Por Patricia Grogg da IPS/Envolverde
A
Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel (ZEDM), a obra de maior
envergadura em muitas décadas em Cuba, nasceu graças ao apoio financeiro
do Brasil, que aglutinou vontade política, estratégia e integração,
além de visão de negócio. “Cuba sozinha não teria conseguido realizar o
projeto do ponto de vista técnico e econômico, afirmou à IPS o
economista Esteban Morales, para quem o entorno geográfico converte a
obra em estratégica para a atividade comercial, industrial e de serviços
na América Latina e no Caribe.
O
Brasil financiou os bens e serviços da construção do terminal de
contêineres e a remodelação do porto de Mariel, equipado com tecnologia
de última geração para receber e operar carga de navios de grande calado
como os chamados Pós-Panamá, que começarão a chegar quando for
completada a ampliação do Canal do Panamá, em dezembro de 2015.
A
instalação, que fica 45 quilômetros a oeste de Havana, se localiza na
rota dos principais fluxos de transporte marítimo do hemisfério, por
isso os especialistas coincidem em afirmar que a baía tem
características para ser a maior do Caribe em tamanho e volume de
atividade. O terminal é o coração da zona especial, de 465 quilômetros
quadrados, que oferecerá uma infraestrutura de estradas que ligarão o
porto de Mariel ao resto do país, uma ferrovia, estruturas de
comunicações e vários outros serviços.
Vista
parcial do prédio administrativo do terminal de contêineres localizado
no porto da Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, em Cuba. Foto:
Jorge Luis Baños/IPS
Na
zona especial, atualmente em construção, serão realizadas atividades
produtivas, comerciais, agropecuárias, portuárias, logísticas, de
formação e capacitação, recreativas, turísticas, imobiliárias, de
desenvolvimento e inovação tecnológica em instalações que incluem
centros de distribuição de mercadorias e parques industriais.
Dividida
em oito setores, para seu desenvolvimento por etapas, as primeiras
serão destinadas a telecomunicações e um parque de tecnologia moderna,
no qual serão instaladas indústrias farmacêuticas e de biotecnologia,
dois setores que terão prioridade em Mariel, junto com o de energias
renováveis e o agroalimentar, entre outros. O governo cubano estuda a
aprovação de 23 projetos da Europa, Ásia e América para se estabelecerem
em Mariel, nos setores químico, de materiais de construção, logística e
arrendamento de equipamentos.
Inaugurado
em 27 de janeiro, nos seus primeiros seis meses de operação o terminal
recebeu 57 navios e cerca de 15 mil contêineres, uma quantidade mínima
porque a capacidade de armazenagem é de 822 mil. Os Pós-Panamá poderão
transportar até 12.600 contêineres, três vezes mais do que os navios que
atualmente podem atravessar esse canal interoceânico.
Pedro
Monreal, também economista, calcula que o custo por contêiner então
cairá pela metade, e que o custo menor vai melhorar a competitividade
das manufaturas brasileiras, para citar um exemplo. Mariel, onde também
haverá uma zona franca, pode se converter em plataforma de produção e
exportação para essas empresas, inclusive para abastecer seu próprio
mercado.
Equipamentos
pesados preparam o terreno para construção da ferrovia que fará parte
da nova infraestrutura vinculada à zona de desenvolvimento que
representa o maior projeto já executado em Cuba em décadas. Foto: Jorge
Luis Baños/IPS
O
Decreto-Lei 313, que criou a ZEDM, é de 13 de setembro de 2013, mas a
modernização de Mariel começou três anos antes, conduzida por uma
empresa mista formada em fevereiro de 2010 pela Companhia de Obras e
Infraestrutura, subsidiária da construtora brasileira Odebrecht, e pela
Quality Cuba S.A. O terminal de contêineres é administrado pela Global
Ports Management Limited, uma dos maiores operadoras portuárias do
mundo, que trabalha há tempos com a firma cubana Armazéns Universais
S.A., proprietária, usuária e responsável pelo uso eficiente do enclave
portuário.
