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quinta-feira, 23 de maio de 2019

Xi exige novos avanços no crescimento da região central da China

2019-05-23 11:17:41丨portuguese.xinhuanet.com
CHINA-JIANGXI-XI JINPING-INSPECTION-CENTRAL REGION-SYMPOSIUM (CN)

 (Xinhua/Xie Huanchi)
Nanchang, 22 mai (Xinhua) -- O presidente Xi Jinping exigiu esforços para promover a força abrangente e a competitividade da região do centro do país e fazer novos avanços na ascensão da região central do país.
Xi, também secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC) e presidente da Comissão Militar Central, fez as observações durante sua viagem de inspeção à Província de Jiangxi, de segunda a quarta-feira.
Durante a inspeção, Xi presidiu um simpósio de trabalho sobre a ascensão da região central e pronunciou um discurso.
NOVA LONGA MARCHA
A primeira escala de Xi na cidade de Ganzhou, em Jiangxi, foi na JL MAG Rare-Earth Co. Ltd. Ao visitar a companhia na segunda-feira, ele sublinhou a inovação científica e tecnológica para elevar o nível tecnológico de exploração de terra rara, que é estrategicamente importante mas não-reciclável.
Chegando ao distrito de Yudu na tarde de segunda-feira, Xi prestou homenagem a em um monumento que marca a partida da Longa Marcha pelo Exército Vermelho Central e se reuniu com as famílias dos veteranos do Exército Vermelho e mártires revolucionários.
Observando que a China está em "uma nova Longa Marcha", ele disse que o país dependerá da firme fé e forte vontade do Partido inteiro e de todas as pessoas para superar os principais desafios no país e no exterior e assegurar novas vitórias na construção do socialismo com características chinesas.
Ao visitar uma fazenda local de vegetais, Xi reiterou a aspiração original do PCC, que foi combater pelo bem-estar do povo e a revitalização nacional.
No vilarejo de Tantou, na vila de Zishan, Xi visitou Sun Guanfa, um aldeão e veterano, em sua casa. Ao examinar cuidadosamente a cozinha, o quarto, o quintal e o banheiro, Xi ficou contente com a melhora nas condições de moradia e higiene da família de Sun.
Ele exigiu que todas as regiões e todos os departamentos façam mais esforços para assegurar vidas decentes para a população nas bases revolucionárias antigas durante a fase decisiva de alívio da pobreza.
Quando ele deixou o vilarejo, os aldeãos se reuniram na saída para se despedir dele e alguns deles chegaram mesmo a chorar.
ASCENSÃO DO CENTRO DA CHINA
No simpósio em Nanchang sobre a promoção da ascensão da região central chinesa, realizado na tarde de terça-feira, Xi disse que a ascensão do centro da China é um passo crucial na direção de completar o processo de construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos e alcançar a modernização socialista.
A China deve ter a mente sóbria sobre a natureza de longo prazo e a complexidade dos fatores desfavoráveis tanto nacionais como internacionais e estar bem preparada para quaisquer circunstâncias difíceis, enfatizou Xi, acrescentando que a coisa mais importante para a China é fazer bem o seu trabalho.
Ele deu uma instrução de oito pontos sobre o desenvolvimento do centro da China, que consiste em facilitar o crescimento de alta qualidade da indústria manufatureira, promover a capacidade de inovação em importantes áreas, melhorar o ambiente de negócios, empreender a distribuição e a transferência de indústrias emergentes, expandir a abertura de alto nível, seguir o desenvolvimento sustentável, melhorar o meio de vida da população e otimizar as políticas e instituições.
Na manhã de quarta-feira, Xi ouviu um relatório de trabalho das autoridades provinciais de Jiangxi e lhes pediu que estabeleçam o exemplo na aceleração do desenvolvimento de alta qualidade das bases revolucionárias antigas e compitam pela vanguarda no avanço da ascensão da região central.
Ao descrever Jiangxi como uma terra cheia de história e memórias revolucionárias, Xi pediu por um entendimento profundo sobre o estabelecimento de poder político do PCC, da República Popular da China e do socialismo com características chinesas, todos obtidos dificilmente, e exigiu maiores esforços para continuar com o espírito e tradições revolucionárias. 
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sábado, 18 de maio de 2019

Bruno Bauer e o Início do Cristianismo


Friedrich Engels
11 de Maio de 1882

Em Berlim, em 13 de abril, morreu um homem que atuou como filósofo e teólogo, mas, durante anos, dificilmente se ouvia falar dele, somente atraindo a atenção pública eventualmente como um "literato excêntrico". Teólogos oficiais, inclusive Renan, corresponderam-se com ele e, mesmo assim, mantiveram sobre ele um silêncio de morte. E ele valia mais do que todos eles e fez mais que todos eles em uma questão que também interessa a nós, Socialistas: a pergunta pela origem histórica do Cristianismo.
Por ocasião da sua morte, vamos fazer um breve relato da situação atual da questão, e da contribuição de Bauer para a sua solução.
A visão que dominou os livres-pensadores da Idade Média incluindo os Iluministas do século XVIII, de que todas as religiões eram obra de enganadores, e, portanto, o Cristianismo também, não era mais suficiente depois que Hegel fixou para a filosofia a tarefa de mostrar a evolução racional na história mundial.
É claro que se espontaneamente surgem religiões - como a adoração de feitiços dos Negros ou a religião comunal dos arianos primitivos — sem qualquer engodo inicial, entretanto, o engano, através dos sacerdotes, logo se torna inevitável no seu desenvolvimento subsequente. Apesar de toda fé sincera, religiões artificiais não podem permanecer, desde a sua fundação, sem engano e falsificação histórica. O Cristianismo, também, pode se gabar de grandes realizações a este respeito desde o início, como Bauer mostrou em sua crítica do Novo Testamento. Mas isto somente confirma um fenômeno geral e não explica o caso particular em questão.
A religião que subjugou o Império Romano e dominou sem dúvida a maior parte da humanidade civilizada por 1.800 anos, não pode ser explicada apenas declarando ser ela uma tolice resultante de fraudes. Não se pode elucidar esta questão e ter sucesso na explicação da sua origem e do seu desenvolvimento sem partir das condições históricas sob as quais surgiu e alcançou o domínio da situação. Isto se aplica ao Cristianismo. A questão a ser solucionada, então, é: como aconteceu que as massas populares no Império Romano preferiram esta tolice — que era aceita, normalmente, pelos escravos e oprimidos — a todas as outras religiões, e, finalmente porque o ambicioso Constantino viu na adoção desta religião tola o melhor meio de elevar a si mesmo ao posto de autocrata do mundo romano.
