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domingo, 28 de outubro de 2012

MANIFESTO DO LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE

 
 
Contra a criminalização dos(as) estudantes sergipanos que lutam pela verdade da Ditadura Militar

Nós, do Levante Popular da Juventude, em 16 estados brasileiros, nos dias 26 de março e 14 de maio de 2012, com o calor dos debates acerca da composição da Comissão Nacional da Verdade, realizamos denúncias de agentes públicos que torturaram no período da ditadura civil-militar instaurada com o golpe de 1964. A forma de luta utilizada foi o escracho, que consiste em expor os notórios torturadores, em sua casa ou em seu local de trabalho, com manifestações massivas da juventude e ampla divulgação pela imprensa, notadamente pelas redes sociais.
Em Sergipe, denunciamos o médico Dr. José Carlos Pinheiro, atual diretor do Hospital e Maternidade Santa Isabel, que, nos tempos da ditadura, “auscultava para conferir o sofrimento e até que ponto o ser humano aguentava as torturas”. Fizemos tal denúncia com base em ata da 85ª sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Aracaju, realizada no dia 20 de setembro de 1989, cujo trecho está transcrito acima, em que o então vereador Marcélio Bomfim fala sobre o caso, e também com base nos testemunhos dos militantes e torturados daquele período, que sempre relembram a participação do médico escrachado, sendo, portanto, um fato de domínio público .
Além do ímpeto pela defesa da história real do povo brasileiro, por ser necessário rechaçar as práticas e agentes públicos que ferem nossa dignidade e soberania, manifestamo-nos por entendermos que a efetivação dos direitos à memória, à verdade e à justiça é fundamental para darmos passos largos à realização de mudanças mais profundas no nosso país.
Indignado com nossa postura, o escrachado ofereceu uma queixa-crime contra seis estudantes, a qual tramita no Juizado Especial Criminal de Aracaju, autos do processo n° 201245102302, sendo que nem todos os universitários listados participaram das manifestações.
Trata-se de uma clara tentativa de criminalização e intimidação do movimento. Além disso, trata-se de um processo em que há a clara tentativa de ocultar de vez um retalho importante da história do Brasil, de Sergipe e de Aracaju. Afinal, para o escrachado, uma inocência poderia significar uma “borracha” nesse passado inglório.
Está em jogo nesse processo e no cenário político, portanto, além da legitimidade de o povo brasileiro lutar, os direitos à memória, à verdade e à justiça.
Para consagrar tais direitos e avançarmos no desvelar da nossa história, fazemos um apelo ao povo brasileiro e às suas organizações, para que se solidarizem com a pauta, com o nosso movimento e com os(as) estudantes processados (Larissa Alves, Jessy Dayane, Tatiane Leal, Viviane Leal, Camila Almeida e Gilson Junior).
Apelamos, também, à Comissão Nacional da Verdade, para que colabore com a elucidação do que aconteceu nas dependências do 28° Batalhão de Caçadores, no ano de 1976, e de quem “auscultava para conferir o sofrimento...”.
Se necessário, provocaremos a Organização dos Estados Americanos (OEA) e sua Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que o direito de lutar pelo restabelecimento da verdade durante a Ditadura Militar seja garantida ao povo brasileiro.
Pelo direito à memória, à verdade e à justiça! Para que não se esqueça; Para que nunca mais aconteça!
Em solidariedade aos seis estudantes processados por se manifestarem contra a Ditadura Militar!
 
Levante Popular da Juventude
Aracaju/SE, 26 de outubro de 2012.
 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O referendum islandês e os silêncios da mídia

 

O referendum islandês e os silêncios da mídia. 17456.jpeg

Mauro Santayana*

Os cidadãos da Islândia referendaram, no sabado (20), com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais. A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil - mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.
Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma das maiores vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.
Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu produto interno bruto. O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.
A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses - de todas as idades - pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendum e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.
A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma assembléia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.
Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.
Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacional fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.
*Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
 
http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O DIA EM QUE O STF VIROU UM TRIBUNAL POLÍTICO


terça-feira, 23 de outubro de 2012

PADRINHO REVELA UM CELSO POLÍTICO E MIDIÁTICO


O autor da tese do "fosso moral", Mello é polêmico


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

NUNCA FIZ PARTE NEM CHEFIEI QUADRILHA

 
 
 
 

Mais uma vez, a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal em me condenar, agora por formação de quadrilha, mostra total desconsideração às provas contidas nos autos e que atestam minha inocência. Nunca fiz parte nem chefiei quadrilha.

Assim como ocorreu há duas semanas, repete-se a condenação com base em indícios, uma vez que apenas o corréu Roberto Jefferson sustenta a acusação contra mim em juízo. Todas as suspeitas lançadas à época da CPI dos Correios foram rebatidas de maneira robusta pela defesa, que fez registrar no processo centenas de depoimentos que desmentem as ilações de Jefferson.

Como mostra minha defesa, as reuniões na Casa Civil com representantes de bancos e empresários são compatíveis com a função de ministro e em momento algum, como atestam os testemunhos, foram o fórum para discutir empréstimos. Todos os depoimentos confirmam a legalidade dos encontros e também são uníssonos em comprovar que, até fevereiro de 2004, eu acumulava a função de ministro da articulação política. Portanto, por dever do ofício, me reunia com as lideranças parlamentares e partidárias para discutir exclusivamente temas de importância do governo tanto na Câmara quanto no Senado, além da relação com os estados e municípios.

Sem provas, o que o Ministério Público fez e a maioria do Supremo acatou foi recorrer às atribuições do cargo para me acusar e me condenar como mentor do esquema financeiro. Fui condenado por ser ministro.

Fica provado ainda que nunca tive qualquer relação com o senhor Marcos Valério. As quebras de meus sigilos fiscal, bancário e telefônico apontam que não há qualquer relação com o publicitário.

Teorias e decisões que se curvam à sede por condenações, sem garantir a presunção da inocência ou a análise mais rigorosa das provas produzidas pela defesa, violam o Estado Democrático de Direito.

O que está em jogo são as liberdades e garantias individuais. Temo que as premissas usadas neste julgamento, criando uma nova jurisprudência na Suprema Corte brasileira, sirvam de norte para a condenação de outros réus inocentes país afora. A minha geração, que lutou pela democracia e foi vítima dos tribunais de exceção, especialmente após o Ato Institucional número 5, sabe o valor da luta travada para se erguer os pilares da nossa atual democracia. Condenar sem provas não cabe em uma democracia soberana.

