Doutrina e movimento que rejeitam o princípio da autoridade política e sustentam que a
ordem social é possível e desejável sem essa autoridade. O principal vetor negativo do anarquismo
dirige-se contra os elementos essenciais que constituem o ESTADO moderno: sua territorialidade e a
consequente noção de fronteiras; sua soberania, que implica jurisdição exclusiva sobre todas as
pessoas e propriedades dentro de suas fronteiras; seu monopólio dos principais meios de coerção
física, com o qual busca manter essa soberania tanto interna como externamente; seu sistema de
direito positivo que pretende sobrepor-se a todas as outras leis e costumes, e a ideia de que a nação
é a comunidade política mais importante. O vetar positivo do anarquismo volta-se para a defesa da
“sociedade natural”, isto é, de uma sociedade autorregulada de indivíduos e de grupos livremente
formados.
Embora o anarquismo se baseie em fundamentos intelectuais liberais, entre os quais,
notadamente, a distinção entre Estado e sociedade, o caráter multiforme da doutrina torna difícil
distinguir com clareza diferentes escolas de pensamento anarquista. Mas uma distinção importante é
a que se estabelece entre o anarquismo individualista e o anarquismo socialista. O primeiro enfatiza
a liberdade individual, a soberania do indivíduo, a importância da propriedade ou da posse privada
e a iniquidade de todos os monopólios: pode ser considerado um liberalismo levado às suas
consequências extremas. O “anarcocapitalismo” é uma variação contemporânea dessa escola (ver
Pennock e Chapman, 1978, caps.12-14). O anarquismo socialista, ao contrário, rejeita a propriedade
privada juntamente com o Estado, como a principal fonte da desigualdade social. Insistindo na
igualdade social como a condição necessária para a máxima liberdade individual de todos, o ideal
do anarquismo socialista pode ser caracterizado como a “individualidade na comunidade”. Ele
representa uma fusão do liberalismo com o socialismo: socialismo libertário.
A primeira exposição sistemática de ideias anarquistas foi feita por William Godwin (1756-
1836), e algumas de suas concepções podem ter influenciado os socialistas cooperativistas
inspirados por Owen. Mas o anarquismo clássico, como parte integrante, embora contenciosa, do
movimento socialista mais amplo, foi inspirado originalmente pelas ideias mutualistas e federalistas
de PROUDHON. Proudhon formulou uma abordagem essencialmente cooperativista do socialismo, mas
insistia em que o poder do capital e o poder do Estado eram sinônimos e portanto o proletariado não
poderia vir a emancipar-se por meio do uso do poder de Estado. Estas últimas ideias foram
vigorosamente divulgadas por BAKUNIN, sob cuja liderança o anarquismo se desenvolveu em fins da
década de 1860 como sério rival do socialismo marxista no plano internacional. Ao contrário de
Proudhon, Bakunin defendia a expropriação violenta e revolucionária da propriedade capitalista e da
propriedade fundiária, o que levaria a alguma modalidade de coletivismo. O sucessor de Bakunin, o
príncipe russo Piotr Alekseievitch Kropotkin (1842-1921), ressaltou a importância da ajuda mútua
como fator da evolução social e foi um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da teoria
do comunismo anarquista, de acordo com a qual “tudo pertence a todos” e a distribuição baseia-se
exclusivamente nas necessidades. Em seu ensaio L’État, son rôle historique, publicado em francês
em 1906, Kropotkin realizou uma análise penetrante da bête-noire dos anarquistas.
