burocrático e autoritário do Leste Europeu e
de outras regiões do mundo, houve um evidente enfraquecimento do
referencial teórico representado pelo marxismo em suas várias correntes.
Isso atingiu, também, a compreensão do papel e das funções de
instituições políticas como partido, parlamento, Estado, etc... Mesmo
intelectuais e militantes de partidos com históricos vínculos com o
marxismo foram influenciados por essa crise levando-os ao abandono
dessa concepção de mundo ou a relativizando como instrumento teórico
para analisar a realidade e as instituições políticas. Em muitos casos o
abandono foi explícito com adesão à ideologia neoliberal, às vezes
disfarçada pela inevitabilidade da .globalização., do desenvolvimento
científico tecnológico, de uma nova revolução dos meios de produção.
Em outro caso, não menos influente e perigoso, é a relativização e a
ascendência dos critérios e dos valores do pragmatismo conjuntural,
dos resultados eleitorais, das alianças governamentais marcadas pelo
imediatismo ocasional sem uma estratégia que as sustentem numa
coerência de longo prazo.
Partilhamos da avaliação de que esta questão é uma das mais
importantes para ser enfrentada, pela esquerda brasileira, seus partidos,
principalmente o nosso, o Partido dos Trabalhadores. O marxismo continua
sendo o principal instrumento teórico na crítica ao capitalismo e de
compreensão do processo histórico da humanidade, evidentemente,
despido de interpretações e leituras mecanicistas que marcaram a teoria e
a prática das experiências burocráticas do século XX.
A força do marxismo reside exatamente na sua capacidade de
autocriticar-se e basear-se num método de conhecimento que incorpora
as mudanças e a situação de cada nova realidade. A abertura e a
compreensão para o dinamismo permanente desse processo não elimina
a necessidade de termos, como indivíduos e como partido, uma concepção
de mundo e de interpretação da realidade sob pena de perda de referência
para sobrevivermos enquanto vontade coletiva. Estamos vivendo, na
prática, a constatação de que nunca foi tão necessário manter o debate
ideológico na sociedade e entre nós. Os milhões de jovens e de cidadãos
que a cada ano assumem a condição de cidadania, de associação partidária
e buscam referências teóricas e programáticas para orientar sua ação
encontram cada vez menos essas referências no debate existente na
sociedade. Há algumas décadas, nos anos 60, por exemplo, ingressavase
num partido ou se assumia prática política no país sob a égide de
referências teóricas de experiências vividas na América Latina e no mundo
que estavam presentes nas orientações que assumíamos. O pensamento
único da globalização tenta reduzir isso a um discurso que tende a tornar
todos os partidos .iguais., meros instrumentos de apresentar e eleger
candidatos aos parlamentos e aos governos. As diferenças ficam mais
tênues e no campo de alguns valores de competência, honestidade e de
maior ou menor compromisso democrático. O caráter de classe, de
exploração social como elementos essenciais do sistema capitalista tendem
a não aparecer ou serem diluídos na teoria e na prática partidárias.
A facilidade com que partidos socialistas ou democráticos populares
transformaram-se nos protagonistas principais de governos neoliberais e
globalizantes é ilustrada por inúmeros exemplos na Europa e na América
Latina. Isso ocorre não apenas por direções .traidoras. ou pela .cooptação.
de governantes e parlamentares. A diluição e a ausência do debate
ideológico, a falta de formação permanente de quadros e da manutenção
programática viva são também responsáveis por essas derrotas ou
abandono de coerência programática.
Outro exemplo. O florescimento e o crescimento de novas seitas
religiosas, cada vez mais obscurantistas e mercantis que alienam as pessoas
através da ilusão que as contradições e conflitos sociais da exploração e
da marginalização encontram soluções extraterrenas, não sofrem uma
crítica ou uma disputa com suas concepções. É também sensível que na
universidade, no meio intelectual, o marxismo sofreu um arrefecimento e
se não foi largamente substituído na instituição, a hegemonia neoliberal