Vou continuar minha luta para provar minha inocência, mas sobretudo para assegurar que garantias tão valiosas ao Estado Democrático de Direito não se percam em nosso país. Os autos falam por si mesmo. Qualquer consulta às suas milhares de páginas, hoje ou amanhã, irá comprovar a inocência que me foi negada neste julgamento.


São Paulo, 22 de outubro de 2012

José Dirceu


sábado, 20 de outubro de 2012

A Folha e o tucanato abandonaram José Serra?

 

 

Duas matérias veiculadas pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (18) chamam a atenção por apontarem uma possível mudança da postura do jornal paulista e de figurões do PSDB em relação à candidatura de José Serra à prefeitura de São Paulo. Estariam a publicação dos Frias e os principais quadros tucanos, entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apostando no sepultamento político do ex-ministro da Saúde?

 
 
 
 
 
São Paulo - Duas matérias veiculadas pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (18) chamam a atenção por apontarem uma possível mudança da postura do jornal paulista e de figurões do PSDB em relação à candidatura do tucano José Serra à prefeitura de São Paulo.

Uma delas, de meia página, denuncia que integrantes do Movimento dos Sem-Teto do Ipiranga (MSTI) que participam de eventos do candidato ganham pontos em um ranking interno da organização, que serve de parâmetro para definir os beneficiados por programas de moradia popular.

Desde o início da campanha para o segundo turno, foi a primeira reportagem da Folha de S. Paulo de cunho claramente negativo à candidatura Serra. Apesar de se autointitular “plural” e “apartidário”, o jornal paulista sempre foi conhecido no meio jornalístico pela relação bastante próxima de sua diretoria com José Serra e tucanos mais “liberais” no que diz respeito aos valores morais.

O primeiro indício dessa possível mudança de postura da Folha de S. Paulo foi o editorial “Kit evangélico”, de 13 de outubro. No texto, o jornal critica os rumos tomados pela campanha de José Serra, que já teriam ultrapassado o ponto de não retorno. “Na corrida presidencial de 2010, ao explorar contradição da petista Dilma Rousseff – que se dizia favorável à descriminalização do aborto, mas recuou na campanha de maneira oportunista –, Serra já havia selado uma aliança com o conservadorismo evangélico. Sua atual peregrinação por templos e a aceitação graciosa de apoiadores que flertam com a intolerância indicam um caminho sem volta.”

De acordo com o editorial, é impossível para o tucano querer se fazer passar como uma liderança moderna ao mesmo tempo em que adota o discurso conservador.

Dois dias depois, o site da Folha veiculou a informação de que, quando governador do estado, Serra havia distribuído em escolas paulistas material de conteúdo muito parecido ao do kit do MEC. O tucano negou a semelhança e acusou a reportagem de ter “o dedo do Zé Dirceu”.

A outra matéria da Folha de S. Paulo desta quinta-feira que chama a atenção vai ao encontro das preocupações explicitadas pelo próprio jornal paulista no editorial de cinco dias atrás. Traz a informação de que o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso estaria criticando “duramente” a campanha de Serra por causa de sua aliança com setores ultraconservadores – o pastor Silas Malafaia à frente – em torno dos ataques ao kit anti-homofobia produzido pelo Ministério da Educação (MEC) durante a gestão de Fernando Haddad. De acordo com o texto, FHC estaria alertando aliados sobre o risco de o tucano sair da eleição rotulado de conservador. A estratégia eleitoral de Serra vem contrariando também nomes como Alberto Goldman, ex-governador de São Paulo, e José Gregori, ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique.

Segundo o jornal digital Brasil 247, a movimentação de FHC estaria vinculada à certeza, por parte de quadros tucanos, de que José Serra será derrotado em 28 de outubro. O ex-presidente, o senador Aécio Neves, o atual governador paulista Geraldo Alckmin e o candidato a prefeito de Manaus Arthur Virgílio estariam articulando o “sepultamento político” do ex-ministro da Saúde, que seria excluído do núcleo duro tucano. Segundo o Brasil 247, os figurões do PSDB estão preocupados com uma possível guinada ideológica do partido, de origem social-democrata, em direção ao espectro ultraconservador.

Nos últimos anos Serra vem acumulando inúmeras tensões com outras alas do partido – em especial, as comandadas por Aécio e Alckmin –, que o veem como uma figura extremamente autoritária e personalista. Seu ostracismo político serviria para fazer a agremiação se revigorar. Estaria a Folha de S. Paulo fazendo a mesma aposta?
 
Carta Maior

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ley de Medios argentina é modelo, diz relator da ONU

 

“A Argentina tem uma lei avançada. É um modelo para todo o continente e para outras regiões do mundo”, afirmou Frank La Rue, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Opinião e de Expressão, ao se referir à Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. "Eu a considero um modelo e a mencionei no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. E ela é importante porque para a liberdade de expressão os princípios da diversidade de meios de comunicação e de pluralismo de ideias é fundamental”, defendeu.



 
Buenos Aires - “A Argentina tem uma lei avançada. É um modelo para todo o continente e para outras regiões do mundo”, afirmou Frank La Rue, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Opinião e de Expressão, ao se referir à Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, logo após reunir-se com Martín Sabbatella, titular da Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual). “Falamos da importância da aplicação plena desta lei”, assinalou Sabbatella após o encontro que manteve com o funcionário guatemalteco da ONU na sede portenha da Afsca.

Durante a reunião com Sabbatella, La Rue voltou a expressar seu especial interesse na implementação da chamada “Ley de Medios” da Argentina. “Essa é uma lei muito importante. Eu a considero um modelo e a mencionei no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. E ela é importante porque para a liberdade de expressão os princípios da diversidade de meios de comunicação e de pluralismo de ideias é fundamental”, defendeu o relator da ONU após o encontro na Afsca.

“Eu venho de um país multicultural, muito pequeno, mas com 22 idiomas indígenas, onde essa diversidade de meios e esse pluralismo de expressão, assim como o manejo dos serviços de comunicação audiovisual, desempenham um papel muito importante para garantir essa riqueza cultural”, disse o guatemalteco, para quem “neste sentido a lei argentina é realmente muito importante”.

