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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Arábia Saudita em direção ao colapso


15.01.2016

Enquanto os Saud gozam os últimos momentos da sua ditadura, a decapitação do líder da sua oposição, Nimr al-Nimr, priva metade da população saudita de qualquer esperança. Para Thierry Meyssan a queda do reino tornou-se inevitável. Ela deverá ser acompanhada por um longo período de violência extrema.

Thierry Meyssan
O príncipe Mohammed ben Salman Al Saoud, 30 anos, príncipe herdeiro suplente, segundo Primeiro-ministro suplente, ministro de Estado, ministro da Defesa, secretário-geral do Tribunal real, presidente do Conselho para os Assuntos Económicos e o Desenvolvimento.
Num ano, o novo rei da Arábia, Salman, 25º filho do fundador da dinastia, conseguiu consolidar a sua autoridade pessoal em detrimento dos outros ramos da sua família, entre os quais o clã do príncipe Bandar bin Sultan e o do antigo rei Abdulla. Entretanto, ignora-se o que Washington prometeu aos perdedores para que eles não empreendessem nada no sentido de recuperar o seu poder perdido. De qualquer forma cartas anónimas, surgidas na imprensa britânica, permitem pensar que eles não desistiram de suas ambições.
Forçado pelos seus irmãos a nomear como herdeiro o príncipe Mohammad bin Nayef o rei Salman rapidamente o isolou, e limitou as suas competências, em proveito do seu próprio filho, o príncipe Mohammed bin Salman, cuja impulsividade e brutalidade não são refreadas pelo Conselho de Família, que não se reúne mais. De facto, são agora ele e o seu pai quem governa a sós, como autocratas, sem nenhum contra-poder, num país que nunca elegeu qualquer parlamento e onde os partidos políticos estão interditos.
Assim, vimos o príncipe Mohammed bin Salman assumir a presidência do Conselho de Assuntos Económicos e do Desenvolvimento, impôr uma nova direcção ao Bin Laden Group e apoderar-se da Aramco. Em cada jogada tratou-se, para ele, de afastar os seus primos e de colocar religiosos à frente das grandes empresas do Reino.
O xeque al-Nimr descrevia assim a vida dos xiitas na Arábia Saudita : « Desde o momento em que nascestes vós estais cercados pelo medo, a intimidação, a perseguição e os abusos. Nascemos numa atmosfera de intimidação. Temos medo até das paredes. Quem, de entre nós, não está familiarizado com a intimidação e a injustiça à qual temos sido submetidos neste país ? Eu tenho 55 anos de idade, mais de meio século, desde o dia em que nasci até ao presente jamais me senti em segurança neste país. É-se sempre acusado de qualquer coisa. Está-se sempre sob ameaça. O director da Segurança de Estado admitiu-o à minha frente. Ele disse-me quando fui preso : "Deveríeis ser mortos, todos vós, xiitas". Eis a sua lógica. »
Em matéria de política interna, o regime assenta apenas na metade da população sunita ou wahhabita, e discrimina a outra metade da população. O príncipe Mohammed bin Salman aconselhou ao seu pai a decapitação do xeque Nimr Baqir al-Nimr porque este ousara desafiá-lo. Por outras palavras, o Estado condenou à morte e executou o principal líder da sua oposição, cujo único crime é o de ter formulado e repetido o slogan: « O despotismo é ilegítimo». O facto que este líder seja um xeque xiita só reforça o sentimento de "apartheid" dos não-sunitas, que estão impedidos de seguir uma educação religiosa e que estão todos proibidos de aceder ao trabalho na função pública. Quanto aos não-muçulmanos, ou seja um terço da população, não estão autorizados a praticar a sua religião e não podem esperar aceder à nacionalidade saudita.
No plano internacional, o príncipe Mohammed e o seu pai, o rei Salman, conduzem uma política apoiada nas tribos beduínas do Reino. Só assim é possível compreender o prosseguir, ao mesmo tempo, do financiamento dos Talibãs afegãos e da Corrente do Futuro libanesa, a repressão saudita contra a Revolução no Barein, o apoio aos jiadistas na Síria e no Iraque e a invasão do Iémene. Em todo o lado, os Saud apoiam os sunitas --que eles consideram como os mais próximos do seu wahhabismo de Estado---, não apenas contra os xiitas, mas, primeiro, contra os sunitas esclarecidos, depois contra todas as outras religiões (ismaelitas, zaiditas, alevitas, alauítas, drusos, siques, católicos, ortodoxos, sabateus, yazidis, zoroastristas, hindus, etc.). Acima de tudo, em qualquer caso, eles apoiam exclusivamente líderes saídos de grandes tribos Sauditas sunitas.
De passagem, nota-se que a execução do xeque al-Nimr segue-se ao anúncio da criação de uma vasta Coligação(coalizão-br) anti-terrorista de 34 Estados em torno de Riade. Sabendo que o supliciado, que sempre rejeitou o uso da violência, foi condenado à morte por «terrorismo» (sic), deve-se entender que esta Coligação é, na verdade, uma aliança sunita contra as outras religiões.
O príncipe Mohammed tomou em mãos a decisão de lançar a guerra ao Iémene, alegadamente para socorrer o presidente Abd Rabbo Mansour Hadi, derrubado por uma aliança entre os Hutis e o Exército do antigo presidente Ali Abdullah Saleh, mas, na realidade, para se apoderar dos campos de petróleo e os explorar junto com Israel. Como se podia prever a guerra corre mal e os insurgentes lançam incursões na própria Arábia Saudita, onde o exército debanda abandonando o seu material.
A Arábia Saudita é, pois, o único Estado do mundo propriedade de um único homem, regido por este autocrata e seu filho, recusando qualquer debate de ideias, não tolerando nenhuma forma de oposição, e não aceitando mais que a vassalagem tribal. O que foi, por muito tempo, considerado como resquício de um mundo ultrapassado, chamado a adaptar-se ao mundo moderno, esclerosou-se até tornar-se na identificação própria de um reino anacrónico.
A queda da Casa Saud poderá ser provocada pela baixa dos preços do petróleo. Incapaz de reformar o seu nível de gastos, o Reino pede emprestado à larga, de modo que assim, segundo os analistas financeiros, deverá cair na falência daqui a dois anos. A venda parcial da Aramco poderá dar uma prorrogação a esta agonia, mas ela se fará ao preço de uma perda de autonomia.
A decapitação do xeque al-Nimr terá sido o capricho mais elevado. O colapso é agora inevitável na Arábia porque não há aí nenhuma esperança para os que lá vivem. O país encontrar-se-á, então, mergulhado numa mistura de revoltas tribais e de revoluções sociais, que serão muito mais mortíferas que os precedentes conflitos do Próximo-Oriente.
Longe de se oporem a este fim trágico, os protectores norte-americanos do Reino aguardam-no com impaciência. Eles não param de louvar a «sabedoria» do príncipe Mohammed como um meio para o encorajar a cometer mais erros. Já em Setembro de 2001 a Junta de Chefes de Estado-Maior(JCOS-ndT) trabalhava num mapa de Remodelagem do «Médio-Oriente Alargado», que previa a divisão do país em cinco Estados. Além de que, em julho de 2002, Washington avaliava a maneira de se livrar dos Saud, no decorrer de uma célebre reunião do Defense Policy Board(Conselho da Política de Defesa-ndT). Agora, é apenas uma questão de tempo. A RETER:
 Os Estados Unidos conseguiram resolver a questão da sucessão do rei Abdallah, mas empurram hoje em dia a Arábia Saudita para a queda. O seu objectivo é, agora, dividir o país em cinco.  
O wahhabismo é a religião de Estado, mas os Saud apoiam-se no interior e no exterior unicamente sobre as tribos sunitas e mantêm as outras populações em “apartheid”.
 
O rei Salman (80 anos) deixa o exercício do poder a um dos seus filhos, o príncipe Mohammed (30 anos). Este apoderou-se das grandes empresas do país, declarou guerra ao Iémene, e acaba de fazer executar o chefe da sua oposição, o xeque al-Nimr.+

Thierry Meyssan
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L'Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations(ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).
Tradução 
Alva

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Ucraina: Heil mein Nato!

