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sábado, 8 de outubro de 2016

O ultimatum de Putin aos EUA

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Rússia exige, além de desculpas, que EUA mudem toda sua política 
Depois do decreto do presidente Vladimir Putin, pelo qual a Rússia suspendeu a implementação do acordo com os EUA sobre o descarte de plutônio enriquecido para ser usado em armas, e depois de Putin enviar à Duma o correspondente projeto de lei, veículos das mídia-empresas puseram-se a questionar se o movimento estaria relacionado à ruptura da cooperação na Síria.

A segunda pergunta era a razão pela qual a Rússia, sabendo que os EUA já não estavam cumprindo a parte deles do acordo, só reagiu vários anos depois.

Alguns peritos nucleares dizem que o acordo beneficiava a Rússia. É possível; não sou especialista e não sei dizer se estariam sendo objetivos. Além disso, o que é lucrativo para a indústria nuclear pode ser prejudicial para a segurança.

Embora acredite que a Rússia não tem problemas especiais de segurança, o país tem suficiente poder nuclear para aplicar golpe mortal aos EUA, e Washington já admitiu isso. Há suficiente material para fabricar novas ogivas. No caso de ataque mútuo simultâneo, de nada serviria produzir outra fornada de ogivas, à parte a evidência de que seria impossível. O problema seria preservar o que tenha restado da civilização depois de o planeta ser devolvido fisicamente à Idade da Pedra.

Quanto à questão síria, não é a primeira vez que os EUA assinam acordos e, em seguida, os quebram. A resposta da Rússia não podia claramente ser comparada a os EUA recusarem-se a manter a cooperação.

Embora Putin tenha retirado a Rússia do acordo de reprocessamento, ele anunciou que a associação poderia ser reiniciada, se atendidas algumas condições, dentre as quais o cancelamento de todas as sanções contra a Rússia; Moscou ser compensada por perdas resultantes não só daquelas sanções, mas também das contrassanções russas; o cancelamento da Lei Magnitsky; a redução da presença militar americana em países da OTAN próximos da fronteira da Rússia; e o fim da política de confrontação com Moscou.

As exigências de Putin só podem ser definidas como um ultimato.

Coisa semelhante só aconteceu uma vez, em 1861, quando a Grã-Bretanha apresentou um ultimato a Washington em relação ao Trent Affair, durante a Guerra Civil Americana. Naquele momento, embora enfrentasse severas dificuldades, os EUA só atenderam parcialmente às demandas britânicas, embora nada houvesse nelas de humilhante. Os EUA haviam violado o Direito Internacional ao prenderem pessoas em navios (britânicos) neutros, agredindo a soberania da Grã-Bretanha, quase provocando uma guerra. Depois de desautorizar o capitão e libertar as pessoas presas, os EUA recusaram-se a pedir desculpas.

Agora Putin exige não só pedido de desculpas e a libertação de um par de prisioneiros, mas, como se isso não fosse muito, e além de uma compensação, também uma mudança de toda a política dos EUA. É demanda insultante e sem praticidade alguma, de rendição incondicional, numa guerra híbrida que Washington ainda não considera irreparavelmente perdida.

Antes, só a Grã-Bretanha exigira algo semelhante dos aos EUA, antes do fim da Revolução Americana, quando ainda era súdito rebelde. Nos últimos cem anos, ninguém jamais pôde sequer imaginar que falaria a Washington desse modo.

Putin humilhou claramente intencionalmente os EUA: mostrou ao mundo que, sim, há quem possa falar e fale aos EUA, no mesmo tom com que os EUA falam ao resto do mundo.

Putin estava reagindo a quê? Respondendo a quê? Será que algum dia supôs que os EUA cumpririam o acordo entre Kerry e Lavrov sobre a Síria? Estaria realmente gravemente desapontado? A Rússia sempre soube há vários anos que  Washington já não respeitava o Pacto do Plutônio, mas havia aí algum benefício para a própria indústria nuclear russa, que praticamente se tornou monopólio global; e o país pouco se importava com as limitações técnicas que impediam os EUA de se desfazerem do seu plutônio enriquecido para uso em armamento militar, como determinada o acordo.

A resposta dura e quase imediata da Rússia surgiu depois de o Departamento de Estado dos EUA ter-se posto a dizer que a Rússia logo estaria despachando da Síria sacos de cadáveres russos, vendo explodir seus aviões e que as cidades russas começariam a ser atacadas por terroristas.