Por sua parte, Sabbatella destacou ao término da reunião que “para os argentinos e as argentinas é um orgulho ter uma lei modelo e é extremamente importante o acompanhamento de Frank La Rue, uma pessoa que tem um forte compromisso com a liberdade, a pluralidade, a diversidade e a democratização da palavra”.

“La Rue tem uma profunda valoração da lei e expressou em várias oportunidades a importância de sua aplicação. Contar com sua atenção sobre o andamento desse processo é fundamental”, acrescentou o titular da Afsca, destacando que foi discutida com o relator da ONU “a importância da aplicação da lei”.

O funcionário da ONU se mostrou interessado pelas medidas que a Afsca deve tomar no dia 7 de dezembro, quando vence o prazo fixado pela Corte Suprema para a medida cautelar com a qual o Grupo Clarín paralisou a implementação da lei, durante três anos, após sua aprovação no Congresso. Assim como o cabo de guerra no Conselho da Magistratura, onde a oposição impede a nomeação de um juiz titular no tribunal que deve resolver a questão da inconstitucionalidade defendida pelo grupo quanto ao artigo 161 da lei, que obriga as empresas a abrir mão das licenças que superam o limite estabelecido pela nova legislação para evitar práticas monopólicas.

La Rue, que foi a Argentina para participar de um congresso mundial sobre direitos da infância em San Juan, também assinalou que logo após sua passagem pela Argentina visitará o Uruguai onde, destacou, “vem ocorrendo uma discussão parecida com a que ocorreu aqui (sobre a ‘ley de medios’ audivovisuais), mas ainda não foi aprovada a lei, o que eu gostaria muito que acontecesse”. O relator da ONU também se mostrou disposto a promover fóruns em toda a América Latina para debater a lei implementada pela Argentina.

Tradução: Katarina Peixoto

Carta Maior

A quem serve o STF? Marx responderia: "Serve às elites, estúpido"




MARCUS VINÍCIUS        
Por que Duda Mendonça não foi condenado com base no "Fato Motivador", como foram os réus do núcleo político diante da ausência completa de provas da PGR?

Além de filósofo, economista e "pai do comunismo",  Karl Marx batia um bolão como jornalista. No próximo 25 de outubro completa-se 151 anos de uma das análises mais contundentes sobre a Guerra da Secessão. O texto foi escrito por Marx para o Die Presse, um diário austríaco burguês de tendência liberal, e mostra como a Corte Suprema dos Estados Unidos se tornou o último bastião das elites escravistas do Sul contra os brancos livres do Norte.
As elites sulistas se valiam de seu domínio sobre o Congresso Norte-Americano para manter e ampliar o regime escravagista. Esse poder, no entanto, erodia-se devido ao crescimento acelerado da população dos estados do Norte e Nordeste, não escravistas. Como a representação na Câmara dos Representantes é ligada à população dos estados, e as populações dos estados livres cresciam acima daquela dos estados escravistas, as elites escravistas perdiam gradativamente o controle da Câmara e dependiam cada vez mais do Senado, onde cada estado, independente da população, tinha dois representantes.
Ocorre que, os senhores de escravos também estavam perdendo o controle do Senado e para manter o status quo se valeram da JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA. Notou aí semelhanças com as elites do Brasil? Sim, as elites norte-americanas recorreram à Corte Suprema dos EUA para garantir seus privilégios, e foram os Juízes Supremos, que segundo Marx, deram veredicto pela escravidão:
"Ela (Corte Suprema) decidiu, em 1857, no notório caso Dred Scott, que todo cidadão americano possui o direito de levar consigo para qualquer território qualquer propriedade reconhecida pela Constituição. Consequentemente, com base na Constituição, os escravos poderiam ser forçados pelos seus donos a trabalhar nos territórios. E assim todo senhor de escravos estaria individualmente habilitado a introduzir a escravatura em territórios até agora livres conta a vontade da maioria dos colonos. O direito de eliminar a escravidão foi tirado das legislaturas territoriais e o dever de proteger os pioneiros do sistema escravagista foi imposto ao Congresso e ao governo da União (pela Corte Suprema)".
Luta de classes
No Brasil, desde a eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), as elites conservadoras, que se valeram do Golpe Militar de 1964 para chegar ao poder, têm perdido gradativamente espaço na Câmara Federal e no Senado. O DEM (ex-PFL, ex-PDS, ex-Arena), desmilinguiu-se. No período(1995-2002) de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso(PSDB) o partido chegou a ter 105 deputados federais e 17 senadores na legislatura de 1999. Os eleitos em 2010 foram 4 senadores e 43 deputados, número que reduziu-se a 28, pela migração para outras siglas como o PSD. Em 2004 o PFL tinha 6.460. Em 2012 o DEM reduziu-se a 3.271, ou seja 3.189 vereadores a menos! Em 1996, o PFL elegeu 934 prefeitos, saltou a 1.028 no ano 2000 e em 2012, o DEM elegeu somente 271, ou seja 757 prefeitos a menos!
Até o segundo mandato do presidente Lula, o equilíbrio de forças no Senado era desfavorável ao petista. Com a eleição de sua sucessora, a aliança trabalhista formada por PT-PMDB-PSB-PC do B-PDT e outros partidos, passou a ter domínio no Congresso Nacional. A presidenta Dilma Roussef assumiu com uma bancada de 311 votos(de 513)  na Câmara Federal e de 50(de 81) no Senado. Assim como Karl Marx testemunhou a JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA via Corte Suprema nos EUA, numa reação conservadora a perda de comando no Legislativo, o Brasil assiste movimento similar, no STF que se expressa com mais vigor no julgamento da Ação 470, o dito, "Julgamento do Mensalão".
Exagero? Não.
O que justifica que no julgamento do publicitário Duda Mendonça os ministros do Supremo Tribunal Federal tenham considerado lícito o pagamento de seus serviços na campanha de 2002, com recursos oriundos do Banco Rural, mas em relação aos empréstimos feitos no mesmo banco, para pagamento de despesas de campanha no PR, de Waldemar Costa Neto, no PP, de Pedro Henry, ou pelo PT de Delúbio Soares e José Genoíno, o mesmo dinheiro do Banco Rural transformou-se em "corrupção passiva" e lavagem de dinheiro?
Não houve, nos dois casos, pagamento de despesas de campanha?
Por que apesar da ausência completa de provas no relatório da Procuradoria Geral da República, os chamados "réus do núcleo político" foram condenados com base no "Fato Motivador", no entanto, apesar do esculacho do ministro Joaquim Barbosa contra o procurador Roberto Gurgel, pela PGR não ter produzido provas contra Duda Mendonça, o empresário não foi enquadrado no mesmo "Fato Motivador"?
O Fato Motivador só se aplica a Puta, Preto, Pobre e Petista, como diria o ator José de Abreu?
Por que o caixa dois do PSDB, o chamado "Mensalão Tucano", efetivado na tentativa de reeleição do governador Eduardo Azeredo em 1998, teve seu processo desmembrado para julgamento em 1ª e 2ª instâncias, enquanto o "mensalão do PT" teve direito a apenas uma instância de julgamento?
Por que o ministro relator, que colheu as provas na fase de inquérito, também participa do julgamento, tal e qual nos Tribunais da Inquisição?
As respostas estão novamente na análise cento-cinquentenária de Karl Max: as elites, quando perdem o poder popular, recorrem aos últimos nacos de poder que controlam: seus pares no judiciário e às armas.
Em 1860 foram à guerra contra Lincoln. Em 1964, ao golpe contra Jango. E em 2012, ao STF contra Lula e o PT.
Nos EUA, os aristocratas do Sul, no Brasil, os Barões da Mídia a comandar a Corte Suprema.
Ah, diriam alguns, mas o relator da Ação 470, Joaquim Barbosa é um filho do povo, um ministro cujo pai era pedreiro, que veio do interior do país, de Paracatu-MG. Sim, de lar humilde, mas, ao que tudo indica, sem compromissos com sua classe de origem, pois somente isto justifica sua frase: "Presidente, o Supremo Tribunal Federal não tem que dar satisfação a ninguém!"
Se o Supremo como Poder da República, segundo o ministro Barbosa, não deve satisfações ao povo, é porque do povo está divorciado. Se a Corte Suprema Brasileira não está casada com o povo que banca neste ano de 2012, com impostos, os R$ 614,073 milhões aprovados na LDO para manutenção do STF, cumpre a este povo perguntar: a quem serve o STF?
Marx responderia: "Serve às elites, estúpido"!