O arte da guerra

porochenko_nazi
O roteiro para a cooperação militar Otan-Ucrânia, assinado em dezembro, praticamente integra doravante as forças armadas e a indústria bélica de Kiev nas da Aliança sob a condução dos Estados Unidos. Nada mais falta a não ser a entrada formal da Ucrânia na Otan.
O presidente Poroshenko anunciou para esse efeito um « referendo » cuja data está por definir, prenunciando uma clara vitória do « sim » sobre a base de uma pesquisa já realizada. Por seu lado, a Otan garantiu que a Ucrânia, « um dos mais sólidos parceiros da Aliança », está « firmemente comprometida a realizar a democracia e a legalidade ».
Os fatos falam claramente. A Ucrânia de Poroshenko – o oligarca que enriqueceu com o saque das propriedades do Estado e a quem o primeiro-ministro italiano Renzi louva como « sábia liderança » – decretou por lei em dezembro o banimento do Partido Comunista da Ucrânia, acusado de « incitação ao ódio étnico e violação dos direitos humanos e das liberdades ». Estão proibidos por lei mesmo os símbolos comunistas : cantar A Internacional resulta numa pena de 5 a 10 anos de prisão.
É o ato final de uma campanha de perseguição semelhante à que marcou o advento do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Sedes de partidos destruídas, dirigentes linchados, jornalistas torturados e assassinados, militantes queimados vivos na Bolsa do Trabalho de Odessa, civis sem armas massacrados em Marioupol, bombardeados com fósforo branco em Slaviansk, Lougansk e Donetsk.
Um verdadeiro golpe de Estado sob a direção da dupla EUA/Otan, com o objetivo estratégico de provocar na Europa uma nova guerra fria para golpear e isolar a Rússia e, ao mesmo tempo, fortalecer a influência e a presença militar dos Estados Unidos na Europa. Como força assalto, foram utilizados, no golpe da Praça Maidan e nas ações sucessivas, grupos neonazistas treinados e armados para esse efeito, como provam as fotos de militantes de Uno-Unso treinados em 2006 na Estônia. As formações neonazistas foram em seguida incorporadas na Guarda Nacional, adestradas por centenas de instrutores estadunidenses da 173ª divisão aerotransportada, transferida de Vicenza para a Ucrânia, acompanhada por outras da Otan.
A Ucrânia de Kiev foi assim transformada no « viveiro » do nazismo renascente no coração da Europa. Chegam a Kiev neonazistas de toda a Europa (inclusive da Itália) e dos EUA, recrutados sobretudo pelo partido de extrema direita Pravy Sektor e pelo batalhão Azov, cuja identidade nazista é representada pelo emblema decalcado das SS do Reich. Depois de terem sido treinados e postos à prova nas ações militares contra os russos da Ucrânia e no Donbass, retornam a seus países com o « salvo-conduto » do passaporte ucraniano. Simultaneamente difunde-se na Ucrânia a ideologia nazista entre as jovens gerações. Disto, ocupa-se em particular o batalhão Azov, que organiza campos de treinamento militar e de formação ideológica para crianças e adolescentes, aos quais se ensina antes de tudo o ódio aos russos.
Isto advém da conveniência dos governos europeus: por iniciativa de um parlamentar da República Tcheca, o chefe do batalhão Azov, Andriy Biletsky, aspirante a « Führer » da Ucrânia, foi recebido pelo parlamento europeu como « orador convidado ». Tudo no quadro do « Apoio prático da Otan à Ucrânia », compreendendo o « Programa de potencialização da educação militar », no qual participaram em 2015, 360 professores ucranianos, instruídos por 60 experts da Otan. Num outro programa da Otan, « Diplomacia pública e comunicações estratégicas », ensina-se às autoridades como «contrapor-se à propaganda russa» e aos jornalistas como « gerar histórias factuais desde a Crimeia ocupada e a Ucrânia oriental ».
Manlio Dinucci
Fonte : Il manifesto
porochenko_nazi
Ucraina: Heil mein Nato!
Tradução de José Reinaldo Carvalho para o Blog da Resistência 
Na edição original, em italiano, foi publicado com este título em alemão, uma alusão ao famigerado « Heil, Hitler ! »

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Declaração do governo da RPDC sobre o teste da bomba H

12.01.2016 | Fonte de informações: 

Pravda.ru

 

Agora, todos os militares e civis coreanos conseguem a cada dia um grande avanço com os milagres deslumbrantes e proezas ao mobilizar-se com audácia na ofensiva geral para adiantar a vitória final da causa da revolução do Juche apoiando de todo o coração o chamamento combativo do Partido do Trabalho da Coreia.

Publicado por: Redação Irã News 
Neste tempo comovente, ocorreu o grande acontecimento que se registrará especialmente na história nacional de 5 mil anos estremecendo esta terra.
Segundo a decisão estratégica do PTC se realizou com êxito o primeiro teste da bomba de hidrogênio da Coreia às 10h do dia 6 de janeiro de 105 (2016) da Era Juche. Através do presente teste baseado totalmente em nossa sabedoria, nossa técnica e nossas forças, comprovamos que são exatos os dados técnicos da recém desenvolvida bomba H para exercício e elucidamos cientificamente o poderio da bomba H minimizada.
Se verificou que presente exercício realizado seguro e perfeitamente, não exerceu qualquer influência negativa ao meio ambiente ecológico no entorno. O recente teste vem da etapa mais alta do desenvolvimento das forças armadas nucleares da RPDC.
Graças a este êxito a ser registrado na história, a RPDC entra na primeira linha dos países possuidores de armas nucleares, que contam com bombas de hidrogênio, e o povo coreano exalta o ímpeto da nação orgulhosa, que possui o mais poderoso dissuasivo nuclear.
O exercício é uma medida auto defensiva para defesa estrita da soberania do país e o direito a existência da nação diante das crescentes ameaças e chantagens nucleares das forças hostis encabeladas pelos Estados Unidos e assegurar a paz na Península Coreana e a estabilidade regional. Após o surgimento da palavra "hostilidade" neste mundo, não houve outra como a tão arraigada, extremada e tenaz do império contra a RPDC.
Os Estados Unidos são a horda de gângsteres cruéis, que insatisfeitos com executar o isolamento político, o bloqueio econômico e a pressão militar sem precedentes, faz esforços desesperados para arrastar até a catástrofe nuclear a RPDC que tem a ideologia e o regime diferentes e não obedece sua cobiça de agressão. Se converte na zona mais candente do mundo e ponto de gatilho da guerra nuclear a Península Coreana e seu entorno onde se introduzem sucessivamente o coletivo de ataque de porta-aviões nucleares, a aviação estratégica nuclear e outros meios de ataque nuclear das tropas agressoras estadunidenses.
Os Estados Unidos fazem esforços desesperados para impedir a construção de um Estado prospero e a melhoria de vida do povo da RPDC e para conseguir "a derrubada do regime norte coreano" instigando as forças hostis à sanção econômica de diferentes formas e a intrigante campanha de "Direitos Humanos" contra a RPDC.
A posse da bomba de hidrogênio pela RPDC, que enfrenta os EUA, caudilho da agressão que espreita a oportunidade de ataque, vem do legítimo direito à auto defesa de um Estado soberano e uma justa medida incensurável para ninguém.
A paz e a segurança verdadeiras não se conquistam pela solicitude oprimida nem pelo diálogo conciliador. A severa realidade de hoje volta a comprovar mais claramente que se deve defender seu destino somente com sua própria força.
Seria estupidez abandonar o rifle de caça diante da alcateia de lobos que ataca ferozmente.
O grande êxito alcançado pela RPDC no teste da bomba de hidrogênio constitui um grande acontecimento da história nacional, que garante o eterno futuro da nação coreana. A RPDC é o verdadeiro Estado amante da paz que realiza todos seus esforços para frustrar a imoral intenção de guerra nuclear dos EUA e assegurar a paz na Península Coreana e a segurança na região.
+

Como já foi declarado anteriormente pela RPDC, país proprietário responsável de armas nucleares, não será o primeiro a usar tais armas, nem aplicará em qualquer caso os meios e as técnicas relativas enquanto que as forças hostis e agressivas não violem sua soberania.
Enquanto não cesse a atroz política hostil dos EUA contra a RPDC, não haverá jamais o fim do desenvolvimento nuclear ou a renúncia a esta política.
O exército e o povo da Coreia fortalecerão constantemente o nosso justo dissuasivo nuclear que garante confiavelmente o eterno futuro da causa da Revolução do Juche. Será prospera para sempre a Coreia do Juche que avança aplicando a linha do desenvolvimento paralelo do PTC.
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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Vygotsky: "A Transformação Socialista do Homem"


21.09.2015



A Psicologia científica estabeleceu como sua tese básica o fato que o tipo psicológico do homem moderno é um produto de duas linhas evolutivas. Por um lado, este tipo moderno de ser humano se desenvolveu em um processo prolongado de evolução biológica da qual a espécie homo sapiens surgiu com todas as suas características inerentes do ponto de vista da estrutura corporal, das funções de órgãos diversos e de certos tipos de reflexos e atividades instintivas que foram fixados hereditariamente e que são transmitidos de geração a geração.

