Como a ascensão dos progressistas Bernie Sanders, nos EUA, e Jeremy Corbyn, no Reino Unido, deixa a mídia à beira de um ataque de nervos. Estudo dos casos inglês e norte-americano
Como a ascensão dos progressistas Bernie Sanders, nos EUA, e Jeremy Corbyn, no Reino Unido, deixa a mídia à beira de um ataque de nervos. Estudo dos casos inglês e norte-americano
Jeremy Corbyn (esq) e Bernie Sanders (dir) (Pragmatismo Político)
A elite política e a mídia britânica perderam pouco a pouco a cabeça, após a eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista – e ainda não parecem capazes de se recuperar.
Nos Estados Unidos, Bernie Sanders é bem menos radical; os dois não estão sequer na mesma constelação política. Mas, especialmente em temas econômicos, Sanders é um crítico mais robusto e sistêmico do que os centros do poder oligárquico julgariam tolerável. Sua denúncia contra o controle da vida política pelas corporações é uma ameaça grave. Por isso, ele é visto como a versão norte-americana do extremismo de esquerda e uma ameaça ao poder do establishment.
Para quem já tinha observado os desdobramentos da reação britânica à vitória de Corbin, é fascinante constatar que as reações de Washington e da elite do Partido Democrata à emergência de Sanders replicam o caso inglês, seguindo idêntico script. Pessoalmente, creio que a escolha de Hillary é extremamente provável, mas as evidências de um movimento crescente em favor de Sanders são inquestionáveis. Trata-se de algo consistente, que está desconcertando os dirigentes do partido, como seria de esperar.
Uma pesquisa revelou, semana passada, que Sanders tem uma clara liderança entre os eleitores mais jovens inclusive as mulheres. Como a revista Rolling Stone notou, “as mulheres jovens apoiam Bernie Sanders por larga margem”. O New York Times admitiu que, em New Hamphire, Sanders “já abriu uma vantagem de 27 pontos”, o que é “espantoso para os padrões do Estado”. O Wall Street Journal reconheceu, em editorial, que “já não é impossível imaginar este socialista de 74 anos candidato pelo Partido Democrata”
Como no caso de Corbyn, há uma correlação direta entre a força de Sanders e a intensidade e amargura dos ataques baixos desencadeados contra ele por Washington, a estrutura partidária e a mídia. No Reino Unido, esta curiosa revolta elitista passou por sete fases; e nos EUA, a reação a Sanders segue a mesma trajetória. Ei-la:
Fase 1: Condescendência polida diante do que é percebido como algo inofensivo (achamos realmente ótimo que ele possa expressar seus pontos de vista).
Fase 2: Ironia leve e casual à medida em que cresce a confiança dos apoiadores do candidato (não, caros, um extremista de esquerda não vencerá, mas é muito bom ver vocês tão animados)
Fase 3: Auto-piedade e lições graves de etiqueta dirigidas aos apoiadores, após a constatação de não estão cumprindo seu dever de rendição MEEK, temperada com doses pesadas de (ninguém é tão rude com os jornalistas, ou os ataca tanto, nas redes sociais, como estes radicais, e isso, infelizmente, está enfraquecendo as causas de seu candidato)
Fase 4: Tentar colar, no candidato e em seus apoiadores, insinuações de sexismo e racismo, afirmando falsamente que apenas homens brancos os apoiam (você gosta deste candidato porque ele é branco e homem como você – não devido a sua ideologia ou políticas, nem por sua oposição às políticas pró-guerra e pró-corporações da elite do partido).
Fase 5: Difusão escancarada de ataques de direita para demonizar e marginalizar o candidato, quando as pesquisas comprovarem que ele é uma ameaça real (ele é fraco contra o terrorismo, irá render-se ao ISIS, faz alianças bizarras e é um clone de Mao e Stalin).
Fase 6: Lançamento de alertas graves ou histéricos sobre o apocalipse à frente, em caso de derrota do candidato do establishment, quando a possibilidade de perder torna-se imenente (suas ideias irão sofrer derrotas por décadas, talvez por várias gerações, se você desobedecer nossas advertências sobre que candidato escolher).