BRASIL 247

domingo, 14 de outubro de 2012

Para entender o julgamento do "mensalão"

 


O julgamento de casos com importante componente político ou religioso não se faz por meio do puro silogismo jurídico tradicional: a interpretação das normas jurídicas pertinentes ao caso, como premissa maior; o exame dos fatos, como premissa menor, seguindo logicamente a conclusão. O procedimento costuma ser bem outro. Em casos que tais, salvo raras e honrosas exceções, os juízes fazem interiormente um pré-julgamento, em função de sua visão de mundo. .



         
                 
 
Ao se encerrar o processo penal de maior repercussão pública dos últimos anos, é preciso dele tirar as necessárias conclusões ético-políticas.

Comecemos por focalizar aquilo que representa o nervo central da vida humana em sociedade, ou seja, o poder.

No Brasil, a esfera do poder sempre se apresentou dividida em dois níveis, um oficial e outro não-oficial, sendo o último encoberto pelo primeiro.

O nível oficial de poder aparece com destaque, e é exibido a todos como prova de nosso avanço político. A Constituição, por exemplo, declara solenemente que todo poder emana do povo. Quem meditar, porém, nem que seja um instante, sobre a realidade brasileira, percebe claramente que o povo é, e sempre foi, mero figurante no teatro político.

Ainda no escalão oficial, e com grande visibilidade, atuam os órgãos clássicos do Estado: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e outros órgãos auxiliares. Finalmente, completando esse nível oficial de poder e com a mesma visibilidade, há o conjunto de todos aqueles que militam nos partidos políticos.

Para a opinião pública e os observadores menos atentos, todo o poder político concentra-se aí.

É preciso uma boa acuidade visual para enxergar, por trás dessa fachada brilhante, um segundo nível de poder, que na realidade quase sempre suplanta o primeiro. É o grupo formado pelo grande empresariado: financeiro, industrial, comercial, de serviços e do agronegócio.

No exercício desse poder dominante (embora sempre oculto), o grande empresariado conta com alguns aliados históricos, como a corporação militar e a classe média superior. Esta, aliás, tem cada vez mais sua visão de mundo moldada pela televisão, o rádio e a grande imprensa, os quais estão, desde há muito, sob o controle de um oligopólio empresarial. Ora, a opinião – autêntica ou fabricada – da classe média conservadora sempre influenciou poderosamente a mentalidade da grande maioria dos membros do nosso Poder Judiciário.

Tentemos, agora, compreender o rumoroso caso do “mensalão”.

Ele nasceu, alimentou-se e chegou ao auge exclusivamente no nível do poder político oficial. A maioria absoluta dos réus integrava o mesmo partido político; por sinal, aquele que está no poder federal há quase dez anos. Esse partido surgiu, e permaneceu durante alguns poucos anos, como uma agremiação política de defesa dos trabalhadores contra o empresariado. Depois, em grande parte por iniciativa e sob a direção de José Dirceu, foi aos poucos procurando amancebar-se com os homens de negócio.

Os grandes empresários permaneceram aparentemente alheios ao debate do “mensalão”, embora fazendo força nos bastidores para uma condenação exemplar de todos os acusados. Essa manobra tática, como em tantas outras ocasiões, teve por objetivo desviar a atenção geral sobre a Grande Corrupção da máquina estatal, por eles, empresários, mantida constantemente em atividade magistralmente desde Pedro Álvares Cabral.

Quanto à classe média conservadora, cujas opiniões influenciam grandemente os magistrados, não foi preciso grande esforço dos meios de comunicação de massa para nela suscitar a fúria punitiva dos políticos corruptos, e para saudar o relator do processo do “mensalão” como herói nacional. É que os integrantes dessa classe, muito embora nem sempre procedam de modo honesto em suas relações com as autoridades – bastando citar a compra de facilidades na obtenção de licenças de toda sorte, com ou sem despachante; ou a não-declaração de rendimentos ao Fisco –, sempre esteve convencida de que a desonestidade pecuniária dos políticos é muito pior para o povo do que a exploração empresarial dos trabalhadores e dos consumidores.

