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quarta-feira, 30 de julho de 2014

Gaza, o gás na mira


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Para compreender melhor uma das razões do ataque israelense contra Gaza é necessário se ir em profundidade, exatamente a 600 metros abaixo do nível do mar, a  30 Km da costa litoral. Lá, nas águas territoriais palestinianas encontra-se um grande depósito de gás natural, Gaza Marinha, estimado em 30 bilhões de metros cúbicos, num valor de bilhões de dólares. Outros depósitos de gás e petróleo, de acordo com um mapa estabelecido pela U.S. Geological Survey (agência governamental dos Estados Unidos), encontram-se em terra firme, em Gaza e na Cisjordânia.
Em 1999, com um acordo assinado por Yasser Arafat, a Autoridade Palestiniana confiou a exploração da Gaza Marinha a um consórcio formado pelo “British Group” e “Consolidated Contractors” (companhia particular palestiniana), com respectivamente 60% e 30% das ações, nas quais o Fundo de Investimento da Autoridade Palestiniana tem um porcentagem de 10%. Dois poços de petróleo foram abertos, Gaza Marinha-1 e Gaza Marinha-2. Mas eles nunca jamais entraram em função, porque foram bloqueados por Israel, que queria todos os dividendos desse gás confiscados. Por intermédio do ex-Primeiro Ministro Tony Blair, enviado do “Quarteto para o Oriente Médio”, foi preparado um acordo com Israel que retiraria dos palestinianos ¾ dos futuros rendimentos do gás, colocando a parte que se lhes retornaria, numa conta internacional controlada por Washington e Londres. Entretanto, imediatamente depois de ter ganho as eleições de 2006, Hamas recusou o acordo qualificando-o de roubo, e exigiu uma renegociação do mesmo. Em 2007, o atual ministro israelense da Defesa, Moshe Ya’ alon disse que “o gás não poderia ser extraído sem uma operação militar que erradicasse o controle de Hamas de Gaza”.
Em 2008 Israel lançou a operação “Chumbo Fundido” contra Gaza. Em setembro 2012 a Autoridade Palestiniana anunciou que, apesar da oposição de Hamas, ela tinha retornado as negociações sobre o gás com Israel. Dois meses depois, a admissão da Palestina como um “Estado observador não membro” na ONU, veio a reforçar a posição da Autoridade Palestiniana nas negociações. Gaza Marinha continua entretanto bloqueada, impedindo os palestinianos de explorar a riqueza natural deles. Mas nesse ponto deu-se uma reviravolta e a Autoridade Palestiniana entrou num outro caminho. Em 23 de janeiro de 2014, de quando do encontro do presidente palestiniano com o presidente russo, Vladimir Putin, discutiu-se a possibilidade de confiar à companhia russa Gazprom a exploração dos depósitos de gás, nas águas de Gaza. Foi a agência Itar-Tass que o anunciou, ressaltando que a Rússia e a Palestina tinham um entendimento para reforçar a cooperação no setor energético. Nesse cenário, além da exploração dos depósitos de gás, tinha-se em mente as jazidas de petróleo nos arredores da cidade palestiniana de Ramalá, na Cisjordânia. Nessa mesma região a sociedade russa Technopromexport está pronta a participar na construção de uma central termoelétrica com uma potência de 200 MW. A formação do novo governo palestiniano de unidade nacional, em 2 de junho de 2014, reinforçava a possibilidade de que o acordo entre a Palestina e a Rússia chegasse a um bom porto, e atracasse bem. Dez dias mais tarde, em 12 de junho, teve-se o desaparecimento de três jovens israelenses, que foram retornados mortos em 30 de junho : esse veio a ser o pontual casus belli – motivo de guerra – que levou a operação “Barreira Protetora” contra Gaza. Essa é uma operação que entra na estratégia de Tel Aviv, que tem em vista também o se apropriar das reservas energéticas da inteira Bacia do Levante, na qual as reservas palestinianas, libanesas e sírias estão incluidas. Depois tem-se a estratégia de Washington, que em apoiando Israel, tem o controle de todo o Oriente Médio, assim como o impedir a Rússia de restabelecer uma influência na região, nos seus próprios planos.
Essa é uma mistura explosiva, na qual as vítimas são, ainda mais uma vez, os palestinianos.
 Manlio Dinucci

Edição de terça-feira, 15 de julho de 2014 de il manifesto
Traduzido por Anna Malm, artigospoliticos.com, para Mondialisation.ca

Para Organização Mundial da Saúde Cuba é modelo

De acordo com o organismo das Nações Unidas, o sistema de saúde de Cuba serve de exemplo para todos os países do mundo


Por Salim Lamrani no Opera Mundi

O sistema de saúde cubano é mundialmente reconhecido por sua excelência e eficiência. Apesar de recursos muito limitados e do impacto dramático causado pelas sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos há mais de meio século, Cuba conseguiu universalizar o acesso à saúde para todas as categorias da população e obteve resultados semelhantes aos das nações mais desenvolvidas.

Durante sua visita recente a Havana, Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde, elogiou o sistema de saúde cubano e se declarou impressionada com as conquistas nessa área. “Cuba é único país que eu vi que tem um sistema de saúde estreitamente relacionado com a pesquisa e o desenvolvimento em um circuito fechado. Essa é a direção certa porque a saúde humana não pode melhorar se não há inovação”, enfatizou. Destacou “os esforços da administração desse país em colocar a saúde como pilar essencial do desenvolvimento”.[1]

Cuba baseia seu sistema na medicina preventiva e os resultados são excepcionais. Segundo Margaret Chan, o mundo deve seguir o exemplo da ilha nesse campo e substituir o modelo curativo, pouco eficiente e custoso, por um sistema baseado na prevenção. “Desejamos ardentemente que todos os habitantes do planeta possam ter acesso a serviços médicos de qualidade, como em Cuba”, destacou.[2]

A OMS lembra que a falta de atenção médica no mundo não é de nenhuma maneira uma fatalidade advinda de falta de recursos. Traduz, em vez disso, a falta de vontade política dos dirigentes de proteger as populações mais vulneráveis. A organização cita o caso da ilha do Caribe como o perfeito exemplo contrário[3]. Por isso, em maio de 2014, Cuba presidiu a 67ª Assembleia Mundial da Saúde, como reconhecimento pela excelência em seu sistema de saúde.[4]

Leia também: Cuba, a ilha da saúde

Com uma taxa de mortalidade infantil de 4,2 por mil, Cuba tem o melhor indicador do continente e do Terceiro Mundo, refletindo assim a qualidade de seu sistema e o impacto sobre o bem-estar das crianças e das mulheres grávidas. A taxa de mortalidade de Cuba é inclusive inferior à dos Estados Unidos e se encontra entre as mais baixas do mundo.[5]

Com uma expectativa de vida de 78 anos, Cuba é um dos melhores alunos do continente americano e do Terceiro Mundo, com um indicador semelhante ao das nações mais desenvolvidas. Em 2025, Cuba terá a maior proporção de pessoas de mais de 60 anos da América Latina.[6]

Um sistema de saúde a serviço dos povos do Terceiro Mundo

Cuba também beneficia as populações do Terceiro Mundo em seu sistema de saúde. De fato, desde 1963, Cuba manda médicos e outros funcionários da saúde para os países do Terceiro Mundo para atender aos deserdados. Atualmente, cerca de 30 mil colaboradores médicos trabalham em mais de 60 países do planeta.[7]

O exemplo emblemático dessa solidariedade em relação aos despossuídos é a Operação Milagre, que foi lançada por Fidel Castro e Hugo Chávez em 2004. Essa campanha humanitária, elaborada a nível continental no marco do projeto de integração da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), consiste em operar gratuitamente os latino-americanos pobres que sofrem de cataratas e outras enfermidades oculares.[8]

Em uma década, cerca de 3,5 milhões de pessoas recuperaram a visão graças ao internacionalismo cubano. Esse programa social, criado em um primeiro momento para a Venezuela, se estendeu para todo o continente com o objetivo de operar 6 milhões de pessoas. Além das operações cirúrgicas, a Missão Milagre dá óculos e lentes de contato a pessoas vítimas de problemas de vista.[9]

No total, cerca de 165 instituições cubanas participam da Operação Milagre, que dispõe de uma rede de 49 centros oftalmológicos e 82 centros cirúrgicos em 14 países da América Latina: Bolívia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Granada, Nicarágua, Panamá, Paraguai, São Vicente e Granadinas, Venezuela e Uruguai[10].

A solidariedade médica cubana também se estende até a África. Em 2014, a Labiofarm, empresa de produção química e biotecnológica cubana, lançou uma campanha de vacinação contra a malária na África ocidental, em nada menos que 15 países. [11] Segundo a OMS, esse vírus, que afeta majoritariamente as crianças, custa a vida de nada menos de 630 mil pessoas por ano, “a maioria crianças de menores de cinco anos que vivem na África”. “Isso significa que mil crianças morrem a cada dia de malária”, lembra a Organização.[12]

Da mesma maneira, Cuba forma jovens médicos do mundo inteiro na Escola Latino-americana de Medicina (ELAM). Desde a sua criação, em 1998, a ELAM formou mais de 20 mil médicos de mais de 12 países. Atualmente, 11 mil jovens procedentes de mais de 13 países cursam medicina na instituição cubana. Segundo Ban Ki Moon, secretário-geral das Nações Unidas, a ELAM é a “escola médica mais avançada do mundo”. Também elogiou os médicos cubanos que trabalham em todo o mundo, e, particularmente, no Haiti. “Chegam sempre primeiro e são os últimos a ir embora, e permanecem depois da crise. Cuba pode mostrar a todo o mundo seu sistema de saúde, um modelo para muitos países”.[13]

Ao citar o exemplo de Cuba, a Organização Mundial da Saúde enfatiza que é possível para um país do Terceiro Mundo com recursos limitados elaborar um sistema de saúde eficiente e oferecer proteção social a todas as populações, se existe vontade política de situar o ser humano no centro do projeto de sociedade.

Notas:

[1] Prensa Latina, « Directora de OMS reconoció labor de Cuba en materia de salud », 16 de julho de 2014.