Bruno Bauer contribuiu mais para a solução desta questão que qualquer outra pessoa. Não importa quanto os teólogos meio-crentes do período da reação tenham lutado contra ele desde 1849, ele irrefutavelmente demonstrou a ordem cronológica dos Evangelhos e sua interdependência mútua, demonstrada por Wilke do ponto de vista puramente linguístico, pelo próprio conteúdo dos Evangelhos. Ele expôs a carência completa de espírito científico da vaga teoria de mito de Strauss, de acordo com a qual se pode considerar como histórico tudo quanto se gosta nas narrações do Evangelho. E, se quase nada do conteúdo inteiro dos Evangelhos é historicamente provável — de forma que até a existência histórica de Jesus Cristo pode ser questionada — Bauer tem, assim, iluminado os fundamentos para a solução da pergunta: qual é a origem das ideias e pensamentos que foram tecidos como uma espécie de sistema no Cristianismo, e como veio ele a dominar o mundo?
Bauer estudou esta pergunta até a sua morte. Sua investigação alcançou seu ponto alto na conclusão que o judeu de Alexandria, Filon, que ainda vivia por volta de 40 D.C., mas já era muito velho, foi o pai verdadeiro do Cristianismo, e que o estóico romano Sêneca era, por assim dizer, seu tio. A escrita numerosa atribuída a Filon que nos alcançou tem origem realmente em uma fusão alegórica e racionalisticamente concebida das tradições judaicas com as gregas, particularmente a filosofia estoica. Esta conciliação de perspectivas ocidentais e orientais já encerra todas as idéias essencialmente Cristãs: o pecado inato do homem, o Logos, a Palavra, que está com Deus e é Deus e que se torna o mediador entre Deus e homem: a compensação, não por sacrifícios de animais, mas trazendo-se o próprio coração a Deus, e finalmente a característica essencial que na nova filosofia religiosa, invertendo a ordem mundial anterior, busca seus discípulos entre os pobres, os miseráveis, os escravos, e os rejeitados, e menospreza o rico, o poderoso e o privilegiado, originando o preceito para menosprezar todo prazer mundano e mortificar a carne.
Por outro lado, Augusto via em si mesmo não só o Deus-homem, mas também a chamada concepção imaculada que se tornou fórmula imposta oficialmente. Ele não só teve César e ele mesmo idolatrados como deuses, mas também espalhou a noção que ele, Augustus Caesar Divus, o Divino, não era filho de um pai humano, mas que sua mãe o concebeu do deus Apolo. Mas não seria talvez o Apolo citado na canção de Heinrich Heine[Referência a Apollgott, de Heine.].
Como vemos, nós precisamos apenas da pedra fundamental e teremos o conjunto do Cristianismo em suas características básicas: a encarnação da Palavra se torna homem em uma pessoa definida e seu sacrifício na cruz traz a redenção da humanidade pecadora.
As fontes mais confiáveis não nos dão certeza sobre quando esta pedra fundamental foi introduzida nas doutrinas estóico-filônicas. Mas uma coisa é certa: não foi introduzida por filósofos, nem discípulos de Filon ou estóicos. As religiões são fundadas por pessoas que experimentam uma necessidade própria de religião e têm uma percepção das necessidades religiosas das massas. Como regra, este não é o caso dos filósofos clássicos. Por outro lado, nós observamos que em tempos de decadência geral, agora, por exemplo, a filosofia e o dogmatismo religioso geralmente aparecem em sua forma vulgar e superficial. Enquanto a filosofia grega clássica em suas últimas formas — particularmente na escola Epicurista — leva ao materialismo ateístico, a Filosofia grega vulgar leva à doutrina de um Deus único e da imortalidade da alma humana. O Judaísmo também, racionalmente vulgarizado em mistura e intercurso com estrangeiros e meio-judeus, acaba negligenciando a cerimônia e transforma o antigo deus judeu exclusivamente nacional, Jahveh, no único Deus verdadeiro, o criador de céu e Terra, e adota a ideia da imortalidade da alma, que era estranha ao Judaísmo inicial. Deste modo, a filosofia vulgar monoteísta entrou em contacto com a religião vulgar, a qual presenteou com o já elaborado Deus único. Assim, o caminho foi preparado pela elaboração entre os judeus das também vulgarizadas noções filônicas, e não dos próprios trabalhos de Filon, das quais o Cristianismo procede, como está provada pelo quase total descuido com que foi composta a maior parte do Novo Testamento, particularmente a interpretação alegórica e filosófica das narrações do Velho Testamento. Este é um aspecto ao qual Bauer não dedicou atenção suficiente.
Pode-se ter uma ideia do que era o Cristianismo em sua forma inicial lendo o chamado Livro do Apocalipse, de São João. Selvageria, fanatismo confuso, dogmas incipientes, a moral Cristã é apenas a mortificação da carne, mas há uma multidão de visões e profecias. O desenvolvimento dos dogmas e doutrinas morais pertence a um período posterior, no qual os Evangelhos e as chamadas Epístolas dos Apóstolos foram escritos. Nestas últimas — pelo menos como consideração moral — a filosofia dos estoicos, de Sêneca em particular, foi copiada sem qualquer cerimônia. Bauer provou que as Epístolas, frequentemente, copiam os antigos palavra-por-palavra; de fato, qualquer fiel nota isto, mas mesmo assim eles mantêm que Sêneca copiou o Novo Testamento, embora ele ainda não houvesse sido escrito naquele tempo. O dogma foi desenvolvido, por um lado com relação à lenda de Jesus que estava, então, se formando, e, por outro lado, na luta entre cristãos de origem judaica e de origem pagã.
Bauer também fornece dados valiosos sobre as causas que ajudaram o Cristianismo a triunfar e atingir a dominação mundial. Mas aqui o filósofo alemão é impedido por seu idealismo de ver claramente e formular precisamente. As frases frequentemente substituem a substância em pontos decisivos. Ao invés, então, de entrar em detalhes sobre as visões de Bauer, daremos a nossa própria concepção deste ponto, baseados em trabalhos de Bauer, e também em nosso estudo pessoal.
A Conquista romana dissolveu em todos os países que dominou, primeiro, diretamente, as condições políticas antigas, e depois, indiretamente, também as condições sociais de vida.
Primeiramente, substituindo a antiga organização fundamentada nas propriedades (escravidão à parte) pela distinção simples entre cidadãos romanos e peregrinos ou vassalos.
Depois, e principalmente, pelo severo tributo em nome do Estado romano. Se, debaixo do império, era fixado um limite ao interesse do estado para conter a sede de riqueza dos governadores, aquela sede foi substituída pela taxação mais efetiva e opressiva em benefício da tesouraria oficial, cujo efeito era terrivelmente destrutivo.
Em terceiro lugar, a Lei romana era, em última instância, administrada em toda parte por juízes romanos, enquanto o sistema social nativo era anulado no caso de conflitos com as prescrições da lei romana.