Mas, juntamente com o início da vida social e histórica humana e das mudanças fundamentais nas condições às quais ela teve que se adaptar, mudou também, muito radicalmente, o próprio caráter do curso subseqüente da evolução humana. Até onde se pode julgar, com base no material efetivo disponível que foi obtido principalmente comparando os tipos biológicos de povos primitivos às fases mais primitivas de seu desenvolvimento cultural com representantes das raças mais culturalmente avançadas, até onde esta questão pode ser resolvida através de teoria psicológica contemporânea, há razões fortes para supor que o tipo biológico humano mudou notavelmente pouco durante o curso do desenvolvimento histórico do homem. Isto não quer dizer, é claro, que a evolução biológica paralisou-se e que a espécie humana é uma quantidade estável, inalterável, constante, mas sim que as leis fundamentais e os fatores essenciais que dirigem o processo de evolução biológica retrocederam ao plano de fundo e, ou decaíram completamente, ou tornaram-se uma parte reduzida ou sub-dominante das novas e mais complexas leis que governam o desenvolvimento social humano

Realmente, a luta pela sobrevivência e a seleção natural, as duas forças motrizes da evolução biológica no mundo animal, perdem a sua importância decisiva assim que passamos a considerar o desenvolvimento histórico do homem. As novas leis que regulam o curso da história humana e que regem o processo de desenvolvimento material e mental da sociedade humana, agora tomam os seus lugares.

Como um indivíduo só existe como um ser social, como um membro de algum grupo social em cujo contexto ele segue a estrada do desenvolvimento histórico, a composição de sua personalidade e a estrutura de seu comportamento reveste-se de um caráter dependente da evolução social cujos aspectos principais são determinados pelo grupo. Já nas sociedades primitiva, que só há pouco estão dando os seus primeiros passos ao longo da estrada do desenvolvimento histórico, a completa constituição psicológica dos indivíduos pode ser vista como diretamente dependente do desenvolvimento de tecnologia, do grau de desenvolvimento das forças de produção e da estrutura daquele grupo social ao qual o indivíduo pertence. Pesquisas no campo da psicologia étnica forneceram provas incontroversas de que estes fatores, cuja interdependência intrínseca foi estabelecida pela teoria do materialismo histórico, são os componentes decisivos da psicologia integral do homem primitivo.

Em nenhum outro lugar, de acordo com Plekhanov(1), esta dependência da consciência relativa ao modo de vida manifesta-se de maneira mais óbvia e direta que na vida do homem primitivo. Isto ocorre por serem os fatores que realizam a mediação entre o progresso tecnológico e o psicológico ainda muito deficientes e primitivos, esta é a razão pela qual esta dependência pode ser observada quase que em seu estado bruto. Mas uma relação muito mais complicada entre estes dois fatores pode ser observada em uma sociedade altamente desenvolvida que adquiriu uma estrutura de classes complexa. Aqui a influência da base sobre a superestrutura psicológica do homem não se dá forma direta, mas mediada por um grande número de fatores materiais e espirituais muito complexos. Mas, até mesmo aqui, a lei fundamental do desenvolvimento histórico humano, que proclama serem os seres humanos criados pela sociedade na qual vivem e que ela representa o fator determinante na formação de suas personalidades, permanece em vigor.

Do mesmo modo que a vida de uma sociedade não representa um único e uniforme todo, e a sociedade ela mesma é subdividida em diferentes classes, assim também, não pode ser dito que a composição das personalidades humanas representa algo homogêneo e uniforme em um dado período histórico, e a psicologia tem que levar em conta o fato básico que a tese geral que foi formulada agora mesmo, só pode ter uma conclusão direta, confirmar o caráter de classe, natureza de classe e distinções de classe que são responsáveis pela formação dos tipos humanos. As várias contradições internas que são encontradas nos diferentes sistemas sociais encontram sua expressão tanto no tipo de personalidade quanto na estrutura da psicologia humana naquele período histórico.

Nas descrições clássicas do período inicial do capitalismo, Marx enfatiza freqüentemente o tema da corrupção da personalidade humana que é provocada pelo crescimento da sociedade capitalista industrial. Em um dos extremos da sociedade, a divisão entre o trabalho intelectual e o físico, a separação entre a cidade e o campo, a exploração cruel do trabalho da criança e da mulher, pobreza e a impossibilidade de um desenvolvimento livre e completo do pleno potencial humano, e no outro extremo, ócio e luxo; disso tudo resulta não só que o tipo humano originalmente único torna-se diferenciado e fragmentado em vários tipos nas diversas classes sociais que, por sua vez, permanecem em agudo contraste umas às outras, mas também na corrupção e distorção da personalidade humana e sua sujeição a um desenvolvimento inadequado, unilateral em todas estas diferentes variantes do tipo humano.

‘Juntamente com a divisão de trabalho’, diz Engels, ‘o próprio homem foi subdividido’(2) de acordo com Ryazanov, ‘toda forma de produção material especifica alguma divisão social do trabalho, e que é responsável por sua divisão espiritual. A começar pela corrupção da sociedade primitiva, já podemos observar a seleção de várias funções espirituais e organizacionais em espécies e subespécies determinadas correspondentes ao esquema da divisão social de trabalho’(3). Mais adiante Engels diz:

"Já a primeira grande divisão do trabalho, a divisão entre a cidade e o campo, condenou a população rural a milênios de entorpecimento mental, e os moradores de cidade à escravização, cada um segundo seu trabalho particular. Destruiu a base para desenvolvimento espiritual do primeiro, e a do físico para o último. Se um camponês é o mestre de sua terra e o artesão de sua arte, então, em grau nada menor, a terra governa o camponês e a arte o artesão. A divisão do trabalho causou ao homem sua própria subdivisão. Todas as demais faculdades físicas e espirituais são sacrificadas a partir do momento que se desenvolve somente um tipo de atividade"

"Esta degeneração do homem avança à medida que a divisão do trabalho alcança seu nível mais alto na manufatura. A manufatura ‘quebra’ o ofício do artesão em operações fracionadas, atribui, na qualidade de vocação, cada uma delas a um trabalhador distinto e os acorrenta a uma operação fracionária específica, a uma ferramenta específica de trabalho para o resto da vida..."

"E não só os trabalhadores, mas também as classes que os exploram diretamente ou indiretamente, que são escravizadas pelos instrumentos de suas atividades, como resultado da divisão de trabalho: os burgueses mesquinhos, por seu capital e desejo por lucro; o advogado pelas idéias jurídicas ossificadas que o governam como uma força independente; ‘as classes educadas’ em geral, por suas limitações locais particulares e unilaterais, suas deficiências físicas e miopia espiritual. Estão todos mutilados pela educação que os treina para uma certa especialidade, pela escravização vitalícia a esta especialidade, até mesmo se esta especialidade é fazer absolutamente nada."(4)

Isto é o que Engels escreveu em ‘O Anti-Dühring’. Nós temos que proceder da suposição básica que produção intelectual é determinada pela forma de produção material.

"Assim, por exemplo, no capitalismo é encontrada uma forma diferente de produção espiritual daquela prevalecente durante a Idade Média. Cada forma historicamente definida de produção material tem sua forma correspondente de produção espiritual, e isto, por sua vez, significa que a psicologia humana, que é o instrumento direto desta produção intelectual, assume uma forma específica a cada fase determinada do desenvolvimento".

Esta incapacitação dos seres humanos, este desenvolvimento unilateral e distorcido das suas várias capacidades, que Engels descreve, e que surge com a divisão entre cidade e campo, está crescendo a uma enorme velocidade devido à influência da divisão tecnológica de trabalho. Engels escreve:

"Todo conhecimento, perspicácia e vontade que o camponês e o artesão independentes desenvolvem, embora em uma escala pequena, como o selvagem que age como se toda a arte da guerra consistisse no exercício de sua astúcia pessoal, estas faculdades agora são requeridas apenas da fábrica como um todo. As potências intelectuais de produção as fazem desenvolver em um só sentido, porque as fazem extinguir em muitos outros. O que foi perdido pelos trabalhadores especializados [‘teilarbeiter’] está concentrado no capital que os emprega. Como resultado da divisão de trabalho no seio da manufatura, o trabalhador é levado a encarar as potências intelectuais do processo material de produção como propriedade alheia, e como um poder que o domina. Este processo de separação começa em co-operação simples na qual o capitalista representa para o trabalhador particular a unidade e a vontade do trabalho social [‘Arbeitskörpers ‘].Isto que começa na manufatura, que mutila o trabalhador transformando-o em um trabalhador especializado, é terminado pela indústria de larga escala que separa a ciência, como um potencial produtivo, do trabalho e a coloca a serviço do capital."(5)

Como resultado do avanço do capitalismo, o desenvolvimento da produção material trouxe simultaneamente consigo a divisão progressiva do trabalho e o crescente desenvolvimento distorcido do potencial humano. Se ‘na manufatura e no trabalho artesanal o trabalhador faz uso de suas ferramentas, então na fábrica ele se torna o criado da máquina’. Marx diz que no primeiro caso ele inicia o movimento da ferramenta, mas no segundo ele é forçado a seguir seu movimento. Os trabalhadores se transformam em ‘extensões vivas das máquinas’, o que resulta na ‘tenebrosa monotonia do infinito tormento do trabalho’ que Marx [1890/1962, pág. 445] diz ser o elemento característico daquele período no desenvolvimento do capitalismo que ele está descrevendo. O trabalhador é preso a uma função específica, e de acordo com Marx [ibid, pág. 381], isto o transforma ‘de um trabalhador em uma anormalidade que artificialmente ['treibhausmäsig '] é nutrida por apenas uma habilidade especial, suprimindo toda a riqueza restante de seus talentos e inclinações produtivas’.