E o Judiciário nisso tudo?
Sabe-se, tradicionalmente, que nesta terra somente são condenados os 3 Ps: pretos, pobres e prostitutas. Agora, ao que parece, estas últimas (sobretudo na high society) passaram a ser substituídas pelos políticos, de modo a conservar o mesmo sistema de letra inicial.

Pouco se indaga, porém, sobre a razão pela qual um “mensalão” anterior ao do PT, e que serviu de inspiração para este, orquestrado em outro partido político (por coincidência, seu atual opositor ferrenho), ainda não tenha sido julgado, nem parece que irá sê-lo às vésperas das próximas eleições. Da mesma forma, não causou comoção, à época, o fato de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse sido publicamente acusado de haver comprado a aprovação da sua reeleição no Congresso por emenda constitucional, e a digna Procuradoria-Geral da República permanecesse muda e quieta.

Tampouco houve o menor esboço de revolta popular diante da criminosa façanha de privatização de empresas estatais, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. As poucas ações intentadas contra esse gravíssimo atentado ao patrimônio nacional, em particular a ação popular visando a anular a venda da Vale do Rio Doce na bacia das almas, jamais chegaram a ser julgadas definitivamente pelo Poder Judiciário.

Mas aí vem a pergunta indiscreta: – E os grandes empresários? Bem, estes parecem merecer especial desvelo por parte dos magistrados.

Ainda recentemente, a condenação em primeira instância por vários crimes econômicos de um desses privilegiados, provocou o imediato afastamento do Chefe da Polícia Federal, e a concessão de habeas-corpus diretamente pelo presidente do Supremo Tribunal, saltando por cima de todas as instâncias intermediárias.

Estranho também, para dizer o mínimo, o caso do ex-presidente Fernando Collor. Seu impeachment foi decidido por “atentado à dignidade do cargo” (entenda-se, a organização de uma empresa de corrupção pelo seu fac-totum, Paulo Cezar Farias). Alguns “contribuintes” para a caixinha presidencial, entrevistados na televisão, declararam candidamente terem sido constrangidos a pagar, para obter decisões governamentais que estimavam lícitas, em seu favor. E o Supremo Tribunal Federal, aí sim, chamado a decidir, não vislumbrou crime algum no episódio.

Vou mais além. Alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao votarem no processo do “mensalão”, declararam que os crimes aí denunciados eram “gravíssimos”. Ora, os mesmos Ministros que assim se pronunciaram, chamados a votar no processo da lei de anistia, não consideraram como dotados da mesma gravidade os crimes de terrorismo praticados pelos agentes da repressão, durante o regime empresarial-militar: a saber, a sistemática tortura de presos políticos, muitas vezes até à morte, ou a execução sumária de opositores ao regime, com o esquartejamento e a ocultação dos cadáveres.

Com efeito, ao julgar em abril de 2010 a ação intentada pelo Conselho Federal da OAB, para que fosse reinterpretada, à luz da nova Constituição e do sistema internacional de direitos humanos, a lei de anistia de 1979, o mesmo Supremo Tribunal, por ampla maioria, decidiu que fora válido aquele apagamento dos crimes de terrorismo de Estado, estabelecido como condição para que a corporação militar abrisse mão do poder supremo. O severíssimo relator do “mensalão”, alegando doença, não compareceu às duas sessões de julgamento.

Pois bem, foi preciso, para vergonha nossa, que alguns meses depois a Corte Interamericana de Direitos Humanos reabrisse a discussão sobre a matéria, e julgasse insustentável essa decisão do nosso mais alto tribunal.

Na verdade, o que poucos entendem – mesmo no meio jurídico – é que o julgamento de casos com importante componente político ou religioso não se faz por meio do puro silogismo jurídico tradicional: a interpretação das normas jurídicas pertinentes ao caso, como premissa maior; o exame dos fatos, como premissa menor, seguindo logicamente a conclusão.

O procedimento mental costuma ser bem outro. De imediato, em casos que tais, salvo raras e honrosas exceções, os juízes fazem interiormente um pré-julgamento, em função de sua mentalidade própria ou visão de mundo; vale dizer, de suas preferências valorativas, crenças, opiniões, ou até mesmo preconceitos. É só num segundo momento, por razões de protocolo, que entra em jogo o raciocínio jurídico-formal. E aí, quando se trata de um colegiado julgador, a discussão do caso pelos seus integrantes costuma assumir toda a confusão de um diálogo de surdos.

Foi o que sucedeu no julgamento do “mensalão”.
 
Carta Maior

sábado, 13 de outubro de 2012

Depois do show de fogos, pode vir a ressaca


A crise na Síria e a política da Turquia


 
 
Turquia Síria conflito fronteira rebeldes curdos
 

O início de outubro foi marcado por nova espiral de contraposição na Síria.