Estas três alavancas necessariamente desenvolveram um tremendo nivelamento de poder, particularmente quando foram aplicados por centenas de anos a populações — das quais as parcelas mais vigorosas tinham sido ou eliminadas ou escravizadas nas batalhas precedentes, acompanhando, e frequentemente seguindo, a conquista. As relações sociais nas províncias ficaram cada vez mais próximas do que dependia da capital e da Itália. A população se tornou cada vez mais nitidamente dividida em três classes, ignorando os mais variados elementos e nacionalidades: pessoas ricas, incluindo alguns escravos emancipados (cf. Petrônio), grandes proprietários de terras ou agiotas ou ambos de uma só vez, como Sêneca, o tio do Cristianismo; pessoas livres despossuídas, que, em Roma, eram alimentadas e divertidas pelo estado — mas nas províncias viviam como podiam, sem ajuda — e, finalmente, a grande massa, os escravos. Em face do Estado, isto é, do Imperador, as duas primeiras classes tinham tão poucos direitos quanto os escravos em face aos seus senhores. Do tempo de Tibério ao de Nero, em particular, era uma prática condenar cidadãos romanos ricos à morte a fim de confiscar sua propriedade. O suporte do governo era — materialmente, o exército, que era mais um exército de soldados estrangeiros contratados do que de velhos camponeses romanos, e moralmente, a visão geral de que não poderia ser de outro modo; que não era este ou aquele César, mas o império fundamentado na dominação militar que era uma necessidade imutável. Aqui não é o lugar para examinar os fatos materiais que justificam esta visão.
A perda geral de direitos e a falta de possibilidades de melhorar de condição ocasionaram um correspondente afrouxamento e desmoralização geral. Os poucos Romanos velhos, sobreviventes do tipo patrício, ou eram removidos ou mortos; Tácito foi o último deles. Os outros ficavam contentes quando podiam manter-se afastados da vida pública; toda razão para viver era juntar e desfrutar da riqueza, e praticar a fofoca e a intriga privada. Os cidadãos livres despossuídos eram pensionistas em Roma, mas nas províncias sua condição era infeliz. Tiveram que trabalhar e competir com o trabalho escravo pelo salário. Mas eram confinados nas cidades. Além deles, existiam também os camponeses das províncias, livres proprietários de terras (ambos, provavelmente, com propriedades comunais) ou, como na Gália, fiadores das dívidas dos grandes proprietários de terras. Esta classe era a menos afetada pelo motim social; também era a que resistia mais tempo ao motim religioso. [Nota de Engels: Conforme Fallmereyer, os camponeses em Main, Peloponeso, ainda ofereciam sacrifícios a Zeus no século IX.] Finalmente, existiam os escravos, destituídos de direitos e de si próprios e da possibilidade de libertação, como a derrota de Spartacus já provara; a maior parte deles, porém, foram antes cidadãos livres, ou filhos de cidadãos livres-nascidos. Deveria, então, haver ainda entre eles um ódio generalizado e vigoroso, entretanto, externamente impotente, por causa das suas condições de vida.
Devemos encontrar o tipo de ideólogo que correspondia à situação daquele momento. Os filósofos eram ou professores que ensinavam por dinheiro ou palhaços pagos para divertir os ricos. Alguns eram até escravos. Um exemplo do que se tornaram eles sob boas condições é fornecido por Sêneca. Este estoico, pastor da virtude e da abstinência, era o primeiro intrigante da corte de Nero, o que ele não poderia ser sem servilismo; ele assegurou para si presentes em dinheiro, propriedades, jardins, e palácios — e enquanto orava pelo pobre Lázaro do Evangelho, ele era, na realidade, o homem rico da mesma parábola. Até que Nero o fez solicitar ao imperador que aceitasse a devolução todos os seus presentes, pois sua filosofia era o bastante para ele. Só os filósofos completamente isolados, como Persius, tiveram a coragem de brandir a sátira acima de seus contemporâneos degenerados. Um segundo tipo de ideólogos, os juristas, eram entusiastas das novas condições porque a abolição de todas as diferenças entre Estados permitiria a eles largo escopo na elaboração de seu direito favorito, o privado, em troca de que eles prepararam para o imperador o sistema oficial de direito mais vil que já existira.
Assim como fez com as peculiaridades políticas e sociais dos vários povos, o Império Romano também foi condenado a arruinar suas religiões particulares. Todas as religiões de Antiguidade eram espontâneas, tribais, e velhas religiões nacionais, que surgiram da fusão das condições sociais e políticas dos respectivos povos. Uma vez que estas bases se romperam, e suas tradicionais formas de sociedade, suas instituições políticas herdadas e suas independências nacionais foram destruídas, a religião correspondente a estas também naturalmente desmoronou. Os deuses nacionais podiam suportar outros deuses ao lado deles, como era a regra geral da Antiguidade, mas não acima deles. O transplante de divindades Orientais para Roma era prejudicial só para a religião romana, não se verificava decadência das religiões Orientais. Assim que os deuses nacionais ficaram incapazes de proteger a independência de sua nação encontraram sua própria destruição. Este foi o caso em todos lugares (exceto com camponeses, especialmente nas montanhas). O que o iluminismo filosófico vulgar — eu quase disse Voltairianismo — fez em Roma e na Grécia, foi feito nas províncias pela opressão romana e pela substituição de homens orgulhosos de sua liberdade por submissos desesperados e malandros egoístas.
Tal era a situação material e moral. O presente era insuportável, a possibilidade do futuro tranquilo, ameaçada. E nada, além disso. Só o desespero ou refúgio no prazer sensual comum, pelo menos para aqueles que podiam dispor disto, e estes eram uma minoria minúscula. Caso contrário, nada, além de esperar o inevitável. Mas, em todas as classes existiam necessariamente as pessoas que, desesperando da salvação material, buscavam em seu lugar uma salvação espiritual, uma consolação em sua consciência para salvar-se do desespero absoluto. Esta consolação não podia ser fornecida pelos estoicos ou pela escola Epicurista, pela razão de que estes filósofos não eram voltados para consciência comum e, secundariamente, porque a conduta de discípulos destas escolas trouxe o descrédito em suas doutrinas. A consolação era um substituto, não para a filosofia perdida, mas para a religião perdida; teve que tomar uma forma religiosa, a mesma que de alguma maneira, segurou as massas até o século XVII. Precisamos notar apenas que a maioria daqueles que estavam sensíveis para tal consolação de sua consciência, para este voo do mundo externo para o interno, estavam necessariamente entre os escravos. Foi no meio desta decadência econômica, política, intelectual e moral que o Cristianismo apareceu. E entrou como uma antítese resoluta a todas as religiões anteriores.