[2] Agencia Cubana de Noticias, « World Health Organization Praises Cuba’s Achievements », 14 de julho de 2014.

[3] Prensa Latina, « Directora de OMS reconoció labor de Cuba en materia de salud », op. cit.

[4] EFE, « Directora general de la OMS está en Cuba para ver avances en investigaciones », 15 de julho de 2014.

[5] EFE, « Cuba cierra 2013 con la tasa de mortalidad infantil más baja de su historia », 2 de janeiro de 2014.

[6] Oscar Alfonso Sosa, « Crece esperanza de vida geriátrica en Cuba”, Cubadebate, 29 de abril de 2014.

[7] Salim Lamrani, Cuba: les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, p. 49.

[8] Cubadebate, « La Misión Milagro cumple hoy diez años : ha devuelto la vista a 3,4 millones de personas », 8 de julho de 2014.

[9] Ibid.

[10] Ibid.

[11] Agencia Cubana de Noticias, « Cuba’s LABIOFARM Launches Malaria Campaign in Western Africa », 30 de maio de 2014.

[12] Organisation mondiale de la santé, « World Malaria Report 2013 », 2013, p. v. http://www.who.int/malaria/publications/world_malaria_report_2013/report/en/ (site consultado dia 19 de julho de 2014).

[13] Nyliam Vásquez García, « La escuela médica más avanzada del mundo », Juventud Rebelde, 28 de janeiro de 2014.

Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. 

terça-feira, 22 de julho de 2014

Fidel Castro: É hora de conhecer um pouco mais a realidade

Pedi aos editores do “Granma” que me dispensem nesta ocasião da honra de publicar o que vou escrever na primeira página do órgão oficial de nosso Partido, pois penso expressar pontos de vista pessoais sobre temas que, por conhecidas razões de saúde e de tempo, não pude apresentar nos órgãos coletivos de direção do Partido e do Estado, como os Congressos do Partido, ou as reuniões pertinentes da Assembleia Nacional do Poder Popular.

Em nossa época os problemas são cada vez mais complexos e as notícias se propagam com a velocidade da luz, como muitos sabem. Nada ocorre hoje em nosso mundo que não nos ensine algo a todos os que desejamos e ainda somos capazes de compreender novas realidades.

O ser humano é uma estranha mistura de instintos cegos, por um lado, e de consciências, por outro.

Somos animais políticos, como não sem razão afirmou Aristóteles, que quiçá influiu mais do que nenhum outro filósofo da antiguidade no pensamento da humanidade através de quase 200 tratados, segundo se afirma, dos quais se conservaram apenas 31. Seu mestre foi Platão, o qual legou para a posteridade sua famosa utopia sobre o Estado Ideal, que em Siracusa, onde tratou de aplicá-lo, quase lhe custa a vida.

Sua Teoria Política ficou como apelativo para qualificar as ideias como más ou boas. Os reacionários a utilizaram para qualificar tanto Marx, como Lênin, de teóricos, sem tomar em conta que suas utopias inspiraram a Rússia e a China, os dois países chamados a encabeçar um mundo novo que permitiria a sobrevivência humana se o imperialismo não desatar antes uma criminosa e exterminadora guerra.

A União Soviética, o Campo Socialista, a República Popular da China e a Coreia do Norte nos ajudaram a resistir com abastecimentos essenciais e armas, ao bloqueio econômico implacável dos Estados Unidos, o império mais poderoso de todos os tempos. Apesar de seu imenso poder, não pôde esmagar o pequeno país que a poucas milhas de suas costas resistiu durante mais de meio século às ameaças, aos ataques piratas, sequestros de barcos pesqueiros e afundamentos de navios mercantes, destruição em pleno voo do avião da Cubana de Aviação em Barbados, incêndio de escolas e outros delitos. Quando tentou invadir nosso país com forças mercenárias na vanguarda, transportadas em barcos de guerra dos Estados Unidos como primeira etapa, foi derrotado em menos de 72 horas. Mais tarde os bandos contrarrevolucionários, organizados e equipados por eles, cometeram atos de vandalismo que provocaram a perda da vida ou da integridade física de milhares de compatriotas.

No estado da Flórida se localizou a maior base de atividades contra outro país que existia naquele momento. Com o passar do tempo o bloqueio econômico se estendeu aos países da Otan e outros muitos aliados da América Latina, que foram durante os primeiros anos cúmplices da criminosa política do império, que despedaçou os sonhos de Bolívar, Martí e centenas de grandes patriotas de irredutível conduta revolucionária na América Latina.

A nosso pequeno país não só se negava seu direito a ser uma nação independente, como a qualquer outro dos numerosos Estados da América Latina e do Caribe, explorados e saqueados por eles, mas também o direito à independência de nossa Pátria que seria totalmente despojado, quando o destino manifesto concluía sua tarefa de anexar nossa ilha ao território dos Estados Unidos da América do Norte.

Na recém concluída reunião de Fortaleza se aprovou uma importante Declaração entre os países que integram o grupo Brics.

Os Brics propõem uma maior coordenação macroeconômica entre as principais economias, em particular no G-20, como um fator fundamental para o fortalecimento das perspectivas de uma recuperação efetiva e sustentável em todo o mundo.
Anunciaram a assinatura do Acordo constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento, com a finalidade de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável dos países Brics e outras economias emergentes e em desenvolvimento.

O Banco terá um capital inicial autorizado de 100 bilhões de dólares. O capital inicial subscrito será de 50 bilhões de dólares, dividido em partes iguais entre os membros fundadores. O primeiro presidente da Junta de Governadores será da Rússia. O primeiro presidente do Conselho de Administração será do Brasil. O primeiro presidente do Banco será da Índia. A sede do Banco será em Xangai.

Anunciaram também a assinatura de um Tratado para o estabelecimento de um Fundo Comum de Reservas de Divisas para situações de contingência, com um tamanho inicial de 100 bilhões de dólares.

Reafirmam o apoio a um sistema multilateral de comércio aberto, transparente, inclusivo e não discriminatório; assim como a conclusão exitosa da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Reconhecem o importante papel que as empresas estatais desempenham na economia; assim como o das pequenas e médias empresas como criadores de emprego e riqueza.

Reafirmam a necessidade de uma reforma integral das Nações Unidas, incluído seu Conselho de Segurança, com a finalidade de torná-lo mais representativo, eficaz e eficiente, de maneira que possa responder adequadamente aos desafios globais.

Reiteraram sua condenação ao terrorismo em todas as suas formas e manifestações, onde quer que ocorra; e expressaram preocupação pela contínua ameaça do terrorismo e do extremismo na Síria, ao mesmo tempo que chamaram todas as partes sírias a que se comprometam a pôr fim aos atos terroristas perpetrados pela Al-Qaeda, seus filiados e outras organizações terroristas.

Condenaram energicamente o uso de armas químicas em qualquer circunstância; e deram boas-vindas à decisão da República Árabe Síria de aderir à Convenção sobre Armas Químicas.

Reafirmaram o compromisso de contribuir a uma justa e duradoura solução global do conflito árabe-israelense sobre a base do marco legal internacional universalmente reconhecido, incluindo as resoluções pertinentes das Nações Unidas, os Princípios de Madri e a Iniciativa de Paz Árabe; e expressaram apoio à convocação, na data mais próxima possível, da Conferência sobre o estabelecimento de uma zona do Oriente Médio livre de armas nucleares e outras armas de destruição em massa.

Reafirmaram a vontade de que a exploração e utilização do espaço extraterrestre deve ser para fins pacíficos.
Reiteraram que não há alternativa a uma solução negociada para a questão nuclear iraniana e reafirmaram apoio a sua solução através de meios políticos e diplomáticos.

Expressaram preocupação pela situação no Iraque e apoiaram o governo iraquiano em seus esforços para superar a crise, defender a soberania nacional e a integridade territorial.

Expressaram preocupação pela situação na Ucrânia e fizeram um chamamento por um diálogo amplo, a diminuição do conflito e a moderação de todos os atores envolvidos, com a finalidade de encontrar uma solução política pacífica.

Reiteraram a firme condenação ao terrorismo em todas as suas formas e manifestações. Assinalaram que as Nações Unidas têm um papel central na coordenação da ação internacional contra o terrorismo, que deve ser levada a cabo conforme o direito internacional, incluída a Carta das Nações Unidas, e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

Reconheceram que a mudança climática é um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta, e fizeram um chamamento a todos os países a construir sobre as decisões adotadas na Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), com vistas a chegar a uma conclusão exitosa para o ano de 2015 das negociações no desenvolvimento de um protocolo, outro instrumento legal ou um resultado acordado com força legal sob a Convenção aplicável a todas as Partes, de conformidade com os princípios e disposições da CMNUCC, em particular o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas e suas respectivas capacidades.

Expressaram a importância estratégica da educação para o desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico inclusivo; assim como destacaram o vínculo entre a cultura e o desenvolvimento sustentável.

A próxima Cúpula dos Brics será na Rússia, em julho de 2015.

Pareceria que se trata de mais um acordo entre os muitos que aparecem constantemente nos despachos das principais agências ocidentais de imprensa. Contudo, o significado é claro e rotundo: A América Latina é a área geográfica do mundo onde os Estados Unidos impuseram o sistema mais desigual do planeta, o desfrute de suas riquezas internas, o fornecimento de matérias primas baratas, comprador de suas mercadorias e o depositante privilegiado de seu ouro e seus fundos que escapam de seus respectivos países e são investidos pelas companhias norte-americanas no país ou em qualquer lugar do mundo.

Nunca ninguém encontrou uma resposta capaz de satisfazer as exigências do mercado real que hoje conhecemos, mas tampouco poderia duvidar-se de que a humanidade marcha para uma etapa mais justa do que até nossos tempos tem sido a sociedade humana.

Repugnam os abusos cometidos ao longo da história. Hoje o que se avalia é o que sucederá em nosso planeta globalizado em um futuro próximo. Como poderiam escapar os seres humanos da ignorância, da carência de recursos elementares para alimentação, saúde, educação, habitação, emprego decente, segurança e remuneração justa. O que é mais importante, se isto será possível ou não, neste minúsculo rincão do Universo. Se meditar sobre isto serve para algo, será para garantir na realidade a supremacia do ser humano.

