Translate

quinta-feira, 5 de março de 2015

Grécia: Reflexões sobre a nova situação e os nossos deveres

 Nestes quatro meses, devemos dar passos decisivos que melhorem a nossa posição nos confrontos de amanhã; e estes passos podem ser dados desde que uma grande parte da sociedade estiver determinada a apoiar o governo de salvação social e não apenas esperar. Artigo de Yiannis Bournous, do Secretariado político do Syriza, para o Esquerda.net
Yiannis Bournous: "Nada temos a temer enquanto continuarmos a dirigir-nos ao povo grego com sinceridade". Foto de Paulete Matos

Yiannis Bournous: "Nada temos a temer enquanto continuarmos a dirigir-nos ao povo grego com sinceridade". Foto de Paulete Matos
Aprende a nadar companheiro
Que a maré se vai levantar
Que a liberdade está a passar por aqui.
(Sérgio Godinho, Maré Alta)
O acordo com o Eurogrupo não conclui a negociação. Nem sequer adia o confronto. Pelo contrário, abre um novo, longo período repleto de duros choques tanto dentro quanto fora do nosso país; choques que nunca ocorreram antes, já que os anteriores governos pró-austeridade não só concordaram em todos os pontos com a troika e a liderança da UE, como também, em muitos casos, os ultrapassaram mesmo em termos de severidade das medidas de austeridade que elaboraram e aplicaram.
O objetivo principal da elite neoliberal europeia e dos seus representantes políticos foi – e ainda é – aprisionar o Syriza num contexto que não lhe permita constituir-se numa alternativa real à hegemonia neoliberal. Tentaram e vão continuar a tentar aprisionar o governo grego e o Syriza numa postura claramente defensiva, na qual seríamos forçados a apenas tentar circunscrever os prejuízos, sem termos a capacidade de empreender as nossas próprias iniciativas alternativas.
Todo o contexto da negociação foi formulado pelos nossos oponentes com o propósito de levar o governo ao colapso ou a cair no ridículo. A atitude do governo grego, porém, arruinou os planos deles e desconstruiu a falsa chantagem
Todo o contexto da negociação foi formulado pelos nossos oponentes com o propósito de levar o governo ao colapso ou a cair no ridículo. A atitude do governo grego, porém, arruinou os planos deles e desconstruiu a falsa chantagem posta a circular por círculos gregos e estrangeiros de que, no caso de o lado grego discordar, o nosso país entraria em colapso e seria forçado a sair da Eurozona.
O facto de termos conseguido superar os perigos acima mencionados e ganhar um tempo decisivo é muito importante. Além disso, é também muito importante termos conseguido cancelar todas as dolorosas medidas de austeridade com que o governo anterior se tinha comprometido, ainda antes das eleições, a aplicar.
O governo grego assinou um acordo que reflete substancialmente o facto de que doravante cada passo seguinte será parte do confronto. Este acordo está longe de ser o que todos nós consideraríamos como ideal. Inclui obstáculos e restrições que nos forçam a adiar ou reformular uma parte do nosso programa de governo popular.
Porém, o regresso da política ao primeiro plano do processo europeu e as primeiras ruturas políticas que foram causadas em nível europeu depois da vitória eleitoral do Syriza e a postura global do governo grego de salvação social constituem sinais encorajadores para o próximo período. Esta atitude específica alterou o contexto da discussão em toda a Europa, criando, em paralelo, um grande movimento de solidariedade sem precedentes. O reforço da solidariedade dos povos da Europa é um dever da maior centralidade, na perspetiva do reforço das lutas sociais pan-europeias e da alteração do equilíbrio de poderes na Europa.
A transparência com que o novo governo atuou no processo de negociação constitui outra diferença qualitativa com os governos anteriores da Nova Democracia e do PASOK. Nada temos a temer enquanto continuarmos a dirigir-nos ao povo grego com sinceridade a respeito das possibilidades ou dos problemas existentes.
A principal característica que vai determinar o destino dos próximos estágios do confronto com os nossos oponentes é a capacidade do governo de manter aberta a rutura criada com o domínio total do neoliberalismo. No caso de conseguirmos menores ou maiores vitórias no próximo período, os desenvolvimentos políticos na Europa serão acelerados, já que o dogma TINA terá entrado em colapso. Se também levarmos em consideração o parâmetro das eleições nacionais espanholas em novembro, poderemos facilmente compreender a razão pela qual as forças neoliberais da UE irão escalar a sua ofensiva contra nós.
Assumindo a sua responsabilidade histórica, o governo grego tem de imediato de trabalhar duramente, de forma a evitar qualquer possibilidade de novas medidas de austeridade
Assumindo a sua responsabilidade histórica, o governo grego tem de imediato de trabalhar duramente, de forma a evitar qualquer possibilidade de novas medidas de austeridade e, ao mesmo tempo, para melhorar as finanças públicas, fazendo os ricos pagarem. Um primeiro sinal positivo nesta direção é que os procuradores económicos que investigam a lista de depositantes gregos que transferiram ilegalmente dinheiro para a Suíça e outros bancos estrangeiros, já bloquearam 404 milhões de euros encontrados nas contas bancárias de 17 depositantes. Paralelamente, seremos julgados pelas nossas iniciativas para a democratização do sistema político e da esfera pública, para a guerra contra a corrupção e a resolução da crise humanitária. O governo já apresentou esta semana a sua primeira proposta de lei que inclui o fornecimento gratuito de eletricidade (300 Kwh/mês) aos lares que vivem em condições de extrema pobreza, um subsídio para as rendas de casa (70 euros/pessoa ou 220 euros/família mensais) para 30.000 lares, subsídios para cidadãos que também vivem em condições de extrema pobreza comprarem alimentos.
Nestes quatro meses, devemos dar passos decisivos que melhorem a nossa posição nos confrontos de amanhã; e estes passos podem ser dados desde que uma grande parte da sociedade estiver determinada a apoiar o governo de salvação social e não apenas esperar. A existência desta disponibilidade popular sem precedentes, demonstrada nas primeiras sondagens pós-eleitorais, mas principalmente nas mobilizações sem precedentes a favor dos objetivos do governo, constituem para o nosso partido um elemento fundamental.
Hoje, quando entra em colapso o dogma “são todos iguais” e a política volta a ser a forma de mudar as nossas vidas, o nosso partido deveria maximizar a sua unidade interna, sem que isto queira dizer a supressão da diversidade, mas a sua inclusão na nossa reflexão coletiva e objetivo comum. As críticas e o debate de pontos de vista nos processos decisórios dos corpos partidários de um partido de esquerda multitendências são justos, desde que não destruam a nossa solidariedade interna ou distorçam as nossas decisões oficiais.
O Syriza precisa agora de abrir as suas portas a todos os que desejam lutar coletivamente e sem egoísmos, de forma a recuperar a dignidade
O Syriza precisa agora de abrir as suas portas a todos os que desejam lutar coletivamente e sem egoísmos, de forma a recuperar a dignidade. O nosso planeamento, procedimentos e ações têm de espelhar a nossa determinação de criar o “intelectual coletivo” que irá construir uma nova consciência coletiva na sociedade grega. Uma nova conceção de senso comum, baseada na coletividade, na solidariedade e no preenchimento das necessidades sociais.
Como disse recentemente o presidente do Syriza, a nossa palavra de ordem comum neste novo começo deve ser: menos palavras e mais trabalho.
Yiannis Bournous
Membro do Secretariado político do Syriza e da Executiva do Partido da Esquerda Europeia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário