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sábado, 24 de setembro de 2016

Privatizá-las-ei porque são públicas!

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O governo Temer pretende marcar uma declaração de intenções, um compromisso mais explícito de sua parte para com a agenda liberal desmontista.
“Bebo-o porque é líquido, se fosse sólido comê-lo-ia”
(frase atribuída ao ex Presidente Jânio Quadros)
O governo Temer acaba de apresentar, em evento solene realizado no Palácio do Planalto, mais um de seus “alicerces fundamentais” para o tão ansiosamente aguardado processo de retomada do crescimento da economia. O discurso entusiasmado do Presidente pode ser resumido na expressão de realizar uma “abertura extraordinária” da infraestrutura brasileira à iniciativa privada.
Tudo foi realizado de modo a seguir exatamente o roteiro que estava previsto e prescrito no famoso documento “Ponte para o futuro”, apresentado ainda durante o ano passado pela Fundação Ulysses Guimarães, vinculada ao PMDB. À época, a entidade era – e ainda continua sendo – presidida por Wellington Moreira Franco, que foi nomeado no final de maio pelo chefe de governo para ocupar a Secretaria Executiva do estratégico “Programa de Parcerias de Investimento” (PPI), ligado à Presidência da República.
Vale ressaltar o registro de que esse importante órgão de formulação do peemedebismo já foi presidido pelos seguintes dirigentes do partido ao longo dos últimos 17 anos: i) Renan Calheiros (1999/2001); ii) Moreira Franco (2001/2007); iii) Eliseu Padilha (2007/2015); e iv) Moreira Franco (2015/atualmente). Essa lista dá a relevância do cargo e a capacidade de influenciar a formulação de políticas públicas.
O documento foi apresentado como uma alternativa de programa de governo, ainda durante o primeiro ano do segundo mandato da presidenta Dilma, com o intuito explícito de operar como uma tentativa de qualificação do então vice-presidente junto aos setores mais vinculados ao sistema financeiro e ao grande capital. A estratégia do impeachment estava em marcha e a legitimação do postulante a ocupar o Palácio do Planalto se materializava nas proposições apresentadas ao longo do texto.
Por ali se lançavam as intenções de romper com a política de relações diplomáticas e de comércio exterior do período anterior, escancarando a preferência unilateral de submissão aos interesses dos Estados Unidos. No mesmo material estavam lançadas as bases para a reforma fiscal envolvendo congelamento das despesas de natureza social, com o intuito único de recuperar uma mitológica relação idealizada entre endividamento público e PIB. Além disso, a necessidade de uma reforma previdenciária limitadora das despesas da União se combina à sugestão de desvinculação de tais políticas da sistemática de reajuste do salário mínimo. No documento também podem ser encontradas as referências para uma necessária reforma trabalhista, com retirada de direitos históricos dos trabalhadores, em nome de uma suposta redução do tão criticado quanto desconhecido “custo Brasil”.
Finalmente, à página 18 encontramos a senha para privatização:
(…) “executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se a Petrobras o direito de preferência”(…).
A primeira etapa do PPI prevê a entrega de 25 projetos de natureza variada ao setor privado. A lista é longa e envolve um conjunto amplo de setores, sendo a grande parte associada a atividades de infraestrutura e logística. O registro tragicômico se deve ao fato de que a maioria dos projetos estava na fila para serem lançados ainda durante a gestão anterior, de quem o governo atual sempre se disse crítico, pretendendo guardar uma distância e uma suposta diferença.
Os projetos estão assim distribuídos:
– aeroportos – 4
– terminais de carga – 2
– rodovias – 2
– ferrovias – 3
– campos de petróleo (vários)
– ativos da Cia Pesquisa de Recursos Minerais (vários)
– empresas de distribuição de energia – 6
– usinas hidroelétricas – 3
– empresas de água e saneamento – 3
Durante a cerimônia não foi adiantada nenhuma informação relativa aos editais nem mesmo a respeito das condições previstas para os processos de privatização. Apenas foram mencionadas as datas estimadas em que o governo pretende apresentar os editais e realizar os leilões. Como os 4 aeroportos já estavam com seus processos bem avançados, as datas previstas para esses leilões caem no primeiro semestre do ano que vem. Todos os demais foram agendados preventivamente para o segundo semestre de 2017 e início de 2018.
A equipe encarregada pelo PPI anunciou que os projetos deverão contar com uma generosa disponibilidade de recursos públicos. Um total estimado em R$ 30 bilhões para financiamento será colocado à disposição dos interessados do capital privado para viabilizar seus empreendimentos. A origem do montante será distribuída entre o BNDES, a CEF e o FI-FGTS. Durante o evento nada foi mencionado a respeito, mas é sabido que tais linhas de financiamento contam com taxas de custeio bastante subvencionadas, fato esse que deve sobrecarregar ainda mais os custos financeiros do Tesouro Nacional. Essa era, aliás, uma das mais pesadas críticas que os atuais integrantes da equipe econômica faziam ao governo anterior.
Por outro lado, nada foi dito tampouco a respeito do detalhamento das regras de realização dos leilões e do estabelecimento de condições mínimas para a aceitação das proposições. Afinal, é mais do que reconhecida a tendência à minimização dos valores dos ativos patrimoniais em momentos de recessão econômica. Como os contratos preveem duração de 30 anos ou mais, aquilo que pode se converter em bom negócio para o empreendedor privado nesse momento tende a se revelar uma péssima opção para o Estado.
A esse respeito vale a pena também observar outra passagem do documento do PMDB. Aqui se observa a intenção de oferecer todo o tipo de vantagem e garantia ao capital privado, seja em termos de condições financeiras para a realização dos investimentos, seja para retirar obstáculos de natureza jurídica, administrativa ou ambiental á realização plena da acumulação de capital. Na verdade, trata-se de uma operação muito delicada, envolvendo claramente um elevado risco para o próprio Estado e para a Nação a médio e longo prazos.
(…) “promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados” (…)
Ao que tudo indica, tal operação pretende marcar uma declaração de intenções do chefe do governo, um compromisso mais explícito de sua parte para com a agenda liberal desmontista. O governo Temer passa por um momento de crise em sua base de apoio, onde os setores do capital financeiro não mais parecem dispostos a oferecer todo e qualquer apoio às medidas encaminhadas pelo Executivo. Há uma cobrança cada vez mais generalizada pelos meios de comunicação a respeito de um suposto relaxamento com a questão fiscal, um mui temido descontrole dos gastos orçamentários. Por outro lado, os grupos do conservadorismo mais radical reclamam do pouco empenho do governo e de sua base no Congresso Nacional em avançar as propostas de reforma previdenciária, de teto para o gasto público e da flexibilização trabalhista.
Na verdade, em uma conjuntura marcada pela crise e pela recessão como a atual, não é nada recomendável promover a venda de patrimônio público. Mesmo sob a lógica liberal, é sabido que os ganhos para as finanças públicas são muito reduzidos em razão do rebaixamento patrimonial generalizado que se observa por toda parte. O único argumento plausível seria a ilusão com a tal das “expectativas dos empresários”. Mas esses só fazem mover seu instinto animal caso vislumbrem retornos elevados para seus investimentos. Com a atual política monetária que nos mantém como campeões mundiais absolutos no quesito “ganho financeiro”, o capital só irá para atividade produtiva se contar com mais benesses e generosidades por parte do setor público. E isso significa maiores gastos por parte do Estado ou menores receitas pra o fisco com tais operações de privatização.
Assim, face a uma eventual indagação a respeito de qual a verdadeira razão para transferir esse patrimônio, a única resposta que resta ao dirigente político no atual momento é aquela do tipo janista: “Ora, privatizo porque são públicas”. Pano rápido e ponto final!
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Fonte: Carta Maior

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina


Alexandra Kollontai

1907

Deixando os sábios burgueses extasiados no debate sobre a questão da superioridade de um sexo sobre o outro, ou o peso do cérebro e a comparação da estrutura psicológica de homens e mulheres, os seguidores do materialismo histórico aceitam plenamente as peculiaridades naturais de cada sexo e requerem apenas que cada pessoa, seja homem ou mulher, tenha uma verdadeira oportunidade para sua mais completa e livre autodeterminação, e um maior desenvolvimento e implementação de todas as suas capacidades naturais. Os seguidores do materialismo histórico rejeitam a existência de uma questão específica das mulheres separada da questão social geral da atualidade. Atrás da subordinação das mulheres se escondem fatores econômicos específicos, as características naturais têm sido um fator secundário neste processo. Apenas o desaparecimento completo desses fatores, só a evolução dessas forças que em algum momento no passado levaram à subordinação das mulheres, será capaz de influenciar e alterar fundamentalmente a composição social que ocupa atualmente. Em outras palavras, as mulheres só podem se tornar verdadeiramente livres e iguais apenas em um mundo organizado por novas linhas sociais e de produção.
No entanto, isso não significa que a melhora parcial na vida das mulheres no âmbito do atual sistema não é possível. A solução radical para a questão dos trabalhadores só é possível com a reconstrução completa das relações produtivas modernas. Mas isso deve nos impedir de trabalhar para reformas que servem para satisfazer os interesses mais urgentes do proletariado? Pelo contrário, cada nova meta da classe operária representa um passo que conduz a humanidade para o reino da liberdade e da igualdade social: todo o direito que as mulheres ganham traz-lhe mais perto do objetivo conjunto de emancipação total.
A socialdemocracia foi a primeira a incluir no seu programa a demanda por igualdade de direitos das mulheres com os homens. O partido sempre exigiu em todos os lugares, nos seus discursos e na imprensa, a retirada de restrições que afetam as mulheres, e foi apenas a influência de tal partido que forçou outros partidos e governos a realizar reformas para mulheres. E, na Rússia, este partido não é apenas o defensor das mulheres em relação à sua posição teórica, mas sempre e em toda parte adere ao princípio da igualdade entre mulheres.
O que impede as nossas defensoras "dos direitos iguais", neste caso, aceitar o apoio deste partido forte e experiente? O fato é que por mais "radicais" que as igualitárias possam ser, elas ainda permanecem fiéis à sua própria classe burguesa. No momento, a liberdade política é um pré-requisito essencial para o crescimento e o poder da burguesia russa. Sem ela, verifica-se que todo o seu bem-estar econômico foi construído sobre a areia. A demanda por igualdade política é uma necessidade para as mulheres decorrente da própria vida.
O slogan "o acesso às profissões" já não é suficiente, e apenas a participação direta no governo do país promete ajudar a melhorar a situação econômica das mulheres. Daí o desejo apaixonado das mulheres da média burguesia para o direito ao voto e, portanto, a sua hostilidade ao sistema burocrático moderno.
No entanto, as feministas em suas demandas por igualdade política são como irmãs estrangeiras, os amplos horizontes abertos pela aprendizagem socialdemocrata continuam a ser estranhos e incompreensíveis para elas. As feministas buscam a igualdade perante a sociedade de classes existente, de nenhuma maneira atacam a base desta sociedade. Elas estão lutando por privilégios para si, sem comprometer as prerrogativas e privilégios existentes. Não acusamos que as representantes do movimento de mulheres burguesas não entendem o problema, sua visão flui inevitavelmente da sua posição de classe.

A Luta pela Independência Econômica

Em primeiro lugar, devemos perguntar se um movimento unitário apenas de mulheres é possível em uma sociedade baseada em antagonismos de classe. O fato de que as mulheres que participam no movimento de libertação não representam uma massa homogênea é óbvio para qualquer observador imparcial.
O mundo das mulheres é dividido – como é a dos homens – em dois campos. Os interesses e as aspirações de um grupo de mulheres se aproximam à classe burguesa, enquanto o outro grupo tem ligações estreitas com o proletariado, e suas demandas para a libertação cobre uma solução completa para a questão das mulheres. Assim, embora ambos os lados sigam o tema geral de "liberação das mulheres", os seus objetivos e interesses são diferentes. Cada um dos grupos parte inconscientemente dos interesses sua própria classe, o que dá um colorido específico de classe para os objetivos e tarefas definidas para si.
Apesar das exigências aparentemente radicais feministas, não se deve perder de vista o fato de que as feministas não podem, devido à sua posição de classe, lutar pela transformação fundamental da estrutura econômica e social contemporânea, sem a qual a libertação das mulheres não pode ser concluída.
Se em determinadas circunstâncias, as tarefas de curto prazo coincidem com os objetivos finais das mulheres das diferentes classes, no longo prazo, determinam a direção do movimento e as estratégias a serem seguidas são muito diferentes. Enquanto para as feministas alcançar a igualdade de direitos com os homens sob o atual mundo capitalista representa o suficiente, por si só, os direitos iguais no tempo presente para as mulheres proletárias, é apenas um meio para progressos na luta contra a escravidão econômica da classe trabalhadora. Feministas veem os homens como o inimigo principal, os homens que tomaram injustamente todos os direitos e privilégios para si, deixando as mulheres apenas cadeias e obrigações. Para elas, a vitória é ganha quando um privilégio desfrutado anteriormente exclusivamente pelo masculino é dado ao "sexo frágil". Já as mulheres trabalhadoras têm uma visão diferente. Elas não veem os homens como o inimigo e opressor, no entanto, elas pensam nos homens como seus pares, que partilham com elas a monotonia da rotina diária e lutam com elas por um futuro melhor. A mulher e seu companheiro do sexo masculino são escravizados pelas mesmas condições sociais, pelas mesmas odiosas cadeias do capitalismo que oprimem as suas vontades e os privam das alegrias e encantos da vida. É certo que há vários aspectos específicos do sistema contemporâneo que são um duplo fardo sobre as mulheres, como também é verdade que as condições de trabalho dos salários às vezes convertem as mulheres trabalhadoras em competidoras e rivais dos homens. Mas nestas condições desfavoráveis, a classe trabalhadora sabe quem é o culpado.
As mulheres trabalhadoras, não menos do que o seu irmão na adversidade, odeiam este insaciável monstro de face dourada em que a única preocupação é extrair toda a seiva de suas vítimas e que crescem à custa de milhões de vidas e se arremete com igual ganância sobre os homens, as mulheres e crianças. São milhares de tópicos para abordar sobre a classe trabalhadora. As aspirações da mulher burguesa, por outro lado, parecem estranhas e incompreensíveis. Antipático para o coração do proletariado, não prometem à proletária esse futuro brilhante para o qual viram-se os olhos de toda a humanidade explorada.
O objetivo final das proletárias não impede, é claro, o desejo que têm de melhorar a sua situação no âmbito do sistema burguês existente. Mas a realização desses desejos é constantemente prejudicada por obstáculos decorrentes da própria natureza do capitalismo. Uma mulher pode ter direitos iguais e ser verdadeiramente livre apenas em um mundo onde o trabalho é socializado, harmônico e justo. As feministas não estão dispostas a entender isso e são incapazes de fazê-lo. Elas sentem que quando a igualdade é formalmente aceita pela letra da lei será capaz de conseguir um lugar confortável para elas no velho mundo de opressão, escravidão, servidão, lágrimas e dificuldades. E isso é verdade até certo ponto. Para a maioria das mulheres do proletariado, direitos iguais aos dos homens significa apenas uma parte igual da desigualdade, mas para as "poucas escolhidas", para as mulheres burguesas, de fato, abre uma porta para novos direitos e privilégios que até agora só foram apreciados por homens de classe burguesa. Mas a cada nova concessão que a mulher burguesa consegue terá outra arma para explorar a mulher proletária e continuar a aumentar a divisão entre as mulheres dos dois campos sociais opostos. Os seus interesses se veriam mais claramente em conflito, as suas aspirações mais evidentemente em contradição.
Onde, então, está a "questão da mulher" geral? Onde está a unidade de tarefas e aspirações sobre o qual as feministas têm muito a dizer? Um olhar frio à realidade mostra que a unidade não existe e não pode existir. Em vão, as feministas tentam convencer-se de que a "questão da mulher" não tem nada a ver com a do partido político e que "a solução só é possível com a participação de todos os partidos e todas as mulheres", como disse uma das feministas radicais da Alemanha, a lógica de eventos nos obriga a rejeitar essa ilusão reconfortante das feministas.
As condições e as formas de produção têm subjugado mulheres ao longo da história da humanidade, e as têm gradualmente relegadas para a posição de opressão e dependência em que a maioria delas têm-se mantido até agora.
Seria necessário um cataclismo colossal de toda a estrutura social e econômica antes que as mulheres pudessem começar a recuperar a importância e independência que perderam. As inanimadas, porém, poderosas condições de produção resolveram problemas que antes pareciam demasiadamente difícil até mesmo para os pensadores mais destacados. As mesmas forças que por milhares de anos escravizaram as mulheres agora, numa fase posterior do desenvolvimento, está conduzindo o caminho para a liberdade e independência.
A questão da mulher tornou-se importante para as mulheres das classes burguesas cerca de metade do século XIX: um tempo considerável depois que a mulher proletária tinha chegado ao campo de trabalho. Sob o impacto do sucesso monstruoso do capitalismo, as classes médias da população foram atingidas por ondas de necessidade. As mudanças econômicas tornaram instável a situação financeira das pequenas e médias burguesia, e as mulheres burguesas enfrentaram um dilema de proporções alarmantes: ou aceitar a pobreza ou ir direto para o trabalho. As esposas e filhas deste grupo social começaram a bater às portas das universidades, salões de arte, editoras, escritórios, inundando as profissões que estavam abertas para elas. O desejo de mulheres burguesas para obter acesso a ciência e os maiores benefícios da cultura não era o resultado de uma súbita necessidade, maduro, mas veio da mesma questão do "pão de cada dia".
As mulheres burguesas encontraram, desde o primeiro momento, forte resistência dos homens. Foi travada uma batalha tenaz entre homens profissionais, apegados aos seus "pequenos e confortáveis ​​empregos" e as mulheres que eram novatas em matéria de ganhar seu pão de cada dia. Essa luta resultou no "feminismo": a tentativa de mulheres burguesas ficarem unidas e medir suas forças contra o inimigo comum, contra os homens. Quando essas mulheres entraram no mundo do trabalho se referiam a si mesmas orgulhosamente como a "vanguarda do movimento de mulheres", elas esqueceram que, neste caso, a conquista da independência econômica, como em outros lugares, estavam andando nas pegadas de suas irmãs proletárias e colhendo os frutos dos esforços de suas mãos empoladas.
Então é realmente possível falar de feministas como as pioneiras no caminho para o trabalho das mulheres, quando em cada país centenas de milhares de mulheres proletárias tinha inundado fábricas e oficinas, apreendendo um ramo da indústria uma após a outra, antes mesmo do movimento de mulheres burguesas ter nascido? Só através do reconhecimento do trabalho das mulheres trabalhadoras no mercado mundial as mulheres burguesas puderam ocupar a posição independente na sociedade que tanto as feministas se orgulham.
Achamos difícil apontar um único evento na história da luta das mulheres proletárias para melhorar as suas condições materiais em que o movimento feminista em geral, tem contribuído significativamente. Seja qual for o que as mulheres proletárias conseguiram melhorar em seus padrões de vida, é o resultado dos esforços da classe trabalhadora em geral e, delas mesmas em particular. A história da luta das mulheres trabalhadoras para melhorar as suas condições de trabalho e uma vida mais digna é a história da luta do proletariado pela libertação.
O que força os proprietários da fábrica a aumentar o preço do trabalho, reduzir as horas de trabalho e introduzir melhores condições de trabalho, se não o medo de uma grave explosão de insatisfação do proletariado? O que, se não o medo de "disputas trabalhistas", convence o governo a introduzir legislação para limitar a exploração do trabalho pelo capital?
Não existe um único partido no mundo que assumiu a defesa das mulheres, como o socialdemocrata defendeu. A mulher trabalhadora é antes de tudo um membro da classe trabalhadora, e quanto mais satisfatória seja a posição e do bem-estar geral de cada membro da família proletária será o maior benefício a longo prazo para o conjunto da classe operária.
Tendo em vista as crescentes dificuldades sociais, a lutadora devota à causa deve encontrar-se em uma triste perplexidade. Ela não pode se não, ver o quão pouco que o movimento geral das mulheres tem feito pelas mulheres proletárias, que são incapazes de melhorar as condições de trabalho e de vida da classe proletária. O futuro da humanidade deve parecer cinza, apagado e incerto para aquelas mulheres que estão lutando por igualdade, mas que ainda não adotaram a perspectiva mundial do proletariado, ou não desenvolveram uma fé firme na vinda de um sistema social mais perfeito. Enquanto o mundo capitalista atual permanece inalterado, a libertação deve parecer incompleta e tendenciosa. Que o desespero deve abraçar as mais pensativas e sensíveis dessas mulheres. Apenas a classe trabalhadora é capaz de manter a moral em um mundo moderno com suas relações sociais distorcidas. Com passo firme e medidos para a frente de forma constante em direção a seu objetivo, atrai as mulheres trabalhadoras às suas fileiras. A mulher proletária bravamente começou o caminho espinhoso do trabalho assalariado. Suas pernas fraquejam, seu corpo se desgasta. Há precipícios perigosos ao longo do caminho, e predadores cruéis estão caçando.
Mas apenas tomando este caminho as mulheres serão capazes de alcançar esse distante, mas atraente alvo: sua verdadeira libertação em um novo mundo do trabalho. Durante este passo difícil para o futuro brilhante, a mulher trabalhadora, até recentemente humilhada, uma oprimida escrava sem direitos, aprende a se livrar da mentalidade de escrava a que tinha apreendido e passo a passo transforma-se em uma trabalhadora independente, uma personalidade independente, livre no amor. É ela, que lutando nas fileiras do proletariado, que garante às mulheres o direito ao trabalho, é a operária que prepara o terreno para a futura esposa "livre" e "igual".
Por que razão, então, a mulher trabalhadora deve buscar uma união com as feministas burguesas? Quem, de fato, seria beneficiada no caso de tal aliança? Certamente, não a mulher trabalhadora. Ela é a sua própria salvadora, seu futuro está em suas próprias mãos. As mulheres trabalhadoras protegem seus interesses de classe e não se deixam enganar pelos grandes discursos sobre o "mundo compartilhado por todas as mulheres." As mulheres trabalhadoras não devem esquecer e não se esquecem que, embora a meta de mulheres burguesas é para garantir seu bem-estar no contexto de uma sociedade antagonista, o nosso objetivo é construir no local do velho mundo, obsoleto, um templo brilhante de trabalho universal, solidariedade fraterna e alegre liberdade.

O Casamento e o Problema Familiar

Vamos voltar nossa atenção para outro aspecto da questão feminina, o problema da família. É bem conhecida a importância para a real emancipação da mulher resolver este problema complexo. A aspiração das mulheres à igualdade de direitos não pode ser plenamente satisfeita apenas pela luta por emancipação política, a obtenção de um doutoramento ou outras qualificações acadêmicas, ou um salário igual ao mesmo posto de trabalho. Para se tornar verdadeiramente livre, a mulher deve desatar as correntes que o joga sobre a forma atual, antiquada e opressiva da família. Para as mulheres, a solução para o problema familiar não é menos importante do que a conquista da igualdade política e o estabelecimento da independência econômica completa.
As formas atuais, estabelecidas pela lei e costume, da estrutura familiar faz com que a mulher esteja oprimida não só como pessoa, mas também como uma esposa e mãe. Na maioria dos países civilizados, o Código Civil coloca as mulheres em situação de maior ou menor dependência dos homens, e dá ao marido e ao direito de dispor dos bens de sua esposa e reinar sobre sua moral e fisicamente.
E onde acaba a escravatura familiar oficial, legalizada, começa a "opinião pública" para exercer os seus direitos sobre as mulheres. Esta opinião pública é criada e mantida pela burguesia, a fim de proteger a "instituição sagrada da propriedade". Ele serve para reafirmar uma hipócrita “dupla moral”. A sociedade burguesa aprisiona as mulheres em uma situação financeira intolerável, pagando um salário ridículo pelo seu trabalho. A mulher está privada do direito de um cidadão de levantar a voz para defender seus interesses pisoteados, e tem a grande bondade de oferecer esta alternativa: ou o jugo conjugal ou a prostituição, que abertamente é desprezada e condenada, mas secretamente, apoiada e sustentada.
É necessário insistir nos aspectos sombrios da vida de matrimonial hoje, sobre o sofrimento das mulheres que estão intimamente ligadas às estruturas familiares atuais. Há muito o que há dito sobre este assunto. A literatura está cheia de caixas-pretas que pintam a nossa desordem familiar e matrimonial. Neste campo, quantas tragédias psicológicas, quantas vidas mutiladas, quantas existências envenenadas! Por enquanto, só importa ressaltar que a atual estrutura familiar oprime as mulheres de todas as classes e condições sociais. Costumes e tradições perseguem a mãe solteira da mesma forma, seja qual for o setor da população a que pertence, as leis colocam sob a tutela do marido tanto a mulher burguesa, como a proletária e a camponesa.
Descobrimos, finalmente, um aspecto da questão feminina sobre o qual as mulheres de todas as classes podem participar? Elas não podem lutar juntas contra as condições que as oprimem? Será que o sofrimento comum, a dor comum apaga o abismo do antagonismo de classe e cria uma comunidade de aspirações e tarefas para as mulheres de diferentes planos? É viável, com os desejos e objetivos, uma colaboração das burguesas e proletárias? Afinal, as feministas lutam simultaneamente para alcançar formas mais livres do casamento e do "direito à maternidade" levantam suas vozes em defesa da prostituta, a que todos assediam. Observe como literatura feminista é rica em buscar novos estilos de união do homem e da mulher e dos esforços corajosos para "igualdade moral" entre os sexos. Não é verdade que, enquanto no campo da liberalização econômica as burguesas se situam na retaguarda do exército das milhões de proletárias, que abrem o caminho para a “nova mulher”, na luta para resolver os problemas familiares os reconhecimentos são das feministas?
Aqui na Rússia, mulheres de meia burguesia – ou seja, esse exército de mulheres que, possuindo uma situação independente, de repente se encontraram na década de 1860, lançadas no mercado de trabalho – resolveram na prática, individualmente, muitos aspectos embaraçosos da questão do casamento, pulando corajosamente acima do casamento religioso tradicional e substituindo a forma consolidada da família para união fácil de quebrar, o que corresponde melhor com as necessidades da camada intelectual, em movimento, da população. Mas, soluções individuais, subjetivas, desta questão não mudam a situação e nem abrandam o triste panorama geral da vida familiar. Se alguma força está destruindo a forma atual da família, não é o esforço mais ou menos fortes de indivíduos separadamente, mas as forças inanimadas e poderosas da produção, que estão intransigentemente construindo a vida em novas bases.
A luta heroica de jovens mulheres solteiras do mundo burguês, que desafiam e demandam da sociedade o direito de "ousar o amor" sem ordens ou correntes, deve servir como um exemplo para todas as mulheres definhando sob o peso das cadeias familiares: é o que pregam as feministas estrangeiras mais emancipadas e também as nossas modernas defensoras da igualdade aqui. Em outras palavras, segundo o espírito que anima as feministas, a questão do casamento será resolvida independentemente das condições ambientais, independentemente de uma mudança na estrutura econômica da sociedade, simplesmente graças aos esforços heroicos individuais e isolados. Simplesmente basta que as mulheres “desafiem” e o problema do casamento vai cair por sua própria inércia.
Mas as mulheres menos heroicas abanam a cabeça em dúvida: “está tudo muito bem para as heroínas dos romances em que um autor previdência uma renda confortável, bem como amigos abnegados e um charme extraordinário. Mas o que podem fazer aquelas sem salário suficiente, amigos, o qualquer recurso extraordinário? ” E, quanto a questão da maternidade, para as mulheres sedentas de liberdade? E o “amor livre”, é possível, viável, não como um isolado e excepcional, mas como um evento normal na estrutura econômica da sociedade de hoje, isto é, como norma vigente e reconhecido por todos? Pode ser ignorado elemento que determina a forma atual do casamento e da família, da propriedade privada? Pode, neste mundo individualista, inteiramente abolir a regulamentação do casamento sem que padeçam os interesses das mulheres? Pode-se abolir a única garantia que tem que nem todo o peso da maternidade recaia sobre ela? No caso de dar efeito a essa supressão, não aconteceria à mulher o que aconteceu com os trabalhadores? A remoção dos obstáculos causados ​​pelos regulamentos corporativos, sem que novas obrigações fossem instituídos para os empregadores, deixou os trabalhadores à mercê do poder capitalista descontrolado e o slogan sedutor de “associação livre de capital e trabalho” se transformou para uma forma descarada da exploração do trabalho nas mãos do capital. O “amor livre” sistematicamente introduzido na sociedade de classes atual, em vez de libertar as mulheres das dificuldades da vida familiar, não lastrará provavelmente como um novo encargo: a tarefa de cuidar sozinha e sem ajuda os seus filhos?
Apenas uma série de reformas radicais no âmbito das relações sociais, reformas através das quais as obrigações familiares recaiam sobre a sociedade e o Estado, criaria uma situação favorável para que o princípio do “amor livre” pudesse, em certa medida, ser realizado. Mas, podemos contar seriamente com isso no estado classista atual, por mais democrático que seja está disposto a assumir todas as obrigações relativas às mães e a geração mais jovem, ou seja, aquelas obrigações em relação ao momento de família como célula individualista? Apenas uma transformação radical das relações produtivas pode criar as condições sociais necessárias para proteger as mulheres contra os aspectos negativos decorrentes da fórmula elástica do “amor livre”. Realmente não vemos que confusões e que desordens dos costumes sexuais estão escondidos, nas atuais circunstâncias, muitas vezes em tal fórmula? Observe todos estes senhores, empresários e gerentes das sociedades industriais: muitas vezes não se aproveitam, ao seu modo, do “amor livre”, forçando as trabalhadoras, empregadas domésticas a se submeterem a seus caprichos sexuais, sob a ameaça de demissão? Os empregadores que humilham sua empregada e, em seguida, a colocam na rua, quando engravida, por acaso já não está se aplicando a fórmula de “amor livre”?
“Mas nós não estamos falando sobre esse tipo de “liberdade” – opõem-se as defensoras da união livre – pelo contrário, exigimos a instauração de uma “moral única”, igualmente obrigatória para o homem e a mulher. Nós nos opomos a desordem dos costumes sexuais de hoje, proclamamos que só pura a união livre fundamentada em um amor verdadeiro”. Mas, vocês não acham, queridas amigas, que o seu ideal de “união livre”, implementado na atual situação econômica e social, corre o risco de dar resultados que diferem um pouco da forma distorcida de liberdade sexual? O princípio do "amor livre” não pode entrar em vigor sem trazer mais sofrimento às mulheres mais do que quando ela se livrou das cadeias de materiais que agora as fazem duplamente dependentes: o capital e seu marido. O acesso das mulheres a um trabalho independente e autonomia econômica fez surgir uma certa possibilidade de “amor livre”, especialmente para as intelectuais que exercem as profissões que são melhor remuneradas. Mas a dependência das mulheres com relação ao capital ainda segue, e ainda se agrava à medida que cresce o número mulheres proletárias empurradas para vender sua força de trabalho. O slogan do “amor livre” pode melhorar a situação dessas mulheres que ganham apenas o mínimo para não morrer de fome? E, além disso, o amor livre não é tão amplamente praticado na classe trabalhadora, na medida em que mais de uma vez a burguesia fez soar o alarme e denunciou a “depravação” e “imoralidade” do proletariado? Cabe notar que, quando as feministas falam com entusiasmo sobre as novas formas de união extraconjugal para as burguesas emancipadas, dar-lhes o belo nome de “amor livre”. Mas quando se trata da classe trabalhadora, as mesmas uniões extraconjugais são vituperadas com o termo depreciativo de “relações sexuais desordenadas”. É bastante significativo.
No entanto, para a proletária, dadas as condições atuais, as consequências da vida em conjunto, seja ela de origem livre ou consagrado pela Igreja, permanecem igualmente dolorosas. Para a esposa e a mãe proletária, a chave para o problema conjugal e da família não está em suas formas externas, rituais ou civis, mas em condições econômicas e sociais que determinam estas relações familiares complexas que deve enfrentar a mulher da classe trabalhadora. Claro, também é importante saber se o seu marido pode dispor dos salários que ela ganhou, se um marido tem o direito de forçá-la a viver com ele mesmo contra sua vontade, se ele pode remover as crianças pela força, etc., mas não são esses parágrafos do Código Civil que determinam a situação real das mulheres na família, e não serão resolvidos neles o difícil problema familiar. Seja a união legalizada perante um notário, consagrada pela Igreja ou com base no princípio do consentimento, a questão do casamento iria perder a sua relevância para a maioria das mulheres se, e somente se, tal sociedade se livrar das mesquinhas preocupações de casa, hoje inevitável neste sistema de famílias individuais e dispersas. Ou seja, se a sociedade assumir o cuidado das gerações mais jovens, se for capaz de proteger a maternidade e dar a cada criança uma mãe, pelo menos durante os primeiros meses.
As feministas estão lutando contra um fetiche: o casamento legalizado e consagrado pela Igreja. As mulheres proletárias, por outro lado, lutam contra as causas que levaram à atual forma de matrimônio e da família, e quando elas se esforçam para mudar essas condições de vida, sabem que também estão contribuindo para a reforma das relações entre os sexos. É aí que reside a principal diferença entre a abordagem da burguesia e do proletariado para resolver o complexo problema da família.
Ingenuamente acreditando na possibilidade de criação de novas formas de relações conjugais e familiares sobre o pano de fundo sombrio da sociedade de classes contemporânea, as feministas e os reformadores sociais pertencentes à burguesia buscam dolorosamente essas novas formas. E já que a vida, por si própria, ainda não as criou, eles precisam inventar a todo custo. Deveriam ser, na sua opinião, as formas modernas das relações sexuais que são capazes de resolver o complexo problema da família sob o sistema social vigente. E os ideólogos do mundo burguês – jornalistas, escritores e mulheres proeminentes que lutam pela emancipação – propõem, cada um do seu lado, a sua “panaceia familiar”, sua nova “fórmula do casamento”.
Como soam utópicas estas fórmulas de casamento! Quão débeis estes paliativos, quando considerados à luz da realidade dolorosa da nossa estrutura familiar moderna! A “união livre”, o “amor livre”! Para essas fórmulas possam ser efetuadas, é necessário proceder uma reforma radical de todas as relações sociais entre as pessoas. Além disso, é necessário que regras de moralidade sexual, e com elas toda a psicologia humana, sofram uma profunda evolução, uma evolução fundamental. Será que a psicologia humana atual está realmente disposta a aceitar o princípio do “amor livre”? E os ciúmes, que consomem as melhores almas humanas? E esse sentimento, tão profundamente enraizado, os direitos de propriedade não só no corpo, mas também a alma do companheiro? E a incapacidade de inclinar-se com simpatia frente a uma manifestação da individualidade da outra pessoa, o habitual costume de “dominar” o ser amado ou ser seu “escravo”? E esse sentimento amargo, mortalmente amargo, abandono e infinita solidão que se apodera de nós, quando o ser amado já não nos ama e nos deixa? Onde pode encontrar confortar a pessoa solitária? A “coletividade” na melhor das hipóteses, é “um objetivo” para a qual dirigir as forças morais e intelectuais. Mas as pessoas de hoje são capazes de comungar com essa coletividade, a ponto de sentir a influência da interação entre si? Será que a vida coletiva pode por si só substituir a pequena alegria pessoal do indivíduo? Sem uma alma que está perto, uma “única” alma gêmea, até mesmo um socialista, mesmo um coletivista está infinitamente sozinho em nosso mundo hostil, e só na classe trabalhadora podemos vislumbrar o brilho pálido anunciando novos relacionamentos, mais harmoniosos e espírito mais social entre as pessoas. O problema da família é tão complexo, confuso e múltiplo como a própria vida, e não será nosso sistema social que permitirá resolvê-lo.
Outras fórmulas de casamento têm sido propostas. Várias mulheres progressistas e pensadores sociais consideram a união do casamento apenas como um método de produzir prole. O casamento em si, eles argumentam, não tem nenhum valor especial para as mulheres: a maternidade é a sua finalidade, seu objetivo sagrado, a sua missão na vida. Graças a tais defensoras inspiradas como Ruth Bray e Ellen Key, o ideal burguês reconhece a mulher como fêmea, e não como uma pessoa que adquiriu uma aura especial do progressismo. A literatura estrangeira aceitou entusiasticamente o lema proposto por estas mulheres modernas. E mesmo aqui, na Rússia, no período antes da tempestade política (1905) período, antes que os valores sociais foram revistos, a questão da maternidade tinha atraído a atenção da imprensa diária. O slogan “o direito à maternidade” não pode ajudar a produzir uma resposta animada nos círculos mais amplos da população feminina. Assim, apesar do fato de que todas as propostas para as feministas, neste contexto, foram de natureza utópica, o problema era muito importante e atual para não atrair as mulheres.
O “direito à maternidade” é o tipo de problema que afeta não só as mulheres da classe burguesa, mas também em um ainda maior grau, as mulheres proletárias. O direito a ser mãe – estas são palavras bonitas que vão diretamente para o “coração de qualquer mulher” e que faz o coração bater mais rápido. O direito de alimentar ao “próprio” filho com seu leite, e assistir os primeiros sinais de despertar da sua consciência, o direito de cuidar de seu corpo minúsculo e proteger a sua alma delicada dos espinhos e dos sofrimentos dos primeiros passos de vida: que mãe não iria apoiar estas alegações?
Parece que, novamente, nos deparamos com um problema que poderia servir como um momento de unidade entre mulheres de diferentes estratos sociais: pode parecer que temos finalmente a ponte entre as mulheres dos dois mundos hostis. Vamos dar uma olhada mais de perto para descobrir o que as mulheres burguesas progressistas entendem como “o direito à maternidade”. Então, podemos ver se a mulher proletária, de fato, pode concordar com as soluções para o problema da maternidade fornecidas pelas igualitárias burguesas. Aos olhos de suas entusiastas apologistas, a maternidade tem um caráter quase sagrado. Lutando para quebrar os falsos preconceitos que marcam uma mulher por se engajar em uma atividade natural – ao dar à luz a um filho –, porque a atividade não tem sido santificada por lei, as lutadoras, pelo direito à maternidade, lutam em outra direção: para elas, a maternidade tornou-se o objetivo da vida de uma mulher.
A devoção de Ellen Key para as obrigações da maternidade e da família lhe obriga a oferecer uma garantia de que a unidade familiar isolada continuará a existir mesmo em uma sociedade transformada em termos socialistas. A única mudança, como ela o vê, é que todos os elementos acessórios que envolvem uma vantagem ou benefício material será excluído da união matrimonial, que será realizada de acordo com as inclinações mútuas, sem cerimônias ou formalidades: amor e casamento serão verdadeiramente equivalentes. No entanto, a unidade familiar isolada é o resultado do moderno mundo individualista, com a sua luta pela sobrevivência, a pressão, a solidão, a família é um produto do monstruoso sistema capitalista. E Key espera que chegue a família sociedade na socialista! Sangue e os laços de parentesco agora servem, muitas vezes, é verdade, como o único apoio da vida, como o único porto seguro em tempos de dificuldades e infelicidade. Mas vai ser moral ou socialmente necessário no futuro? Key não responde a esta pergunta. Ela tem muito em consideração à “família ideal”, esta unidade egoísta da pequena burguesia a que os devotos de estrutura burguesa da sociedade olham com tanta admiração.
Mas a talentosa e mais imprevisível Ellen Key não é a única que perde o norte em contradições sociais. Não há provavelmente nenhuma outra questão, como casamento e família sobre o qual há tão pouco acordo entre os socialistas. Se organizássemos uma pesquisa entre os socialistas, o resultado provavelmente seria muito curioso. Será que a família é um peso? Ou há razões para acreditar que os problemas familiares hoje são apenas uma crise passageira? Será que a forma atual da família na sociedade do futuro se conservaria, ou será enterrada junto com o sistema capitalista moderno? Estas são perguntas que bem podem obter respostas bastante diferentes.
Com a passagem da função educativa da família para a sociedade irá desaparecer os últimos laços que mantém unida a célula familiar. A família burguesa começará a desintegrar-se ainda mais rápido e na atmosfera de mudança, veremos desenhar-se com nitidez as silhuetas ainda indefinidas de relações conjugais futuras. Que silhuetas confusas são essas, que ainda estão imersos nas brumas das influências atuais?
É necessário repetir que a forma opressiva atual do matrimônio dará espaço do casamento para a união livre de indivíduos que se amam? O ideal de amor livre, apresentado à imaginação das mulheres que lutam por sua emancipação, certamente corresponde até certo ponto com a pauta das relações entre os sexos, que se introduzirá na sociedade coletivista. No entanto, as influências sociais são interações tão complexas e tão diversas que agora é impossível imaginar exatamente como serão as relações do futuro, quando todo o sistema mudar radicalmente. Mas a lenta evolução das relações entre os sexos, que acontece diante dos nossos olhos atesta claramente que o ritual de casamento e a família constritiva e fechada estão condenados à extinção.

