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sábado, 1 de fevereiro de 2014

AP 470: ‘O próprio julgamento era a armadilha’

Publicado no Coreio do Beasil
Por Cristiana Castro
Todo o julgamento do 'mensalão' já havia sido planejado
Todo o julgamento do ‘mensalão’ já havia sido planejado

Comentei sobre essa coisa de tratar a “mais que prevaricação” dos magistrados como mero “cerceamento de defesa”, mas não quis usar o termo prevaricação ou crime no comentário. Disse apenas que o que os magistrados fizeram está para muito além do cerceamento de defesa, puro e simples. Joaquim Barbosa declara para quem quiser ouvir que em 2006 o Ministério Público Federal (MPF) solicita que, a partir daquele momento, tudo o que for produzido pelas investigações faça parte de outro inquérito; em outras palavras, o que eu tenho aqui já dá para denunciar quem eu quero (não quem deve ser denunciado) e os documentos que virão, além de não ajudar, podem atrapalhar.
Nada contra a acusação escolher suas provas, desde que a defesa também o faça.
O que não se aceita é o magistrado permitir que o Ministério Público (MP) escolha o que convém à acusação e depois decretar sigilo eliminando as chances da defesa. O que os ministros fizeram foi participar de um esquema para condenar pessoas a qualquer custo, desde o início. Quando a Ação Penal (AP) 470 entra em pauta, já estava decidida. E o desmembramento seria um desafio pois essa AP se sustenta somente em bloco; não só a denúncia como os próprios votos dos ministros.
Qualquer um que saia desmonta tudo. E que entre também. Não por acaso, quando no primeiro dia de julgamento, o revisor acatou o pedido de desmembramento, é acusado pelo relator de “deslealdade”. Ora, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) deve lealdade à Constituição Federal e aos autos e não ao presidente ou relator. Já no primeiro dia, fica evidente que o julgamento era, portanto, uma “questão de honra”.
O que fazem MPF e STF: excluem as pontas do esquema, ou seja, quem abastece e quem se beneficia (Daniel Dantas, Duda Mendonça e empresas de comunicação); escolhem o alvo (núcleo duro do PT) e dão um jeito de trazê-los ao STF (criação da compra de votos, baseada na estrutura de financiamento de campanhas desde 94) e aí entram os parlamentares, lideranças da base aliada que terão o condão de trazer para a única e última instância o núcleo duro do PT.
Daqui em diante, era só ir recheando a denúncia com qualquer pessoa se que pudesse ir unindo um ao outro até chegar aos três, com o cuidado de não “puxar” para a Ap 470 qualquer um que pudesse deixar evidente o reaproveitamento do antigo e único esquema de arrecadação de campanhas, desde a redemocratização exceto, a eleição de Fernando Collor, que foi conduzida, diretamente, pelos meios de comunicação.
A partir daí, todas as demais foram conduzidas, também, pelos meios de comunicação, mas indiretamente, via contratos com agências de publicidade. É aí que entra o Pizzolato e o problema com o 2474; Pizzolato foi pinçado do esquema no BB por ser petista para poder simular a entrada de dinheiro público na AP 470. No entanto, o restate do esquema inteiro, ficou na segunda instância; somente ele subiu. Ora, se a Corte aceitou julgar 37 pessoas sem prerrogativa de foro, qual a razão para deixar os três diretores tucanos (do BB) de fora?
Além do número 40 para efeitos midiáticos, havia a questão do ineditismo. Caso os demais subissem para o STF, a conversa de mensalão-mãe, cairia por terra. E poderíamos ficar aqui dois dias inteiros, falando de ‘mensalão’ mas o ponto é até onde isso tudo pode ser considerado “cerceamento de defesa”. Não vejo como, até porque foi tudo engendrado antes do recebimento da denúncia. Ou seja, o próprio julgamento era a armadilha. Ninguém poderia imaginar que uma denúncia em que o próprio MPF reconhece não ter encontrado provas, pudesse gerar condenações, sobretudo do tamanho destas que vieram.
Logo no início do julgamento, discutíamos nas listas (pela internet) que a defesa deveria ser feita em conjunto; assim como a denúncia e as votações. O sucesso da denúncia foi em função do acordo entre o MPF e STF e o das votações, também, resultado de acordo entre os magistrados.
Ora, obviamente contavam com a defesa individual de cada réu.
E funcionou porque atacaram em bloco, cada réu, isoladamente.
O resultado foi o que vimos; em função do fatiamento, as decisões dos magistrados eram fundamentadas em seus próprios votos anteriores e nunca no que constava dos autos.
E as defesas não tinham o que fazer porque não há como fazer defesa do que não se conhece, ou seja, o voto do ministro, em relação à fatia anterior.
Daqui para frente a defesa de todos os réus tem que ser em bloco; não vai adiantar fazermos o que já fizemos aqui, antes. ‘Ah, mas isso aí é com o réu fulano, deve ser verdade mesmo… ah mas esse réu aí, tem uma fama horrível’… Não interessa. Qualquer deslize agora será compreendido e veiculado como fundamento para o todo. Marcos Valério matou um passarinho… No dia seguinte estará na mídia: ‘a prova de que o ‘mensalão’ existiu… Um cara que faz isso, faz qualquer coisa’…
A partir, de agora, qualquer acusação contra qualquer réu da AP 470, deverá ser solenemente, ignorada ( qualquer um, não só os do núcleo político ), sob pena de colocarmos tudo a perder.
O que aconteceu no julgamento da AP 470 foi qualquer coisa menos cerceamento de defesa.

Cristiana Castro é advogada.

Um comentário:

  1. O pior cego é aquele que se recusa a ver o que todos já viram há muito tempo atrás, pois este julgamento, desde o início, não passou de uma grande farsa com a cobertura da imprensa descompromissada com a verdade só pensando em quantos manipulados poderiam estar do outro lado da telinha em seus canais sintonizados.

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