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sexta-feira, 20 de junho de 2014

A disputa pela versão oficial sobre a carreira de Barbosa no STF


O protagonista, com o apoio da imprensa monopolista, tenta vender a imagem do homem destemido que enfrentou forças poderosas e hoje é perseguido por isso.


Najla Passos


A versão oficial sobre os 11 anos de carreira de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF) está em disputa. De um lado, o protagonista, com o apoio da imprensa monopolista, tenta vender a imagem do homem destemido que enfrentou forças poderosas e hoje é perseguido por isso.

Do outro, juristas, intelectuais, acadêmicos, políticos e representantes dos movimentos sociais escancaram com cada vez mais intensidade que os arbítrios cometidos pelo presidente da mais alta corte de justiça do país podem ter efeitos devastadores para a democracia brasileira.

Na terça (17), quando o país se preparava para torcer pela seleção brasileira, Barbosa renunciou à relatoria da ação penal 470, o chamado “mensalão”. A alegação foi a de que estaria sofrendo ameaça por parte dos advogados dos condenados que, segundo ele, “passaram a atuar politicamente no caso”.


A afirmação foi uma alusão direta ao caso do advogado Luiz Pacheco que, no legítimo exercício da sua função, foi expulso do plenário da corte por Barbosa, e afirmou que ainda pegaria o magistrado “por abuso de autoridade”. O vídeo é absolutamente claro quanto a isso. Mas Barbosa preferiu traduzir o desabafo como uma ameaça à sua vida.

Ele, inclusive, já havia recorrido à tática da vitimização dias antes, quando anunciou que iria se aposentar precocemente. Na coletiva oficial à imprensa, não quis revelar os motivos que o levaram a decidir sair antes mesmo de encerrar seu mandato à frente da presidência, o que ocorrerá somente em novembro, e 11 anos antes de completar os 70 anos necessários à aposentadoria compulsória.

Mas teve o cuidado de deixar vazar para os jornalistas amigos que estaria sendo ameaçado de morte. O assunto conquistou amplo destaque, mas, de concreto, o melhor que a imprensa conseguiu encontrar para comprovar a tese foi o caso do petista Sérvolo de Oliveira, de Natal, que publicou um comentário raivoso no Facebook dizendo que Barbosa merecia “morrer de câncer ou de um tiro na cabeça”.

Um único homem, com nome, CPF e endereços conhecidos pela Polícia Federal. Procurado pela reportagem de Veja, se desculpou pelos excessos cometidos na rede social: “Quando eu vi como trataram o julgamento do caso no STF, realmente me irritei. Quando falei do tiro na cabeça, eu estava lembrando do PC Farias. A burguesia brasileira age assim. Mas eu sou do candomblé, não tenho coragem de matar ninguém”.

O problema é que, para a imprensa que tentou transformar Barbosa em herói para legitimar a sucessão de arbítrio que foi o julgamento do “mensalão”, a versão do justiceiro injustiçado é muito mais tentadora do que a do homem autoritário que vêm recebendo o repúdio da comunidade jurídica.

E, mesmo que ele tenha desistido de concorrer a um cargo nas eleições de outubro, as pesquisas apontam que ele é o segundo melhor cabo eleitoral do país, perdendo apenas para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas muitos pontos à frente da pré-candidata à vice-presidência pelo PSB, Marina Silva, e mais ainda do lanterninha da disputa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.

Tanto Eduardo Campos, do PSB, quanto Aécio Neves, do PSDB, já confirmaram que estão de olho no seu apoio. Manter a admiração que ele ainda angaria dentre os mais desavisados e reverter a má fama entre os que o acompanham mais de perto é, portanto, uma obsessão das forças políticas conservadoras.


O outro lado, entretanto, não comprou a versão do herói em apuros e nem se calou frente a ela. Na quarta (18), juristas, intelectuais, acadêmicos e representantes dos movimentos sociais protocolaram nos gabinetes dos outros dez ministros do STF um abaixo-assinado em que pedem reação às arbitrariedades de Barbosa.

No documento, os signatários alegam que já não se trata de contestar o resultado do polêmico julgamento da ação penal 470, embora os juristas ainda discutam as inovações do processo, como a adoção da Teoria do Domínio do Fato que, segundo os eles, substituiu a presunção de inocência pela de culpabilidade.

A questão, agora, segundo o documento, é evitar o caos no já deficiente sistema prisional brasileiro e restaurar o estado democrático de direito. “O desrespeito ao direito de um único cidadão coloca em risco o direito de todos, e o Brasil já sofreu demais nas mãos de quem ditava leis e atos institucionais, atacando os mais elementares direitos democráticos”, diz o texto.

Os signatários lembram que a exigência imposta por Barbosa de que os réus do regime semiaberto tenham que cumprir um sexto da pena antes de serem autorizados ao trabalho externo, à revelia da jurisprudência praticada há mais de uma década no país, causa sofrimento e incerteza não só a José Dirceu, Delubio Soares, José Genoino e seus familiares, mas também às dezenas de milhares de famílias de réus que cumprem o regime semiaberto.

O novo relator da ação penal 470, ministro Luís Roberto Barroso, parece sensível a voz do bom senso e ao apelo das garantias constitucionais. Na mesma quarta, declarou que submeterá os recursos dos réus ao plenário já na próxima semana, antes do início do recesso judiciário e antes da aposentadoria definitiva de Barbosa. “Quem está preso tem pressa”, justificou.


Imediatamente após a declaração, se transformou em alvo da TV Globo. Hoje, é atacado pelo jornal O Globo. Provavelmente, também o será no final de semana, pela revista Veja. Nos próximos dias, as forças conservadoras tudo farão para acuar os ministros que querem atender ao apelo da sociedade organizada e restaurar o estado democrático de direito. É preciso, portanto, reforçar o coro dos que lutam pela democracia!

Fonte: Carta Maior

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