Um dos mitos mais repetidos pela nova extrema-direita é que o nazi-fascismo seria “esquerdista”. Com base no que dizem isso?
Se você perguntar, dirão que é porque o nazi-fascismo teria supostamente aprofundado a intervenção do Estado na economia. Alguns dirão que a ditadura nazi-fascista combateu os “capitalistas judeus” e até citarão uma frase de origem duvidosa. E o mais repetido, dirão que o partido hitlerista tinha o termo “nacionalsocialista” em seu nome.
Nomes de partidos
Qualquer um que acompanhe a política partidária-eleitoral brasileira adquirirá uma convicção firme: o nome do partido tem pouco ou nada a ver com o conteúdo das suas práticas. Termos como “nacional”, “democrático”, “popular”, “progressista” ou “social” são tão banalizados e usados por partidos tão diferentes (ou excessivamente iguais) entre si que perderam o sentido.
O partido de Hitler era o NSDAP – “NazionalSozialitisch Deutsche Arbeiter Partei” (Partido Nacionalsocialista Operário Alemão). O “NazionalSozialismus” era abreviado como “Nazismus” e considerado a versão alemã do nazi-fascismo. Na Espanha os fascistas se chamavam “falangistas”, na Croácia “ustaches”, na Romência, “guardas-de-ferro”, no Brasil “integralistas”, e na Itália, “fascistas”.
A ideologia nazi-fascista era um amalgama de racismo, machismo, conservadorismo, militarismo, anti-semitismo, anti-marxismo e expansionismo. A organização partidária de Hitler recebeu forte apoio financeiro e político dos principais capitalistas alemães, com exceção daqueles que origem judaica.
Frases
Não é muito difícil atribuir uma frase a alguém: basta criar uma frase e dizer que fulano de tal a disse. Uma pessoa viva pode te acusar de difamação e calúnia se você fizer isso. Quando você faz o mesmo em relação a uma figura histórica, é importante ter provas.
Os reacionários adoram criar memes estúpidos atribuindo supostas frases anticapitalistas a Adolf Hitler. Em geral, sem fonte alguma, mas muito raramente, algumas frases citadas tem fontes duvidosas. Por mim, prefiro uma base mais sólida, então recorro a um livro que Hitler publicou em vida e que não é difícil de achar na internet, o “Mein Kampf” (Minha Luta).
A quem tiver estômago para os delírios de Hitler, pode conferir um conjunto de frases sobre o marxismo aqui. Citarei um trecho, que evidencia a extrema naturalização das desigualdades sociais e o anti-igualitarismo do discurso hitlerista:
”A doutrina judaica do marxismo repele o princípio aristocrático na natureza. Contra o privilégio eterno do poder e da força do indivíduo levanta o poder das massas e o peso-morto do número. Nega o valor do indivíduo, combate a importância das nacionalidades e das raças, anulando assim na humanidade a razão de sua existência e de sua cultura. Por essa maneira de encarar o universo, conduziria a humanidade a abandonar qualquer noção de ordem. E como nesse grande organismo, só o caos poderia resultar da aplicação desses princípios, a ruína seria o desfecho final para todos os habitantes da terra.”
Judeus e capitalismo
Um típico mito anti-semita é a associação entre judeus e capitalismo. Segundo essa maluquice, os judeus seriam riquíssimos capitalistas, e vice-versa, com algumas poucas exceções. Os judeus conseguiriam essa riqueza por meio de alguma conspiração mundial, ou usariam essa riqueza em alguma conspiração mundial, tudo muito malvado e conspiratório. Perfeito para você ter um culpado universal para as suas frustrações pessoais, sem precisar ser um “revoltado contra ‘o sistema’”. Não existiriam crises cíclicas, luta de classes, guerras imperialistas… tudo não passaria de uma conspiração judaica.
É claro que se trata de uma argumentação paranoica e sem fundamento empírico. O capitalismo não tem necessariamente conteúdo étnico: existem capitalistas de todas as etnias. O único lugar onde quase todos os capitalistas são judeus é Israel, por razões óbvias. Em outros países do mundo, os judeus são minoria na população e também entre membros da burguesia.