Imediatamente depois dessa declaração, o Pentágono anunciou estado de prontidão para um ataque nuclear preventivo contra a Rússia. E o ministro russo das Relações Exteriores disse que Moscou sabe da intenção dos EUA de começar guerra aérea contra tropas sírias e contra os russos legalmente presentes na Síria.

Que outras razões haverá para o ultimato de Putin?

Há seis meses, foi realizado na Rússia um Exercício de Defesa Civil, treinamento para defesa aérea e das Forças de Mísseis Estratégicos para repelir ataque nuclear contra a Rússia, incluindo um lançamento sob ataque. Exercícios do Ministério Russo para Situações de Emergência (envolvendo até 40 milhões de civis) estão anunciados para os próximos dias, a fim de verificar a prontidão dos aparelhos de defesa civil em caso de ataque nuclear e informar a população das medidas que devem tomar em caso de emergência nuclear.

Se colocarmos tudo isto junto, vemos que os EUA há muito tempo dedicam-se a tentar intimidar os russos com a ameaça do conflito nuclear. E Moscou sempre fez saber que estava pronta e não recuaria.

Agora, os falcões de Washington decidiram elevar a aposta durante os últimos meses da presidência Obama, incertos quanto à vitória de Clinton. Chegaram a ponto extremamente perigoso, quando o conflito começa a desenvolver-se por suas próprias forças internas, independentemente. Nesta etapa, o Armagedon nuclear poderia ocorrer a qualquer momento, sobretudo se se considera a baixa qualificação técnica e a inadequação funcional do pessoal do Pentágono e da Casa Branca.

Moscou tomou a iniciativa e elevou a aposta, transformando a própria natureza do conflito.

Diferente dos EUA, Moscou não ameaça com guerra; dá, isso sim, uma resposta política e econômica duríssima, que, em vez de tornar realidade o sonho de Obama, ameaça arruinar a economia dos EUA, caso a "nação excepcional" comporte-se mal.

A ação da Rússia minou gravemente o prestígio internacional dos EUA, mostrando que os norte-americanos podem ser derrotados com as próprias armas deles: assim como EUA batem, assim os EUA apanham. Se se mantém essa sequência de eventos, logo o Tribunal de Haia estará lotado com centenas de representantes das elites norte-americanas, não só ainda em vida de nossa geração, mas, sim, antes do final do primeiro mandato do próximo presidente dos EUA.

Os EUA que escolham: ou que façam o que ameaçam e disparam o primeiro tiro da guerra nuclear, ou que deem jeito de conviver com o fato de que já não há mundo unipolar, e agir conforme a realidade o dite.

Não sabemos o que Washington escolherá. Há gente estúpida, ideologicamente motivada, em número suficiente no establishment político norte-americano, pronta a imolar-se num incêndio nuclear, levando consigo toda a humanidade, apenas porque se recusa a aceitar o fim da hegemonia dos EUA.

Agora, eles terão de escolher, porque quanto mais Washington continuar a fingir que nada aconteceu, mais os seus vassalos (chamados de aliados, mas efetivamente subalternos) aprenderão a ignorar as ambições norte-americanas e desertarão rumo ao novo poder multipolar.

Não só africanos, asiáticos e latino-americanos, mas também europeus vingar-se-ão do antigo poder hegemônico, por tantas humilhações passadas. E esses não são tão atenciosos quanto a Rússia de Putin.

Finalmente, o ultimato de Putin foi resposta a todos que perguntavam, indignados, por que tanques russos não haviam capturado Kiev, Lvov - e Varsóvia e Paris - ainda em 2014, e especulavam sobre qual seria o plano de Putin.

Escrevi então que se se está obrigado a confrontar o poder hegemônico, é indispensável ter certeza de que se poderá responder a qualquer coisa que ele faça. A economia, os militares, o governo, toda a sociedade tem de estar preparados. Se não se está preparado logo à primeira provocação, então é necessário tentar ganhar tempo e trabalhar muito.

Mas agora, sim, está tudo pronto. As cartas estão sobre a mesa. Veremos como os EUA respondem.

De qualquer modo, o quadro geopolítico nunca mais será o mesmo. O mundo já mudou. Rússia lançou a luva e os EUA até agora não tiveram coragem de apanhá-la.*****
7/10/2016, Rostislav Ishchenko, (RIA Novosti, ru.), trad. ru.-ing. Julia Rakhmetova em Russia Insider
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A lenda de Ernesto Che Guevara, o guerrilheiro heroico



terça-feira, 4 de outubro de 2016

Brasil esvazia o Mercosul; próximo passo são os Brics?