A
relação entre Cuba e Brasil é de longa data. O ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva não esconde suas simpatias pela revolução desse
país caribenho, que visitou em várias ocasiões, primeiro como dirigente
sindical e político, depois como mandatário e agora como ex-governante.
Dois pacotes de acordos assinados em 2008 e 2010 entre Lula e o
presidente cubano, Raúl Castro, marcam seu interesse em reforçar os
vínculos binacionais, um esforço continuado pela presidente Dilma
Rousseff.
Entre
esses acordos está o de crédito para Mariel. Dilma especificou, quando
participou da inauguração do terminal, que foram US$ 802 milhões para
esta etapa, mais US$ 290 milhões para a segunda fase. O primeiro crédito
foi destinado inicialmente à estrada, mas o governo local decidiu
começar pelo porto. O empréstimo foi concedido pelo estatal brasileiro
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Havana
entrou com 15% do investimento necessário para as obras.
“Cuba
é uma prioridade para nosso governo e também Havana coloca muita
atenção no Brasil”, apontou à IPS o diretor-geral da Agência Brasileira
de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Hipólito
Rocha. A Apex-Brasil foi criada por Lula e Castro para promover negócios
conjuntos em Cuba, no Caribe e na América Latina.
A
Odebrecht é a companhia mais importante vinculada a Mariel, mas fontes
diplomáticas disseram à IPS que, no total, cerca de 400 empresas
brasileiras participam das obras. “Entre nossos países há afinidade,
vontade política, vocação para se integrar, mas também os negócios são
importantes”, destacou Rocha. Cuba cumpre rigorosamente seus
compromissos financeiros com o Brasil e a relação binacional “está muito
consolidada, é sustentável e deixa benefícios também para nosso país”,
acrescentou.
Para
o analista Arturo López-Levy, residente nos Estados Unidos, a
vinculação do Brasil com o projeto da zona de Mariel foi decisiva não
apenas pelo investimento. Para ele, o governo brasileiro envia uma
mensagem a Washington e à União Europeia, e a outras potências
emergentes, de apoio à transformação cubana.
Em
se tratando de sinais, os presidentes da China, Xi Jinping, e da
Rússia, Vladimir Putin, os deram quando visitaram Cuba em julho, para
ampliar os projetos de colaboração com Havana. Ambos passaram por este
país após participarem da Sexta Cúpula do Grupo Brics (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), entre 14 e 16 de julho, que aconteceu no
Brasil.
O
reforço desses vínculos promete maior acesso aos mercados chinês e
russo, atração para investimentos em áreas de interesse comum, como a
indústria farmacêutica e energética, cooperação para a modernização em
setores estratégicos de defesa, portos e telecomunicações, resumiu
López-Levy à IPS.
Sobre
o possível interesse de empresários norte-americanos em se posicionarem
na ZEDM e um aumento de pressões pelo fim do embargo, o economista
alertou que, como mercado, Cuba “causa um interesse muito limitado nos
Estados Unidos”. No entanto, o economista considerou “evidente” que
aumenta a motivação dos investidores norte-americanos em geral, e dos
pertencentes à comunidade cubano-norte-americana, em particular.
“Para
que essas motivações se transformem em pressão política contra o
embargo é necessário que a economia cubana emita sinais claros de
recuperação e que, em termos fundamentais, o governo tenha disposição
para adotar uma economia mista, com garantias transparentes para os
investidores, e capacidade de exportar”, acrescentou López-Levy.
Por
sua vez, Rocha tem uma opinião diferente. Para ele, “o embargo cairá
por seu próprio peso. Será sepultado pelos negócios”. Em um fato
interpretado como simbólico, o primeiro navio que atracou no porto de
Mariel após sua inauguração trouxe alimentos dos Estados Unidos para
Cuba, únicas importações, mediante pagamento em dinheiro, permitidas
pelo bloqueio que já dura mais de cinco décadas.
Fonte: Solidários
Nenhum comentário:
Postar um comentário