Fase 7: Derretimento completo, pânico, reprovações, ameaças, recriminações, cotoveladas presunçosas, associação aberta com a direta, completa fúria (Eu não posso mais, em sã consciência, apoiar este partido de aloprados, adoradores de terroristas, comunistas e bárbaros).
Reino Unido está bem na Fase 7, e talvez seja capaz de inventar em breve um novo estágio (militares britânicos anônimos ameaçaram promover um motim, caso Corbyn seja eleito democraticamente primeiro-ministro). Nos EUA o establishment político e a mídia pró-Partido Democrata estão na Fase 5 há semanas, e parecem prestes a entrar na Fase 6. A passagem à Fase 7 é certa, caso Sanders vença as primárias em Iowa.
É normal e legítimo, nas eleições, que as campanhas de cada candidato critiquem duramente os demais. Não há nenhum problema nisso: seria ótimo que os contrastes aparecessem claramente, e quase não surpreende que isso seja feito com agressividade e aspereza. As pessoas chegam a extremos, para obter poder. É da natureza humana.
Mas isso não impede as pessoas de pesar os ataques que fazem, nem significa que estes estejam imunes a críticas (a exploração grosseira e cínica dos temas de gênero pelos apoiadores de Hillary, para sugerir que o apoio a Sanders baseia-se em sexismo foi especialmente desonesta, quando se que os grupos de esquerda que hoje defendem o candidato tentaram, por meses, lançar a candidatura de Elisabeth Warren – para não dizer do vasto número de apoiadoras do senador).
Gente de todos os partidos, e em todo o espectro político, está enojada com as disputas em Washington. Não surpreende que um amplo número de adultos norte-americanos busquem uma alternativa a uma candidata como Hillary. Mergulhada no dinheiro de Wall Street (tanto política quanto pessoalmente), ela mostra-se incapaz de desaprovar uma única guerra, e sua única convicção parece ser a que qualquer coisa pode ser dita ou feita, para assegurar sua própria vitória.
A natureza dos establishments é baterem-se desesperadamente pelo poder, e atacar com fervor sem limites qualquer um que desafie ou ameace aquele poder. Foi o que ocorreu no Reino Unido com a emergência de Corbyn e o que se repete nos EUA com a ascensão de Sanders. Não surpreende que os ataques a ambos sejam tão parecidos – a dinâmica dos privilégios do establishment é a mesma – mas não deixa de ser chocante que os scripts sejam idênticos.
Glenn Greenwald, The Intercept | Tradução: Antonio Martins, Outras Palavras
A elite política e a mídia britânica perderam pouco a pouco a cabeça, após a eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista – e ainda não parecem capazes de se recuperar.
Nos Estados Unidos, Bernie Sanders é bem menos radical; os dois não estão sequer na mesma constelação política. Mas, especialmente em temas econômicos, Sanders é um crítico mais robusto e sistêmico do que os centros do poder oligárquico julgariam tolerável. Sua denúncia contra o controle da vida política pelas corporações é uma ameaça grave. Por isso, ele é visto como a versão norte-americana do extremismo de esquerda e uma ameaça ao poder do establishment.
Para quem já tinha observado os desdobramentos da reação britânica à vitória de Corbin, é fascinante constatar que as reações de Washington e da elite do Partido Democrata à emergência de Sanders replicam o caso inglês, seguindo idêntico script. Pessoalmente, creio que a escolha de Hillary é extremamente provável, mas as evidências de um movimento crescente em favor de Sanders são inquestionáveis. Trata-se de algo consistente, que está desconcertando os dirigentes do partido, como seria de esperar.
Uma pesquisa revelou, semana passada, que Sanders tem uma clara liderança entre os eleitores mais jovens inclusive as mulheres. Como a revista Rolling Stone notou, “as mulheres jovens apoiam Bernie Sanders por larga margem”. O New York Times admitiu que, em New Hamphire, Sanders “já abriu uma vantagem de 27 pontos”, o que é “espantoso para os padrões do Estado”. O Wall Street Journal reconheceu, em editorial, que “já não é impossível imaginar este socialista de 74 anos candidato pelo Partido Democrata”
Como no caso de Corbyn, há uma correlação direta entre a força de Sanders e a intensidade e amargura dos ataques baixos desencadeados contra ele por Washington, a estrutura partidária e a mídia. No Reino Unido, esta curiosa revolta elitista passou por sete fases; e nos EUA, a reação a Sanders segue a mesma trajetória. Ei-la:
Fase 1: Condescendência polida diante do que é percebido como algo inofensivo (achamos realmente ótimo que ele possa expressar seus pontos de vista).