Por minha parte, não abrigo a menor dúvida de que quando o presidente Xi Jinping termine as atividades para concluir seu giro neste hemisfério, assim como o presidente da Federação Russa, Vladimir Pútin, ambos os países estarão culminando uma das maiores proezas da história humana.

Na Declaração dos Brics, aprovada em 15 de julho de 2014 em Fortaleza, defende-se uma maior participação de outros países, especialmente os que lutam por seu desenvolvimento com vistas a fomentar a cooperação e a solidariedade com os povos e de modo particular com os da América do Sul, assinala-se em um significativo parágrafo que os Brics reconhecem em particular a importância da União das Nações Sul-americanas (Unasul) na promoção da paz e da democracia na região, na conquista do desenvolvimento sustentável e na erradicação da pobreza.

Já fui bastante extenso, apesar de que a amplitude e a importância do tema demandavam a análise de importantes questões que requeriam alguma réplica.

Pensava que nos dias subsequentes haveria um pouco mais de análise séria sobre a importância da Cúpula dos Brics. Bastaria somar os habitantes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul para compreender que totalizam neste momento a metade da população mundial. Em poucas décadas o Produto Interno Bruto da China superará o dos Estados Unidos; muitos Estados já solicitam iuans e não dólares, não só o Brasil, mas vários dos mais importantes da América Latina, cujos produtos como a soja e o milho competem com os da América do Norte. O aporte que a Rússia e a China podem fazer na ciência, na tecnologia e no desenvolvimento econômico da América do Sul e do Caribe é decisivo.

Os grandes acontecimentos da história não se forjam em um dia. Enormes provas e desafios de crescente complexidade se vislumbram no horizonte. Entre a China e a Venezuela foram assinados 38 acordos de cooperação. É hora de conhecer um pouco mais as realidades.

Fidel Castro Ruz

Fonte: Granma

domingo, 20 de julho de 2014

Voo MH-17: um “atentado” suspeito demais


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Tentativa de culpar Rússia sem evidências sugere o pior: isolados e em declínio, EUA tentariam manter supremacia por meio de provocação e guerra permanentes
Por Paul Craig Roberts | Tradução: Vila Vudu

As sanções unilaterais impostas pelos EUA e anunciadas por Obama em 16/7, bloqueando o acesso a financiamentos bancários de empresas russas de armas e energia, comprovam a impotência de Washington. O resto do mundo, incluindo duas das maiores associações comerciais dos EUA, já deram as costas ao presidente.
A Câmara de Comércio dos EUA e a Associação Nacional de Fabricantes [orig. National Association of Manufacturers] fizeram publicar anúncios e emitiram opiniões nas páginas do New York TimesWall Street Journal e Washington Post protestando contra as sanções inventadas pelos EUA. A Associação Nacional de Fabricantes disse que “estamos desapontados com os EUA, por ampliarem sanções unilaterais de modo que muito prejudica a posição comercial norte-americana no mundo.” A Agência Bloomberg noticia que “reunidos em Bruxelas, líderes da União Europeia recusaram-se a acompanhar as medidas impostas pelos EUA.”[3]
Na tentativa de isolar a Rússia, o insano habitante da Casa Branca isolou Washington.


As sanções não terão efeito sobre empresas russas. As empresas russas podem obter mais financiamentos do que carecem, de bancos chineses, franceses e alemães.
Os três traços que definem a cidade de Washington – arrogância, soberba e corrupção –, também emburrecem a capital norte-americana e a fazem incapaz de aprender. Gente arrogante, tomada de soberba, nunca aprende. Quando encontram resistência, respondem com propinas, ameaças e coerção. A diplomacia exige capacidade razoável para aprender com os erros — os próprios e os dos outros; mas já há anos Washington esqueceu a diplomacia. Washington só conhece a força bruta.
Consequentemente, os EUA, com as sanções, só são capazes de solapar o próprio poder e a própria influência. As sanções só têm estimulado os países a se afastarem do sistema de pagamentos em dólares, que é o fundamento do poder norte-americano.
Christian Noyer, presidente do Banco da França e membro do Conselho de Administração do Banco Central Europeu, disse que as sanções de Washington estão afastando as empresas e os países do sistema de pagamentos em dólares. A soma gigantesca de dinheiro que os EUA assaltaram, sob a forma de “multa” aplicada ao banco francês BNP Paribas, por manter transações com países que os EUA “desaprovam”, mostra bem claramente os graves riscos que ameaçam todos os que ainda insistam em negociar em dólares, quando os EUA ditam as regras que bem entendam.
O ataque dos EUA contra o banco francês serviu para que muitos recordassem as numerosas sanções passadas e se pusessem em alerta contra sanções futuras, como as que ameaçam o banco Commerzbank da Alemanha. Já é inevitável um movimento para diversificar as moedas usadas no comércio internacional. Como Noyer destacou, o comércio entre a Europa e a China não precisa do dólar e pode ser integralmente pago em euros ou renminbi.
O fato de os EUA imporem regras só deles a todas as transações denominadas em dólares, em todo o mundo, está acelerando o movimento de países que se afastam do sistema de pagamento na moeda norte-americana. Alguns países já criaram acordos bilaterais com seus parceiros comerciais, para que os pagamentos se façam nas respectivas moedas próprias.
Os países BRICS já estão estabelecendo novos métodos de pagamento, independentes do dólar, e estão criando seu próprio fundo monetário, para financiar seus negócios.
O valor do dólar dos EUA como moeda de troca depende de seu papel no sistema internacional de pagamentos. Se esse papel vai desaparecendo, também começa a sumir a demanda por dólar e o valor de troca do dólar. A inflação entrará na economia dos EUA via preços de importações, e os norte-americanos, já tão pressionados, verão cair ainda mais os seus padrões de vida.
No século 21, a cada dia menos gente confia nos EUA. As mentiras de Washington, como “armas de destruição em massa” no Iraque (que nunca existiram); “armas químicas usadas por Assad” (que jamais as usou); e “armas atômicas do Irã” (que absolutamente não existem) já são tratadas como absolutas mentiras por outros governos. São mentiras e mais mentiras, que os EUA usam para destruir países e ameaçar outros países com destruição, para manter o mundo em eterno sobressalto.
Washington nada tem a oferecer ao mundo, que consiga acalmar o sobressalto e a aflição que os EUA distribuem pelo planeta. Ser nação amiga de Washington implica aceitar todas as suas chantagens. E muitos já começam a concluir que a amizade de não compensa o preço altíssimo que custa.
O escândalo da espionagem universal pela Agência de Segurança Nacional dos EUA contra o mundo, e a recusa dos EUA a se desculparem e desistirem da prática reiterada daqueles atos aprofundaram ainda mais a desconfiança, que já se vê hoje até entre os próprios aliados dos EUA. Pesquisas, em todo o planeta, mostram que outros países veem os EUA como a maior ameaça à paz.
Nem o próprio povo norte-americano confia no governo dos EUA. Pesquisas mostram que ampla maioria de norte-americanos entendem que os políticos, a imprensa empresarial prostituída [orig. presstitute media] e grupos de interesses privados, como Wall Street e o complexo militar/de segurança, violentam todo o sistema para servir seus próprios interesses, às custas do povo dos EUA.
O império de Washington está começando a rachar, circunstância que provoca ação desesperada. Hoje, (17/7, 5ª-feira), ouvi notícias na National Public Radio sobre um avião de passageiros malaio que caiu em território da Ucrânia. A notícia era  verdadeira. Mas foi apresentada em tom de fazer crer que teria havido alguma espécie de complô urdido pela Rússia e “separatistas” ucranianos. Na BBC, mais e mais opiniões enviesadas, cada vez mais enviesadas. Até que matéria sobre as “mídias sociais” “noticiava” que o avião teria sido derrubado por um sistema russo de armas antiaéreas.
Nenhum dos “especialistas” ouvidos sequer se preocupava com o que os “separatistas” teriam a ganhar com derrubar um avião de passageiros. Nada disso. Elas já haviam decidido que a Rússia “é culpada”, o que “evidentemente” “obriga(ria)” a União Europeia a apoiar sanções ainda mais duras contra a Moscou A BBC acompanhava o script dos EUA e “noticiava” o que Washington queria ver nas manchetes!
A operação tem, isso sim, todos os indícios de ter sido concebida em Washington. Todos os promotores oficiais de guerras rapidamente apareceram em todos os canais de televisão e em todas as manchetes. O vice-presidente dos EUA Joe Biden declarou que “a aeronave foi explodida em voo”. Que “não foi acidente”. Ora! Por que alguém teria tanta certeza, antes de qualquer confirmação oficial? Visivelmente, Biden não procurava culpar o governo ucraniano. Claro que quem abateu a aeronave em “pleno voo” foi… a Rússia! É o modo como Washington opera: grita “culpado!” tantas e tantas vezes, até que já ninguém se lembre de exigir provas.
O senador John McCain pôs-se imediatamente a “declarar” que havia cidadãos norte-americanos no avião, o que bastava para ele “exigir” ações punitivas contra a Rússia (tudo isso antes de alguém conhecer a lista de passageiros do avião e as causas da queda).
As “investigações” estão sendo feitas pelo regime de Kiev, fantoche de Washington. Acho que já se poderia escrever a conclusão hoje, sem investigar coisa alguma.
É alta a probabilidade de que apareçam provas fabricadas, como as provas fabricadas que o secretário de Estado Colin Powell dos EUA apresentou à ONU, para “provar” a existência das inexistentes “armas de destruição em massa” iraquianas. Washington safa-se há tanto tempo, com tantas mentiras, golpes, encenações e crimes, que já se convenceu de que se safará sempre.
No momento em que escrevo, não há ainda informação confiável sobre o avião, mas a velha pergunta dos romanos vale sempre: cui bono? Quem se beneficia?
Os “separatistas” nada têm a ganhar com derrubar um avião de passageiros, mas Washington, sim, tinha “bom” motivo: culpar a Rússia. E bem poderia ter também um segundo motivo. Dentre os muitos rumores, há um rumor que diz que o avião presidencial do presidente Vladimir Putin voava rota semelhante à do avião malaio, com diferença de 37 minutos entre um e outro avião. Esse rumor disparou especulações de que Washington teria decidido livrar-se de Putin, mas errou o alvo: tomou o avião malaio pelo jato presidencial russo. O site Russia Today (RT) noticia que os dois aviões teriam aparência semelhante.
Antes de começarem a “explicar” que Washington seria sofisticada demais para ‘errar’ de avião, lembro que quando os EUA derrubaram avião iraniano no espaço aéreo do Irã, a Marinha dos EUA “explicou” que “pensara” que os 290 civis assassinados naquele atentado estivessem num jato iraniano, um F-14 Tomcat, jato de combate fabricado pelos EUA, e muito usado também pela Marinha dos EUA. Ora! Se a Marinha norte-americana não consegue distinguir nem entre um jato de combate que usa todos os dias, e um avião de passageiros iraniano… é claro que os EUA podem se atrapalhar e confundir dois aviões de passageiros que, como diz RT são, sim, até que “parecidos”.
Durante toda a matéria da BBC, publicada para inventar a culpa da Rússia, nenhum “especialista” lembrou-se do avião iraniano de passageiros que os EUA “abateram em pleno voo”. Ninguém “exigiu” sanções contra os EUA.
Seja qual for o desfecho do incidente com o avião malaio, os fatos indicam um perigo na política soft de Putin contra a intervenção armada e violentíssima dos EUA na Ucrânia. A decisão de Putin, de responder com diplomacia, não com recursos militares, às provocações de Washington na Ucrânia, deu vantagem inicial ao governante russo – como se comprova na reação da UE e de associações de empresários norte-americanos contra as sanções de Obama. Contudo, ao não impor fim imediato, por meios militares, ao conflito que Washington patrocina e comanda na Ucrânia, Putin deixou a porta aberta para os crimes e complôs que Washington está maquinando — e que são especialidade dos EUA.
Se Putin tivesse aceitado o pedido dos antigos territórios russos do leste e sul da Ucrânia, para se reincorporarem à Rússia, o imbróglio ucraniano teria acabado já há meses; e a Rússia não estaria exposta a tantos riscos.
Putin não colheu o benefício de ter-se recusado a enviar soldados para os antigos territórios russos: a posição oficial” de Washington é que há soldados russos operando na Ucrânia. Quando os fatos não ajudam a “confirmar” o que mais interessa à agenda de Washington, “dá-se um jeitinho” nos fatos.
A imprensa empresarial norte-americana culpa Putin; já decidiram que o presidente russo é autor de toda a violência na Ucrânia. É coisa inventada na cabeça de Washington, mas “virou fato” nos jornais e televisões: é o que basta como justificativa para qualquer sanção.
Dado que não há prática ou ato, por sujos que sejam, que Washington não abrace, Putin e a Rússia estão expostos a alto risco de se tornarem vítima de atentados graves ou dos golpes mais abjetos.
A Rússia parece hipnotizada pelo Ocidente, sob forte motivação para ser incluída como parte. Esse anseio por ser aceita trabalha a favor da agenda e dos golpes de Washington.
A Rússia não precisa do Ocidente; a Europa, sim, precisa da Rússia. Opção interessante para a Rússia é cuidar de seus interesses e esperar que a Europa a procure, interessada.
O governo russo não deve esquecer que a atitude de Washington em relação à Rússia é modelada pela “Doutrina Wolfowitz”, que diz:
“Nosso primeiro objetivo é impedir a re-emergência de um novo rival, seja no território da ex-União Soviética ou em qualquer ponto, que represente ameaça da ordem que exerceu, antes, a União Soviética. Essa é a consideração dominante que subjaz à nova estratégia regional de defesa, e exige que trabalhemos para impedir que qualquer potência se imponha, numa região cujos recursos, sob controle consolidado, bastarão para gerar poder global.”