A Luta por Direitos Políticos

As feministas responder às nossas críticas dizendo: mesmo que pareçam equivocados os argumentos que estão por trás da nossa defesa dos direitos políticos das mulheres, podem ser reduzidos a importância da própria demanda, que é igualmente urgente para as feministas e para as representantes da classe trabalhadora? Não podem as mulheres de ambas classes sociais, para o bem de suas aspirações políticas comuns, superar os obstáculos de antagonismos de classe que as separam? Não serão capazes de, seguramente, travar uma luta comum contra as forças hostis que as rodeiam? A divisão entre a burguesia e o proletariado é tão inevitável como outras questões que nos preocupam, mas no caso desta questão em particular, as feministas acreditam que as mulheres de diferentes classes sociais não têm nenhuma diferença.
As feministas sempre voltam para esses argumentos com amargura e desconserto, vendo noções preconcebidas de fidelidade partidária na recusa das representantes da classe trabalhadora para unir forças com elas na luta pelos direitos políticos das mulheres. É realmente o caso? Existe uma identificação completa das aspirações políticas ou, neste caso, como em todos os outros, o antagonismo cria um exército de mulheres indivisíveis, acima das classes? Devemos responder a esta questão, antes de podermos definir as táticas que as mulheres proletárias utilizarão para a obtenção dos direitos políticos para o seu sexo.
As feministas afirmam estarem do lado da reforma social, e algumas delas inclusive dizem apoiar o socialismo – em um futuro distante, é claro, mas não pretendem lutar nas fileiras da classe trabalhadora para atingir esse objetivo. As melhores delas acreditam, com ingênua sinceridade, que uma vez que os lugares dos deputados estiverem à sua disposição serão capazes de curar as feridas sociais que se formaram, na sua opinião, porque os homens, com seu egoísmo inerente, foram os donos da situação. Apesar das boas intenções dos vários grupos individuais de feministas para com o proletariado, sempre que se levantou a questão da luta de classes elas deixam o campo de batalha com medo. Reconhecem que não querem interferir em causa alheia, preferindo retirar-se para seu liberalismo burguês que é tão confortavelmente familiar.
Por mais que as feministas burguesas tentem suprimir o verdadeiro alvo dos seus desejos políticos, por mais que tentem garantir que suas irmãs “menores” participem na vida política prometendo benefícios imensuráveis ​​para mulheres da classe trabalhadora, o espírito burguês que permeia todo o movimento feminista dá um colorido de classe, até mesmo nas reivindicações por igualdade política iguais com os homens, o que pode parecer uma demanda geral para as mulheres. As diferenças dos objetivos e das interpretações de como devem usar os direitos políticos cria um abismo intransponível entre burgueses e proletários mulheres. Isso não contradiz com o fato de que as tarefas imediatas dos dois grupos de mulheres coincidem, em certa medida, posto que as representantes de todas as classes que tem chegado ao poder político se esforçam, especialmente, na obtenção de uma revisão do Código Civil, que em cada país, em maior ou menor grau, discrimina as mulheres. As mulheres pressionam para conseguir mudanças legais que criam condições de trabalho mais favoráveis ​​para elas, elas são mantidas unidas contra os regulamentos que legalizam a prostituição, etc. No entanto, a coincidência dessas tarefas imediatas é de caráter puramente formal. Assim, o interesse de classe determina que a atitude dos dois grupos para com estas reformas seja profundamente contraditória.


 O instinto de classe – digam o que disserem, as feministas – sempre prova ser mais poderoso do que o nobre entusiasmo de políticas "acima das classes". Enquanto as mulheres burguesas e as mulheres operárias são iguais em sua desigualdade, as primeiras podem, com toda a sinceridade, fazer grandes esforços para defender os interesses gerais das mulheres. Mas uma vez que superadas essas barreiras e mulheres burguesas ganharem acesso à atividade política, as defensoras atuais dos “direitos de todas as mulheres” vão se tornar defensores entusiastas dos privilégios da sua classe, se contentarão em deixar as trabalhadoras, sem quaisquer direitos. Então, quando as feministas falarem com as mulheres trabalhadoras sobre a necessidade de uma luta comum para obter algum princípio “geral das mulheres”, as mulheres da classe trabalhadora estão naturalmente desconfiadas.

Primeira Edição: Publicado pela primeira vem em 1907. Traduzido da versão em Espanhol contida em https://www.marxists.org/espanol/kollontai/1907/001.htm
Tradução: Maria Luiza Oliveira
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Marxismo e Reformismo - V. I. LÊNIN

V. I. Lênin

12 Setembro de 1913

Link Avante

Escrito: Pravda Trudá nº 2 de 12 Setembro de 1913
Fonte: Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1986, t2, pp 115-118.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.24, pp. 1-4.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo.