Fase 2: Ironia leve e casual à medida em que cresce a confiança dos apoiadores do candidato (não, caros, um extremista de esquerda não vencerá, mas é muito bom ver vocês tão animados)
Fase 3: Auto-piedade e lições graves de etiqueta dirigidas aos apoiadores, após a constatação de não estão cumprindo seu dever de rendição MEEK, temperada com doses pesadas de (ninguém é tão rude com os jornalistas, ou os ataca tanto, nas redes sociais, como estes radicais, e isso, infelizmente, está enfraquecendo as causas de seu candidato)
Fase 4: Tentar colar, no candidato e em seus apoiadores, insinuações de sexismo e racismo, afirmando falsamente que apenas homens brancos os apoiam (você gosta deste candidato porque ele é branco e homem como você – não devido a sua ideologia ou políticas, nem por sua oposição às políticas pró-guerra e pró-corporações da elite do partido).
Fase 5: Difusão escancarada de ataques de direita para demonizar e marginalizar o candidato, quando as pesquisas comprovarem que ele é uma ameaça real (ele é fraco contra o terrorismo, irá render-se ao ISIS, faz alianças bizarras e é um clone de Mao e Stalin).
Fase 6: Lançamento de alertas graves ou histéricos sobre o apocalipse à frente, em caso de derrota do candidato do establishment, quando a possibilidade de perder torna-se imenente (suas ideias irão sofrer derrotas por décadas, talvez por várias gerações, se você desobedecer nossas advertências sobre que candidato escolher).
Fase 7: Derretimento completo, pânico, reprovações, ameaças, recriminações, cotoveladas presunçosas, associação aberta com a direta, completa fúria (Eu não posso mais, em sã consciência, apoiar este partido de aloprados, adoradores de terroristas, comunistas e bárbaros).
Reino Unido está bem na Fase 7, e talvez seja capaz de inventar em breve um novo estágio (militares britânicos anônimos ameaçaram promover um motim, caso Corbyn seja eleito democraticamente primeiro-ministro). Nos EUA o establishment político e a mídia pró-Partido Democrata estão na Fase 5 há semanas, e parecem prestes a entrar na Fase 6. A passagem à Fase 7 é certa, caso Sanders vença as primárias em Iowa.
É normal e legítimo, nas eleições, que as campanhas de cada candidato critiquem duramente os demais. Não há nenhum problema nisso: seria ótimo que os contrastes aparecessem claramente, e quase não surpreende que isso seja feito com agressividade e aspereza. As pessoas chegam a extremos, para obter poder. É da natureza humana.
Mas isso não impede as pessoas de pesar os ataques que fazem, nem significa que estes estejam imunes a críticas (a exploração grosseira e cínica dos temas de gênero pelos apoiadores de Hillary, para sugerir que o apoio a Sanders baseia-se em sexismo foi especialmente desonesta, quando se que os grupos de esquerda que hoje defendem o candidato tentaram, por meses, lançar a candidatura de Elisabeth Warren – para não dizer do vasto número de apoiadoras do senador).
Gente de todos os partidos, e em todo o espectro político, está enojada com as disputas em Washington. Não surpreende que um amplo número de adultos norte-americanos busquem uma alternativa a uma candidata como Hillary. Mergulhada no dinheiro de Wall Street (tanto política quanto pessoalmente), ela mostra-se incapaz de desaprovar uma única guerra, e sua única convicção parece ser a que qualquer coisa pode ser dita ou feita, para assegurar sua própria vitória.
A natureza dos establishments é baterem-se desesperadamente pelo poder, e atacar com fervor sem limites qualquer um que desafie ou ameace aquele poder. Foi o que ocorreu no Reino Unido com a emergência de Corbyn e o que se repete nos EUA com a ascensão de Sanders. Não surpreende que os ataques a ambos sejam tão parecidos – a dinâmica dos privilégios do establishment é a mesma – mas não deixa de ser chocante que os scripts sejam idênticos.
Glenn Greenwald, The Intercept | Tradução: Antonio Martins, Outras Palavras