Após recuperar do ataque inesperado dos combatentes da oposição em duas grandes cidades do país Damasco e Aleppo em julho, as forças governamentais começaram a vencer seus adversários em todo o país. Em algumas regiões, por exemplo, na capital, isto ocorre com mais êxito. Mas em Aleppo e nas províncias do norte, o exército sírio tem sérias dificuldades.
Os combates no norte têm sido especialmente violentos. Além disso, um poderoso fator que contêm os esforços das tropas fiéis a Assad é a Turquia. No território turco encontraram asilo muitos refugiados, entre os quais há civis e adversários armados do líder sírio. Através da fronteira turco-síria passa uma torrente ininterrupta de armas para as forças oposicionistas.
Ancara, aproveitando-se do incidente trágico na região de Akçacale, passou para a táctica de desfechar ataques de artilharia contra as posições das tropas sírias perto da fronteira. A morte de cidadãos turcos formalmente dá à Turquia o direito a tal reação, apesar de Damasco ter admitido oficialmente a culpa e pedido desculpas. Entretanto, deve-se reconhecer que, dando apoio à oposição armada, a Turquia é responsável pela escalada da violência na Síria e suas consequências (inclusive os incidentes com projéteis).
A análise da situação mostra que Ancara não quer combater com a Síria. Se a direção política turca tivesse a intenção de se envolver no conflito armado, ela o teria feito em 22 de junho, quando a defesa anti-aérea síria abateu um avião-espião da Força Aérea da Turquia. Por enquanto, nem mesmo se trata das chamadas operações trans-fronteiriçasa, permissão para as quais foi dada pelo parlamento turco.
Até mesmo o incidente com o sequestro do avião sírio, que realizava um voo de Moscou a Damasco não pode ser classificado como bloqueio aéreo da Síria. Sua introdução seria de fato declaração de guerra. O mais provável é que a Turquia simplesmente queira aumentar a pressão sobre Damasco, inclusive psicológica.
Provavelmente, Ancara por enquanto é contida por algumas circunstâncias.Em primeiro lugar não está clara a posição dos EUA. É pouco provável que Washington se decida a envolver-se no conflito armado no Oriente Médio antes das eleições presidenciais de novembro. Ora, sem o apoio americano a Turquia não começará operações de combate de envergadura contra a Síria.
Em segundo lugar, é muito difícil para a Turquia agora definir sua linha estratégica se não for envolvida no conflito militar direto com Damasco. O preço da vitória militar não será pequeno e o resultado é duvidoso. Pois, a julgar pelas ações da oposição armada, em suas fileiras há muitos elementos radicais, que podem transformar por muito tempo a região em barril de pólvora, sendo que os dividendos para Ancara serão muito duvidosos.
Finalmente, a Turquia é obrigada a considerar a posição do Irã. Teerã já declarou que não ficará de fora em caso de ataque militar contra a Síria. A direção iraniana, não sem fundamentos, supõe que o próximo da fila será justamente o Irã. Por isso envida todos os esforços para apoiar Bashar al-Assad.
A Síria e o Irã já acionaram no mínimo uma alavanca de pressão sobre a Turquia – a curda. Damasco praticamente concedeu ampla autonomia às suas províncias curdas. Desse modo, no mapa do Oriente Médio, além do Curdistão iraquiano autônomo, pode surgir perfeitamente o Curdistão sírio.
Na própria Turquia agravou-se bruscamente a contraposição entre o exército turco e os grupos armados curdos. Por enquanto, não há quaisquer fatos que indiquem diretamente que a Síria ou o Irã estão por trás disto. O mais provável é que os líderes dos curdos turcos estejam a reagir à situação geral na região, supondo que em breve pode surgir o momento propício para atingir seus objetivos.
Nestas condições, é muito duvidoso que a Turquia queira uma guerra com a Síria, pelo menos neste momento. Mas a situação pode mudar já em um futuro próximo. O jogo em torno de Damasco, no qual está envolvida uma série de atores com grandes ambições geopolíticas, está longe de terminar.
 
ruvr.ru
 
 

O STF escreve página de vergonha e arbítrio

 

   
Ministros do STF julgam a Ação Penal 470

Por Breno Altman – A bem da verdade, alguns dos magistrados foram coerentes com sua trajetória. Atiraram-se avidamente à chance de criminalizar dirigentes de esquerda e prestar bons serviços aos setores que representam.

O voto de Gilmar Mendes, por exemplo, transbordava de revanchismo contra o Partido dos Trabalhadores. O ministro Marco Aurélio de Mello, o mesmo que já havia dito, em entrevista, que considerava o golpe de 1964 como um “mal necessário”, seguiu pelo mesmo caminho. Mandaram às favas a análise concreta das provas e testemunhos. Apegaram-se às declarações de Roberto Jefferson para fabricar discurso de rancor ideológico, ainda que disfarçado por filigranas jurídicas.

Outros juízes, porém, simplesmente abaixaram a cabeça, acovardados. Balbuciavam convicções sem fatos ou argumentos dignos. A ministra Carmen Lúcia não listou uma única evidência firme contra José Dirceu ou Genoíno, contentando-se com ilações que invertem o ônus da prova. Foi pelo mesmo caminho de Rosa Weber, sempre pontificando sobre a “elasticidade das provas” em julgamentos desse naipe.

O papel nobre e honroso de resistência à chacina judicial coube ao ministro Lewandovski, o único a se ater com rigor aos autos, esmiuçando tanto os elementos acusatórios quanto as contraposições da defesa. Teve a companhia claudicante de Dias Toffoli, sempre apresentado pela velha mídia como “ex-advogado do PT”, sem que o mesmo tratamento fosse conferido a Mendes, notório áulico tucano.

Assistimos a um julgamento político e de exceção. Um aleijão que fere os princípios constitucionais e contamina as instituições democráticas. O processo está sendo presidido por teorias que possam levar ao objetivo pré-concebido, em marcha batida na qual são atropeladas seculares garantias civis.

A existência da compra de votos dos parlamentares é reconhecida sem que haja qualquer prova factual ou testemunhal. A transferência de recursos financeiros entre partidos passa automaticamente a ser considerada corrupção passiva, mesmo que não haja ato de ofício ou compromisso ilícito, renegando a jurisprudência da corte e abrindo as portas para toda sorte de subjetivismo.

Quadros de partido e governo são condenados porque a função que exercem traz em seu bojo a responsabilidade penal por supostos atos de seus subordinados ou até por aqueles sobre os quais teriam ascendência não-funcional. Em nome dessa doutrina, denominada “domínio do fato”, a presunção de inocência é fuzilada. Cabe ao réu comprovar que não teria como desconhecer o fato eventualmente delituoso.

Essa coleção de barbaridades e ofensas à Constituição ontem levou à condenação, por corrupção ativa, de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Dos três, apenas o ex-tesoureiro petista esteva vinculado a situações materiais, mas sem que houvesse qualquer elemento comprobatório de ação corruptora. Arrecadou e transferiu irregularmente fundos para os partidos, e desse procedimento é réu confesso, mas não houve registro fático que ele algo tivesse comprado que tivesse sido posto à venda pelos parlamentares denunciados.

Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu a emenda da reeleição, o deputado Ronivon Santiago, então no PFL do Acre, confessou ter recebido R$ 200 mil para dar seu voto a favor dessa medida. Aqui temos valor, fato e prova mediante confissão – aliás, de um crime que o STF jamais se dispôs a julgar. Nada disso, no entanto, apareceu na ação penal 470. Apenas ilações e conjecturas a partir de mecanismos anormais de financiamento partidário ou eleitoral.