na sociedade foi suficiente para silenciá-la nessa disputa. Vejamos um
aspecto. Os economistas do governo, pugilistas do FMI e do grande capital
financeiro transformaram-se nos .filósofos. do mundo contemporâneo.
Predominaram na disputa da mídia pela .explicação. do mundo que
defendem sem terem tido uma resistência maior na produção teórica da
academia e da intelectualidade de esquerda.
Contam-se nos dedos os que resistiram e se contrapuseram aos
encantos da pós-modernidade, da globalização e da onipresença do
mercado. Afinal, quem não sintonizasse com isso tinha o silêncio da maior
parte da mídia e a pecha de dinossauro.
O pluralismo e a convivência com correntes de pensamento idealistas
num partido como o PT não exige que os marxistas abdiquem de
desenvolver o debate ideológico sobre esses temas que nenhuma
conjuntura ou situação circunstancial pode determinar como simplesmente
inoportunos ou equivocados.
Não o fazer significa aceitar a hegemonia crescente de ideologias e
métodos de conhecimento que não dão conta da realidade. Significa
abdicar de nossa concepção de mundo.
Os socialistas brasileiros, nosso partido em particular, dificilmente
ultrapassarão os enormes desafios e obstáculos que terão nos próximos
anos sem a manutenção e o fortalecimento de uma ideologia que sustente
sua luta anticapitalista e por uma sociedade onde não predomine a
exploração e a exclusão social.
Do nosso ponto de vista, esse instrumental teórico é o marxismo que
continua como a principal referência para a compreensão e transformação
da sociedade capitalista.
Esse final de milênio nos coloca, é claro, um conjunto de novos desafios
no campo da ecologia, das contradições novas ou que perduram nas
relações de gênero e raça. É flagrante o desafio das profundas mudanças
que as inovações científicas e tecnológicas colocam no desenvolvimento
dos meios de produção e as relações de produção daí decorrentes. A
atualidade do diagnóstico do
Manifesto, cento e cinqüenta anos depois,
no entanto, também é inegável e presente. Os mecanismos básicos e
essenciais da luta de classes, da acumulação capitalista, da concentração
e centralização do capital, da evidência dos conflitos nacionais e regionais
na mundialização do capital . por mais que tentem nos convencer da
.globalização. . demonstram que a contribuição teórica do marxismo
continua válida e atual para a prática dos socialistas. Em muitos casos, as
novas realidades desafiam nossa capacidade crítica e de produção teórica
sobre as novas práticas sociais. Em outros, só não podemos perder a
memória histórica de nossas próprias lutas. A experiência histórica das
lutas sociais deste século e a prática de democracia direta que
impulsionamos em algumas cidades que governamos, por exemplo, já
são mais que suficientes para dotarmos o partido de um programa e de
propostas mais avançadas sobre o parlamento, os partidos e seu
funcionamento, os governos na sua relação com a sociedade. O que tem
predominado na medida em que crescemos nos parlamentos e nos
executivos é a aceitação das regras do jogo e a sua reprodução é cada vez
mais natural.
Há casos gritantes. Cada vez mais aceitamos como inevitável o regime
representativo brasileiro, o bicameralismo, um sistema eleitoral que ainda
não pratica nem a conquista do séc. XVIII de que .a cada cidadão
corresponde um voto..
Sem um referencial marxista, sem uma absorção programática da
sociedade de classes, sem um revigoramento teórico e programático
corremos o sério risco de sermos mais um .partido da ordem..
Nosso maior antídoto, também este recolhido das maiores lutas sociais
deste século, é que somos um partido democrático, profundamente
democrático e onde este debate ideológico pode fluir. Este, no entanto,
não é espontâneo, natural. Só ocorre pela organização daqueles que
pensam e agem dessa forma e disputam a hegemonia e a construção
programática e partidária.
Que este artigo se integre e ajude esse esforço coletivo. Certamente
não estaremos abandonando uma perspectiva revolucionária


* Professor de ciência política e membro do DN do Partido dos Trabalhadores.


Fonte: http://marxismo21.org/

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