De fato, a ditadura nazi-fascista expropriou os bancos e as grandes empresas pertencentes a judeus, apenas para entregá-los para os capitalistas de suposta pureza racial alemã. Foi uma esperteza de grupos empresariais apoiar o nazi-fascismo para poder se apropriar dos bens dos capitalistas de origem judaica.
A relação do nazi-fascismo com a esquerda e com a direita
Não é muito difícil descobrir qual era a opinião de Hitler sobre a esquerda, que na República de Weimer era representada principalmente pelos socialdemocratas, comunistas e anarquistas. Hitler os considerava tão inimigos quanto os judeus, um mal absoluto, integrantes de alguma grande conspiração maléfica para destruir a pureza racial e moral da nação.
Já a direita tradicional alemã não era alvo de tanta hostilidade. Na verdade, essa direita tradicional se aliou aos nazi-fascistas em 1933 para formar um governo de coalizão chefiado por Hitler, que depois também conseguiu dos seus aliados a autorização para decretar o estado de sítio (encerrado apenas após a morte do ditador).
Depois disso, não foi difícil para Hitler usar o poder absoluto que a burguesia e a direita lhe concederam para aniquilar os seus inimigos políticos com prisões, tribunais de exceção, torturas, campos de concentração e execução sumária. Sobrou até para um grupo dentro do seu próprio partido, mas sem dúvida alguma os alvos principais foram os partidos de esquerda e sindicatos de trabalhadores.
A política econômica do regime nazi-fascista
Uma das alegações falaciosas sobre o suposto “esquerdismo” de Hitler seria a sua política econômica. Segundo um certo discurso neoliberal, a direita prega “menos intervenção” e a esquerda “mais intervenção”. É uma oposição simplista e maniqueísta, que ignora a luta da esquerda por igualdade social em oposição à naturalização das desigualdades sociais promovida pela direita.
A política econômica nazi-fascista nada tinha de socializante. Eram medidas anti-crise e militaristas, suspendendo o pagamento da dívida externa que sufocava o Estado, regulamentando mercados e ampliando gastos públicos para proteger e garantir a expansão dos negócios privados, priorizando acima de tudo o investimento militar.
Um fato pouco conhecido é que a ditadura hitlerista implantou o primeiro programa de privatização massiva de empresas estatais e serviços públicos da história. Pode-se dizer, portanto, o governo nazi-fascista se destacou por ser mais economicamente liberal que outros da mesma época. A adoção de medidas “keyneseanas” foi uma decisão pragmática diante da crise, e não uma opção ideológica dos nazi-fascistas.
Por que a extrema-direita insiste nessa mentira?
Alguns direitistas preferem saídas retóricas como “todo extremismo é mau” para se referir ao nazi-fascismo, sem negar que tenha sido um movimento político de direita. Outros direitistas simpatizam abertamente com o nazi-fascismo e tentam convencer os outros que não existiram campos de extermínio onde opositores e minorias eram torturados, escravizados e exterminados em escala industrial, apesar de estes fatos já estarem amplamente comprovados por uma grande massa de documentos e testemunhos.
Existem aqueles direitistas que tentam jogar o nazi-fascismo no colo da esquerda, com as falácias que foram desmentidas acima, sem grandes dificuldades. Eu pessoalmente acredito que é pura e simples propaganda. A direita tenta demonizar a esquerda como um mal absoluto, e heroicizar a direita como salvadora da pátria.
Não deixa de ser irônico que essa “nova direita” neoconservadora e neoliberal que faz essa propaganda enganosa tenha muitas ideias em comum com os nazi-fascistas: o antimarxismo, a paranoia conspiratória, o militarismo, o policialesco, o racismo/xenofobia, o machismo/homofobia, o conservadorismo religioso, a sacralização da propriedade privada e a defesa da supremacia nórdica-ocidental. Não é muito difícil perceber que o “meritocratismo” da nova velha direita é um eufemismo para o darwinismo social.

Publicado no Blog: Desnentindo os reacionários