capa
Os marxistas, diferentemente dos anarquistas, reconhecem a luta por reformas, isto é, por melhorias na situação dos trabalhadores que deixam como antes o poder nas mãos da classe dominante. Mas, ao mesmo tempo, os marxistas travam a luta mais enérgica contra os reformistas, que direta ou indiretamente limitam as aspirações e a atividade da classe operária às reformas. O reformismo é um logro burguês dos operários, que permanecerão sempre escravos assalariados, apesar de determinadas melhorias, enquanto existir a dominação do capital.
A burguesia liberal, dando reformas com uma das mãos, retira-as sempre com a outra, reduzi-las a nada, utiliza-as para subjugar os operários, para os dividir em diversos grupos, para perpetuar a escravidão assalariada dos trabalhadores. Por isso o reformismo, mesmo quando é inteiramente sincero, transforma-se de fato num instrumento de corrupção burguesa e enfraquecimento dos operários. A experiência de todos os países mostra que, confiando nos reformistas, os operários foram sempre enganados.
Pelo contrário, se os operários assimilaram a doutrina de Marx, isto é, tomaram consciência da inevitabilidade da escravidão assalariada enquanto se conservar a dominação do capital, então não se deixarão enganar por nenhumas reformas burguesas. Compreendendo que, conservando-se o capitalismo, as reformas não podem ser nem sólidas nem sérias, os operários lutam por melhorias e utilizam as melhorias para continuarem uma luta mais tenaz contra a escravidão assalariada. Os reformistas procuram dividir e enganar os operários com esmolas, afastá-los da sua luta de classe. Os operários, conscientes da falsidade do reformismo, utilizam as reformas para desenvolver e alargar a sua luta de classe.
Quanto mais forte é a influência dos reformistas sobre os operários tanto mais fracos são os operários, tanto mais dependentes da burguesia, tanto mais fácil é para a burguesia reduzir as reformas a nada por meio de diversos subterfúgios. Quanto mais independente e profundo, quanto mais amplo pelos seus objetivos for o movimento operário, quanto mais livre ele for da estreiteza do reformismo, tanto melhor os operários conseguirão consolidar e utilizar as melhorias isoladas.
Existem reformistas em todos os países, pois por toda a parte a burguesia procura de um modo ou de outro corromper os operários e fazer deles escravos satisfeitos, que renunciem à ideia de suprimir a escravidão. Na Rússia os reformistas são os liquidacionistas, que renunciam ao nosso passado para adormecer os operários com sonhos acerca de um partido novo, aberto, legal. Recentemente, forçados pelo Sévernaia Pravda(1), os liquidacionistas de Petersburgo começaram a defender-se da acusação de reformismo. É preciso determos-nos atentamente nos seus argumentos para esclarecer devidamente esta questão extraordinariamente importante.
Nós não somos reformistas — escreveram os liquidacionistas de Petersburgo — pois não dissemos que as reformas são tudo, que o objectivo final não é nada; nós dissemos: movimento em direção ao objectivo final; dissemos: através da luta pelas reformas rumo à plenitude das tarefas fixadas.
Vejamos se essa defesa corresponde à verdade.
Primeiro facto. O liquidacionista Sedov, resumindo as declarações de todos os liquidacionistas, escreveu que dos «três pilares» apresentadas pelos marxistas(2), duas delas não são atualmente convenientes para a agitação. Ele deixou a jornada de trabalho de 8 horas, que, teoricamente, é realizável como reforma. Eliminou ou afastou precisamente aquilo que sai do quadro de uma reforma. Por conseguinte, ele caiu no mais evidente oportunismo, praticando justamente a política que se exprime na fórmula segundo a qual o objectivo final não é nada. É precisamente reformismo quando o «objectivo final» (ainda que seja relativamente à democracia) é afastado da agitação.
Segundo facto. A famigerada conferência de Agosto (do ano passado) dos liquidacionistas também afasta — num caso especial — as reivindicações não reformistas em vez de as aproximar mais, para o próprio centro da agitação.
Terceiro facto. Negando e minimizando o «velho», esquivando-se a ele, os liquidacionistas limitam-se desse modo ao reformismo. Na situação atual, é evidente a ligação do reformismo com a negação do «velho».
Quarto facto. O movimento econômico dos operários suscita o ódio e os ataques dos liquidacionistas («arrebatamento», «gesticulação», etc., etc.) logo que ele se liga a palavras de ordem que saiam dos limites do reformismo.
Que resultado obtemos? Em palavras os liquidacionistas rejeitam o reformismo de princípio, de facto aplicam-no em toda a linha. Por um lado asseguram-nos que de modo nenhum as reformas são tudo para eles, mas, por outro lado, sempre que na prática os marxistas saem dos limites do reformismo isso provoca ou os ataques ou uma atitude desdenhosa dos liquidacionistas.
Entretanto, os acontecimentos em todos os sectores do movimento operário mostram-nos que os marxistas não só não ficaram para trás como, pelo contrário, vão claramente à frente na utilização prática das reformas e da luta por reformas. Considerem-se as eleições para a Duma pela cúria operária, as intervenções dos deputados na Duma e fora da Duma, a criação de jornais operários, a utilização da reforma do seguro, o sindicato dos metalúrgicos como sindicato mais importante, etc., em toda a parte vemos a preponderância dos operários marxistas sobre os liquidacionistas, no domínio do trabalho direto, imediato, «quotidiano», de agitação, de organização, de luta pelas reformas e pela sua utilização.
Os marxistas trabalham incansavelmente, não perdendo uma única «possibilidade» de reformas e da sua utilização, não reprovando, antes apoiando e desenvolvendo atentamente, qualquer saída dos limites do reformismo tanto na propaganda como na agitação e na ação econômica de massas, etc. Quanto aos liquidacionistas, que se afastaram do marxismo, com os seus ataques contra a própria existência de um todo marxista, com a sua infracção da disciplina marxista, com a sua pregação do reformismo e da política operária liberal, apenas desorganizam o movimento operário.
Não se deve esquecer, além disso, que na Rússia o reformismo se apresenta sob uma forma particular, que consiste em identificar as condições fundamentais da situação política da Rússia atual e da Europa atual. Do ponto de vista do liberal, semelhante identificação é legítima, pois o liberal acredita e confessa que «nós temos, graças a Deus, uma constituição». O liberal exprime os interesses da burguesia quando defende a ideia de que depois de 17 de Outubro qualquer saída da democracia para além dos limites do reformismo é uma loucura, um crime, um pecado, etc.
Mas são precisamente essas ideias burguesas que são de facto aplicadas pelos nossos liquidacionistas, que «transferem» constante e sistematicamente para a Rússia (no papel) o «partido aberto», a «luta pela legalidade», etc. Por outras palavras, eles, tal como os liberais, pregam a transferência para a Rússia da constituição europeia sem o caminho peculiar que no Ocidente conduziu à criação das constituições e à sua consolidação ao longo de gerações, por vezes mesmo ao longo de séculos. Os liquidacionistas e os liberais querem, como se costuma dizer, lavar a pele sem a meter na água.
Na Europa, o reformismo significa de facto a rejeição do marxismo e a sua substituição pela «política social» burguesa. No nosso país, o reformismo dos liquidacionistas não significa apenas isso mas também a destruição da organização marxista e a rejeição das tarefas democráticas da classe operária, a sua substituição pela política operária liberal.

Notas de rodapé:
(1) Sévernaia Pravda (A verdade do Norte): foi sob este nome que se publicou o jornal bolchevique Pravda em Agosto-Setembro de 1913. (retornar ao texto)
(2) «Três pilares»: termo convencional na imprensa legal bolchevique e nas reuniões para indicar as três palavras de ordem revolucionárias fundamentais: república democrática, confiscação dos latifúndios, jornada de trabalho de 8 horas. (retornar ao texto)

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segunda-feira, 5 de setembro de 2016

BRICS preparam-se para um “Braexit”: adeus, Brasil .


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O grupo BRICS deve trabalhar para que Temer não consiga impactar a coesão dos BRICS (Fonte: EPA)


“Só para lembrar: a última vez que os EUA instalaram governo fantoche foi em 2014, quando, em mais um “golpe sem derramamento de sangue” (sic), derrubaram o presidente da Ucrânia e lá instalaram um bilionário oligarca. É cenário comparável ao do Brasil, em 2016″ (Zero Hedge, 13/5/2016).
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É possível que o novo governo pró-EUA no Brasil force uma “Braexit” e derrube a muralha que protege os BRICS? Segundo Oliver Stuenkel, professor assistente de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, “muitos (sic) brasileiros acreditam que é hora de deixar” os BRICS.
Há apenas três anos, a maior nação da América do Sul declarou que desejava desconectar-se da Internet controlada pelos EUA, por causa da vigilância ilegal que a Agência de Segurança Nacional dos EUA sobre o país, que incluíam gravar as conversas telefônicas da (então) presidenta Dilma Rousseff. Hoje, o mesmo país, sob governo (interino) de Michel Temer, considerado por muitos em todo o mundo como informante dos EUA, tende fortemente na direção do campo norte-americano. Parece também estar-se movimentando para longe do grupo BRICS, do qual o Brasil é membro fundador.
A ‘conversão’ do governo brasileiro não acontece por acaso. É efeito do descomunal revide contra o Partido dos Trabalhadores de Dilma Rousseff, orquestrado por uma coalizão de direita praticamente dominada por população crescente de extremistas evangélicos. De apenas 5% da população em 1970, os evangélicos já são hoje 22% dos 200 milhões da população do Brasil. Estão a caminho de se tornarem maioria já em meados do século.
As igrejas evangélicas com conexões fortes com quartéis-generais nos EUA – e não raras vezes controladas pelas ‘matrizes’ – já são atores muito ativos nas eleições no país, e já conseguiram reverter várias leis sociais brasileiras progressistas. É muito provável que os fiéis dessas igrejas ‘de televisão’, criadas à imagem de muitas que há nos EUA, logo passem a interferir também na política exterior do Brasil. Com isso, certamente o Brasil se afastará – e provavelmente se porá em campo adversário – de países como Rússia e Índia, onde ainda predomina um ethos liberal progressista.
Em apenas 35 anos, é possível que o Brasil tenha população majoritariamente pró-EUA. É tempo mais do que suficiente para que os BRICS preparem-se para a vida sem Brasil. Há quatro vias claras para conseguir isso.
Expandir, expandir, expandir!
Ser pequeno só é virtude se você for anão em circo de excentricidades. Se a OTAN pode trabalhar com 28 membros, os BRICS, claramente muito mais importantes que a OTAN, também podem. Tendo surgido e amadurecido em torno de um núcleo de cinco nações, os BRICS devem agora se abrir para outras frentes, para ganhar mais tração. O grupo capturou a imaginação mundial como corpo capaz de pôr fim à fracassada agenda neocolonial do Ocidente. Outro trunfo dos BRICS é a ideia de crescimento equitativo, que é atrativa para um conjunto diversificado de nações.
O grupo deve investir nessa boa-vontade e convidar economias de dimensões medianas como Indonésia, Malásia, Argentina, Nigéria e Egito. Algumas dessas economias nem precisarão ser convidadas, porque querem vir. A Argentina seria excelente candidata, porque pode substituir o Brasil como representante da América do Sul. Além disso, se o Brasil decidir sair, a inclusão da Argentina obrigará o governo golpista a repensar a decisão. Ninguém no Brasil aceitará sem protesto que seu grande rival do sul substitua o Brasil numa organização poderosa como os BRICS.
Temer, o Interino
Wikileaks revela que o presidente interino do Brasil, Michel Temer, forneceu informações de inteligência ao Conselho de Segurança Nacional e a militares dos EUA, quando ainda na função de líder do partido PMDB que integrava a coalizão governante. Conforme aquela organização internacional de divulgação de informação considerada ‘secreta’ pelos interessados em ocultá-la, Temer manteve contato extraoficial com a embaixada dos EUA no Brasil e forneceu informação que o governo dos EUA considerou “sensível”, para conhecimento “exclusivo do governo dos EUA”. Dois telegramas chamam especialmente a atenção: um, datado de 11/1/2006, o outro de 21/6/2006. Um é documento enviado de São Paulo, Brasil, para – dentre outros destinatários – o Comando Sul dos EUA em Miami.
Mas em que sentido isso diz respeito aos BRICS? Se Temer é efetivamente instrumento da ação política dos EUA, pode bem introduzir uma cunha na maquinaria do grupo BRICS e paralisá-lo, mais ou menos como a Grã-Bretanha operou como cavalo de Troia dos EUA na União Europeia.
Temer, um dos articuladores do golpe para derrubar a presidenta Rousseff, ativa defensora dos BRICS, está, ele próprio sob investigação policial.
É provável que Temer e seu grupo lancem o Brasil em período de agitação e instabilidade. Como se lê no website “Zero Hedge” de inteligência financeira: “Só para lembrar: a última vez que os EUA instalaram governo fantoche foi em 2014, quando, em mais um “golpe sem derramamento de sangue” (sic), derrubaram o presidente da Ucrânia e lá instalaram um bilionário oligarca. É cenário comparável ao do Brasil, em 2016.”
O grupo BRICS deve garantir que Temer não tenha meios para sabotar a coesão dos BRICS, que já está tendo de lidar com a tensão geopolítica entre Índia e China, por causa da presença de uma considerável frota da Marinha da Índia no Mar do Sul da China e da recusa, por Pequim, de aceitar New Delhi no Grupo de Fornecedores Nucleares.
Aprender com o destino de Dilma Rousseff
No governo da presidenta Rousseff, a economia brasileira andava devagar, mas andava. Contudo, como pilar fundamental do grupo BRICS, o Brasil parece ter atraído a ira dos EUA. A coalizão de partidos anti-Dilma, como o PMDB de Temer, e os grupos das igrejas evangélicas – com certeza teleguiados por Washington – criaram tantas e tais dificuldades, que a presidenta foi forçada a governar praticamente por decretos, durante a maior parte de seu segundo mandato.
Como se viu acontecer na Ucrânia, que está hoje em total desarranjo, o PIB do Brasilencolheu 3,8% em 2015, e tudo indica que encolherá outro tanto em 2016. Inflação e desemprego estão acima de 10%. O mercado de ações caiu 7% durantes as duas primeiras semanas do governo Temer; e o real perdeu 3,5% do valor em relação ao dólar norte-americano.
Índia, que assume agora a presidência dos BRICS, fará avançar as iniciativas russas