05.10.2016 | Fonte de informações: 

Pravda.ru

Brasil esvazia o Mercosul; próximo passo são os Brics?. 25215.jpeg








Foto: Miguel Rojo/AFP

 Mais do que uma visita relâmpago de 12 horas à Argentina e ao Uruguai na segunda-feira, 3, a viagem do presidente Michel Temer representa uma guinada do país em relação ao futuro do bloco, que começa a ser esvaziado.

Para alguns analistas, o próximo passo seria o da manifestação do desinteresse do Brasil em relação aos Brics. Um dos nomes que compartilha dessa tese é o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), um dos membros da delegação brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul) e que nos últimos anos acompanhou de perto os esforços do Brasil de diversificar suas parcerias comerciais.
Falando com exclusividade à Sputnik Brasil, Pimenta se mostra apreensivo em relação a guinada de Brasil, Argentina e Paraguai dentro do bloco e também quanto a inserção efetiva do Brasil no âmbito dos Brics. "Estamos vivendo um processo visível de enfraquecimento do Mercosul.
Foto: Miguel Rojo/AFP

Todo o esforço que estava sendo feito no sentido de fortalecer o Mercosul e ao mesmo tempo consolidar os Brics - como uma alternativa a um mercado promissor, novo, que pudesse estabelecer novas relações econômicas - perde potência porque temos no Brasil uma posição que não só caminha no sentido de enfraquecer essa possibilidade como também busca um alinhamento direto com os Estados Unidos que não interessa aos Brics."
Pimenta diz que a postura de Argentina, Brasil e Paraguai, negociando acordos em separado do bloco, também reduz as chances de o Mercosul se viabilizar.
Segundo o parlamentar, como o Brasil tem poucos acordos consolidados, o futuro do Mercosul depende também de um pacto comercial de longo prazo com os Brics que viabilize uma alternativa econômica para a América do Sul.
Com relação às negociações que estão sendo retomadas entre Mercosul e União Europeia, paralisadas há mais de duas décadas, Pimenta se mostra cético quanto às chances de um acordo.
"Acho improvável. Historicamente tanto os Estados Unidos quanto a União Europeia tem estabelecido conosco uma relação de natureza quase colonial, exigindo que nossa participação e integração no comércio mundial se dê na venda de commodities sem qualquer tipo de agregação de valores.+
Na parte da agricultura é ainda extremamente restritiva, do ponto de vista de cotas comerciais, exigências sanitárias com o sentido de se tornarem barreiras econômicas."
Pimenta teve a oportunidade de acompanhar o presidente Lula no Oriente Médio, esteve em duas oportunidades na África do Sul, na China e na Rússia, vendo de perto todo o esforço de se abrir a possibilidade de venda de carne suína, bovina e frango para esses países, a fim de criar um mercado alternativo que colocasse o Brasil fora da posição subalterna imposta pelos EUA e pela Comunidade Europeia.
"O problema é que o movimento do Temer vai no sentido de recolocar o Brasil de cócoras, desfazendo toda essa política de autonomia onde o Brasil ajudava o Mercosul."
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Guerra contra a Síria: dois lados partem para o “plano B”


