Obama é político suficientemente esperto, para dar, ao que é retirada, ares de vitória. Já fez isso no Afeganistão. Está fazendo também na Ucrânia? Pode ser. Considerem, por exemplo, que Obama, que zombou do diálogo de Minsk; agora, passou a elogiar e apoiar.
Também advoga que a Ucrânia deve manter "boas relações com todos os vizinhos no ocidente e no oriente", e recomendou que a Ucrânia preserve os fortes laços econômicos e entre os dois povos, que a liga à Rússia. É Obama nova safra.
Será que estamos vendo sinais de que Obama está aconselhando Poroshenko a acertar-se diretamente com Moscou? Parece que sim. De volta a Kiev, Poroshenko
revelou hoje que os EUA só fornecerão itens militares "não letais" à Ucrânia, resultado que, é claro, está longe de satisfazer a longa lista de pedidos que Poroshenko levou a Washington.
E quanto a ajuda econômica, a Casa Branca só concordou em presentear minguados $50 milhões para ajudar Poroshenko a chegar até o começo de 2015. É tragicômico, se se sabe, por informação do FMI, que a Ucrânia precisa de cerca de $19 bilhões no início do ano, se a guerra civil continuar, só como ajuda financeira para sobreviver ao primeiro semestre, além de um programa global de resgate para a Ucrânia.
Enquanto isso, o FMI já revisou suas próprias estimativas, seis meses antes do previsto, e diz agora que são necessários espantosos $55 bilhões, como ajuda financeira externa para resgatar a Ucrânia. Especialistas
avaliam que, hoje, esse número pode já estar mais perto de $100 bilhões, que de $55 bilhões.
É piada macabra - oferecer reles $50 milhões, depois de ter empurrado a Ucrânia a fazer guerra contra a Rússia! De onde virão os faltantes $18450 milhões, para que a Ucrânia sobreviva mais um ano?
Ora, ora! Terão de vir da Europa, e de onde viriam? Mas de quem, na Europa? Não será da Polônia, nem da Lituânia, nem da Estônia: terá de vir da 'Velha Europa'. Na verdade, a Alemanha terá de abrir a bolsa. A chanceler Angela Merkel deve estar sapateando de fúria.
Diferente das estimativas iniciais, a contração da economia ucraniana esse ano alcançará os dois dígitos. São fatos que ajudam a entender alguns desdobramentos que envolveram a Ucrânia em semanas recentes: (a) a decisão sumária tomada pela União Europeia de
congelar o tal Acordo de Associação Comercial tão apressadamente assinado com a Ucrânia, e lá deixá-lo, no mínimo, até o final de 2015; (b) o robusto apoio que a União Europeia decidiu dar ao
acordo de Minsk entre Kiev e os federalistas no sudeste da Ucrânia; (c) a reunião
top secret entre os ministros de Relações Exteriores de França, Alemanha e Rússia à margem da recente Conferência Internacional de Paris, em que discutiram o Estado Islâmico; (d) o
reconhecimento, atrasado, mas que afinal apareceu, pela OTAN, de que a Rússia retirou tropas que havia reunido na fronteira da Ucrânia; e (e)
reunião que haverá hoje, no final do dia, em New York, entre os ministros de Relações Exteriores de Rússia e EUA.
Tudo isso considerado, o presidente Vladimir Putin da Rússia pode estar obtendo mais uma vitória diplomática das grandes, agora que o 'ocidente' está obrigado a reconhecer que Moscou tem, sim, interesses legítimos envolvidos na Ucrânia. O 'ocidente' está sem saída, exceto aceitar que a economia da Ucrânia é conectada com Moscou por um cordão umbilical que não pode ser rompido; e sem a cooperação dos russos, a Ucrânia não poderá ser resgatada.
Analisado em retrospecto, Moscou fez muito bem ao decidir ignorar a mais recente rodada de sanções que a União Europeia anunciou há três semanas. Tudo indica que Poroshenko já começa a considerar a possibilidade de que Putin seja seu único interlocutor consequente, que diz e faz coisa-com-coisa.
Concorrentemente, Washington bem faria se começasse a reconhecer que entender-se com Moscou já é, na prática, uma necessidade, se quer realmente mobilizar alguma espécie de campanha internacional contra o Estado Islâmico. Sinal de que os ventos estão começando a soprar nessa direção é que o ex-secretário da Defesa britânico, e deputado conservador Liam Fox, já alertou explicitamente a Europa e os EUA, de que devem abster-se de fazer ameaças contra a Rússia, por causa da Ucrânia.
Fox disse que "entendo que é muito importante que parem de fingir que vocês [o 'ocidente'] farão ou podem fazer coisas que não farão, porque claramente não podem fazer. Insistir em falsas ameaças, me parece, é problema grave. Temos vários outros modos para lidar com a questão ucraniana."
Bravo !
Que ninguém se surpreenda, portanto, se dia desses Putin entrar em cena para socorrer Obama, mais uma vez, na Síria. A Rússia pode ajudar Obama (a) a legitimar a campanha internacional contra o Estado Islâmico, garantindo aos EUA a autorização de que precisa no Conselho de Segurança da ONU; e (b) a Rússia pode ajudar os EUA nas negociações (ou na falta de negociações) entre EUA e o presidente Bashar Al-Assad da Síria. Que ninguém se engane: a posição da Rússia é absolutamente clara e inequívoca, de total apoio à campanha internacional liderada pelos EUA contra o Estado Islâmico (o que se confirma
aqui,
aqui e
aqui).
A única questão importante da qual
a Rússia não abrirá mão e sobre a qual não cederá é que as operações dos EUA na Síria têm de ter o acordo do governo sírio e/ou têm de ser autorizadas por mandado da ONU; o caso é que Obama não pode requerer a autorização no Conselho de Segurança da ONU, enquanto temer o voto contra, de Moscou.
Por tudo isso, é bem provável que o gelo seja afinal superado, pelo menos na questão da Síria, hoje, na reunião que acontecerá entre Sergey Lavrov e John Kerry em New York. A Neo-Guerra Fria, que começou num
bang, bem pode estar acabando num gemido.*****
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