Nos dias atuais, o trabalho da criança representa um exemplo particularmente horrorizante da deformação do desenvolvimento psicológico humano. Na busca por trabalho barato e devido à simplificação extrema das funções que os trabalhadores têm que levar a cabo, o recrutamento em larga escala de crianças tornou-se possível, o que resulta em um desenvolvimento retardado, ou um completamente unilateral e distorcido que acontece na idade mais impressionante, quando a personalidade da pessoa está sendo formada. A pesquisa clássica de Marx está cheia de exemplos de ‘esterilidade intelectual’, ‘degradação física e intelectual’, transformação ‘de seres humanos imaturos em máquinas para a produção de mais-valia’ [ibid., pp. 421-2], e ele apresenta um quadro vívido de todo o processo que resulta em uma situação na qual ‘o trabalhador existe em função do processo de produção, e não o processo de produção em função do trabalhador’[ibid., pág. 514].

Porém, todos estes fatores negativos não dão um quadro completo de como o processo de desenvolvimento humano é influenciado pelo crescimento acelerado da indústria. Todas estas influências adversas não são inerentes à indústria de larga escala como tal, mas à sua organização capitalista que está baseada na exploração de enormes massas da população e que resultou em uma situação na qual em vez de todo passo novo para a conquista da natureza pelos seres humanos, todo novo patamar de desenvolvimento da força produtiva da sociedade, não só não elevou a humanidade como um todo, e cada personalidade humana individual, para um nível mais alto, mas conduziu a uma degradação mais profunda da personalidade humana e de seu potencial de crescimento.

Enquanto observadores dos efeitos incapacitantes do processo de progresso da civilização sobre os seres humanos, filósofos como Rousseau e Tolstói não puderam ver nenhuma outra solução que um retorno à integralidade e pureza da natureza humana. De acordo com Tolstói, nosso ideal não está à nossa frente, mas atrás de nós. Neste sentido, do ponto de vista deste romantismo reacionário, os períodos primitivos de desenvolvimento da sociedade humana apresentam-se como aquele ideal que a humanidade deveria estar perseguindo. Realmente, uma análise mais profunda das tendências econômicas e históricas que regulam o desenvolvimento do capitalismo mostra que este processo de mutilação da natureza humana, acima discutida, é inerente não só ao crescimento da indústria de grande escala, mas à específica forma de organização da sociedade capitalista.

A mais fundamental e importante contradição em toda esta estrutura social consiste no fato que dentro dela, sob pressão inexorável, estão evoluindo forças para sua destruição, e estão sendo criadas as precondições para sua substituição por uma nova ordem baseada na ausência da exploração do homem pelo homem. Mais de uma vez, Marx demonstra como o trabalho, ou a indústria de larga escala, em si mesmos, não levam necessariamente à mutilação da natureza humana, como um seguidor de Rousseau ou Tolstói assumiria, mas, pelo contrário, contêm dentro de si mesmos possibilidades infinitas para o desenvolvimento da personalidade humana.

Ele diz, ‘como pode ser averiguado a partir dos exemplos dados por Robert Owen, tem crescido a semente de um sistema educacional futuro que combinará o trabalho produtivo com a educação formal e física para todas as crianças acima de uma certa idade, não só como um método de aumento da produção, mas como o único método de produzir seres humanos bem equilibradamente educados’ [ibid., pp. 507-8]. Assim a participação das crianças nas fábricas, que sob o sistema capitalista, particularmente durante o período descrito de crescimento do capitalismo, é a fonte da degradação física e intelectual, contém em si mesma as sementes para um sistema educacional futuro e pode vir a constituir-se na forma mais elevada de criação de um tipo novo de ser humano. O crescimento da indústria de grande escala faz necessário, por si só, que se construa um novo tipo de trabalho humano e um novo tipo de ser humano que seja capaz de levar a cabo estas novas formas de trabalho. ‘A natureza da indústria de larga escala estipula um trabalho mutável; uma mudança ininterrupta de funções e uma completa mobilidade para o trabalhador’, diz Marx: ‘o indivíduo que foi se transformado em uma fração, o portador simples de uma função social fracionária, será substituído por um indivíduo completamente desenvolvido para quem as funções sociais diversas representam formas alternativas de suas atividades ' [ibid., pp. 511-12].

Assim não só se demonstra que a combinação do trabalho industrial com a educação provou ser uns meios de criar pessoas plenamente desenvolvidas, mas também que o tipo de pessoa que será exigida para trabalhar neste processo industrial altamente desenvolvido, diferirá substancialmente do tipo de pessoa era o produto do trabalho voltado para a produção durante o período inicial do desenvolvimento capitalista. Neste aspecto o fim do período capitalista apresenta uma antítese notável relativa a seu começo. Se no princípio o indivíduo foi transformado em uma fração, no executor de uma função fracionária, em uma extensão viva da máquina, então ao término, as próprias exigências da indústria requererão uma pessoa plenamente desenvolvida, flexível e que seja capaz de alterar as formas de trabalho, de organizar o processo de produção e de controlá-lo.

Não importa qual característica particular e definidora do tipo psicológico humano que tomemos, seja nos períodos iniciais ou recentes do desenvolvimento do capitalismo, em todos os casos nós encontraremos sempre um significado e um caráter duplos em cada característica crucial. A fonte da degradação da personalidade na forma capitalista de produção, também contém em si mesma o potencial para um crescimento infinito da personalidade.

Para dar um exemplo, concluiremos examinando situações de trabalho onde pessoas de ambos os sexos e de todas as idades têm que trabalhar juntas. ‘A composição do quadro geral de empregados por pessoas de ambos sexos e todas as idades...’, diz Marx, ‘deve, pelo contrário, sob circunstâncias apropriadas, se transformar em uma fonte de desenvolvimento humano’ [ibid., pág. 514].

Disto pode se tirar que o crescimento da indústria de grande escala contém dentro de si mesmo o potencial escondido para o desenvolvimento da personalidade humana e que somente a forma capitalista de organização do processo industrial é a responsável pelo fato de todas estas forças exercerem uma influência unilateral e incapacitante que retarda o desenvolvimento pessoal.

Em um de seus primeiros trabalhos, Marx escreve que se a psicologia desejar se tornar uma ciência realmente relevante, terá que aprender ler o livro da história da indústria material que encarna ‘os poderes essenciais de homem', e que é uma encarnação concreta da psicologia humana(6). Da maneira como se dá, toda a tragédia interior do capitalismo consiste no fato que na ocasião em que o estudo objetivo da psicologia do homem, que continha dentro de si potencial infinito de domínio sobre a natureza e sobre o desenvolvimento de sua própria natureza, crescia a passo acelerado, sua vida espiritual real estava degradando e passando pelo processo que Engels descreveu tão vividamente como a mutilação do homem.

Mas a essência de toda esta discussão consiste no fato que esta dupla influência de fatores inerentes à indústria de grande escala sobre o desenvolvimento pessoal do homem, esta contradição interna do sistema capitalista, não pode ser solucionada sem a destruição do sistema capitalista de organização industrial. Neste sentido, a contradição parcial que nós já mencionamos, entre o poder crescente do homem e sua degradação que paralelamente aprofunda-se, entre seu crescente domínio sobre a natureza, e sua liberdade por um lado, e a sua escravidão e dependência crescentes das coisas produzidas por ele mesmo, no outro — nós desejamos reiterar que esta contradição representa só uma parte de uma contradição muito mais geral e totalizadora que subjaz ao sistema capitalista tomado como um todo. Esta contradição geral. entre o desenvolvimento das forças de produção e a ordem social que correspondente a este nível de desenvolvimento das forças de produção, é resolvida pela revolução socialista e uma transição para uma nova ordem social e uma nova forma de organização das relações sociais.

Paralelamente a esse processo, uma mudança na personalidade humana e uma alteração do próprio homem deve inevitavelmente acontecer. Esta alteração tem três raízes básicas. A primeira delas consiste no fato mesmo da destruição das formas capitalistas de organização e produção e das formas de vida social e espiritual que a partir daí irão surgir. Junto com o desfacelamento da ordem capitalista, todas as forças que oprimem o homem e que o mantêm escravizado pelas máquinas e que interferem com o seu livre desenvolvimento também desaparecerão e serão destruídas. Junto com a liberação dos muitos milhões de seres humanos da opressão, virá a libertação da personalidade humana das correntes que restringem seu desenvolvimento. Esta é a primeira fonte — a liberação de homem.