Em todas as religiões anteriores, a cerimônia era a coisa principal. Só tomando parte nos sacrifícios e procissões, e, no Oriente, observando a dieta mais detalhada e preceitos de limpeza, podia alguém mostrar a que religião pertencia. Enquanto Roma e a Grécia eram tolerantes a respeito disto, existia no Oriente uma revolta contra as proibições religiosas que contribuíram muito para a sua queda final. Pessoas de duas das religiões diferentes, (Egípcios Persas, judeus, Caldeus) não podiam comer ou beber juntos, apresentar-se e agir juntos, ou mesmo falar um com o outro. Era certamente devido a esta segregação do homem pelo homem que o Oriente desmoronava. O cristianismo não possuía nenhuma formalidade distintiva, nem mesmo os sacrifícios e procissões do mundo clássico. Deste modo, rejeitando todas as religiões nacionais e suas formalidades comuns, e dirigindo-se diretamente a todas as pessoas sem distinção, se tornou a primeira religião mundial possível. O judaísmo também, com seu novo deus universal, fez um começo a caminho de se tornar uma religião universal; mas os filhos de Israel sempre permaneceram uma aristocracia separando os crentes e os circuncidados, e o próprio Cristianismo teve que se livrar da noção da superioridade dos cristãos judeus (ainda dominante no chamado Apocalipse, de São João) antes de poder realmente se tornar uma religião universal. O Islã, por outro lado, preservando a cerimônia especificamente Oriental, limitou a área de sua propagação ao Oriente e à África do Norte, conquistada e povoada novamente por beduínos árabes; ali ele pode se tornar a religião dominante, mas não no Oeste.
Secundariamente, o Cristianismo atingiu um tom que estava destinado a ecoar em incontáveis corações. A todas as reclamações sobre a maldade dos tempos e a angústia moral e material, a consciência cristã do pecado responde: É assim e não pode ser de outro modo; tu ardes em culpa, somos todos culpados pela corrupção do mundo, por nossa própria corrupção interna! E onde estava o homem que podia negar isto? Mea culpai A admissão da parte de cada um na responsabilidade pela infelicidade geral era irrefutável e era a pré-condição para a salvação espiritual que o Cristianismo ao mesmo tempo anunciava. E esta salvação espiritual estava tão instituída que podia ser facilmente compreendida por membros de toda a comunidade religiosa antiga. A ideia do pagamento para aplacar a deidade ofendida era conhecida em todas as religiões antigas; como a ideia do auto-sacrifício do mediador pagando de uma vez por todas os pecados da humanidade não podia ser facilmente explicada assim? O cristianismo, então, expressou claramente o sentimento universal de que os próprios homens são culpados da corrupção geral através da consciência do pecado de cada um; ao mesmo tempo, providenciou, no sacrifício da morte de seu juiz, uma saída universalmente esperada — pela salvação interna do mundo corrupto, a consolação de consciência; assim novamente o cristianismo provou sua capacidade para se tornar uma religião mundial e ser, realmente, uma religião adequada ao mundo como ele era naquele tempo.
Assim aconteceu que, entre os milhares de profetas e pregadores do deserto que enchiam aquele período de incontáveis inovações religiosas, só os fundadores do Cristianismo tiveram sucesso. Não só a Palestina, mas o Oriente inteiro fervilhou com tais fundadores das religiões, e entre eles travou-se o que pode ser chamado uma luta darwiniana pela existência ideológica. Usando principalmente os elementos mencionados acima, o Cristianismo "ganhou o dia". Como ele gradualmente desenvolveu seu caráter de religião mundial por seleção natural na luta das seitas umas contra as outras e contra o mundo pagão é explicado em detalhe pelos primeiros três séculos da história da igreja.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Alienação

Alienação

 No sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e – além de, e através de, [1], [2] e [3] – também [4] a si mesmos (às suas possibilidades humanas constituídas historicamente). Assim concebida, a alienação é sempre alienação de si próprio ou autoalienação, isto é, alienação do homem (ou de seu ser próprio) em relação a si mesmo (às suas possibilidades humanas), através dele próprio (pela sua própria atividade). E a alienação de si mesmo não é apenas uma entre outras formas de alienação, mas a sua própria essência e estrutura básica. Por outro lado, a “autoalienação” ou alienação de si mesmo não é apenas um conceito (descritivo), mas também um apelo em favor de uma modificação revolucionária do mundo (desalienação). O conceito de alienação, considerado hoje como um dos conceitos centrais do marxismo e amplamente usado tanto por marxistas como não marxistas, só entrou para os dicionários de filosofia na segunda metade do século XX. Antes, porém, era considerado como um importante termo filosófico e foi muito usado mesmo fora da filosofia: na vida cotidiana, no sentido de afastamento de antigos amigos ou companheiros; na teoria econômica e no direito, como termo para designar a transferência da propriedade de uma pessoa para outra (compra e venda, roubo, doação); na medicina e na psiquiatria, como nome para o desvio da normalidade, a insanidade. E antes de se ter desenvolvido como um “conceito” metafilosófico (revolucionário) com Marx, foi usado como conceito filosófico por HEGEL e por FEUERBACH. Em seus comentários sobre a alienação, Hegel teve, por sua vez, vários predecessores, alguns dos quais usaram a palavra sem se aproximarem de seu significado hegeliano (ou marxista); outros foram precursores da ideia sem usar a expressão, e, em alguns casos, houve até mesmo uma espécie de encontro entre a ideia e o termo que a indica. A doutrina cristã do pecado original e da redenção tem sido considerada por muitos autores como uma das primeiras versões da história da alienação e da desalienação do homem. Alguns deles insistiram em que o conceito de alienação teve sua primeira expressão no pensamento ocidental no conceito de idolatria do Velho Testamento. A relação entre os seres humanos e o Logos, em Heráclito, também pode ser analisada em termos de alienação. E alguns comentaristas sustentaram que a origem da concepção que Hegel tinha da natureza como forma autoalienada do Espírito Absoluto pode ser encontrada na interpretação de Platão do mundo natural como uma imagem imperfeita do nobre mundo das Ideias. Na época moderna, a terminologia e a problemática da alienação encontram-se especialmente nos teóricos do Contrato Social. Assim, Hugo Grotius usou a expressão alienação para designar a transferência para outra pessoa da autoridade soberana do homem sobre si mesmo. Mas, a despeito do uso da expressão (como em Grotius) ou não (como em Hobbes e Locke), a própria ideia do Contrato Social pode ser vista como uma tentativa de fazer progressos no sentido da desalienação (conseguir maior liberdade, ou pelo menos maior segurança), por meio de uma alienação parcial deliberada. Essa lista de precursores poderia ser facilmente ampliada. Mas provavelmente não há nenhum pensador antes de Hegel que possa ser lido e compreendido em termos da alienação e desalienação melhor do que Rousseau. Para mencionarmos apenas dois entre os aspectos mais relevantes, a oposição estabelecida por Rousseau entre o homem natural (l’homme de la