Fonte: Carta Maior

sábado, 19 de julho de 2014

A revolução francesa de maio de 1968



Alan Woods

Alan Woods estava na França em maio de 68 buscando contatar trabalhadores e jovens. Neste relato-análise, publicado pela primeira vez em maio de 2008, ele fala do que viu nesta que foi a maior greve geral da história e que colocou o poder praticamente nas mãos da classe trabalhadora.

Previsão e assombro

O Maio de 1968 foi a maior greve geral da história. Este poderoso movimento aconteceu no ponto culminante do auge econômico capitalista do pós-guerra. Naquele momento, como agora, a burguesia e seus apologistas se vangloriavam, já que, para eles, as revoluções e a luta de classes eram coisas do passado. Então, quando chegam os acontecimentos franceses de maio de 1968, parecem, para eles, relâmpagos em um límpido céu azul. Também a esquerda foi pega de surpresa, já que a maior parte dela havia descartado a classe trabalhadora européia como força revolucionária.
Em maio de 1968, The Economist publicou um suplemento especial sobre a França para comemorar os dez anos do governo gaullista. Neste suplemento, Norman Macrae elogiava os êxitos do capitalismo francês, destacava que os franceses tinham níveis de vida mais altos que os britânicos, comiam mais carne, possuíam mais automóveis e outras coisas mais. Citava a "grande vantagem nacional" da França sobre seu vizinho do outro lado do canal: seus sindicatos eram "pateticamente fracos". Mal havia secado a tinta do artigo de Macrae e a classe trabalhadora francesa assombrou o mundo com uma insurreição social sem precedentes nos tempos modernos.
Os acontecimentos de maio não foram previstos pelos estrategistas do capital, nem na França nem em nenhum outro lugar. Não foram previstos pelos dirigentes estalinistas nem pelos reformistas. As damas e cavalheiros intelectuais, que se consideravam marxistas (a maioria deles passou décadas falando de "luta armada", de insurreição, etc.), não só deixaram de prever o movimento dos trabalhadores franceses, eles simplesmente negavam qualquer possibilidade de movimento dos trabalhadores.
Tomemos um dos "teóricos" marxistas acadêmicos, André Gorz. Este indivíduo escreveu em um artigo o seguinte: "no futuro previsível não haverá nenhuma crise do capitalismo europeu radical o suficiente para levar as massas de trabalhadores a greves gerais revolucionárias ou insurreições armadas em apoio a seus interesses vitais" (A. Gorz, Reform and Revolution, Publicado emThe Socialist Register 1968, ênfase minha). Estas linhas foram publicadas em meio à maior greve geral revolucionária da história.
Gorz não era o único que descartava a luta revolucionária da classe trabalhadora. O "grande marxista" chamado Ernest Mandel, apenas um mês antes destes grandes acontecimentos, falou em uma reunião em Londres. Durante sua intervenção, falou sobre tudo o que há abaixo do sol, mas não dedicou uma só palavra à situação da classe trabalhadora francesa. Quando na sala uma ou duas pessoas lhe perguntaram sobre esta contradição, sua resposta foi: "os trabalhadores estão aburguesados e ‘americanizados'"; os trabalhadores franceses não protagonizariam nenhum acontecimento deste tipo durante os próximos vinte anos.      

O contexto

O que nenhum destes cavalheiros compreendia era que o longo período de auge capitalista que começou em 1945 transformou a correlação de forças de classe e fortaleceu enormemente a classe trabalhadora européia. Depois da experiência da Comuna de Paris a burguesia francesa passou a ter um medo mortal do crescimento do proletariado e tratou de evitá-lo desenvolvendo uma economia rentista, parasitária muito baseada no capital financeiro, nos bancos e nas colônias. Contudo, depois da Segunda Guerra Mundial a indústria francesa se desenvolveu profundamente e provocou um rápido fortalecimento do proletariado e um declive geral do campesinato.
O desenvolvimento da indústria tornou o proletariado muito mais forte do que nos anos trinta e ainda mais forte do que na época da Comuna de Paris, quando praticamente todos os trabalhadores se encontravam em pequenas empresas. Inclusive, em 1931, quase dois terços de todas as empresas industriais da França não empregavam trabalhadores assalariados e o terço restante empregava menos de dez. Somente 0,5% das empresas industriais empregavam mais de cem trabalhadores.
Na crise revolucionária de 1936 a metade da população francesa obtinha seu sustento da agricultura, hoje a população rural é inferior a 6% da população. Em 1968 a classe assalariada havia crescido não só em número, mas também em termos de seu potencial de luta. Em 1968 essa mudança fundamental pôde ser vista no papel chave desempenhado pelas gigantescas fábricas como a Renault de Flins, com uma planta de 10.500 trabalhadores, dos quais 10.000 participaram dos piquetes e com um mínimo de 5.000 trabalhadores assistindo regularmente às assembléias de greve.
Em 1936, quando a correlação de forças de classe era infinitamente menos favorável, numa situação onde nem um décimo havia avançado, Trotski disse que o PCF e o PSF poderiam ter tomado o poder:
"Se o partido de León Blum realmente fosse socialista, poderia, baseando-se na greve geral, ter derrotado a burguesia, em junho, quase sem guerra civil, com mínimos transtornos e sacrifícios. Porém, o partido de Blum é um partido burguês, o irmão mais novo do podre Radicalismo". (Leon Trotski. On France, p. 178, ênfase minha).
A correlação de forças em 1968 era imensamente mais favorável. Era possível a transformação pacífica se os dirigentes do PCF tivessem agido como marxistas. É importante insistir neste ponto. Somente a traição dos dirigentes reformistas, que se negaram a tomar o poder quando existiam as circunstâncias mais favoráveis, impediu que os trabalhadores franceses tomassem o poder.