Mas o caso de Dirceu e Genoíno é ainda pior. Não aparecem na cena de qualquer crime, delito ou contravenção. A suposta prova contra o ex-guerrilheiro do Araguaia é um contrato de empréstimo contabilizado e quitado, cujas verbas não constam das transações interpartidárias, como bem demonstrou o ministro Lewandovski. Foi condenado porque a ele se aplicou a lógica de exceção: se era presidente do PT, não tinha como ser inocente das denúncias formuladas.

A condenação do ex-chefe da Casa Civil, por sua vez, apresenta-se como a maior das brutalidades legais cometidas. Salvo acusações do condenado Roberto Jefferson, não há contra si qualquer testemunho ou evidência. Ao contrário: dezenas de depoimentos juramentados corroboram sua inocência, formando verdadeira contra-prova. Mas a maioria dos ministros sequer se deu ao trabalho de citá-los ou analisá-los.

Ambos, Dirceu e Genoíno, tiveram seus direitos degolados para que os interesses mobilizadores do processo se consumassem. Há sete anos as forças conservadoras e seu partido midiático fizeram do chamado “mensalão” o centro da estratégia para enfrentar a liderança crescente do PT e do presidente Lula, de vitalidade reconfirmada em seguidas eleições, incluindo a do último domingo. Condenar os dois dirigentes era marco imprescindível dessa escalada.

O STF, acossado pela mídia corporativa, além de aviltado pelo reacionarismo e a covardia, prestou-se a um triste papel, escrevendo página de vergonha e arbítrio em sua história. De instituição responsável pela salvaguarda constitucional, abriu-se para ser o teatro onde se encena a reinvenção da direita. Quem viver, verá.

Breno Altman é diretor editorial do sítio Opera Mundi e da revista Samuel.

Correio do Brasil

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O julgamento que não terminará




 

O processo judicial em curso, pela massiva campanha condenatória que o precedeu, tornou-se um processo político e altamente politizado. Foi anulado o significado pedagógico e moral, que ele poderia ter para o futuro democrático do país, se o princípio da presunção da inocência fosse observado e o espírito de linchamento não tivesse sido disseminado, como foi. Não se trata de “defender” Genoino e Dirceu. Trata-se de avaliar como chegamos a uma situação que lembra a hipotética ou real manchete de um jornal soviético, na era stalinista: “Hoje serão julgados e condenados os assassinos de Kirov.”


O “teste” da importância da Constituição na vida de um povo é tanto político, como jurídico. O teste mais forte, no entanto, sempre faz o “político” e o “jurídico” convergirem para o que grandes juristas designam como “força normativa da Constituição”. Esta força normativa é a síntese entre a “Constituição real” (pela qual o direito realiza-se orientado não somente pela lei, mas também pela força do dinheiro, da cultura, da possibilidade que os grupos e classes tem de influenciar os tribunais), e a “Constituição formal”, ou seja, com aquelas influências limitadas no disposto como direito positivo, declarado pelo poder constituinte.

A demarcação da “Raposa Serra do Sol” e o debate que ficou conhecido como “revisão da Lei da Anistia” (a mídia propagou errônea e deliberadamente que pretendíamos a “revisão” da Lei e não a sua “interpretação”), foram dois destes casos. Ambos poderiam ser decididos livre e coerentemente, na sistemática legal atual, para qualquer lado: poder-se-ia decidir que o território era contínuo e assim beneficiar as comunidades indígenas (que foi a decisão do STF), ou dizer que o território indígena deveria ser descontínuo e segmentado e, desta forma, beneficiar-se-ia os que ali se localizavam de boa fé, cometendo crimes ambientais e ocupando terras da União.

Tanto no primeiro como no segundo caso, dois valores se opunham. No caso “Raposa” o direito imemorial dos indígenas, de um lado e, de outro, a posse de boa fé, das famílias instaladas para produzir para o mercado e para a sua subsistência. No segundo caso (“Anistia para os torturadores”), dois valores também estavam claramente em oposição: o respeito pleno, integral e imprescritível aos direitos humanos, por qualquer estado em qualquer circunstância, de um lado e, de outro, um suposto contrato político na transição. Este contrato, segundo o caminho então tomado pelo Supremo, permitira - “legalmente” - que os promotores ou, no mínimo, os coniventes com as torturas, pudessem “contratar” a anistia para os que torturaram e mataram nos cárceres do estado. E o fizeram contra custodiados indefesos, fora do cenário da luta revolucionária, na qual estes já estavam militarmente derrotados.

A dupla e às vezes múltipla possibilidade de interpretação de um dispositivo constitucional gera oportunidades de escolha do intérprete, a partir de valores que estão pré-supostos na sua história individual e social. Nos casos de grande repercussão sobre os “fundamentos do estado de direito” (igualdade perante a lei e inviolabilidade dos direitos), estas escolhas são sempre de natureza política e balizadas pelas grandes questões históricas que o país enfrenta. Vejamos um caso interessante e muito apropriado, para se refletir sobre o que está acontecendo no país com o chamado julgamento do “mensalão”.

É um caso de direitos civis, famoso na jurisprudência da Suprema Corte Americana (109 U.S. – 1883), no qual a interpretação da Lei dos Direitos Civis de 1875 - que outorgara o direito dos negros americanos usarem hospedarias, teatros, transportes públicos e outros espaços públicos e privados - opunha dois valores bem nítidos: o sistema federal, em construção dolorosa depois de uma sangrenta guerra civil, de um lado, e, de outro, a dignidade da pessoa humana sustentada pela Lei dos Direitos Civis. Principalmente no sul do país, com a reação dos remanescentes racistas e escravagistas - cuja força política persistiu até a década de 60 do século XX - vários estados se negavam à aplicação da Lei dos Direitos Civis e se amparavam no “pacto federativo”, cujas cláusulas permitiriam a independência “interpretativa” sobre o alcance das referidas normas de proteção dos direitos civis.

Nesta atmosfera tensa, a Suprema Corte sentenciou que a 14ª. Emenda não havia dado um mandato claro ao Congresso para “proteger” os direitos civis, “senão o poder para corrigir os abusos dos Estados”. Esta decisão, que diferencia “proteção”, de “correção de abusos”, no caso concreto - das polícias, dos brancos e dos governos - contra os negros, mostra a brutal distinção na aplicação da lei e da Constituição, que pode se originar dos valores que orientam a interpretação de um Tribunal.