nature, l’homme naturel, le sauvage) e o homem social (l’homme policé, l’homme civil, l’homme social) poderia ser comparada com a oposição entre o homem não alienado e o homem autoalienado, e o projeto rousseauniano de superação da contradição entre a volonté générale e a volonté particulière pode ser considerado como um programa para a abolição da alienação. Mas apesar de todos os precursores, e de Rousseau inclusive, a verdadeira história filosófica da alienação começa com Hegel. Embora a ideia de alienação, sob o nome de Positivität (positividade), surja nos primeiros escritos de Hegel, seu desenvolvimento explícito como termo filosófico tem início na Phänomenologie des Geistes (Fenomenologia do Espírito). E embora o seu estudo esteja concentrado de forma mais direta na seção da obra intitulada “O espírito alienado de si mesmo; Cultura”, a alienação é, na realidade, o conceito central e a ideia mais importante de todo o livro. Da mesma maneira, embora não exista uma análise concentrada e explícita da alienação em suas obras posteriores, todo o sistema filosófico de Hegel, tal como apresentado de forma resumida em sua Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften (Enciclopédia das ciências filosóficas), e mais extensivamente em suas demais obras e conferências posteriores, foi construído com a ajuda das ideias da alienação e desalienação. Em um sentido básico, o conceito de auto-alienação aplica-se, em Hegel, ao Absoluto. A Ideia Absoluta (Espírito Absoluto), que para ele é a única realidade, é um Eu dinâmico envolvido em um processo circular de alienação e desalienação. Torna-se alienado de si mesmo na Natureza (que é a forma autoalienada da Ideia Absoluta) e volta de sua auto-alienação no Espírito Finito, o homem (que é o Absoluto no processo de desalienação). A autoalienação e a desalienação são, dessa maneira, a forma do Ser do Absoluto. Em outro sentido básico (que resulta diretamente do primeiro), a autoalienação pode ser aplicada ao Espírito Finito, ou homem. Na medida em que é um ser natural, o homem é um espírito alienado de si. Mas, na medida em que é um ser histórico, capaz de conseguir um conhecimento adequado do Absoluto (o que significa também conhecer a natureza e a si mesmo), o homem é capaz de se tornar um ser desalienado, realizando o Espírito Finito a sua vocação para a construção do Absoluto. Assim, a estrutura básica do homem também pode ser descrita como autoalienação ou alienação de si e desalienação. Há um outro sentido no qual a alienação pode ser atribuída ao homem. É uma característica essencial do Espírito Finito (homem) produzir coisas, expressar-se em objetos, objetificar-se em coisas físicas, instituições sociais e produtos culturais. E toda objetificação é necessariamente um exemplo de alienação: os objetos produzidos tornam-se alheios ao produtor. A alienação, nesse sentido, só pode ser superada no sentido de ser conhecida de maneira adequada. Vários outros sentidos de alienação foram descobertos em Hegel, pelos estudiosos de sua obra. Schacht, por exemplo, concluiu ter Hegel usado o termo em dois sentidos bastante diferentes: “alienação¹”, que significa “uma separação ou relação discordante como a que poderia existir entre o indivíduo e a substância social, ou (como alienação de si) entre a condição real e a natureza essencial” e “alienação²” que significa “entrega ou sacrifício da particularidade e da intencionalidade, em conexão com a superação da alienação¹ e o restabelecimento da unidade” (Schacht, 1970, p.35). Em sua crítica da filosofia de Hegel publicada em 1839 e em outros escritos, como Das Wesen des Christentums (A essência do cristianismo, 1841) e Grundsätzer der Philosophie der Zukunft (Os princípios da filosofia do futuro, 1843) Feuerbach criticou a concepção hegeliana de que a natureza é uma forma autoalienada do Espírito Absoluto e o homem é o Espírito Absoluto no processo de desalienação. Para Feuerbach, o homem não é Deus autoalienado, mas Deus é o homem autoalienado: é apenas a essência abstraída do homem, absolutizada e dele distanciada. Assim, o homem aliena-se de si mesmo ao criar e colocar acima de si um ser superior estranho e imaginado, e ao curvar-se ante ele, como escravo. A desalienação do homem consiste na abolição daquela imagem “estranhada” do homem que é Deus. O conceito de alienação de Feuerbach foi criticado e ampliado primeiramente por Moses Hess, mas uma crítica, na mesma linha, foi realizada de maneira mais completa e profunda pelo então amigo mais jovem de Hesse, Karl Marx (especialmente nos Manuscritos econômicos e filosóficos). Marx louvou Hegel por ter considerado “a autocriação do homem como um processo, a objetificação como a perda do objeto, como alienação e transcendência dessa alienação (…)” (Terceiro Manuscrito). Mas criticou Hegel por ter identificado a objetificação com a alienação e por ter considerado o homem como autoconsciência e a alienação do homem como a alienação de sua consciência: “Para Hegel, a vida humana, o homem, é equivalente à autoconsciência. Toda alienação da vida humana não passa, portanto, de alienação da autoconsciência (…). Toda reapropriação da vida objetiva alienada surge, portanto, como uma incorporação na autoconsciência” (ibid.). Marx concordava com a crítica de Feuerbach à alienação religiosa, mas ressaltava que esta é apenas uma entre as várias formas de alienação humana. O homem não só aliena parte de si mesmo na forma de Deus, como também aliena outros produtos de sua atividade espiritual na forma de filosofia, senso comum, arte, moral; aliena os produtos de sua atividade econômica na forma da mercadoria, do dinheiro, do capital; e aliena produtos de sua atividade social na forma do Estado, do direito, das instituições sociais. Há muitas formas nas quais o homem aliena de si mesmo os produtos de sua atividade e faz deles um mundo de objetos separado, independente e poderoso, com o qual se relaciona como um escravo, impotente e dependente. Mas o homem não só aliena de si mesmo seus próprios produtos, como também se aliena a si próprio da atividade mesma pela qual esses produtos são criados, da natureza na qual vive e dos outros homens. Todos esses tipos de alienação são, em última análise, a mesma coisa: são aspectos diferentes, ou formas, da alienação do homem, formas diferentes da alienação que se produz entre o homem e a sua “essência” ou sua “natureza” humana, entre o homem e sua humanidade. Assim como o trabalho alienado [1] aliena do homem a natureza e [2] aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, ele o aliena da própria espécie (…) [3] (…). Ele (o trabalho alienado) aliena do homem o seu próprio corpo, sua natureza externa, sua vida espiritual e sua vida humana (…). [4] Uma consequência direta da alienação do homem com relação ao produto de seu trabalho, a sua atividade vital e à vida de sua espécie é o fato de que o homem se aliena dos outros homens (…). Em geral, a afirmação de que o homem está alienado da vida de sua espécie significa que todo homem está alienado dos outros e que todos os outros estão igualmente alienados da vida humana (…). Toda alienação do homem de si mesmo e da natureza surge na relação que ele postula entre outros homens, ele próprio e a natureza. (Manuscritos econômicos e filosóficos, Primeiro Manuscrito) A crítica (o desmascaramento) da alienação não