A segunda fonte de qual emerge a alteração de homem reside no fato de que ao mesmo tempo em que as velhas correntes desaparecem, o enorme potencial positivo presente na indústria de grande escala, o já crescente poder dos homens sobre a natureza, será liberado e tornado operativo. Todas as características discutidas acima, das quais o exemplo mais notório é a forma completamente nova de criar um futuro baseado na combinação de trabalho físico e intelectual, perderão seu caráter dual e mudarão o curso de sua influência de um modo fundamental. Considerando que anteriormente suas ações foram dirigidas contra as pessoas, agora elas começam a trabalhar por causa delas. De seu papel de obstáculos desempenhado outrora, elas se transformam em forças poderosas de promoção do desenvolvimento da personalidade humana.

Finalmente, a terceira fonte que inicia a alteração de homem é mudança nas próprias relações sociais entre as pessoas. Se as relações entre pessoas sofrem uma mudança, então junto com elas as idéias, padrões de comportamento, exigências e gostos também mudarão. Como foi averiguado por pesquisa psicológica a personalidade humana é formada basicamente pela influência das relações sociais, i.e., o sistema do qual o indivíduo é apenas uma parte desde a infância mais tenra. ‘Minha relação para com meu ambiente’, diz Marx, ‘é minha consciência’(7). Uma mudança fundamental do sistema global destas relações, das quais o homem é uma parte, também conduzirá inevitavelmente a uma mudança de consciência, uma mudança completa no comportamento do homem.

A educação deve desempenhar o papel central na transformação do homem, nesta estrada de formação social consciente de gerações novas, a educação deve ser a base para alteração do tipo humano histórico. As novas gerações e suas novas formas de educação representam a rota principal que a história seguirá para criar o novo tipo de homem. Neste sentido, o papel da educação social e politécnica é extraordinariamente importante. As idéias básicas que justificam a educação politécnica consistem em uma tentativa de superar a divisão entre trabalho físico e intelectual e reunir pensamento e trabalho que foram separados durante o processo de desenvolvimento capitalista.

De acordo com Marx, a educação politécnica proporciona a familiaridade com os princípios científicos gerais a todos os processos de produção e, ao mesmo tempo, ensina as crianças e adolescentes que habilidades práticas tornam possível para eles operarem as ferramentas básicas utilizadas em todas as indústrias. Krupskaja formula esta idéia da seguinte maneira:

"Uma escola politécnica pode ser distinguida de uma escola de comércio pelo fato de centrar-se na interpretação de processos de trabalho, no desenvolvimento da habilidade para unificar teoria e prática e na habilidade para entender a interdependência de certos fenômenos, enquanto em uma escola de comércio o centro de gravidade está em proporcionar para os alunos habilidades para o trabalho".(8)

Coletivismo, a unificação do trabalho físico e intelectual, uma mudança nas relações entre os sexos, a abolição da separação entre desenvolvimento físico e intelectual, estes são os aspectos fundamentais daquela alteração do homem que é o assunto de nossa discussão. E o resultado a ser alcançado, a glória e coroamento de todo esse processo de transformação da natureza humana, deveria ser o aparecimento da forma mais alta de liberdade humana que Marx descreve da seguinte maneira: ‘Somente em comunidade,[com os outros, cada] indivíduo [possui] os meios de cultivar seus talentos em todas as direções: só em comunidade, então, é possível a liberdade pessoal’(9). Assim como a sociedade humana, a personalidade individual precisa dar este salto que a leva do reino da necessidade à esfera de liberdade, como foi descrito por Engels.

Sempre que a alteração do homem e a criação de um novo nível mais elevado de personalidade e conduta humanas são postas em discussão, é inevitável que sejam mencionadas idéias sobre um tipo novo de ser humano relacionado à teoria de Nietzsche sobre o super-homem. Partindo das perfeitamente verdadeiras suposições que a evolução não parou no homem e que o tipo moderno de ser humano representa nada além de uma ponte, uma forma transitória, que conduz a um tipo mais elevado, que a evolução não esgotou suas possibilidades quando criou o homem e que o tipo moderno de personalidade não é a realização mais alta e a última palavra no processo de desenvolvimento, Nietzsche concluiu que uma criatura nova pode surgir durante o processo de evolução, um super-homem que guardará a mesma relação com homem contemporâneo que o homem contemporâneo guarda com o macaco.

Porém, Nietzsche imaginou que o desenvolvimento deste tipo mais elevado de homem estava sujeito à mesma lei de evolução biológica, a luta pela vida e a seleção baseada na sobrevivência do mais apto, que prevalece no mundo animal. É por isto que o ideal de poder, a auto-afirmação da personalidade humana em toda sua abundância de poder e ambição instintivos, o individualismo áspero de homens e mulheres fora de série, de acordo com Nietzsche, formariam, a estrada para a criação de um super-homem.

Esta teoria é errônea, porque ignora o fato que as leis de evolução histórica do homem diferem fundamentalmente das leis da evolução biológica e que a diferença básica entre estes dois processos consiste no fato que um ser humano evolui e se desenvolve como um ser histórico, social. Só uma elevação de toda a humanidade a um nível mais alto de vida social, a liberação de toda a humanidade, pode conduzir à formação de um novo tipo de homem.

Porém, esta mudança do comportamento humano, esta mudança da personalidade humana, tem que conduzir, inevitavelmente, à evolução do homem para um tipo superior, para a alteração do tipo biológico humano. Tendo dominado os processos que determinam sua própria natureza, o homem que hoje está lutando contra velhice e doenças, ascenderá, indubitavelmente, a um nível mais elevado e transformará sua própria organização biológica. Mas esta é a fonte do maior paradoxo histórico do desenvolvimento contido nesta transformação biológica do tipo humano, que ela é alcançada principalmente por meio da ciência, da educação social e da racionalização dos modos de vida. A alteração biológica do homem não representa uma condição prévia para estes fatores, mas, ao invés disso, é um resultado da liberação social do homem.

Neste sentido Engels, que tinha examinado o processo de evolução do macaco ao homem, disse que trabalho que criou o homem(10). Partindo daí, poder-se-ia dizer que novas formas de trabalho criarão o novo homem e que este homem novo se assemelhará ao tipo antigo de homem, ‘o antigo Adão’, apenas no nome, da mesma maneira como, de acordo com a grande declaração de Spinoza, um cão, o animal que late, se assemelha a Cão constelação celeste(11).

NOTAS
1. Provavelmente se refere a Plekhanov, G. V. 1922: Ocherki po istorii materializma. Moscou.
2. Refere-se à pág. 272 de Engels, F. 1894/1978: Herrn Eugen Duhring’s Umwalzung der Wissenschaft [Anti-Duhring]. Dietz Verlag.
3. É obscuro a que livro que Vygotsky está se referindo.
4. Referência às pp. 271-2 de Engels 1894/1978. Ver também pp. 381 e 445 de Marx, K. 1890/1962: Das Kapital [O Capital] 4th ed.). Berlin: Dietz Verlag.
5. Um erro curioso. O texto atribuído a Engels pode ser achado na p. 382 de Marx, K. 1890/1962: Das Kapital [O Capital] (4th edn). Berlin: Dietz Verlag.
6. ‘Entendemos que a história da indústria e a atual existência objetiva da indústria são o livro aberto dos poderes essenciais do homem, percebemos a psicologia humana existente... uma psicologia para qual este livro, a parte de história que existe na forma mais perceptível e acessível, permanece um livro fechado, não pode se tornar uma ciência genuína, geral e real’. Ver pp. 302-03 of Marx-Engels Collected Works. Vol, 3: Economic and Philosophical Manuscripts. New York: International Publishers (1975).
7. Referência à p. 30 of Marx, K. e Engels, F. 1846/1978: Die deutsche Ideologie [A Ideologia Alemã].Berlin: Dietz Verlag.
8. A esposa de Lênin, N. K. Krupskaja, devotou muita atenção à questões educacionais. Em seu livro, Vospitanie molodezhi v Leninskom dukhe [Educação da Mocidade no Espírito de Lenin] ela discutiu experiências internacionais suas contemporâneas com escolas de trabalho (Arbeitsschule) à luz do ideal de Marx da educação politécnica. Ver Krupskaja, N. K. 1925/1989: Vospitanie molodezhi v Leninskom dukhe. Moscow: Pedagogika. Nós não pudemos estabelecer a fonte exata da presente citação.
9. Ver p. 74 de Marx e Engels (1846/1978).
10. Conferir pp. 444-55 de Engels, F. 1925/1978: Dialektik der Natur [A Dialética da Natureza]. Berlin: Dietz Verlag.
11. Uma das citações favoritas de Vygotsky da Ética de Spinoza. Ver p. 61 of Spinoza, B. de 1677/1955: On the improvement of the understanding. The ethics. Correspondence. New York: Dover. ‘O antigo Adão’ pode ser uma referência implícita ao uso por Marx (1890/1962, p. 118) desta expressão.