O Juiz Bradley - relator do processo - escolheu a visão da processualidade que, segundo ele, estaria contida na 14ª Emenda, pois estava convicto que deveria ocorrer “algum estágio” na transição do ser humano, de ‘coisa’ (o negro), para que todos chegassem à condição do ‘ser humano’ (branco), estatuto reservado para parte da população naqueles estados. O Juiz Harlan, que divergiu, denunciou a trama interpretativa: “Não posso resistir à conclusão que a substância e o espírito da recente Emenda à Constituição tem sido sacrificados pela crítica verbal, hábil e engenhosa”.

O valor “federalismo”, naquele caso concreto, foi escolhido para fundamentar uma decisão racista, “atenuando” os efeitos da 14ª Emenda, que respaldara abertamente os direitos civis e sintetizara uma “revolução democrática”, em curso na nação americana.

O Ministro Celso Mello (Relator da Extradição 633-9, República Popular da China - Pleno - DJ 16.02.01-unânime) já passou por situação análoga, na qual negou a extradição de cidadão chinês, acusado de crimes graves naquele país, porque ali os Tribunais “não levam em consideração os argumentos da defesa, nem consagram o princípio da presunção da inocência”. Neste julgamento o Ministro Celso Mello optou claramente - na escolha entre valores que se apresentam em cada processo concreto - por um valor fundante do Direito Penal, nas sociedades democráticas: “a presunção da inocência”. Ou seja, entre o valor “aplicação correta e formal do direito interno chinês”, de um lado (que seria uma das possibilidades para dar legitimidade à extradição) e, de outro lado, o valor “princípio da presunção da inocência” (que serviria para negar a extradição) o princípio da “presunção da inocência” teve o peso decisivo.

O Ministro Lewandowsky, que escolheu o princípio da presunção da inocência e o fundamentou, nos casos de Genoino e Dirceu, tem sido hostilizado, não só na imprensa como em alguns lugares públicos. O ministro Joaquim Barbosa, guindado à condição de herói nacional pela revista Veja, tem sido aplaudido e incensado pela imprensa em lugares públicos. Conhecendo e respeitando a integridade de ambos, imagino que mesmo em situações - que são meramente conjunturais - diferentes, devem estar se perguntando porquê tudo isso. Ambos cumpriram os seus deveres como Ministros da Corte mais alta da República, mas recebem reações diferenças, na sociedade e na imprensa. Não pende, sobre nenhum dos dois, qualquer mancha moral e ninguém duvida dos seus conhecimentos e da sua capacidade como juristas, mas eles tem um tratamento jornalístico e social desigual. Por quê?

Quero opinar um pouco sobre isso, porque creio estarmos num momento importante da vida democrática nacional. E a minha opinião não é sobre fatos e condutas, que determinaram o processo judicial em julgamento, porque, a não ser a respeito de Genoino, de quem fui amigo pessoal por décadas (poderia depor a respeito da sua integridade moral e sua honestidade e sobre a convicção de que não teve nenhuma conduta dolosa), não convivi, não conheço a personalidade, a vida pessoal e mesmo política de maneira suficiente, de nenhum dos outros réus. Sobre José Dirceu e os demais réus, não posso ter juízo “jurídico” sobre os fatos que ensejaram a ação penal, mas posso afirmar, também sobre José Dirceu -que é a personalidade mais forte do julgamento - que certamente foi condenado sem obediência ao princípio da presunção da inocência.

O processo judicial em curso, pela massiva campanha condenatória que precedeu o julgamento, tornou-se um processo político e altamente politizado. Foi anulado dramaticamente o significado pedagógico e moral, que ele poderia ter para o futuro democrático do país, se o princípio da presunção da inocência fosse observado e o espírito de linchamento não tivesse sido disseminado, como foi. Não se trata, em conseqüência, de “defender” - como foi inculcado no senso comum - Genoino e Dirceu. Ou de atacar, tal ou qual grupo de comunicação, ou mesmo de discutir os argumentos do Procurador Geral ou da defesa dos réus, por dentro do processo: o verdadeiro julgamento foi no paralelo político.

Trata-se, portanto, de avaliar como chegamos - em plena democracia política - a uma situação que lembra a hipotética ou real manchete de um jornal soviético, na era stalinista: “Hoje serão julgados e condenados os assassinos de Kirov.” Lewandowky e Joaquim Barbosa estão sendo eventualmente recebidos de maneira diferente, nos lugares que freqüentam, pelos mesmo motivos: os réus já tinham sido julgados. Um, pelas suas convicções, disse que a sentença midiática estava -vejam bem- apenas parcialmente errada. Outro, pelas suas convicções, disse que ela estava totalmente certa. O julgamento judicial foi um julgamento político e a síntese, que resultou do embate entre valores pré-supostos na interpretação, foi doce para a direita política irracional que dominou a mídia, mas amarga para a esquerda que vem governando o país dentro da democracia.

O embate de valores, que ocorreu neste julgamento, é exemplar para a reforma democrática que nos desafia de imediato, foi o seguinte: de um lado o “princípio da presunção da inocência” e, de outro, o controle “unilateral da formação da opinião”, que, ao não conseguir provas suficientes para condenação, enquadrou o senso comum e o próprio Supremo, na certeza de que o julgamento é feito antes e “por fora” dos Tribunais. E, assim, serão incensados os que aceitarem este controle e serão amaldiçoados os que se rebelarem contra ele.

Talvez este julgamento tenha uma virtude: sirva para coesionar um campo democrático amplo, para atacar a principal chaga da democracia brasileira, que é o sistema político atual, fundado no financiamento privado das campanhas e nas alianças regionais sem princípio. Se não atentarmos para isso, rapidamente, merecemos este julgamento, no qual a presunção da inocência foi sacrificada no altar da “teoria do domínio funcional dos fatos”.

Na verdade, como o julgamento foi principalmente político, embora dentro de todos os parâmetros da legalidade constitucional, ele não terminará em breve. Vai continuar. E o principal erro que poderemos cometer será utilizar esta jurisprudência contra os adversários da revolução democrática em curso, desejando e propagando que eles devem ser condenados sem provas, com linchamentos prévios pela mídia. Aliás, isto é impossível, porque eles é que tem o domínio funcional dos fatos através da grande mídia.

Carta Maior