foi um fim em si mesmo para Marx. Seu objetivo era preparar o caminho para uma revolução radical e para a realização do comunismo, compreendido como “a reintegração do homem, seu retorno a si mesmo, a superação da alienação do homem”, como “a abolição positiva da propriedade privada, da alienação humana e, com isso, como a apropriação real da natureza humana através do homem e para o homem (Terceiro Manuscrito). Embora as expressões alienação e desalienação não sejam muito usadas nos últimos escritos de Marx, todos eles, inclusive O Capital, apresentam uma crítica do homem e da sociedade alienados existentes, e encerram um apelo à desalienação. E há pelo menos uma grande obra da fase final de Marx, os Grundrisse, em que a terminologia da alienação é amplamente usada. Os Manuscritos econômicos e filosóficos foram publicados pela primeira vez em 1932 e os Grundrisse, publicados em 1939, só se tornaram acessíveis na prática depois de sua reedição em 1953. Talvez essas tenham sido algumas das principais razões “teóricas” (houve também razões práticas) para que fossem negligenciados os conceitos de alienação e desalienação em todas as interpretações de Marx (e na discussão filosófica em geral) durante o final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Alguns aspectos importantes da alienação foram examinados pela primeira vez em Geschichte und Klassenbewusstsein (História e consciência de classe), de Lukács, que aprofundou a discussão da REIFICAÇÃO, mas não há nenhum estudo geral e explícito da alienação no livro. Assim, a temática só foi retomada depois da publicação dos Manuscritos econômicos e filosóficos em 1932. Marcuse (1932) foi dos primeiros a ressaltar a importância dos Manuscritos e a chamar a atenção para o conceito de alienação que apresentavam. Auguste Cornu (1934) foi dos primeiros a estudar o “jovem Marx” de maneira mais cuidadosa, e Henri Lefebvre (1939) talvez tenha sido o primeiro a tentar introduzir o conceito de alienação na interpretação tradicional de Marx. Uma discussão mais geral e aprofundada da alienação teve início depois da Segunda Guerra Mundial. Dela participaram não só autores marxistas, mas também pensadores existencialistas e personalistas, e não apenas filósofos, mas também psicólogos (particularmente psicanalistas), sociólogos, críticos literários e escritores. Entre os não marxistas, Martin Heidegger foi quem deu um importante impulso à discussão da alienação. Em Sein und Zeit (O Ser e o Tempo, 1927), ele usou Entfremdung para descrever um dos traços básicos do modo inautêntico do Ser do homem, e em 1947 ressaltou a importância da alienação. Certos autores viram uma analogia entre o conceito de alienação de Marx e a noção de Seinsvergessenheit de Heidegger e também entre a concepção marxista de revolução e o conceito de Kehre de Heidegger. Novas perspectivas igualmente importantes foram propostas por Jean-Paul Sartre, que pensou a “alienação” tanto em sua fase existencialista como em sua fase marxista; por P. Tilich, em cuja combinação de teologia protestante, filosofia existencial e marxismo o conceito de alienação tem papel importante; por Alexandre Kojève, que interpretou Hegel com a ajuda de indicações do jovem Marx; por Jean Hyppolite, que examinou a alienação (especialmente a relação entre esta e a objetificação) em Hegel e Marx; por Jean-Yves Calvez, cuja crítica a Marx, de um ponto de vista cristão, baseou-se numa interpretação do pensamento de Marx como crítica de diferentes formas de alienação, e por Hans Barth, cuja discussão da relação entre verdade e ideologia envolve um exame detalhado da questão. Entre os marxistas, Lukács estudou a alienação em Hegel (particularmente no jovem Hegel) e em Marx e tentou especificar seu próprio conceito de alienação (e sua relação com a reificação). Ernst Bloch valeu-se do conceito sem nele insistir particularmente, tentando estabelecer uma distinção clara entre Entfremdung e Verfremdung. Finalmente, Erich Fromm não só estudou cuidadosamente o conceito de alienação em Marx, como também fez dele uma chave para a análise, em seus trabalhos sociológicos, psicológicos e filosóficos. Os marxistas que tentaram reviver e desenvolver a teoria da alienação de Marx nas décadas de 1950 e 1960 foram muito criticados pelo seu idealismo e pelo seu hegelianismo: de um lado, pelos representantes da versão oficial (stalinista) de Marx e, de outro, pelos chamados marxistas estruturalistas (por exemplo, Louis Althusser). Esses adversários da teoria da alienação insistiram em que aquilo que era chamado de alienação no jovem Marx era denominado, de maneira muito mais adequada, em obras posteriores, por termos científicos propriedade privada, dominação de classe, exploração, divisão do trabalho, etc. Mas argumentou-se em resposta que os conceitos de alienação e desalienação não podem ser totalmente reduzidos a nenhum (ou a todos) dos conceitos apresentados para substituí-lo e que, para uma interpretação verdadeiramente revolucionária de Marx, aquele conceito era indispensável. Em consequência desses debates, o número de marxistas que ainda se opõem a qualquer uso do conceito de alienação diminuiu consideravelmente. Muitos dos que estavam prontos a aceitar o conceito de alienação de Marx não aceitavam o conceito de alienação de si, que lhes parecia não histórico, porque deixa implícita a existência de uma essência ou natureza humana fixa e inalterável (ver NATUREZA HUMANA). Argumentou-se, em contraposição a tal concepção, que a alienação de si mesmo devia ser considerada não como uma alienação de uma natureza humana factual ou ideal (“normativa”), mas como alienação das possibilidades humanas criadas historicamente, em especial da capacidade humana de liberdade e criatividade. Assim, em lugar de sustentar uma interpretação estática ou não histórica do homem, a ideia de alienação de si traz um clamor pela renovação constante e pelo desenvolvimento do homem. Esse aspecto foi bastante ressaltado por Kangrga: ser autoalienado significa “ser autoalienado de simesmo como obra (Werk) de si mesmo, da autoatividade, da autoprodução, da autocriação; ser alienado da história como práxis humana e como um produto humano” (1967, p.27). Assim, “o homem está alienado ou autoalienado quando não se está tornando um homem” e isso ocorre quando “aquilo que ele é e foi é tomado como a verdade única e autêntica”, ou quando o homem opera “dentro de um mundo já feito e não atua de uma maneira prática e crítica (em um sentido revolucionário)” (1967, p.27). Outro aspecto controverso é se a alienação aplica-se em primeiro lugar aos indivíduos ou à sociedade como um todo. De acordo com os que a consideram como aplicável em primeiro lugar aos indivíduos, o desajustamento do homem à sociedade na qual vive é indício de sua alienação. Já, por exemplo, Fromm (1955) argumentou que uma sociedade também pode estar enferma ou alienada, de modo que o homem não adaptado à sociedade existente não está necessariamente “alienado”. Muitos dos que consideram a alienação como uma forma aplicável apenas às pessoas ainda a tornam mais limitada, vendo-a como um conceito exclusivamente psicológico, que se refere a um sentimento ou estado de espírito. Assim, de acordo com Eric e Mary Josephson, a alienação é “um sentimento individual, ou um estado de dissociação do eu dos outros e do mundo em geral” (Josephson