por Lev Vygotsky, publicado no 1930: Socialisticheskaja peredelka cheloveka. VARNITSO, USSR.
Traduzido por Nilson Dória, para o Marxists.org

Lições da NEP soviética para «Economia Socialista de Mercado» da China Popular


por Thomas Kenny**

Autores marxistas ocidentais de vários pontos de vista asseveram que a Nova Política Económica (NEP) prenunciou a Economia Socialista de Mercado (ESM). Um autor observou: «A ordem social que atualmente se considera válida na China apresenta-se como uma espécie de NEP gigantesca e expandida», (Losurdo, 2000, 498). De forma semelhante, um panfleto recente dos comunistas britânicos comparou a China dos dias de hoje, com a sua economia socialista de mercado, à NEP da Rússia Soviética na década de 1920. «Em defesa da NEP, Lénine elaborou muitos dos mesmos pontos que Deng Xiaoping e representantes do Partido Comunista Chinês elaboram hoje (...) Naturalmente, a China no último quartel do século XX não era a Rússia no primeiro quartel. Mas as suas crises apresentam sintomas semelhantes. E os seus remédios assemelham-se fortemente uns com os outros» (China's Line of March 2006, 32).
Este  documento partilha a visão de que a NEP é de fato uma precursora da ESM. Chega-se à conclusão, no entanto, não de que a NEP tenha sido um êxito, o precursor abortado da ESM, mas ao contrário de que a NEP conta-nos antecipadamente as contradições e limites da ESM.
*www.resistir.info/varios/socialismo_de_mercado.html
**Autor de O Socialismo Traído, Por Trás do Colapso da URSS, Roger Keeren e Thomas kenny, Edições «Avante!», 2008.
1Da mesma forma, um académico norte-americano, AIbert L. Sargis, escreve na revista teórica e de discussão do CPUSA, que a NEP foi «uma economia socialista de mercado em forma embrionária» (Sargis 2004).
2A comparação de experiências revolucionárias tão remotas no espaço e no tempo como a NEP da Rússia e a ESM da China é certamente apropriada. Exemplo: a Comuna de Paris de 1871 e a Revolução de Outubro de 1917 tiveram lugar em circunstâncias totalmente diferentes. Mas a partir da Comuna, Marx fez importantes generalizações teóricas acerca da natureza do poder de Estado e das exigências da transformação revolucionária aplicáveis noutros lugares. Em 1917 Lénine testou-as na prática. Uma abordagem científica da história exige uma pesquisa de tais padrões. «Uma característica fundamental da historiografia anti-marxista é a absolutização do particular, do que é nacionalmente específico (...) Pois os anti-marxistas temem generalizações (...) eles evitam cuidadosamente conceitos que possam sugerir regularidades no desenvolvimento da sociedade». (E. Júkov, Methodology of History, Moscow: USSR Academy of Sciences, 1983, 56). É o caso do «excepcionalismo americano», um erro ideológico recorrente no movimento da esquerda dos EUA. O «excepcionalismo chinês» é um desvio nacionalista na esfera da teoria.
1
NEP e ESM: essencialmente o mesmo
Ironicamente, podem-se encontrar eminentes economistas chineses a negarem a conexão entre a NEP e a ESM ou, pelo menos, relutantes em afirmá-la. Um destacado economista chinês pró-mercado, o falecido Xue Mukiao, enfatizou a dissemelhança entre a NEP e a ESM.3 Tal dissociação é pouco convincente. A NEP é semelhante à ESM em todos os aspectos chave. Na finalidade e no conteúdo de classe a NEP e a ESM são idênticas: aumentar a riqueza da classe trabalhadora, do Estado socialista, através de uma política que necessita do crescimento de novas classes que são objectivamente hostis à construção socialista. As suas principais políticas são idênticas. Ambas promovem mecanismos de mercado, a propriedade privada, a concorrência, a integração na economia capitalista externa. Os seus resultados tiveram a mesma sequência. Ambas, após o êxito inicial, entraram em crise porque eram auto-contraditórias. Em teoria, eram idênticas. Desenvolveram-se e realizaram a recuperação das forças produtivas recuando para relações capitalistas de produção historicamente ultrapassadas, discordantes dos objectivos socialistas de um Estado dos trabalhadores. Finalmente, as suas crises foram as mesmas, como veremos abaixo.4
3Xue parece pensar que o apoio anterior a 1949 dos camponeses chineses à revolução – tornando desnecessária qualquer NEP pós-revolucionária para restaurar a aliança dos operários com o campesinato – torna a China diferente da Rússia (Xue Mukiao, 1981, 3). Xue asseverou: «Ele [Lénine] avançou com a NEP numa tentativa de controlar a pequena economia camponesa através do mercado mediante o desenvolvimento do comércio estatal e cooperativo (...) A situação na China era diferente». Xue continua este raciocínio, afirmando que a Revolução Chinesa já havia desenvolvido «cooperativas de abastecimento e comercialização» em zonas libertadas antes de 1949, separando politicamente os camponeses do latifundismo e ganhando-os para a revolução. A inexistência da necessidade na China de se perseguir o objectivo político da NEP – reconquistar o apoio político do campesinato – é um fraco argumento para demonstrar a não semelhança entre a NEP e a ESM. No entanto, indirectamente e talvez involuntariamente, Xue admite que a NEP foi adoptada em condições de necessidade genuína e que a ESM não era necessária no mesmo sentido estrito. A visão de Xue é uma posição mistificadora para um académico chinês. É bem sabido que Deng Xiaoping se mostrou profundamente interessado em aprender tudo o que podia acerca da NEP através do industrial dos EUA, Armand Hammer, que a conheceu em primeira-mão (http://www.reference.com/browse/wiki/Deng_ Xiaoping). Possivelmente, muitas décadas de anti-sovietismo no discurso político chinês desencorajam comparações sino-soviéticas. A doutrina da «etapa primária do socialismo» ligada a uma teoria sobre 1989-91 oferece poucos incentivos para tais comparações, já que, para os Estados socialistas do Leste Europeu e a União Soviética tudo correu mal e a história pronunciou o seu veredicto. Um eminente pensador chinês escreveu que os Estados que caíram já não tinham nada de socialistas (ver Zhongkiao Duan, 1998, 224). Desde que isto aconteceu, houve tantas guinadas na política económica da China Popular que o período inicial, isto é, o período de 1949-56, é muito mais semelhante à NEP do que a própria ESM (Slakovsky 1972, 153).
4Obviamente, existem diferenças entre a NEP e a ESM. Primeiro, decorrem em diferentes circunstâncias históricas. A Rússia pré-1914 era um país capitalista de desenvolvimento médio, que foi arruinado pela I Guerra Mundial, pela intervenção estrangeira e pela guerra civil. No início da NEP, o governo de Lénine estava em perigo de perder o apoio do campesinato. Em 1949, a China era um país semi-feudal e semi-colonial; em 1978 a China havia perdido anos preciosos de desenvolvimento devido a políticas precipitadas, ultra-esquerdistas, aventureiras. Segundo, a ESM perdurou muito mais tempo. Certamente que a sensibilidade da China Popular ao perigo da perda de soberania nacional é um factor na paciência com que tanto as autoridades como o povo têm suportado as agudas contradições da ESM (ver Weil, 1996, 83). Além disso, a paciência chinesa é compreensível; arrancar da pobreza 400 milhões de chineses entre 1990 e 2
As bases da NEP
Recordemos o que foi a NEP. Em Março de 1921, após a rebelião do Kronstadt contra as políticas bolcheviques, o X Congresso do Partido Comunista Russo reuniu-se e ouviu Lénine argumentar em favor de um novo rumo na política soviética. Lénine argumentou a favor do que denominou «capitalismo de Estado», que deveria realizar-se nas seguintes formas: 1) joint-ventures com o estrangeiro e mesmo propriedade estrangeira de empresas («concessões»); 2) cooperativas baseadas nos princípios de mercado; 3) utilização de comerciantes capitalistas, bem como administradores económicos e especialistas técnicos treinados em métodos capitalistas de gestão e organização; e 4) o arrendamento de empresas de propriedade estatal e de recursos naturais tanto a capitalistas estrangeiros como nacionais. As empresas estatais, que controlavam os «níveis de comando», eram auto-suficientes e operavam segundo o princípio dos lucros e perdas, abastecendo-se elas próprias dos seus activos circulantes (Sargis, 2004).
Por que acabou a NEP?
A maior parte dos partidários do socialismo, incluindo este autor, encara a NEP sob uma luz positiva, como um expediente de curto prazo que teve êxito ao ajudar a Rússia revolucionária a sair de uma crise económica. Lénine provou estar certo: depois de ter sido restaurado o livre comércio nos cereais, a NEP teve êxito imediato. Mas no fim da década de 1920, contudo, a NEP terminou porque estava a aprofundar a crise e não por causa dos poderes arbitrários e excessivos de Stáline, como é muitas vezes apregoado.5