O papel dos estudantes

Os estudantes sempre são um barômetro sensível às tensões que estão se acumulando nas profundezas da sociedade. A onda de manifestações e ocupações estudantis que precederam os acontecimentos de maio foi como um relâmpago que anuncia a tormenta. Nos meses anteriores a maio já havia uma efervescência entre os estudantes que havia se expressado em uma série de manifestações e ocupações.
Frente à onda ascendente de protestos estudantis o reitor da prestigiosa universidade Sorbone decidiu fechá-la, era a segunda vez em seus setecentos anos de história. A primeira vez aconteceu em 1940 quando os nazistas ocuparam Paris. A tentativa da polícia de liberar o pátio da Sorbone em 03 de maio foi a centelha que acendeu o fogo. A violência irrompeu no Bairro Latino, com o resultado de mais de cem feridos e 596 presos. No dia seguinte os cursos foram suspensos na Sorbone. As principais organizações estudantis, a UNEF e a Snesup, convocaram greves indefinidas. Em 06 de maio houve novos enfrentamentos no Bairro Latino: 422 presos, 345 policiais e uns 600 estudantes ficaram feridos. A repressão provocou uma indignação generalizada. Os estudantes enfurecidos arrancaram paralelepípedos para arremessar contra os policiais e levantaram barricadas seguindo a boa e velha tradição francesa. Os estudantes das universidades de toda a França saíram em seu apoio.
Na noite de 10 de maio houve uma ampla revolta no Bairro Latino. Os manifestantes levantaram barricadas e a polícia os atacou com grande violência. Os bandidos armados da CRS (polícia anti-distúrbios) tomaram de assalto apartamentos privados e golpearam selvagemente gente simples e corrente, até mesmo uma mulher grávida. Mas, se depararam com uma resistência que não esperavam. Os parisienses de suas janelas bombardearam a polícia com vasos de plantas e outros objetos pesados. Dos 367 hospitalizados, 251 eram policiais. Outras 720 pessoas ficaram feridas e 468 foram presas. Carros foram destruídos ou queimados. O Ministro da Educação insultou os manifestantes: "Ni doctrine, ni foi, ni loi" (Nem doutrina, nem fé, nem lei).
Durante a primeira semana, os dirigentes do PCF haviam menosprezado os estudantes e os dirigentes sindicais e tentaram ignorá-los. L'Humanité publicou um artigo daquele que seria o futuro líder do PCF, George Marchais, com o título: Os falsos revolucionários têm de ser desmascarados. Mas, ante a indignação geral da população e a pressão da base, a burocracia sindical teve que entrar em ação. No dia 11 de maio os principais sindicatos, CGT, CFDT e FEN, convocaram uma greve geral para 13 de maio. Umas 200.000 pessoas manifestaram-se gritando palavras de ordem tais como: "De Gaulle assassino!".
George Pompidou, então primeiro ministro, regressou rapidamente a Paris e anunciou a reabertura da Sorbone nesse mesmo dia. Pretendia com este gesto abrir as portas para um compromisso visando evitar uma explosão social. Mas, era demasiado pouco e demasiado tarde. As massas entenderam isso como um sinal de debilidade e seguiram adiante.

A greve geral

A efervescência entre os estudantes era apenas a manifestação mais evidente do descontentamento da sociedade francesa. Apesar do auge econômico, os empresários franceses haviam aplicado uma pressão violenta sobre os trabalhadores. Abaixo da superfície de aparente calma existia um enorme acúmulo de descontentamento, rancor e frustração. Já em janeiro houve violentos conflitos durante uma manifestação de grevistas em Caen.
A greve geral de 13 de maio marcou um ponto de inflexão qualitativo. Centenas de milhares de estudantes e trabalhadores se lançaram às ruas de Paris. Uma idéia da situação é a descrição que se segue da poderosa manifestação de um milhão de pessoas que tomaram as ruas de Paris no dia 13 de maio:
"Fileiras passavam incessantemente. Havia seções inteiras de trabalhadores de hospitais com seus jalecos brancos, alguns carregavam cartazes onde se podia ler: ‘Où sont les disparus des hôpitaux?' (Onde estão os feridos desaparecidos?). Cada fábrica, cada centro de trabalho importante parecia estar representado. Havia numerosos grupos de ferroviários, carteiros, gráficos, metroviários, aeroportuários, comerciários, eletricistas, advogados, garis, bancários, trabalhadores da construção civil, vidreiros, químicos, faxineiros, empregados municipais, pintores e decoradores, trabalhadores do gás, balconistas, escriturários, trabalhadores do cinema, motoristas de ônibus, professores, trabalhadores das novas indústrias de plástico, todos eles em fila, o sangue da sociedade capitalista moderna, uma massa interminável, uma força que podia arrastar tudo que estivesse em seu caminho, se assim o desejasse". (Citado em Revolutionary Rehearsals, p.12).
Os dirigentes dos sindicatos esperavam que esta manifestação fosse suficiente para deter o movimento, não tinham intenção de continuar e estender a greve geral. Para eles a manifestação era apenas uma maneira de liberar vapor. Porém, uma vez iniciado o movimento imediatamente ganhou vida própria. A convocatória de greve geral foi como uma grande rocha lançada sobre um lago tranqüilo. As ondas se estenderam a cada canto da França. Ainda que houvesse apenas aproximadamente três milhões de trabalhadores organizados em sindicatos, participaram da greve cerca de 10 milhões e começou uma série de ocupações de fábricas em toda França.
No dia 14 de maio, um dia depois da manifestação de massas em Paris, os trabalhadores ocuparam a Sud-Aviation em Nantes e a fábrica da Renault em Cléon, seguidos pelos trabalhadores da Renault em Flins, Le Mans e Boulogne-Billancourt. Greves foram iniciadas em outras fábricas por toda a França, como em RATP e SNCF. Os jornais não saíram. No dia 18 de maio, os mineiros do carvão pararam de trabalhar e o transporte público ficou paralisado em Paris e em outras cidades importantes. Os trens foram os próximos, depois o transporte aéreo, os estaleiros, os trabalhadores do gás e da eletricidade (que decidiram manter o abastecimento doméstico), os correios e as barcas que atravessam o Canal da Mancha.
Os trabalhadores tomaram o controle dos recursos petroleiros em Nantes, negaram a entrada a todos os caminhões tanques que não tivessem a autorização do comitê de greve. Foi formado um piquete no único fornecedor de gasolina que funcionava na cidade, assim garantiu-se que o único combustível liberado era para os médicos. Foram estabelecidos contatos com as organizações camponesas nas zonas periféricas, organizou-se o abastecimento de comida, os preços foram fixados pelos trabalhadores e camponeses. Para evitar a especulação, as lojas tinham que deixar à vista um adesivo com as palavras: "Esta loja está autorizada a abrir. Os preços estão sob supervisão permanente dos sindicatos". O adesivo ia assinado pela CGT, CFDT e FO. Um litro de leite era vendido por 50 centavos, seu preço normal era de 80 centavos. O quilo da batata baixou de 70 para 12 centavos. O quilo da cenoura passou de 80 a 50 centavos e assim sucessivamente.
Os estudantes, os professores, os profissionais, camponeses, cientistas, jogadores de futebol, até mesmo as bailarinas do Follies Bergères foram à luta. Em Paris os estudantes ocuparam a Sorbone. O teatro l'Odeon foi ocupado por 2.500 estudantes e os estudantes do ensino médio ocuparam suas escolas:
"A febre de ocupação afetou a intelligentsia. Os médicos radicais ocuparam as sedes da Associação Médica, os arquitetos radicais proclamaram a dissolução de sua associação, os atores fecharam todos os teatros da capital, os escritores encabeçados por Michel Butor ocuparam a Societe de Gens de Lettres no Hotel de Massa. Inclusive os executivos das empresas participaram ocupando durante um tempo o edifício do Conseil National du Patronat Français, depois se deslocaram para a Confederation Generale des Cadres". (David Caute. Sixty Eight, the Year of the Barricades, p.203).
Como as escolas estavam fechadas, os professores e os estudantes organizaram vigílias, brincadeiras, comidas gratuitas e atividades para os filhos dos grevistas. Foram criados comitês de mulheres de grevistas que tiveram um papel importante na organização do abastecimento de alimentos. Não só os estudantes, como também os advogados profissionais estavam infectados pelo vírus da revolução. Os astrônomos ocuparam um observatório. Houve uma greve no centro de pesquisa nuclear de Saclay, onde a maioria dos 10.000 empregados eram pesquisadores, técnicos, engenheiros e cientistas. Até a igreja foi afetada. No Bairro Latino, jovens católicos ocuparam a igreja e exigiam debates no lugar das missas.

O poder nas ruas

Os distúrbios continuavam em Paris, os trabalhadores e estudantes desafiavam o gás lacrimogêneo e as baterias de policiais. Em uma só noite houve 795 presos e 456 feridos. Os manifestantes tentaram incendiar a Bolsa de Paris considerada um símbolo odiado do capitalismo. Um comissário de polícia foi morto em Lyon por um caminhão.
Uma vez na luta, os trabalhadores começaram a ter iniciativas que iam mais além dos limites de uma greve normal. Um elemento fundamental na equação foram os meios de comunicação de massas. Formalmente, são armas poderosas nas mãos do Estado, mas também dependem dos trabalhadores, que fazem funcionar as emissoras de rádio e televisão. No dia 25 de maio, a rádio televisão estatal, a ORTF, entrou em greve. Suprimiram as notícias das oito da noite. Os gráficos e jornalistas impuseram uma espécie de controle operário sobre a imprensa. Os jornais burgueses tinham que submeter seus editoriais ao escrutínio e deviam publicar as declarações dos comitês de trabalhadores.
A Assembléia Nacional discutiu a crise universitária e as batalhas do Bairro Latino. Porém, os debates nos salões da assembléia já eram irrelevantes. O poder havia escapado das mãos dos legisladores e agora estava nas ruas. No dia 24 de maio, o presidente De Gaulle anunciou o referendo no rádio e na televisão. O plano de De Gaulle de celebrar um referendo foi frustrado pela ação dos trabalhadores. O general foi incapaz até mesmo de imprimir as cédulas do referendo devido à greve dos trabalhadores das gráficas franceses e a negativa de seus colegas belgas de atuar como fura greves. Este não foi o único exemplo de solidariedade internacional. Os condutores de trens alemães e belgas detinham seus trens na fronteira francesa para não romper a greve.
As forças da reação, até esse momento em estado de choque e obrigadas a estar na defensiva, começaram a se organizar. Foram criados Comitês de Defesa da República, CDR, como tentativa de mobilizar a classe média contra os trabalhadores e estudantes. A correlação de forças de classe não é uma questão puramente numérica do tamanho da classe trabalhadora em relação ao campesinato e da classe média em geral. Uma vez que o proletariado entre na luta decisiva e demonstra ser uma força poderosa na sociedade, atrai rapidamente a massa explorada de camponeses e de pequenos comerciantes que são vítimas dos bancos e dos monopólios. Este fato era evidente em 1968, quando os camponeses levantaram bloqueios nas estradas ao redor de Nantes e distribuíram comida grátis aos grevistas.