e Josephson 1962, p.191). Outros autores ainda insistiram em que a alienação não é simplesmente um sentimento, mas em primeiro lugar um fato objetivo, uma maneira de ser. Dessa forma, A.P. Ogurtsov, na Enciclopédia de filosofia soviética define alienação como “a categoria filosófica e sociológica que expressa a transformação objetiva da atividade do homem e de seus resultados numa força independente, que o domina e lhe é contrária, e também a correspondente transformação do homem de sujeito ativo em objeto do processo social”. Alguns dos autores que caracterizam a “alienação” com um estado de espírito consideram-na como um fato ou conceito da psicopatologia; outros insistem em que, embora a alienação não seja “boa” ou desejável, não é rigorosamente patológica. Acrescentam muitas vezes que deve haver uma distinção entre a alienação e dois conceitos correlatos, mas não idênticos – anomia e desorganização pessoal. “A alienação refere-se ao estado psicológico de um indivíduo caracterizado por sentimentos de distanciamento, enquanto a anomia se refere à relativa anormalidade de um sistema social. A desorganização pessoal refere-se ao comportamento desordenado resultante de conflito interno no indivíduo” (M. Levin, in Josephson e Josephson 1962, p.228). A maioria dos teóricos da alienação estabeleceram uma distinção entre diferentes formas desse fenômeno. Por exemplo, Schaff (1980) encontra duas formas básicas: alienação objetiva (ou simplesmente alienação) e alienação subjetiva (ou autoalienação). E. Schachtel vê quatro formas (a alienação do homem em relação à natureza, em relação a seus semelhantes, em relação ao trabalho de suas mãos e espíritos, e em relação a si mesmo). M. Seeman aponta quatro outras (impotência, falta de significação, isolamento social, falta de norma e autodistanciamento). Cada uma dessas classificações tem méritos e deméritos. Assim, em lugar de tentar compilar uma lista completa dessas formas, alguns estudiosos procuraram esclarecer os critérios básicos segundo os quais tais classificações deveriam ser (ou foram, na realidade) feitas. Uma questão muito discutida é se a autoalienação é uma propriedade essencial, imperecível, do homem enquanto homem, ou se é característica apenas de uma fase histórica da evolução humana. Alguns filósofos (em particular os existencialistas) sustentaram que a alienação é um momento estrutural permanente da existência humana. Além de sua existência autêntica, o homem também leva uma existência não autêntica, sendo ilusório esperar que ele algum dia poderá viver apenas autenticamente. A concepção oposta é a de que o ser humano, originalmente não alienado, no curso de sua evolução alienou-se de si mesmo, mas voltará, no futuro, a si mesmo. Tal concepção encontrase em Engels e em muitos pensadores marxistas de hoje; o próprio Marx parece ter achado que o homem sempre fora, até então, alienado, mas não obstante poderia e deveria voltar a vir a ser ele mesmo. Entre os que aceitaram a concepção de que o comunismo é uma desalienação houve diferentes perspectivas sobre as possibilidades, limites e formas da desalienação. Assim, de acordo com uma das respostas disponíveis, a desalienação absoluta é possível: toda alienação – social e individual – pode ser abolida de uma vez por todas. Os representantes mais radicais desse ponto de vista otimista afirmam até mesmo que toda alienação já foi eliminada em princípio dos países socialistas, onde só existe sob a forma de insanidade individual ou como um “resquício de capitalismo” insignificante. Não é difícil ver os problemas dessa interpretação. A desalienação absoluta só seria possível se a humanidade fosse alguma coisa definitiva e inalterável. E, de um ponto de vista factual, é fácil ver que, naquilo que se chama de “socialismo”, não só formas antigas de alienação, mas também muitas formas “novas”, existem. Assim, contra os defensores da desalienação absoluta sustentou-se que só é possível uma desalienação relativa. De acordo com tal concepção, não é possível eliminar toda a alienação, mas pode-se criar uma sociedade basicamente não alienada que estimule o desenvolvimento de indivíduos não autoalienados, realmente humanos. Dependendo da interpretação da essência da alienação, os meios recomendados para a sua superação também têm sido distintos. Aqueles que consideram a autoalienaçãocomo um fato “psicológico” questionam a importância, e até mesmo a relevância, de qualquer modificação externa nas “circunstâncias” e sugerem que o esforço moral do indivíduo, “uma revolução interior”, é a única cura. E aqueles que consideram a autoalienação como um fenômeno neurótico são coerentes ao oferecer para ela um tratamento psicanalítico. No outro extremo, estão os filósofos e sociólogos que se aferram a essa variante degenerada do marxismo que é o “determinismo econômico” e consideram os indivíduos como produtos passivos da organização social (e em particular, da econômica). Para esses autores marxistas, o problema da desalienação reduz-se ao problema da transformação social, e este ao problema da abolição da propriedade privada. Em contraposição às duas interpretações apresentadas acima, foi proposta uma terceira concepção, em que a desalienação da sociedade está intimamente ligada à desalienação dos indivíduos, de tal modo que é impossível realizar uma sem a outra, ou reduzir uma à outra. É possível criar um sistema social que seja favorável ao desenvolvimento de pessoas desalienadas, mas não é possível organizar uma sociedade que produzisse automaticamente tais pessoas. Um indivíduo só se pode transformar num ser não alienado, livre e criativo por meio de sua própria atividade. Mas não só a desalienação não pode ser reduzida à desalienação da sociedade, como esta, por sua vez, não pode ser concebida simplesmente como uma mudança na organização da economia que será seguida automaticamente por uma mudança em todas as outras ou aspectos da vida humana. Longe de ser um dado eterno da vida social, a divisão da sociedade em esferas mutuamente independentes e conflitantes (economia, política, direito, artes, moral, religião, etc.) e a predominância da esfera econômica são, segundo Marx, características de uma sociedade alienada. A desalienação da própria sociedade é, portanto, impossível, sem a abolição da alienação que as diferentes atividades humanas guardam umas das outras. Igualmente, o problema da desalienação da vida econômica não pode ser resolvido pela simples abolição da propriedade privada. A transformação desta em propriedade estatal não introduz uma transformação essencial na situação do trabalhador ou do produtor. A desalienação da vida econômica também exige a abolição da propriedade estatal com sua transformação em propriedade social real, e isso não se pode realizar sem que se organize a totalidade da vida social com base na autogestão dos produtores imediatos. Mas, se a autogestão dos produtores é uma condição necessária da desalienação da vida econômica, ela não é, por si, condição suficiente. Não resolve automaticamente o problema da desalienação na distribuição e no consumo, e não é em si suficiente nem mesmo para desalienar a produção. Certas formas da alienação da produção têm suas raízes na natureza dos meios modernos de produção e por isso não podem ser eliminadas por uma mera mudança da forma de gerir a produção.