2003, segundo dados da OMC, é um feito estupendo. Terceiro, as perspectivas são qualitativamente diferentes. Na Rússia, a NEP foi vista como um recuo temporário para o «capitalismo de Estado». A China Popular abraçou todas as novas doutrinas do desenvolvimento, alongando a transição para o socialismo. Quarto, a Rússia Soviética cercada tinha o mundo externo hostil a pouco distância, interagindo com ele meramente através de acordos de paz e acordos comerciais. O Estado soviético permaneceu em grande medida economicamente autónomo. Em contraste, a China procurou a integração impetuosa na economia capitalista mundial. Quinto, na Rússia da NEP, o Partido mantinha uma vigilância estrita sobre a economia. As autoridades em Pequim, talvez porque o fenómeno de uma grande crise só amadureceu mais tarde, até recentemente transferiam grande parte da supervisão da economia para organismos regionais e locais. Sexto, durante grande parte da época da ESM, de 1978 até 1991, o alvo principal da hostilidade, pressão e subversão imperialista era a URSS, não a China Popular.
5 No ocidente capitalista, a NEP é um «terreno contestado» numa recorrente batalha ideológica entre comunismo e reformismo. Até 1985, a NEP constituiu a época da história soviética em que foi dada mais liberdade ao capitalismo. Assim, naturalmente, os reformistas sociais, reformistas liberais e comunistas revisionistas idealizam a NEP, mitologizando-a saudosamente como «o caminho não seguido». Na batalha para mudar de direcção em 1921, certas frases de Lénine – por exemplo, de que a NEP seria prosseguida «seriamente» e «por um longo período», forneceram aos oportunistas uma base documental para argumentar que o líder russo encarava a NEP como a nova rota permanente para o socialismo soviético. Já na década de 1930, o social-democrata austríaco Otto Bauer exprimiu a esperança de que a experiência da NEP poderia eventualmente suavizar o bolchevismo e conduzi-lo de volta à corrente principal do social-reformismo europeu. Em 1956, comunistas revisionistas húngaros, sob Imre Nagy, promoveram esta mesma imagem da NEP, tal como o fez mais tarde Ota Sik, conselheiro principal do 3
Múltiplas crises levaram a liderança soviética a terminar a NEP.6
A NEP trouxe mais cereais para as cidades (isto é, aumentou as forças produtivas), através do aumento dos incentivos para os camponeses, especialmente camponeses ricos (kulaks), na base dos antigos incentivos embutidos nas velhas relações de produção. Mas estas mesmas relações de produção pré-revolucionárias restauradas pelos bolcheviques deram o poder aos kulaks de reter os cereais do mercado na esperança de obterem preços mais elevados.
Num dado momento, a NEP restaurou rapidamente a aliança operário-camponesa, mas fê-lo à custa do fortalecimento dos inimigos de classe internos – os kulaks e os NEPmen 7 – dando-lhes, objectivamente, especialmente aos últimos, uma capacidade crescente de determinar o ritmo da construção socialista. Portanto, no curto prazo, a NEP apaziguou o campo mas, a longo prazo, fortaleceu inevitavelmente as classes opostas à construção socialista. Além disso, alienou a classe social para a qual o sistema devia orientar-se, a classe trabalhadora.
O Estado soviético lutou arduamente para debelar as contradições, mas estas não podiam ser eliminadas e tenderam a agudizar-se ao longo do tempo. Aumentaram as
revisionista checoslovaco Alexander Dubcek, em 1967-68. O historiador Roi Medvédev, um apoiante de Gorbatchov, louvou a NEP como «a mais vital contribuição de Lénine para a teoria e a prática do movimento socialista». Analogamente, a antiga e influente conselheira de Gorbatchov, Tatiana Zaslávskaia, promoveu a NEP como o modelo das reformas a partir de 1986. O analista de assuntos soviéticos do The Nation, Stephen F. Cohen, declarou: «Dito de uma forma simples, o Partido Comunista Chinês reabilitou a alternativa económica perdida com o stalinismo (...) a NEP, que estabeleceu uma economia mista, foi o primeiro experimento do socialismo de mercado». Nas suas memórias, Anatoli Cherniáev, um ajudante de topo de Gorbatchov, conta que depois de ter lido a biografia de Bukhárine, de Stephen F. Cohen, Gorbatchov – um bukharinista simplesmente inconsciente até então – decidiu reabilitar Bukhárine e adoptou-o como padrinho ideológico, por assim dizer, da perestróika. Alguns neo-bukharinistas dos dias de hoje, indo mais além do que o próprio Bukhárine ousou, fazem-se eco de economistas neoliberais tais como Ludwing von Mises e Friedrich Hayek, que argumentavam que apenas «mercados livres» permitem a formação racional do preço e a eficiência distributiva. Os mercados «livres», apregoam esses neo-bukharinistas, são superiores ao planeamento central pelo menos no presente estado da ciência.
6Um comunista italiano coloca o problema de modo claro: «A maior parte dos historiadores está bem consciente das contradições que acabaram por levar à crise da NEP no fim da década de 1920» (Boffa, 1982, 178). Primeiro, o mercado criou instabilidade, como por exemplo a crise das «tesouras» de 1922-23, na qual a acentuada flutuação dos preços dos cereais provocaram escassez alimentar e desemprego entre trabalhadores, prejudicando camponeses pobres e muitos camponeses médios, mas beneficiando camponeses ricos, isto é, kulaks. Segundo, os sovietes perceberam que as políticas da NEP condenavam a União Soviética a um período prolongado de atraso industrial, uma perspectiva inaceitável face aos boicotes e provável invasão por países ocidentais – sem mencionar o objectivo supremo de uma sociedade socialista próspera apenas possível na base da moderna indústria pesada. Terceiro, em 1927-28 a ideia de que os mecanismos de mercado, por si só, seriam suficientes para alimentar as cidades foi completamente destroçada quando, face à descida dos preços, os provocadores kulaks açambarcaram os cereais deixando as cidades confrontadas com a fome. A NEP também engendrou crescentes contradições políticas internas, como o crescimento de um nacionalismo pernicioso. Quando a situação internacional se agravou, as crises da NEP revelaram-se ingovernáveis.
7Os NEPmen eram comerciantes privados, uma nova burguesia que cresceu na época da NEP. (Ver Ball, 1987, 15-37).
4
desigualdades no campo e os desequilíbrios na indústria. Diminuíram as possibilidades de crescimento rápido da indústria pesada socialista. Formas de consciência social instigando a agitação e o retrocesso ideológico atingiram o interior do Partido e ameaçavam a sua unidade.8 A corrupção floresceu.9 Entre 1921-28, o imperialismo utilizou a NEP, no quadro das relações externas, para se ingerir nos assuntos soviéticos.10 O fortalecimento económico da pequena burguesia levou ao crescimento do nacionalismo pequeno-burguês, que assumiu duas formas: o chauvinismo grão-russo e o separatismo nacionalista nas antigas nações subjugadas (Lénine e Stáline, 1979; Stáline 1953, 243 - 44). Quanto mais o fim da NEP fosse adiado, maior seria o custo de uma viragem para o planeamento e a propriedade pública. Em 1928, a maior parte dos líderes soviéticos concluiu que ou os kulaks estrangulariam a revolução ou o Estado soviético teria de descobrir um meio de cortar o nó górdio. A solução determinava que: a) O socialismo podia ser construído num só país através da industrialização rápida. b) A industrialização rápida podia ser financiada com o aumento do rendimento da agricultura através das cooperativas agrícolas e da mecanização. c) Um confronto com os kulaks seria inevitável. d) O crescimento da indústria e da agricultura podia ser coordenado através do planeamento central (Keeran e Kenny, 2004, 18).
O poder premonitório da NEP
Tal como a NEP, a ESM avançou e realizou a recuperação das forças produtivas através de um recuo para relações capitalistas de produção historicamente ultrapassadas, discordantes de outros objectivos socialistas a médio e longo prazo da China Popular. Se na verdade a NEP é a matriz da ESM, que fenómenos seria de esperar que ocorressem na China? Nós esperaríamos ver – e estamos a ver – o crescimento de forças de classe hostis dentro do país; corrupção no Partido; regressão ideológica; agitação social; desemprego; desigualdade crescente entre ricos e pobres; desigualdade entre regiões; privações e agitação no campo;11 condições gravosas para os imigrantes das zonas rurais em busca de trabalho nas cidades; abusos laborais, especialmente nas empresas controladas pelas corporações transnacionais (CTNs); distanciamento dos trabalhadores industriais e camponeses pobres em relação ao Partido; declínio dos serviços de saúde e educação (Hart-Landsberg and Burkett, 2004, 58-75).
Certas características especiais da ESM tornam a China Popular ainda mais vulnerável aos seus perigos do que a Rússia o foi durante a NEP. A inovação doutrinária da etapa primária de socialismo permitiu, até muito recentemente, uma atitude displicente em
8 «Durante a NEP, a burocracia, os administradores, os técnicos e a intelligentsia – o corpo dirigente da nova sociedade – era predominantemente, quase exclusivamente, constituído por elementos estranhos ao regime» (Carr, 1958, 116). A obra em vários volumes de Carr, A History of Soviet Russia, talvez seja o relato mais pormenorizado da NEP disponível em inglês.