O mito do "Estado forte"

O movimento pegou a classe dominante e o governo totalmente desprevenidos. Estavam aterrorizados ante o movimento dos estudantes, Pompidou admitia em suas memórias:
"Alguns... pensaram que, ao reabrir a Sorbone e ao libertar os estudantes, eu havia demonstrado fraqueza e que havia posto a agitação em marcha novamente. Eu responderia simplesmente o seguinte: suponhamos que na segunda-feira 13 de maio a Sorbone permanecesse fechada sob proteção policial. Quem poderia imaginar que a multidão, avançando até Denfert-Rocearau não conseguiria entrar levando tudo a sua frente como um rio em uma inundação? Preferi dar a Sorbone aos estudantes que vê-la tomada pela força". (G. Pompidou. Por Rétablir une Verité, pp. 184-185).
Em outra parte acrescenta:
"A crise era infinitamente mais séria e mais profunda; o regime se manteria ou seria derrotado, mas não poderia ser salvo com uma simples remodelação ministerial. Não era minha posição que estava em dúvida. Era o general De Gaulle, a Quinta República e, até certo ponto, o próprio poder republicano". (Ibíd., p. 197, ênfase minha).
A que se referia Pompidou quando falava que "o próprio poder republicano" estava em perigo? O que queria dizer é que o Estado burguês estava em perigo de ser derrotado. E, nessa idéia, tinha bastante razão. Mais a frente Pompidou tentou acabar com a crise reabrindo a Sorbone, mas o movimento simplesmente foi além, com uma manifestação de 250.000 pessoas. Aterrorizado com a possibilidade dos estudantes se unirem aos trabalhadores e tomar o Elysée, o palácio presidencial foi evacuado.
De Gaulle, inicialmente, depositou sua confiança nos dirigentes estalinistas para salvar a situação. Disse a seu ajudante de Campo Naval, François Flohic: "Não se preocupe, Flohic, os comunistas os manterão sob controle". (Phillippe Alexandre. L'Elysée em péril, p.299).
O que essas palavras demonstram? Nem mais nem menos que o sistema capitalista não poderia existir sem o apoio dos dirigentes operários reformistas (e estalinistas). Este apoio lhes é muito mais valioso do que qualquer quantidade de tanques e policiais. De Gaulle, como burguês inteligente, entendia isso perfeitamente. Em uma tentativa de demonstrar sua suprema indiferença em relação aos acontecimentos na França, o presidente De Gaulle fez uma visita de estado à Romênia, onde foi recebido com os braços abertos pelo "comunista" Ceausescu. Contudo, a confiança do general não duraria muito.
A essência de uma revolução, o que a caracteriza, é o fato das massas começarem a participar ativamente dos acontecimentos, começarem a tomar os problemas em suas próprias mãos. Quando voltou à França, os dirigentes "comunistas" estavam perdendo o controle. A bandeira vermelha tremulava nas fábricas, escolas e universidades, nas agências de emprego e até mesmo em observatórios espaciais. O governo era impotente, estava suspenso no ar devido à insurreição. O "Estado forte" gaullista estava paralisado. O poder estava de fato nas mãos da classe trabalhadora.
Os informes da rápida deteriorização da situação em Paris chocaram De Gaulle. Frente à maré crescente de rebelião o presidente teve que abandonar sua pose de indiferença, interromper sua viagem a Romênia e regressar rapidamente a França. No palácio de Elysée, o presidente De Gaulle proferiu as palavras imortais: "La réforme, oui; la chienlit, non" (Reforma, sim, crianças pirracentas, não!). A palavra chienlit é difícil de ser traduzida, se refere a uma criança que ainda não aprendeu a utilizar o mictório.
Ao utilizar esta linguagem, De Gaulle expressou seu desprezo pelos "garotos" nas ruas. Porém, o movimento já havia ido mais além da etapa das manifestações estudantis. Era como uma enorme bola de neve descendo uma íngreme montanha, ganhando força e impulso a cada momento. As mais inesperadas camadas sociais se viram arrastadas pelo rodamoinho da luta revolucionária. Os profissionais do cinema ocuparam o festival de cinema de Cannes. Importantes diretores do cinema francês retiraram seus filmes da competição e o corpo de jurados renunciou, obrigando o cancelamento do festival.
Calcula-se que no dia 20 de maio 10 milhões de pessoas estavam em greve, o país estava praticamente paralisado. No dia 22 de maio uma moção de censura apresentada pelos partidos da oposição não foi aprovada, faltaram-lhes 11 votos para obter a maioria na Assembléia Nacional. O governo estava em uma situação instável e De Gaulle recolhido ao desespero. Foi precisamente neste momento que os dirigentes das confederações sindicais lançaram um bote salva-vidas para De Gaulle, fazendo uma declaração, na qual demonstravam sua disposição a negociar com a associação de empresários e com o governo.
A Assembléia Nacional aprovou uma anistia para os manifestantes. Naturalmente! Não conseguiram esmagar o movimento através da repressão, então as autoridades recorreram às concessões para tentar esfriar a situação e ganhar tempo. Desta maneira, tanto o governo como os dirigentes sindicais colaboraram para desviar o movimento revolucionário e conduzi-los a canais seguros. Enquanto ofereciam concessões aos dirigentes estudantis e sindicais, o Estado continuava com a repressão seletiva dirigida contra aqueles que eram considerados elementos subversivos. Como no caso de Daniel Cohn-Bendit, retiraram deste estudante anarquista o visto de permanência no País. Foi um movimento estúpido já que a influência real de Cohn-Bendit no movimento era mínima. Mas a ação do governo conseguiu provocar uma manifestação de massas em Paris para protestar contra esta medida. 

De Gaulle desmoralizado

O biógrafo de De Gaulle, Charles Williams, descreve de maneira gráfica seu estado de ânimo às vésperas de seu discurso a nação no dia 24 de maio:
"Não há dúvidas que depois da excitação na Romênia, o general estavaprofundamente abalado com o que encontrou em seu regresso a França. Durante os seguintes três dias, a alguém que o visitasse depois de algum tempo o general pareceria velho e indeciso, seu andar encurvado estava cada vez mais acentuadoParecia que tudo isso estava sendo demais para ele.
"O discurso de 24 de maio, quando se deu, foi um fracasso total. O general parecia e soava pouco sincero, assustado. É certo, anunciou um referendo sobre ‘participação', mas não estava claro qual seria o conteúdo concreto da pergunta e pareceu um truque para aqueles que lhe escutaram. Disse que era o dever do Estado assegurar a ordem pública, mas faltava a sua voz a velha ressonância e suas frases, ainda que usasse a velha linguagem solene, de alguma maneira já não possuía a mesma convicção. Apresentou-se como um homem velho, cansado e ferido. Sabia que tinha perdido. ‘Não alcancei o objetivo', disse nesta noite. O melhor que Pompidou lhe disse foi: ‘Poderia ter sido pior'.
"Mas o estado de ânimo de De Gaulle na manhã do dia 25 de maio havia piorado. Estava, nas palavras de um de seus ministros, ‘prostrado, encurvado, envelhecido'. Repetia uma e outra vez, ‘isto é uma confusão'. Outro ministro se deparou com um homem velho que não ‘tinha planos para o futuro'. O general mandou buscar seu filho Phillippe, que encontrou seu pai ‘cansado' e se deu conta de que quase não havia dormido. Phillippe sugeriu que o pai poderia partir para o porto atlântico de Brest - sombras de 1940 - mas disse a ele que não se renderia.
"Do dia 25 ao dia 28 de maio, De Gaulle permaneceu em um estado de profundo pessimismo. As negociações de Pompidou com os sindicatos foi uma farsa. Simplesmente havia dado a eles tudo o que pediam: grandes aumentos salariais, benefícios sociais e um aumento de 35% para o salário mínimo. O único obstáculo era que, inclusive depois de ter assinado, a CGT insistiu que tinham que ser ratificados por seus militantes. George Séguy, o dirigente da CGT, foi rapidamente ao bairro parisiense de Billancourt, onde 12.000 trabalhadores da Renault estavam em greve. Quando apresentou o acordo aos trabalhadores, estes o humilharam rechaçando-o de imediato. Os ditos acordos de Grenelle foram abortados.
"O conselho de ministros se reuniu às três da tarde do dia 27 de maio, pouco depois dos trabalhadores rechaçarem os acordos de Grenelle. O general presidia o conselho, mas notou-se que seu coração e sua mente estavam longe. Olhava seus ministros sem vê-los, seus braços jogados sobre a mesa a sua frente, ombros caídos, aparentemente ‘totalmente indiferente' ao que se passava a seu redor. Houve uma discussão sobre o referendo, o general aparentemente só ouviu pedaços da discussão" (C. Williams, The Last Great Frenchman, A life of General De Gaulle, pp. 463-4-5, ênfase minha).
Estes fragmentos da biografia favorável a De Gaulle reproduzem uma imagem intensa de total desorientação, pânico e desmoralização em que estava imerso. Segundo o embaixador norte-americano, De Gaulle lhe havia dito: "o jogo acabou. Em poucos dias os comunistas estarão no poder".

Intervenção militar?