Primeiro a Ucrânia, depois o Brasil, o que virá depois? A China parece impenetrável aos esforços de desestabilização e revoluções ‘das flores’ dos EUA – mas a Revolução dos Guarda-Chuvas em Hong Kong foi claramente inspirada pelo ocidente. A Rússia já expulsou as agências USAID e o British Council, por interferência na política russa. Resta a Índia, que é vulnerável às táticas de desestabilização da CIA-EUA. A ascensão do Partido Aam Admi, que recebe fundos da Fundação Ford – um dos corpos operados e mantidos pela CIA – é prenúncio do que está por vir.
Livrem-se do nome “BRICS”
BRICS é sigla elegante – todos parecem adorar o som e o modo como desliza sobre a língua. Mas há um problema com siglas de organizações baseadas em nomes dos membros. Se o Brasil se afasta, a sigla encurta para RICS? Se a África do Sul deixa o grupo, o nome passa a ser BRIC?
Além disso, a sigla BRICS tem problemas também de crescimento, porque não se pode encompridar indefinidamente a sigla. De BRIC para BRICS foi fácil, mas o que acontecerá se Indonésia ou Argentina se incorporarem ao grupo. BRICSI? BRICSA?
Algum novo nome não precisa ser necessariamente harmonioso, como som. Por exemplo, o banco dos BRICS é conhecido como Novo Banco de Desenvolvimento – nada muito extraordinário, mas excelente e importante alternativa ao grandiloquente Banco Mundial. Nessa linha, todo o grupo hoje BRICS poderia ser renomeado: Novo Grupo Econômico (NGE), em inglês New Group EconomicNGE [ou, mesmo, NEW [ing. “novo”] – prosaico, mas, melhor denominação que antes.****

 Rakesh Krishnan SimhaRussia Beyond the Headlines
Tradução: Vila Vudu
http://in.rbth.com/blogs/stranger_than_fiction/2016/07/04/brics-should-prepare-for-braxit-a-brazilian-exit_608637

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Rússia e China: saindo da neutralidade ao suporte em importantes conflitos


 © Sputnik/ Aleksei Druzhinin

A Rússia e a China realizarão exercícios conjuntos no mar do Sul da China, palco de tensões nas relações entre Pequim e outros países. Entretanto, a China anunciou que é hora de se posicionar no conflito sírio. A mídia russa pondera por que os dois países alteraram suas posições de neutralidade, prontificando-se a prestar apoio em conflitos.
Na semana passada, o porta-voz da Frota russa do Pacífico, Vladimir Matveev, confirmou que Rússia e China acordaram em realizar treinamentos conjuntos no mar do Sul da China entre 12 e 19 de setembro. O foco dos exercícios será a proteção de navios de carga no mar do Sul da China.
Em julho, o porta-voz do Ministério da Defesa chinês, Yang Yujun, disse que os exercícios “não serão destinados ao ataque a terceiros países”. Alguns analistas interpretaram a vontade russa de participação de exercícios conjuntos com a China, como forma de demonstrar apoio à nação chinesa nas disputas territoriais no mar do Sul da China.
Em 18 de agosto o jornal The Global Times comunicou que “chegou a hora de os militares chineses contribuírem para o fim da crise síria”. Logo depois, tornou-se público que a delegação chinesa visitou a Síria e realizou negociações sobre a cooperação militar e ajuda humanitária.
O diretor do Departamento para a Cooperação Militar Internacional da Comissão Militar Central, Guan Youfei, encontrou-se com o ministro da Defesa sírio, Fahad Jassim al-Freij. O Ministério da Defesa Nacional chinês afirmou que a China tem desempenhado um papel ativo na busca de uma solução política à crise síria, apoiando a independência e autonomia da nação síria e estando os chineses de prontidão para fortalecer a cooperação com colegas sírios.
Guan reuniu-se também com o general russo que lidera o Centro de Reconciliação sírio em Damasco e discutiu “assuntos de interesse comum”, acrescentou o ministério. Tudo isso provocou várias sugestões na mídia, relacionadas à alteração de posições dos dois países, que abandonaram a neutralidade decidindo prestar apoio a conflitos. O portal de notícias on-line Regnum disse que Pequim, através da mudança de posicionamento à disputa territorial no mar da Sul da China, especifica que não existe “uma denúncia global” da sua posição ao conflito.
“Há dois anos, os EUA realizaram com sucesso a transformação da Rússia através da mídia em ‘um Estado vilão, assustador e poderoso’. A China se encontra preocupada devido à possibilidade de Washington aplicar ao país chinês o mesmo cenário”, disse o jornal sobre o assunto.
Sendo assim, a China espera sinais de Moscou sobre sua mudança de posicionamento, que demonstrem uma proximidade maior as posições defendidas pela China. A retórica diplomática ainda não é suficiente, mas a realização de manobras conjuntas em águas disputadas é o melhor sinal, segundo observadores.
De acordo com autor da matéria, a China deve oferecer à Rússia “um prêmio”, sendo ele a garantia de prontidão do Exército de Libertação Popular da China na união à coalizão da Rússia, Síria e Irã no conflito sírio.
E isso é o que Moscou precisa no momento devido a razões políticas. “É desistência da neutralidade em troca da desistência de neutralidade”, destacou o autor. Segundo ele, juntar-se aos lados certos dos conflitos proporciona a quebra de isolação: a isolação da Rússia no conflito sírio e a isolação chinesa no conflito no mar do Sul da China, disse a matéria. O autor acrescentou também que tal “construção” segue as tradições da política oriental em ambas as regiões: Oriente Médio e Extremo Oriente.
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