9Sobre a corrupção da NEP, ver Ball 1987, 63, 106, 114, 116, 171.
10 O Acordo Anglo-Soviético de Comércio, no princípio da época da NEP, estipulava que os soviéticos tinham de restringir a «propaganda hostil» contra a Grã-Bretanha (Carr 1953, 289).
11«Corrupção, poluição, confisco de terras, taxas e impostos arbitrários estão entre as principais causas de uma vaga de agitação social. Os tumultos tornaram-se uma constante na vida rural da China – mais de 200 “incidentes maciços de protesto" verificaram-se diariamente em 2004, indicam as estatísticas da polícia – minando os esforços do partido para assegurar a estabilidade social» (Kahn 2006).
5
relação aos sinais de aviso. A China tem uma integração muito mais plena na economia capitalista mundial, facto imposto por instituições tais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Desta integração resulta a facilidade de transmissão de choques económicos externos. A China permanece dependente de uma ordem política e militar dirigida pelo imperialismo. A pressão imperialista para desregulamentar o sistema financeiro da China e, mais amplamente, para enfraquecer o controlo do Estado sobre o conjunto da economia e «se abrir», persiste. Se a China procurar corrigir abusos laborais nas empresas propriedade das CTNs, estas ameaçarão reduzir ou suspender os investimentos no país.
Questões decorrentes para ESM da China
Se esta análise da NEP é correcta, então colocam-se logicamente certas questões.
􀁺 A crise da ESM agravar-se-á forçosamente? A China conseguiu resultados extraordinários através do alargamento das relações capitalistas de produção, a mesma contradição que atormentou a NEP. Durante quanto mais tempo será a ESM sustentável? Para se por termo à NEP na União Soviética, em 1928-29, foi necessária uma luta demasiado sangrenta no campo, «uma terceira revolução», nas palavras de Bukhárine. Não será razoável pensar que a reversão do curso na China, se for adiada por «uma centena de anos»12, irá também exigir um preço demasiado alto? A nova doutrina da «etapa primária do socialismo», a estender-se quase infindavelmente no futuro, parece subestimar gravemente a velocidade da constituição de classes objectivamente hostis ao socialismo na China Popular.
􀁺 Quais são as prováveis consequências da ESM na esfera da ideologia? Nos meados da década de 1920 os líderes soviéticos notaram a ascensão do nacionalismo pequeno-burguês. Poderá alguém avaliar o impacto ideológico regressivo da descolectivização e do retorno à propriedade privada em milhões de camponeses chineses?
􀁺 Haverá um caminho de desenvolvimento para a China Popular que ofereça uma taxa de desenvolvimento das forças produtivas igual ou ainda mais rápida? No Primeiro Plano Quinquenal, quando a URSS superou a NEP, foram atingidas taxas anuais de crescimento industrial da ordem dos 13 por cento.13 Dado que a construção socialista significa ao mesmo tempo criar relações socialistas de produção e aumentar as forças produtivas, poderá fazer mais sentido aceitar um crescimento mais lento da produção se tal for exigido para dedicar
12«A China encontra-se e permanecerá por um longo período de tempo na fase primária do socialismo, etapa histórica inevitável na modernização socialista de um país atrasado do ponto de vista económico e cultural, que se prolongará por uma centena de anos» (Estatutos do Partido Comunista da China, parcialmente revistos no XVII Congresso Nacional do PCC e aprovados em 21 de Outubro de 2007, http://news.xinhuanet.com/english/2007-10/25/content_6944738.htm) [Link actualizado pelo editor da presente versão portuguesa].
13Um historiador económico contemporâneo dos EUA, Robert C. Allen, afirma que o ritmo da industrialização do Primeiro e Segundo Planos Quinquenais atingiu um crescimento de 12,7 por cento ano (2003, 219). Esta é uma visão semelhante à do economista marxista Maurice Dobb, que cita economistas burgueses anti-soviéticos nos Estados Unidos, os quais calcularam taxas de crescimento da produção industrial soviética pelo menos de 14 por cento entre 1929 e 1937 (1968, 261-62).
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mais atenção ao reforço da rede de segurança social e à recuperação do bem estar dos trabalhadores e camponeses?
􀁺 Será totalmente inédito que fenómenos de crises inesperadas surjam na ESM fora do controlo das autoridades de Pequim? A NEP foi cheia de surpresas. As relações capitalistas de produção na China são vastas. A integração do país no sistema capitalista está avançada. Muitos – incluindo a Wall Street (Kahn 2005; Barboza 2006b) — temem a emergência de um dos maiores males do capitalismo, uma crise cíclica de sobreprodução ou, no jargão dos negócios, um crash após um longo boom. Os planeadores centrais em Pequim cederam muito poder à espontaneidade do mercado.14 Será que está posta em causa a capacidade do Estado de estabilizar uma economia estrepitosa e amortecer o impacto brutal de choques externos?
􀁺 Haverá algum realismo em supor que o imperialismo consentirá uma «ascensão pacífica da China»?15 A NEP restringiu as «concessões estrangeiras» e confinou o comércio externo praticamente às trocas de cereais por maquinaria pesada. O peso da China na economia mundial tem aumentado. Mas a história teve episódios sinistros. Porventura a Grã-Bretanha imperialista aquiesceu à «ascensão pacífica» da Alemanha em 1870-1914? Ou a América imperialista aquiesceu à «ascensão pacífica» da URSS em 1945-91? A história mostra-nos que a China Popular terá de lutar pelo seu sistema socialista, pela sua independência nacional e pela paz. O imperialismo é inimigo destes três objectivos.
􀁺 Se a ESM significa que a China continuará a pugnar pela sua integração num mundo política e economicamente dominado pelos EUA, como poderá este país socialista cumprir suas responsabilidades internacionalistas? Deverá a China procurar desenvolver-se atraindo investimentos estrangeiros e competindo no comércio exterior apenas na base dos salários baixos?16 Os interesses da classe trabalhadora da China não são os únicos que estão causa. Todos os amigos do socialismo chinês ficaram satisfeitos com os passos dados recentemente para melhorar os direitos laborais (Barboza 2006a). Quando a URSS alcançou milagres de produção nos primeiros dois Planos Quinquenais, revolucionários de todo o mundo ganharam ânimo. O prejuízo ideológico para o prestígio do socialismo provocado pela imagem da China – merecida ou não – como «fábrica do mundo com péssimas condições de trabalho» é grande.
14Monopólios transnacionais de propriedade ocidental e japonesa controlam cada vez mais a economia chinesa. A sua parte nas vendas totais de produtos manufacturados na China passou de 2,3 por cento em 1990 para 31,3 por cento em 2000 (Hart-Landsberg and Burkett 2004).
15A Foreign Affairs é uma revista chave no debate da classe dominante dos EUA acerca de política externa. Num artigo na Foreign Affairs, Zheng Bijian escreveu com a maior ingenuidade que uma «ascensão pacífica» dependia dos anseios da potência em ascensão, não dos armamentos da potência hegemónica, os EUA, armada até os dentes com milhares de armas nucleares e com um cadastro medonho no seu emprego contra um povo asiático. Zheng escreve: «A China não seguirá o caminho da Alemanha que levou à I Guerra Mundial» e «a China ultrapassará diferenças ideológicas no seu empenho pela paz, desenvolvimento e cooperação». O artigo identifica o autor como um dos que «redigiu relatórios chave em cinco congressos nacionais do partido chinês e que ocupa postos elevados em organizações académicas e do partido na China» (2005).
16«Apesar de os custos horários totais dos trabalhadores industriais terem aumentado mais rapidamente na China do que nos Estados Unidos entre 2002 e 2004, a remuneração horária por trabalhador na China continuava a ser três por cento do nível dos Estados Unidos» (Lett and Banister 2006).
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Conclusão
É de saudar que a liderança iniciada em 2002, perturbada por indicadores negativos, esteja a combater mais firmemente as consequências perniciosas da ESM. Este estudo, assim o espero, acrescenta argumentos, baseados na teoria e na história, aos esforços dos líderes chineses que desejam ir mais adiante nesta rectificação. O movimento revolucionário mundial sofreu imensas perdas com a destruição do socialismo na Europa e na URSS quase no fim do século XX. O movimento ainda está a lutar para recuperar deste revés. Tremo ao pensar no desespero que dominará toda a humanidade progressista no século XXI se a subestimação dos perigos inerentes à «economia socialista de mercado» vier a causar danos irreparáveis às realizações revolucionárias da China Popular.
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