A situação alcançou um ponto onde já não podia mais ser resolvida por métodos parlamentares normais. O que poderia ser feito? A intervenção militar foi uma das opções cogitadas por De Gaulle desde o começo da greve geral. Nas primeiras etapas da greve, planos foram elaborados para deter e aprisionar mais de 20.000 ativistas de esquerda no estádio de inverno, onde seriam vítimas de um destino similar ao de seus homólogos chilenos cinco anos mais tarde.
Porém, a operação nunca foi posta em prática. Estes planos do governo francês são idênticos aos planos de todas as classes dominantes na história quando se deparam com a revolução. O governo do Czar Nicolau ("o sangrento" como era chamado) era repleto de tais planos militares de contingência antes de fevereiro de 1917. Mas, outra coisa bem diferente era executar esses planos, como descobriu Nicolau a duras penas. O decisivo de uma revolução não são os planos dos regimes, e sim a correlação real de forças na sociedade. De Gaulle era um burguês muito astuto, plenamente consciente da situação real (a princípio, como veremos, subestimou o movimento, o resultado foi um erro muito sério. Como os demais, não esperava que os trabalhadores franceses entrassem em movimento).
De Gaulle estava à beira do abismo. Aterrorizado pelo imenso alcance do movimento, o general estava completamente pessimista. Estava convencido de que os dirigentes comunistas chegariam ao poder. Inúmeras testemunhas confirmam que De Gaulle estava totalmente atônito e desmoralizado, e que pelo menos duas vezes contemplou a idéia de fugir do país. Seu próprio filho havia pedido que ele escapasse por Brest, outras fontes dizem que considerou a possibilidade de permanecer na Alemanha Ocidental, onde visitaria o general Massu. De Gaulle era um político inteligente e calculista que nunca agia por impulsos e raramente perdia os nervos. Disse ao embaixador norte-americano: "o jogo acabou. Em poucos dias os comunistas estarão no poder". Acreditava nisso. E não era só ele, a maioria da classe dominante também acreditava.
No papel, De Gaulle tinha a disposição uma formidável máquina de repressão. Havia cerca de 144.000 policiais (armados) de diferentes categorias, dos quais 13.500 eram da tristemente famosa polícia anti-distúrbios (CRS), e cerca de 261.000 soldados a postos na França ou na Alemanha Ocidental. Se a questão é abordada de um ponto puramente quantitativo, então deveria ser descartada não só a possibilidade de uma transformação pacífica, como também da revolução em geral, e não somente na França de 1968. Deste ponto de vista, nenhuma revolução jamais poderia triunfar em toda a história. Mas a questão não pode ser colocada desta maneira.
Em toda revolução levantam-se vozes que tentam assustar a classe oprimida com o espectro da violência, o derramamento de sangue e a "inevitabilidade da guerra civil". Kamenev e Zinoviev falavam exatamente da mesma forma em vésperas da insurreição de Outubro. Hoje, Heinz Dieterich e os reformistas na Venezuela utilizam a mesma linha de argumentação para tentar colocar freios à revolução venezuelana.
"Os adversários da insurreição, até mesmo nas fileiras do Partido Bolchevique, encontravam muitos motivos para suas deduções pessimistas. Zinoviev e Kamenev advertiam que não se podiam subestimar as forças do adversário. ‘Petrogrado decide, mas em Petrogrado os inimigos dispõem de forças importantes: cinco mil junkers perfeitamente armados e que sabem lutar; um Estado Maior; batalhões de choque; cossacos; e uma parte importante da guarnição, mais uma considerável artilharia disposta em leque ao redor de Petrogrado. Além disso, quase seguramente os adversários tentarão trazer tropas do front com a ajuda do Comitê Executivo Central...'"
Trotsky respondeu às objeções de Kamenev e Zinoviev da seguinte forma:
"A lista soa imponente, mas é apenas uma lista. Se um exército, em seu conjunto, é um reflexo da sociedade, então quando a sociedade se divide abertamente, ambos os exércitos são cópias dos bandos em combate. O exército dos possuidores levava dentro de si o verme do isolamento e da desagregação" (Leon Trotski, Historia de la Revolución Rusa, p. 1042).
Vítima do pânico De Gaulle desapareceu de repente, viajou para a Alemanha onde teve uma reunião secreta com o general Massu, o homem responsável pelas tropas francesas a postos em Baden-Wurttemberg. O conteúdo preciso destas conversas nunca foi conhecido, mas não é necessária muita imaginação para se ter uma idéia do que foi perguntado: "Podemos contar com o exército?" A resposta não está registrada em nenhuma fonte escrita por razões óbvias. Contudo, The Times enviou seu correspondente à Alemanha para entrevistar os soldados franceses, a grande maioria era de filhos da classe trabalhadora que cumpriam o serviço militar obrigatório. Um dos entrevistados respondeu à pergunta de se ele abriria fogo contra os trabalhadores: "Nunca! Acho que seus métodos (dos trabalhadores) podem ser um tanto duros, mas sou filho de um trabalhador".
Em seu editorial The Times fazia a seguinte pergunta: "De Gaulle pode utilizar o exército?" e respondia sua própria pergunta dizendo que talvez pudesse utilizá-lo uma vez. Em outras palavras, bastaria apenas um enfrentamento sangrento para romper em pedaços o exército. Esta era a avaliação dos estrategistas mais duros do capital internacional daquela época. Não há nenhuma razão para duvidar de sua palavra nesta ocasião.

Crise do Estado

No dia 13 de maio uma organização sindical da polícia que representava 80% do corpo policial publicou uma declaração em que "... considera a declaração do primeiro-ministro um reconhecimento de que os estudantes tinham razão, e uma renúncia total às ações da força policial que o próprio governo ordenou. Nessas circunstâncias é surpreendente que não se buscasse um diálogo efetivo com os estudantes antes que se produzissem estes lamentáveis acontecimentos". (Le Monde, 15/5/1968).
Se esta era a postura da polícia, o efeito da revolução sobre a base do exército seria ainda maior. E assim era, apesar da falta de informação, existiam relatos de efervescência entre as forças armadas e inclusive um motim na marinha. O porta-aviões Clemenceau, deveria ir ao Pacífico para um teste nuclear, de repente deu meia volta e regressou a Toulon sem explicações. Chegaram notícias de um motim a bordo que dizia que haviam sido "perdidos no mar" vários marinheiros (Le Canard Enchiné. 19/6/68; foi publicado um relato completo em Action dia 14 de junho, mas foi confiscado pelas autoridades).
Segundo um famoso aforismo de Mao: "o poder emana da ponta do fuzil". Porém, os fuzis são empunhados por soldados que não vivem no espaço sideral, estes também são influenciados pelo estado de ânimo das massas. Em qualquer sociedade, a polícia é mais atrasada que o exército. Contudo, na França, a polícia, citando um editorial de The Times (31/5/1968), "ferve de descontentamento".
"Ferve de descontentamento com o tratamento que o governo lhes dá" dizia o artigo, "e o departamento encarregado da informação sobre a atividade estudantil esteve deliberadamente privando o governo de informação sobre os dirigentes estudantis, em apoio a suas reivindicações salariais.
"... Tampouco a polícia esteve muito impressionada com o comportamento do governo desde que começaram os distúrbios. ‘Estão aterrorizados em perder nosso apoio' disse um homem.
"Tal descontentamento é uma das razões da aparente inatividade da polícia de Paris nestes últimos dias. Na semana passada, homens de diferentes departamentos locais negaram-se a sair dos cruzamentos e praças da capital" (The Times; 31/5/1968; ênfase minha).
Um panfleto publicado por membros do RIMECA (regimento de infantaria mecanizada) localizado em Mutzig, perto de Estrasburgo, indicava que seções do exército já estavam sendo afetadas pelo ânimo das massas. Incluía os seguintes fragmentos:
"Como todos os soldados da leva, estamos confinados aos quartéis. Estão nos preparando para intervir como forças repressivas. Os trabalhadores e os jovens precisam saber que os soldados do contingente NUNCA DISPARARÃO CONTRA OS TRABALHADORES. Nós dos Comitês de Ação nos opomos a todo custo que os soldados cerquem as fábricas.
"Amanhã ou depois de amanhã esperam que cerquemos uma fábrica de armamentos, cujos trezentos trabalhadores querem-na ocupar. CONFRATERNIZAREMOS.
"Soldados do contingente, formem vossos comitês! (Citado em Revolutionary Reherasals; p. 26).
A publicação deste panfleto foi claramente um exemplo excepcional dos elementos mais revolucionários entre os conscritos. Mas, em meio a uma revolução de proporções tão massivas, é possível duvidar que a base do exército rapidamente se contagiasse com o vírus da rebelião? Os estrategistas do capital internacional não duvidavam disso, muito menos seus homólogos franceses.

Quem salvou De Gaulle?

