Washington
afirmou que na ilha há prostituição infantil e turismo sexual. No
entanto, conforme assinalou o UNICEF, o país é exemplo na proteção da
infância
Por Salim Lamrani no Opera Mundi
Em
seu relatório de 2014 sobre o tráfico de seres humanos no mundo, o
Departamento do Estado inclui novamente Cuba em sua lista, situando-a na
pior categoria (3). Segundo Washington, “adultos e crianças são vítimas
de tráfico sexual e de trabalhos forçados” na ilha. “A prostituição
infantil e o turismo sexual são uma realidade em Cuba e houve alegações
de trabalhos forçados durante as missões no exterior que o governo
cubano realizou”. 1
Entretanto, Washington reconhece a falta de credibilidade de suas informações: Alguns cubanos que participam dessas missões de trabalho declararam que sua presença era voluntária e que o trabalho estava sendo bem remunerado em comparação a outros empregos em Cuba. Outros afirmaram que as autoridades cubanas os obrigaram a participar das missões, confiscando seus passaportes e limitando sua movimentação. Alguns profissionais da saúde que participavam dessas missões puderam se beneficiar de vistos estadunidenses e de algumas facilidades migratórias para viajar aos Estados Unidos com seus passaportes, o que indica que pelo menos alguns profissionais da saúde conservam seus passaportes. Os relatórios sobre coação imposta pelas autoridades cubanas não parecem refletir uma política governamental uniforme. Convêm ressaltar que carecemos de informação a respeito. 2 O relatório se refere, entre outros ao Cuban Medical Professional Parole Program (Programa de Liberdade para os Profissionais Médicos Cubanos, em tradução livre) (CMPP). De fato, desde 2006 Washington elaborou uma política destinada a tirar da ilha seu capital humano, facilitando a emigração de seus médicos para os EUA. Este programa prioriza particularmente os 30 mil médicos cubanos e outros funcionários de saúde que trabalham em cerca de 60 países do Terceiro Mundo, no marco de uma vasta campanha humanitária destinada a curar os despossuídos do planeta. 3
Assim,
apesar da falta de informação confiável, o relatório de 2014 conclui
que “o governo de Cuba não cumpre os padrões mínimos para eliminar o
tráfico de seres humanos e não realiza os esforços necessários para
isso”. 4
O ponto de vista da UNICEF
A
acusação mais grave é relativa à prostituição infantil. Entretanto, a
UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) não compartilha desse
ponto de vista e, pelo contrário, saúda os avanços de Cuba na proteção
da infância. 5 Segundo o organismo da ONU, “Cuba é um exemplo na
proteção da infância”. Segundo Juan José Ortiz, representante da UNICEF
em Havana, “a desnutrição severa não existe em Cuba porque há vontade
política” de eliminá-la. “Aqui não há criança nas ruas. Em Cuba as
crianças ainda são prioridade e por isso não sofrem as carências de
milhões de crianças na América Latina, trabalhando, explorados ou em
redes de prostituição”. 6
Ortiz compartilha sua experiência a esse respeito:
Há
milhões de crianças exploradas diariamente, que nunca irão a escola;
milhões de meninos e meninas que nem sequer têm identidade, que não
existem já que não foram registrados. 7
Cuba, há mais de 50 anos, tem sido um modelo de defesa e de promoção dos direitos da infância. As políticas públicas a favor da infância têm sido prioridade há muitos anos. Assim, conseguiu-se algo verdadeiramente inédito no mundo em desenvolvimento. Entre as centenas de milhares de crianças que sofrem gravíssimas violações de seus direitos, que chegam inclusive a morrer diariamente de causas absolutamente evitáveis, nenhuma é cubana. É a demonstração clara de que é possível, sim, que os Estados priorizem a atenção à infância e o seu desenvolvimento. […] Cuba demonstra que, apesar da crise internacional, apesar da gravidade do impacto do bloqueio [sanções econômicas] sobre o desenvolvimento da infância, apesar desse agravante, uma vez que é o único país a tê-lo, pode garantir plenamente os direitos da infância e conseguir níveis de desenvolvimento humano cada vez maiores. Cuba é um exemplo para o mundo de como é possível trabalhar para garantir os direitos da infância e seu pleno desenvolvimento. O povo cubano disfruta de um tesouro do qual às vezes não se dá conta. Os meninos, as meninas e os adolescentes são privilegiados em comparação ao mundo. 