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terça-feira, 12 de maio de 2015

A força da hegemonia capitalista explica a oposição ao banco dos BRICS


Os BRICS ameaçam a hegemonia norte-americana

Por Valter Pomar*
Carta Capital - Online
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Em artigo publicado recentemente pela Carta Maior, o professor J. C. Assis denunciou que o Banco Central está bloqueando a participação do Brasil no Banco dos BRICS. De fato, por vários motivos entre os quais aqueles expostos no artigo do professor Assis, o Banco Central brasileiro precisa ser nacionalizado e desprivatizado. Enquanto isto não acontecer, “nosso” BC prestará serviços aos interesses privados e internacionais.
Assis considera que o Banco dos BRICS “será a primeira fissura na arquitetura financeira internacional erigida pelos anglo-americanos no pós-guerra”. Convém então compreender quais as características fundamentais da situação internacional, vista de conjunto.
Em primeiro lugar, as relações de produção capitalistas são hegemônicas como nunca antes na história.
Até 1917 o capitalismo enfrentou sociedades pré-capitalistas; depois de 1917 enfrentou a primeira tentativa de construção do socialismo; e, durante todo este período, enfrentou as classes trabalhadoras e também a si mesmo. Mas a partir do desaparecimento da União Soviética, o capitalismo alcançou um grau de hegemonia que não tem precedente histórico; mesmo nos países governados por partidos comunistas há forte presença das relações de produção capitalistas.
Em segundo lugar, o socialismo está na defensiva estratégica.
Durante o século XX, a classe trabalhadora obteve uma série de conquistas econômicas, sociais, políticas, ideológicas e militares. No final do século XX, parte destas conquistas foi perdida. O que ocorre hoje é, num certo sentido, uma tentativa de recuperar o “espaço” anteriormente ocupado.
Em terceiro lugar, há uma profunda crise do capitalismo.
Exatamente porque o socialismo está na defensiva e porque as relações capitalistas estão mais hegemônicas que nunca, o capitalismo vive uma profunda crise. Quanto mais poderoso e hegemônico estiver o capitalismo, mais intensa é sua tendência a produzir crises de todo o tipo: econômicas, sociais, políticas, militares, ambientais etc.
Em quarto lugar, a disputa intercapitalista adquire contornos cada vez mais agressivos.
Com o socialismo na defensiva, com relações de produção capitalistas amplamente hegemônicas, com o capitalismo em crise, as disputas intercapitalistas assumem primeiro plano e tornam-se cada vez mais profundas e agressivas, com os conflitos militares assumindo mais intensidade e importância, como ocorreu entre 1900 e 1945.
Uma quinta característica da situação internacional é o declínio relativo da hegemonia dos Estados Unidos.
Trata-se de declínio, porque os EUA hoje têm menos poder do que tinham, por exemplo, em 1945. Mas trata-se de um declínio relativo, porque os EUA continuam tendo mais poder do que seus oponentes.
Se os Estados Unidos não conseguirem reverter este declínio, em algum momento deixarão de ser potência hegemônica em âmbito global, o que não os impediria de continuar sendo potência hegemônica em âmbito regional.
Mas os EUA também podem manter, durante muito tempo, a condição de potência hegemônica global, mesmo que declinante; assim como podem reverter seu declínio e prolongar sua hegemonia global por ainda mais tempo.
Uma sexta característica da situação internacional é o crescimento da influência regional e/ou global de outros países.
Os BRICS são uma aliança entre países que estão emergindo como polos alternativos de poder.
Trata-se de um processo, de uma tendência que pode ser revertida seja pelas contradições e limitações internas destes “países que ascendem”, seja pelos ataques dos Estados Unidos e aliados dos EUA.
A sétima característica da situação internacional é uma tendência à transição não apenas de potência hegemônica, mas também geopolítica no sentido mais amplo do termo.
Caso se complete o declínio dos EUA e a ascensão dos BRICS, teremos não apenas uma transição de “hegemon”, mas também uma transição mais profunda: pela primeira vez na história do capitalismo, países que não são da Europa Ocidental nem “filhotes” da Europa Ocidental (como é o caso dos EUA) assumirão a liderança em âmbito internacional.
Este contexto de mudanças potenciais tão profundas reforça o que já apontamos antes: a tendência às crises econômicas constantes, aprofundamento dos conflitos sociais, instabilidade política e militar crescente, antagonismos ideológicos e culturais.
A predominância do capitalismo gera crises, a ausência de uma hegemonia clara dificulta a rápida superação destas crises, tendo como resultado o prolongamento, o aprofundamento e o amplo espectro das crises.
Este quadro explica uma oitava característica da situação internacional: a tendência à formação de alianças e blocos de países. No quadro descrito anteriormente, todos os países tendem a uma reação defensiva. Uma das expressões desta reação defensiva é a formação de alianças e blocos de países.
O principal conflito mundial se dá entre dois blocos: de um lado os EUA e seus aliados; de outro lado os países integrantes dos BRICS.
De um lado estão os países que dirigiram o mundo capitalista entre 1945 e 1991 e que venceram a “guerra fria”. De outro lado estão os países que foram periferia do mundo capitalista entre 1945 e 1991 e/ou que foram os perdedores da “guerra fria”.
Caso os EUA derrotem os BRICS, está claro o que aconteceria:
1) menos soberania nacional e mais desigualdade entre os países;
2) menos democracia e mais desigualdade social dentro de cada país.
Mas não está claro o que aconteceria caso os BRICS derrotem os Estados Unidos.
A vitória dos BRICScontra os EUA não garante por si só uma “ordem mundial mais justa”. Para que isto aconteça, será preciso que a classe trabalhadora recupere força nos principais países do mundo.
Por razões similares, os BRICS podem significar uma alternativa ao neoliberalismo (e qual alternativa), a depender de que classe e fração de classe esteja hegemônica no interior dos BRICS.
Independente disto é claro que o apoio dos BRICS (mais precisamente da China e da Rússia) aos países da América Latina e Caribe pode contribuir para enfrentar os altos níveis de dependência frente aos Estados Unidos e seus aliados europeus.
No continente americano, de um lado está o bloco de países que defende uma integração subordinada aos Estados Unidos; de outro lado está o bloco de países que defende a integração autônoma do subcontinente latino-americano (ou seja, sem os Estados Unidos e sem o Canadá). Esquematicamente: Alca versus Celac.
O sucesso da Celac depende da capacidade que os principais países da região tenham de construir um caminho de desenvolvimento autônomo frente aos Estados Unidos. Evidentemente, para isto não basta o apoio dos BRICS. Até porque o problema posto para a América Latina é superar a dependência em geral, não apenas superar a dependência frente aos Estados Unidos e à Europa.
Na América Latina e Caribe, os partidos políticos progressistas e de esquerda adotam diferentes posturas frente aos BRICS.
Há aqueles que consideram os BRICS como uma alternativa global ao imperialismo, ao capitalismo e ao neoliberalismo. De outro lado há quem considere os BRICS outra forma de imperialismo, de capitalismo e de neoliberalismo. Ainda predomina, entretanto, a visão segundo a qual os BRICS cumprem um papel importante no contraponto à hegemonia dos Estados Unidos e podem contribuir para o desenvolvimento autônomo da América Latina.
“Ainda” predomina, porque tanto no Brasil quanto noutros países da região, cresce a influência levítica e temerária. Os ianques agradecem.
*Valter Pomar é professor da UFABC e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

Fonte: PÁTRIA LATINA

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