Não foi absolutamente o exército nem a polícia (estes estavam tão desmoralizados que inclusive a reacionária inteligência, como vimos, se negou a colaborar com o governo contra os estudantes) que salvaram o capitalismo francês, e sim a atuação dos dirigentes sindicais e estalinistas. Esta conclusão não é apenas nossa, também encontra apoio na Enciclopédia Britânica:
"De Gaulle parecia incapaz de controlar a crise ou de compreender sua natureza. Contudo, os dirigentes comunistas e sindicais proporcionaram-lhe um respiro, opuseram-se a qualquer levantamento mais ousado, evidentemente temiam a perda de seus seguidores frente a seus rivais mais extremistas e anarquistas".
Acuado, Georges Pompidou aceitou negociar com todos. Quando a classe dominante está ameaçada de perder tudo não se importa em alterar seus planos originais e torna-se disposta a fazer grandes concessões. Para tirar os trabalhadores das fábricas ocupadas e dissolver seu poder não hesitaram em oferecer aos dirigentes sindicais coisas além do que estes últimos pediam originalmente, aumento do salário mínimo, redução da jornada de trabalho e da idade de aposentadoria, restauração do direito de organização, etc.; em uma tentativa de deter os estudantes, Pompidou aceitou a demissão do Ministro da Educação.
Tanto o governo como os dirigentes sindicais estavam alarmados com o alcance do movimento e estavam decididos a detê-lo. No dia 27 de maio chegou-se a um acordo entre os sindicatos, as associações de empresários e o governo. Mas os dirigentes sindicais tinham a árdua tarefa de apresentar o acordo aos trabalhadores. Apesar das grandes concessões, os trabalhadores da Renault e de outras grandes empresas negaram-se a voltar ao trabalho. Lembro-me que estava em Paris em um bar com outras pessoas assistindo as assembléias de massas pela televisão dentro da gigantesca fábrica da Renault, onde se congregava um grande número de trabalhadores, alguns deles sentados nas gruas e nos cavaletes para escutar George Ségui, o secretário geral da CGT, que leu uma lista com aquilo que os empresários ofereciam: grandes aumentos salariais, pensões, redução da jornada e assim sucessivamente. Mas no meio de seu discurso foi interrompido pelos trabalhadores que cantavam: "Gouvernement populaireGouvernement populaire!". Lembro-me que ele não pôde terminar sua intervenção.
Nesse momento os trabalhadores já tinham consciência de sua própria força, tinham o poder a seu alcance e não estavam dispostos a abrir mão dele. Às 17 horas, 30.000 estudantes e trabalhadores marcharam desde Boelins ao estádio Cherléty, onde celebraram uma reunião com a presença de Pierre Mendés-France. Nesse mesmo dia a CGT convocou, previamente a este acordo, uma manifestação que conseguiu meio milhão de trabalhadores e estudantes nas ruas de Paris. Uma vez mais, o objetivo dos dirigentes sindicais e do Partido Comunista era proporcionar uma válvula de escape ao movimento, controlar o que deslizava de suas mãos.

A iniciativa passa a reação

No dia 30 de maio no rádio, o presidente De Gaulle anunciou a dissolução da Assembléia Nacional e disse que as eleições seriam realizadas dentro do calendário habitual. George Pompidou continuaria sendo o primeiro-ministro. Insinuou também que usaria a força para manter a ordem, se necessário. Era uma mensagem dirigida aos dirigentes sindicais e ao Partido Comunista. Estava oferecendo a eles a tentadora perspectiva das eleições e uma futura secretaria ministerial sob o regime burguês, e ao mesmo tempo era uma advertência de que a burguesia não entregaria o poder sem lutar.
O gabinete foi remodelado e as eleições convocadas para os dias 23 e 30 de junho. Ao mesmo tempo, De Gaulle tentou mobilizar suas forças fora do parlamento. Algumas dezenas de milhares de apoiadores do governo se manifestaram desde a Concordia até o Étoile. Foram realizadas manifestações similares de apoio ao governo em toda a França. Mas uma olhada mais atenta nas fotografias revelava imediatamente a verdadeira natureza dessas manifestações: prefeitos aposentados enrolados em faixas tricolores, cidadãos de classe média barrigudos, pensionistas e outras figuras parecidas indignadas e insatisfeitas com a sociedade.
Basta comparar estas fotografias com as manifestações massivas do proletariado alguns dias antes para descobrir a verdadeira correlação de forças. Tudo de vivo, forte e vibrante da sociedade francesa se reuniu sob a bandeira da revolução, enquanto que tudo de opaco, velho e decadente estava do outro lado das barricadas. Um bom empurrão bastava para derrubar tudo. O que faltava era um golpe de misericórdia, mas este nunca foi dado.
A classe trabalhadora não pode permanecer em uma situação de agitação constante. Não pode ser ligada ou desligada como uma lâmpada. Quando a classe se mobiliza para mudar a sociedade deve ir até o final ou fracassa. Ocorre o mesmo em uma greve. No início os trabalhadores estão entusiasmados e dispostos a participar nas assembléias de massas. Estão dispostos a lutar e fazer sacrifícios. Mas se a greve não tem um final à vista, o ambiente muda. Começando pelos elementos mais débeis, o cansaço finalmente chega. O comparecimento às assembléias de massas cai e os trabalhadores voltam ao trabalho.
Os dirigentes sindicais fizeram bom uso das concessões cedidas apressadamente pelos capitalistas, como um homem desesperado que lança um salva-vidas de um barco que afunda. O salário mínimo subiu para três francos à hora, os salários aumentaram e foram concedidas outras melhorias. Na ausência de outra perspectiva, muitos trabalhadores aceitaram o acordo que os dirigentes sindicais apresentaram como uma vitória. Na terça-feira, depois de um fim de semana com feriado no início de junho, a maioria dos grevistas pouco a pouco abandonou a luta, e os trabalhadores regressaram a seus trabalhos.

1968 foi uma revolução

O que é uma revolução? Trotski explica que uma revolução é uma situação tal onde a massa de homens e mulheres normalmente apática começa a participar de maneira ativa na vida da sociedade, quando adquire consciência de sua força e se move para tomar seu destino em suas mãos. Isso é uma revolução. E foi o que aconteceu em uma escala colossal na França em maio de 1968.
Os trabalhadores franceses estenderam os músculos, tiveram consciência do enorme poder que tinham em suas mãos. Vimos aqui o imenso poder da classe trabalhadora na sociedade moderna: não se acende nem uma lâmpada, nenhuma roda se move e nenhum telefone toca sem a permissão dos trabalhadores. O maio de 1968 foi a resposta final a todos os covardes e céticos que duvidam da capacidade do proletariado para mudar a sociedade.
A correlação de forças da classe se expressou, não como um mero potencial ou uma estatística abstrata, e sim como um poder real nas ruas e nas fábricas. Na realidade, o poder estava nas mãos dos trabalhadores, mas eles não sabiam. Como qualquer outro exército, a classe trabalhadora necessita de uma direção. E isso era o que estava ausente em maio de 1968. Aqueles que deveriam ter proporcionado a direção, os dirigentes das organizações de massas da classe, os sindicatos e o Partido Comunista, não tinham a perspectiva da tomada do poder. Sua única preocupação era terminar a greve o mais rápido possível, devolver o poder a burguesia e retornar à "normalidade".
Uma greve geral é diferente de uma greve normal porque coloca a questão do poder. O que está em jogo não é esse ou aquele aumento salarial, e sim quem é que manda na casa? No transcurso da luta a consciência dos trabalhadores aumentou a uma velocidade vertiginosa. Começaram a compreender que não se tratava de uma greve normal por reivindicações econômicas, mas algo maior. Tiveram consciência do poder em suas mãos e enxergavam a debilidade daqueles que se supunha representar todo o poder do Estado. A única coisa que faltou foi a eleição de delegados em cada centro de trabalho e a vinculação de comitês de greve em cada cidade e região, culminando na formação de um comitê nacional, que poderia ter tomado o poder em suas mãos, arremessando o velho poder estatal na lata de lixo da história.
Porém, nada disso foi feito e o enorme potencial revolucionário do movimento evaporou-se, como o vapor que se dissipa inofensivamente no ar se não há uma câmara de pistões que o concentre. Por fim, os trabalhadores regressaram ao trabalho e a classe dominante concentrou novamente o poder em suas mãos. Quando o movimento começou a minguar, o Estado iniciou sua vingança. Houve incidentes violentos, sobretudo no dia 11 de junho com 400 feridos, 1.500 detidos e um manifestante morto com um tiro em Montbéliard. No dia seguinte, foram proibidas as manifestações na França, pouco depois, os estudantes foram expulsos do Odéon e, dois dias mais tarde, da Sorbone.
Começou então a criminalização. Na cadeia estatal de rádio e televisão, ORTF, foram demitidos 102 jornalistas por suas atividades durante os acontecimentos. Enviaram a polícia às universidades de Nanterre e Sorbone para controlar os documentos de identidade dos estudantes e não saíram de lá antes de 19 de dezembro. Foi aprovado um pacote de medidas de austeridade no dia 28 de novembro na Assembléia Nacional. O Estado que não hesitou em esmagar os crânios dos estudantes e grevistas nas manifestações agora demonstrava clemência para com os fascistas, os terroristas de extrema direita da OAS. Enquanto Cohen-Bendit era expulso da França, Georges Bidault poderia regressar e Raoul Salan era libertado da prisão.
Os dirigentes reformistas e estalinistas foram castigados por sua covardia e a classe dominante negou-lhes os postos que almejavam intensamente. A campanha eleitoral começou em 10 de junho. No primeiro turno das eleições, a federação dos partidos de esquerda e os comunistas perderam terreno. No segundo turno, uma semana mais tarde, os partidos de direita conseguiram uma esmagadora maioria. A esquerda perdeu 61 cadeiras e os comunistas 39. Pierre Mendés-France (uma figura histórica da esquerda francesa) não foi reeleito em Grenoble. O Partido Comunista, que em 1968 era o principal partido da classe trabalhadora francesa, entrou em declínio e foi superado mais tarde pelo Partido Socialista, que em 1968 conseguira apenas quatro por cento dos votos e, portanto, parecia morto. O sindicato comunista, CGT, perdeu apoio frente à CFDT que em 1968 manteve uma posição mais combativa.
O maravilhoso movimento dos trabalhadores terminou em derrota. Porém, as tradições de Maio de 1968 permanecem na consciência dos trabalhadores da França e do mundo. Hoje, depois de um longo período de boom, o sistema capitalista está entrando novamente em crise e sairão à superfície todas as contradições que se acumularam durante os últimos vinte anos. Em toda a Europa estarão na ordem do dia grandes enfrentamentos de classe.
Não temos tempo para aqueles ex-revolucionários pequeno-burgueses que falam de 1968 em termos sentimentais e nostálgicos, como se fosse história antiga sem relevância prática alguma para o mundo em que vivemos. Mais cedo ou mais tarde os acontecimentos de 1968 reaparecerão, mas em um nível inclusive superior. Qual é o candidato mais provável para este cenário? Poderia perfeitamente ser a França, mas também a Itália, Grécia, Portugal ou Espanha ou qualquer outro país, e não só na Europa. Esperamos com impaciência o futuro. Desejamo-lo e nos preparamos para ele. Estamos tentando preparar a vanguarda, assim da próxima vez triunfaremos. E diante deste glorioso aniversário dizemos: A revolução não morreu. Viva a revolução!
Londres, 1º de Maio de 2008.