8 20.000 meninos e meninas vão morrer no mundo hoje e a imensa maioria dessas mortes poderia ser evitada. É criminoso deixar que as crianças morram se temos recursos para salvá-las. Se a questão da infância fosse uma prioridade mundial, os problemas dos quais elas são vítimas estariam resolvidos há muito tempo, como é o caso de Cuba. Cuba sempre foi um exemplo no setor de desenvolvimento social, com nível de igualdade semelhante à dos países mais desenvolvidos […]. O trabalho realizado em Cuba com os menores delinquentes (outra grande questão e desafio para a América Latina e o Caribe) é exemplar. Aqui, não há prisões para crianças. O sistema defende a reabilitação dos jovens extraviados […]. Da mesma maneira, todas as crianças descapacitadas são atendidas, e isso dentro da própria casa se o menino não pode se mover. É um avanço excepcional […]. É o único país que eu conheço onde se pode celebrar o Dia da Criança dançando […]. 9 O representante da UNICEF ressalta também o seguinte: “Por causa do meu trabalho, dediquei meu tempo a sepultar crianças em todos os países. Entretanto, em Cuba, dedico meu tempo a brincar com eles”. Ele não exita em classificar a ilha como “paraíso da infância na América Latina”. 10 O UNICEF lembra que Cuba é o único país da América Latina e do Terceiro Mundo que erradicou a desnutrição infantil. 11
Resposta de Havana
Em
Havana, as autoridades condenaram a nova inclusão de Cuba, presente na
lista negra desde 2003, no grupo de países envolvidos no tráfico de
seres humanos e qualificaram o relatório de “manipulador e unilateral ”:
12
O
Departamento de Estado decidiu, outra vez, incluir Cuba na pior das
categorias de seu relatório anual sobre os países que “não cumprem
completamente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico de pessoas
e não fazem esforços significativos para esse fim”, fazendo caso omisso
do reconhecimento e prestígio alcançados por nosso país por seu
desempenho destacado na proteção da infância, da juventude e da mulher.
Cuba
não solicitou a avaliação dos EUA nem necessita das recomendações de um
dos países com maiores problemas no tráfico de meninos, meninas e
mulheres no mundo. Os EUA não têm moral para qualificar Cuba, nem para
nos sugerir “planos” de nenhuma índole, quando se estima que o número de
cidadãos norte-americanos traficados dentro desse país está próximo a
200 mil, onde a exploração sexual, e onde mais de 300 mil crianças, do
milhão que abandonam seus lares, estão sujeitas a alguma forma de
exploração […].
A inclusão nessa lista, por motivações totalmente políticas, como é também a designação de Cuba como Estado patrocinador do terrorismo internacional, é dirigida a justificar a política de bloqueio […], que afeta severamente a nossa infância, juventude, nossas mulheres e todo o nosso povo. 13 Washington reconhece o caráter frágil de seu relatório e o UNICEF desmente as acusações contra Cuba. Além disso, o envolvimento dos EUA no tráfico de seres humanos e na exploração legal de crianças a partir dos 12 anos prejudica sua autoridade moral e dá um golpe severo em sua credibilidade.
Notas:
1. State Department, "Trafficking in Persons Report 2014", junho de 2014. http://www.state.gov/j/tip/rls/tiprpt/2014/index.htm (site consultado em 27 de junho de 2014), p. 148. 2. Ibid., p. 148-149. 3. United States Department of State, “Cuban Medical Professional Parole Program”, 26 de junho de 2009. http://www.state.gov/p/wha/rls/fs/2009/115414.htm (site consultado dia 2 de julho de 2014). 4. State Department, "Trafficking in Persons Report 2014", junho de 2014, op. cit., p. 149. 5. José A. De la Osa, "Cuba es ejemplo en la protección a la infancia", Granma, 12 de abril de 2008. 6. Fernando Ravsberg, "UNICEF: Cuba sin desnutrición infantil", BBC, 26 de janeiro de 2010.
7. Radio Havane Cuba, "L’UNICEF signale que Cuba est un exemple en matière des droits de l’homme", 1de junho de 2012.
8. Cubainformación, "Entrevista a representante de UNICEF en Cuba", 4 de junho de 2012. http://www.cubainformacion.tv/index.php?option=com_content&task=view&id=43657&Itemid=86 (site consultado dia 2 de janeiro de 2013. 9. Lisandra Fariña Acosta, "Ce pays est un laboratoire de développement social", Granma, 7 de junho de 2012. http://www.granma.cu/frances/cuba-f/7jun-Ce%20pays.html (site consultado dia 2 de janeiro de 2013). 10. Marcos Alfonso, "Cuba: ejemplo de la protección de la infancia, reconoce UNICEF", AIN, 18 de julho de 2010. 11. UNICEF, Progreso para la infancia. Un balance sobre la nutrición, 2011. 12. Agence France Presse, "Cuba califica de ‘manipulador y unilateral’ informe de EEUU", 21 de junho de 2014. 13. Josefina Vidal Ferreiro, "Declaración de la Directora General de Estados Unidos del Ministerio de Relaciones Exteriores de Cuba", República de Cuba, 21 de junho de 2014. Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano. |
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sexta-feira, 18 de julho de 2014
'Os EUA não têm moral', diz Cuba sobre acusação de tráfico de seres humanos
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