GP Bibliografia: Cornu, Auguste, La jeunesse de Karl Marx, 1934 • Fromm, Erich, The Sane Society, 1955 [Psicanálise da sociedade contemporânea, 1983] £ Marx’s Concept of Man , 1961 [O conceito marxista do homem, 1979] • Gabel, Joseph, “La fausse conscience”, 1967 • Israel, Joachim, Der Begriff Entfremdung, 1972 • Jahn, W., “Le contenu économique du concept d’aliénation Du travail dans les oeuvres de jeunesse de Mar”, 1960 • Josephson, Eric e Mary (orgs.), Man Alone Alienation in Modern Society, 1962 • Kangrga, Milan, “Das Problem der Entfremdung in Marxs Werk”, 1967 • Konder, Leandro, Marxismo e alienação, 1965 • Lefebvre, Henri, Le maitérialisme dialectique, 1939 • Marcuse, Herbert, “Neuen Quellen zur Grundlegung des historischen Materialismus: Interpretationem der neuveroeffentlichen Manuskripte von Marx”, 1932 (1969) [“Novas fontes para a fundamentação do materialismo histórico: Interpretação dos recém-publicados manuscritos de Marx” (1968)] • Mészaros, István, Marx’s Theory of Alienation , 1970 [Marx: a teoria da alienação, 1981] • Naville, Pierre, “De l’aliénation à la jouissance”, 1967 £ De l’aliénation à la jouissance, 1970 • Ollman, Bertell, Alienation: Marx’s Conception of Man in Capitalist Society , 1971 (1976) • Petrovié, Gajo, Marx in the MidTwentieth Century, 1967 • Schacht, Richard, Alienation, 1970 • Schaff, Adam, Alienation as a Social Phenomenon, 1980 • Sève, Lucien, “Analyses marxistes de l’alienation”, 1974 • “Sur le jeune Marx”, Recherches Internationales à la Lumière du Marxisme , n.19, 1960 • Vranicki, Predrag, “Socialism and the Problem of Alienation”, in E. Fromm (org.), Socialist Humanism, 1965. 

Fonte: Dicionário do pensamento marxista

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Espanha aposta em Cuba apesar da aplicação da Lei Helms-Burton dos EUA


2019-05-08 11:29:18丨portuguese.xinhuanet.com

Havana, 6 mai (Xinhua) - A Espanha continuará a investir em Cuba apesar da incerteza e da preocupação suscitadas pela recente ativação do Título III da Lei Helms-Burton pelos Estados Unidos contra o país insular, disse o ministro do Comércio espanhol, Reys Maroto.
O ministro reafirmou a posição da Espanha sobre o assunto em um encontro de mais de 130 representantes de empresas espanholas em Cuba.
O polêmico ato, promulgado há quatro dias por Washington, permite que cidadãos norte-americanos instaurem ações judiciais contra empresas estrangeiras que operam em Cuba em propriedades nacionalizadas depois de 1959.
"O encontro nos incentiva a continuar trabalhando para fortalecer os laços comerciais e de investimento com Cuba. Há investimentos importantes que as empresas espanholas podem fazer em áreas estratégicas para a modernização do país, como energias renováveis, transporte, infraestrutura e automóveis", disse ela.
Em entrevista coletiva realizada após a reunião, Maroto também afirmou que a mensagem de Madri aos seus investidores no país caribenho se baseia em "compromisso", "responsabilidade" e "lealdade" para com Havana e sua comunidade empresarial.
"Vamos analisar todas as recomendações a partir de agora, tanto pelo nosso governo como no âmbito da Comissão Europeia", insistiu.
Maroto disse que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, tentará mediar com a administração Trump para resolver esta questão e evitar "qualquer tipo de guerra comercial".
A implementação do Título III da Lei Helms-Burton de 1996, que havia sido suspensa por todos os presidentes dos EUA desde Bill Clinton, tem como objetivo diminuir o investimento estrangeiro na ilha e fortalecer ainda mais o embargo econômico de quase seis décadas, segundo os observadores.
Além disso, ele desencadearia milhares de reivindicações sobre grandes propriedades como fábricas, indústrias, infraestrutura turística, edifícios do governo e até mesmo casas onde vivem atualmente os cubanos comuns.
"Vamos manter nossos investimentos em Cuba e pode ser anos de litígio para tomar qualquer decisão", disse ela.
Entre as empresas espanholas que poderiam receber reclamações estão Melia, Iberostar e Barcelo, que operam mais de 60 hotéis de propriedade do governo cubano.
Ela destacou o primeiro fundo de investimento espanhol de 40 milhões de euros (cerca de 45,6 milhões de dólares americanos) assinado entre os dois países em novembro passado durante a visita de Sanchez.
Maroto anunciou um segundo fundo de 375 milhões de euros (cerca de US$ 420 milhões) para financiar projetos prioritários de desenvolvimento da moeda local da ilha, ligados aos interesses de empresas espanholas.
A Espanha é o terceiro maior parceiro comercial de Cuba. De acordo com dados oficiais, as exportações da Espanha para a ilha cresceram 5% em 2018, chegando a cerca de 900 milhões de euros (cerca de US$ 1 bilhão). Madri é o principal parceiro europeu de Havana, com uma participação de mercado próxima a 40%.
Este novo fundo de investimento anunciado nesta segunda-feira por Maroto é um novo impulso de vitalidade para as empresas espanholas em Cuba, que está atolada em tensões com Washington.
"Diferentes setores podem contribuir para o desenvolvimento de Cuba com novos investimentos, outros podem desenvolver projetos em andamento e novas empresas têm um enorme interesse nesse mercado", disse à Xinhua o diretor da Câmara de Comércio da Espanha, Inmaculada Riera.
Empresas espanholas de áreas como turismo, agricultura e processamento de alimentos, infraestrutura, construção e energia estiveram presentes na reunião.
"Este compromisso vai além da Lei Helms-Burton. A Comissão Europeia tem muito a dizer sobre esta situação e a Espanha está a liderar uma posição muito forte e firme de apoio às suas empresas", afirmou Riera.
A decisão da administração Trump de implementar plenamente o Título III foi recebida com ampla oposição da União Europeia e Canadá, cujas empresas investiram bilhões de dólares em Cuba.
Bruxelas considera a mudança "contrária ao direito internacional" e disse que responderia.
As relações entre os EUA e Cuba caíram drasticamente desde que Donald Trump assumiu o poder, em parte depois que ele decidiu reverter a dissuasão iniciada por seu antecessor, Barack Obama. Os dois lados ainda mantêm seus laços diplomáticos restabelecidos em julho de 2015 sob Obama.