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sexta-feira, 30 de março de 2018

De onde vem a religião?




De Valdir Pereira – notas e anotações sobre o pensamento filosófico do homem e o surgimento das religiões.

Engels deu-nos, sobre este assunto, uma resposta muito clara: «A religião nasce das concepções restritas do homem». (Restrito é tomado, aqui, no sentido de limitado.)
Para os primeiros homens, esta ignorância é dupla: ignorância da natureza, ignorância deles próprios. É preciso pensar constantemente nessa dupla ignorância, quando se estuda a história dos homens primitivos.
Na antiguidade grega, que consideramos já como uma civilização avançada, tal ignorância parece-nos infantil, por exemplo, quando se vê que Aristóteles pensava que a terra era imóvel, que era o centro do mundo, e à sua volta giravam planetas. (Estes, que via em número de 46, estavam fixos, como pregos num teto, e era esse conjunto que girava à volta da terra...)
Os Gregos pensavam, também, que havia quatro elementos: a água, a terra, o ar e o fogo, e que não era possível decompô-los. Sabemos que tudo isso é falso, uma vez que decompomos, agora, a água, a terra e o ar, não considerando o fogo como um corpo da mesma ordem.
Acerca do próprio homem, os Gregos eram também muito ignorantes, uma vez que não conheciam a função dos nossos órgãos, e consideravam, por exemplo, o coração como o centro da coragem!
Se a ignorância dos sábios gregos, que consideramos já como mais avançados, era tão grande, como seria, então, a dos homens que viveram milhares de anos antes deles? As concepções que os homens primitivos tinham da natureza e deles próprios eram limitadas pela ignorância. Mas tentavam, apesar de tudo, explicar as coisas. Todos os documentos que possuímos sobre os homens primitivos dizem-nos que estavam muito preocupados com os sonhos. Vimos, como tinham resolvido este problema dos sonhos pela crença na existência de um «duplo» do homem. No início, atribuíam a esse duplo uma espécie de corpo transparente e leve, com uma consistência ainda material. Só muito mais tarde, nascerá no seu
espírito a concepção de que o homem tem nele um princípio imaterial, que lhe sobrevive, um princípio espiritual (a palavra vem de espírito, que, em latim, quer dizer sopro, o sopro que se vai com o último suspiro, quando se entrega a alma a Deus, só subsistindo o «duplo»). É, então, a alma que explica o pensamento, o sonho.
Na idade média, tinha-se concepções bizarras sobre a alma. Pensava-se que, num corpo gordo, havia uma
alma diminuta e, num corpo franzino, uma grande alma; é por isso que, nessa época, os ascetas faziam longos e frequentes jejuns, para ter uma grande alma, fazer uma morada grande para ela.
Admitindo, sob a forma do duplo transparente, depois sob a da alma, princípio espiritual, a sobrevivência do homem após a morte, os homens primitivos criaram os deuses.
Acreditando, primeiramente, em seres mais poderosos do que os homens, existindo sob uma forma ainda material, chegaram, insensivelmente, à crença em deuses, existindo sob a forma de uma alma superior à nossa. E é deste modo que, depois de ter criado uma multidão de deuses, cada um com a sua função definida, como na antiguidade grega, chegaram à concepção de um só Deus. Então, foi criada a religião monoteísta atual. Assim, vemos que, na origem da religião, mesmo sob a sua forma atual, esteve à ignorância.
O idealismo nasce, pois, das concepções limitadas do homem, da sua ignorância; enquanto que o materialismo, pelo contrário, do recuo desses limites.
Vamos assistir, no decurso da história da filosofia, a essa luta contínua entre o idealismo e o materialismo.
Este quer fazer recuar as fronteiras da ignorância, e isto será uma das suas glórias e um dos seus méritos. O idealismo, pelo contrário, e a religião que o alimenta fazem todos os esforços para manter a ignorância e tirar proveito desta ignorância das massas, para lhes fazer admitir a opressão, a exploração e a submissão

I— Duas maneiras de explicar o mundo.
Vimos que a filosofia é o «estudo dos problemas mais gerais», e que tem por fim explicar o mundo, a natureza, o homem.
Se abrirmos um manual de filosofia burguesa, ficamos espantados com o grande número de filosofias diversas que aí se encontram. São designadas por múltiplas palavras, mais ou menos complicadas, terminando em «ismo»: o criticismo, o evolucionismo, o intelectualismo, etc., e esta quantidade cria a confusão. A burguesia, aliás, nada fez para esclarecer a situação, antes pelo contrário. Mas, podemos já fazer
a triagem de todos esses sistemas, e distinguir duas grandes correntes, duas concepções nitidamente opostas:
a) A concepção científica.
b) A concepção não científica do mundo.

II. — A matéria e o espírito.
Quando os filósofos tentaram explicar o mundo, a natureza, o homem, tudo o que nos rodeia, enfim, foram levados a fazer distinções. Nós próprios constatamos que há coisas, objetos que são materiais, que vemos e tocamos. Depois, outras realidades que não vemos e não podemos tocar, nem medir, como as nossas ideias.
Classificamos, portanto, assim as coisas: por um lado, as que são materiais; por outro, as que não o são, e pertencem ao domínio do espírito, do pensamento, das ideias.Foi assim que os filósofos se encontraram em presença da matéria e do espírito.

III. — O que é a matéria? O que é o espírito?
Acabamos de ver, de uma maneira geral, como se foi levado a classificar as coisas, conforme são matéria ou espírito.
Mas devemos estabelecer que esta distinção se faz sob diversas formas e com palavras diferentes.
É assim que, em vez de falar do espírito, falamos, afinal, do pensamento, das nossas ideias, da nossa consciência, da alma, assim como, falando da natureza, do mundo, da terra, do ser, é da matéria que se trata.
Assim, ainda quando Engels, no seu livro «Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã», fala do ser e do pensamento, o ser é a matéria; o pensamento, o espírito.
Para definir o que é o pensamento ou o espírito, o ser ou a matéria, diremos:
O pensamento é a ideia que fazemos das coisas; algumas dessas ideias vêm-nos ordinariamente das nossas sensações e correspondem a objetos materiais; outras, como as de Deus, filosofia, infinito, do próprio pensamento, não correspondem a objetos materiais. O essencial, que devemos ajustar aqui, é que temos ideias, pensamentos, sentimentos, porque vemos e sentimos.
A matéria ou o ser é o que as nossas sensações e percepções nos mostram e apresentam, é, duma maneira geral, tudo o que nos rodeia, a que se chama o «mundo exterior». Exemplo: a minha folha de papel é branca.
Saber que é branca é uma ideia, e são os meus sentidos que me dão tal ideia. Mas a matéria é a própria folha.
É por isso que, quando os filósofos falam das relações entre o ser e o pensamento, ou entre o espírito e a matéria, ou entre a consciência e o cérebro, etc., tudo isso diz respeito à mesma pergunta, e significa: qual é, da matéria ou do espírito, do ser ou do pensamento, o termo mais importante? Qual é o que é anterior ao outro? Tal é a interrogação fundamental da filosofia.



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