A estratégia de Bakunin previa levantes espontâneos das classes oprimidas, tanto de camponeses
como de trabalhadores industriais, em insurreições generalizadas no curso das quais o Estado seria
abolido e substituído por comunas autônomas, ligadas federalmente em níveis regional, nacional e
internacional. A COMUNA DE PARIS de 1871 – saudada por Bakunin como “uma negação ousada e
franca do Estado” – aproximou-se desse modelo anarquista de revolução. No período subsequente ao
seu esmagamento – que, segundo Engels, seria devido à falta de centralização e de autoridade e à sua
dificuldade em valer-se com o desembaraço necessário de sua autoridade coercitiva –, cresceu a
tendência para o socialismo com Estado, tanto do tipo marxista como do tipo reformista. Alguns
anarquistas adotaram então a tática da “propaganda pelo ato” – atos de assassinato de grandes figuras
políticas e de terrorismo contra a burguesia – com o objetivo de estimular insurreições populares. A
consequente repressão ao movimento levou outros anarquistas a desenvolverem uma estratégia
alternativa, ligada ao SINDICALISMO. O objetivo era transformar os sindicatos em instrumentos
revolucionários do proletariado em sua luta contra a burguesia, e fazer deles, e não das comunas, as
unidades de base de uma ordem socialista. Pretendia-se que a revolução viesse a tomar a forma de
uma Greve Geral, durante a qual os trabalhadores assumiriam o controle dos meios de produção, da
distribuição e da troca e aboliriam o Estado. Foi através do sindicalismo que o anarquismo exerceu,
no período entre 1895 e 1920, a sua maior influência sobre os movimentos, trabalhista e socialista.
Essa influência durou mais tempo na Espanha onde, durante a Guerra Civil (1936-1939), os
anarcossindicalistas tentaram colocar em prática sua concepção da revolução. Desde o declínio do
sindicalismo, o anarquismo teve uma influência apenas limitada sobre os movimentos socialistas,
mas houve um renascimento notável das ideias e tendências anarquistas (nem sempre reconhecidas
como tal) nos movimentos da Nova Esquerda na década de 1960. Atualmente, o anarcopacifismo,
influenciado por uma tradição de anarquismo cristão, embora inspirado sobretudo pelas técnicas de
ação direta não violenta popularizadas por M.K. Gandhi (1869-1948), é uma tendência significativa
dos movimentos pela paz do Ocidente.
Tanto o anarquismo individualista como o anarquismo socialista, expressos por Max Stirner
(1805-1856), Proudhon e Bakunin, foram considerados suficientemente importantes para merecerem
críticas detalhadas de Marx e Engels (ver Thomas, 1980), que, de um modo geral, concebiam o
anarquismo como um fenômeno pequeno-burguês, ao qual aliava-se, no caso de Bakunin, o
aventureirismo demagógico característico dos intelectuais déclassés e do LUMPEMPROLETARIADO.
Enquanto tendência “sectária” obsoleta no interior do movimento socialista, o anarquismo refletia o
protesto e o inconformismo da pequena burguesia contra o desenvolvimento do capitalismo em
grande escala e o Estado centralizador que salvaguarda os interesses da burguesia. Esse protesto
tomava a forma de negação, não de um qualquer Estado real, verdadeiramente existente, mas de “um
Estado abstrato, o Estado enquanto tal, um estado que não existe em parte alguma” como escreveu
Marx em A Aliança da Democracia Social e a Associação Internacional dos Trabalhadores (1873,
seção II). E, o que é mais importante, o anarquismo negava o que havia de mais essencial, segundo a
concepção de Marx e Engels, na luta pela emancipação da classe operária: a ação política de um
partido independente da classe operária voltado para a conquista, e não para a destruição imediata,
do poder de Estado. “Para os comunistas, escreveu Engels, a abolição do Estado só faz sentido
enquanto resultado necessário da abolição das classes, pois, com o desaparecimento dessas, a
necessidade do poder organizado de uma classe para subjugar as outras automaticamente desaparece
também” (Marx, Engels, Lênin, 1972, p.27).
O anarquismo sobreviveu a tais críticas e continua sendo uma importante fonte para a crítica da
teoria e da prática marxistas. A opinião bastante generalizada de que os comunistas marxistas e os
anarquistas concordam quanto ao fim (uma sociedade sem classes e sem Estado), mas divergem
sobre os meios para alcançar esse fim, parece infundada. De nível mais profundo, a discordância
versa sobre a natureza do Estado, sobre sua relação com a sociedade e com o capital, e sobre como a
política, enquanto uma forma de alienação, pode ser transcendida.
GO
Bibliografia: Ansart, Pierre, Marx et l’anorchisme, 1969 • Apter, David & James Joll (orgs.), Anarchism Today , 1971 • Guérin,
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