obama-vs-putin
The Saker, Unz Review
Tradução: Vila Vudu
Considerado o fracasso total da política dos EUA para mudar o regime na Síria e derrubar o presidente Assad, os EUA têm agora de fazer uma escolha fundamental: negociar ou subir a aposta. Aparentemente, Kerry e outros até tentaram negociar, mas o Pentágono decidiu de outro modo, e traiçoeiramente quebrou o compromisso que o país assumira e (ilegalmente) bombardeou forças sírias. Nesse ponto, Kerry, Power e os outros sentiram que não tinham escolha além de “unir-se” ao Pentágono e subir a aposta.
Agora, os EUA “avisam” a Rússia de que a ofensiva de Aleppo prossegue e os EUA não voltarão às negociações. É ameaça das mais bizarras, considerando que os EUA não cumprem acordo e que os russos já concluíram que os EUA “não são capazes para acordos”. A reação russa era previsível: Lavrov admitiu que já nem leva a sério o que os norte-americanos digam.
Certo. Os dois lados cansaram-se um dos outro. E o que se faz agora?
Os EUA enviarão mais armas para o Daech, inclusive MANPADs, TOWs e Javelins. O efeito dessas armas será marginal. A aviação russa (não incluídos os helicópteros) voa a mais de 5.000m, fora do alcance dos MANPADs. Os russos são atualmente os principais fornecedores de poder de fogo para os sírios. Os helicópteros de combate russos, embora provavelmente não imunes aos MANPADs, mesmo assim são muito resistentes a tais ataques, graças a três fatores, capacidade de sobrevida, alcance das armas e tática: os Mi-28s e Ka-52 têm mísseis com alcance máximo de 10km, e os helicópteros voam segundo um dispositivo ‘de rotação’, pelo qual quando um helicóptero voa para o alvo, prende a mira e atira, ele imediatamente move-se para trás e é substituído pelo seguinte. Assim, todos se cobrem uns os outros e tornam-se alvos muito difíceis de atingir.
Os helicópteros de transporte russos, contudo, sim, estariam sob risco muito maior de serem derrubados por MANPAD dos EUA. Implica que, se os EUA inundarem o teatro sírio com MANPADS, a aviação síria e os helicópteros russos de transporte estarão em risco, mas nada que afete significativamente as operações russas ou sírias.
A Rússia tem opções muito mais diversificadas, no caso de escalada no conflito: pode mandar mais tanques T-90 (os quais, parece, não são derrotáveis com TOWs), mais artilharia (especialmente modernos lançadores de múltiplos foguetes e sistemas pesados de lança-chamas como o TOS-1). As Forças Aeroespaciais Russas também pode resolver engajar-se em ataques aéreos muito mais pesados, incluindo com bombas de fragmentação e munição termobárica. Finalmente, a Rússia pode enviar forças reais de solo, com dimensões que variam de uns poucos batalhões até, em teoria, uma brigada inteira. O problema dessa opção é que assim se marcaria um grande aumento da quantidade de forças russas envolvidas nessa guerra – contra o qual se opõem muitos russos.
Ainda assim, se os iranianos e especialmente o Hezbollah têm sido usados como uma “brigada de fogo” para “vedar” os buracos na linha de frente criados por várias derrotas de unidades do exército sírio, não é impossível que os russos possam engajar um grupo tático de um batalhão de várias armas num segmento crucial do front, e retirar-se logo, o mais rapidamente possível. O objetivo dessa estratégia seria duplo: apoiar a luta dos sírios com o maior poder de fogo possível, enquanto, ao mesmo tempo, fazer sangrar lentamente, mas sem descanso, as forças do Daech, até que cheguem ao ponto de ruptura. Basicamente, a mesma estratégia de antes do cessar-fogo.
Assim sendo, por que, para começar, os russos concordaram com aquele cessar-fogo?
Por causa da enraizada crença segundo a qual um mau cessar-fogo é melhor que uma boa guerra, porque a Rússia esforça-se muito empenhadamente em não escalar o confronto contra os EUA, porque a Rússia entende que, dessa vez, o tempo corre a favor dela. Tenho plena certeza de que os militares russos prefeririam operar sem esse cessar-fogo, mas também tenho plena certeza de que não se oporiam a tentar o cessar-fogo e ver no que daria.
Essa é a velha contradição: os ocidentais também querem resultados *já*, enquanto os russos sempre se movem muito lentamente, servindo-se, a favor deles, do transcorrer do tempo. Essa é a razão pela qual, aos olhos de públicos ocidentais, o Kremlin de Putin sempre está “atrasado” ou “hesitante”, ou, de algum outro modo, parece manifestar quase uma falta de propósito ou de determinação. Onde essa atitude tipicamente russa torna-se problema é quando deixa ver aos líderes do estado profundo dos EUA que a Rússia não está só hesitante, mas está, possivelmente, assustada. De um modo perverso, a ausência dos “shows de força” do lado russo cria o risco de dar a impressão aos EUA que “os russkies piscaram”.
Sempre acho engraçado quando assisto a reações ocidentais diante da linguagem diplomática, soft, de que se servem os diplomatas russos. Onde os norte-americanos abertamente comparam Putin com Hitler e exigem a implantação (completamente ilegal) de uma zona aérea de exclusão sobre a Síria, os russos respondem com “meu amigo John” e “nossos parceiros” e “as negociações têm de continuar”. Não poucas vezes, os norte-americanos ouvem o falar diplomático dos russos, tomam-no por fraqueza, e sentem-se revigorados e se põem a fazer mais e mais ameaças. É em parte por essa razão que Rússia e EUA estão, outra vez, em rota de colisão.
Tão logo os EUA deem-se conta de que essa política de mandar MANPADs para a Síria não funcionou, só lhes restará uma última carta: tentar impor uma zona aérea de exclusão sobre a Síria.
A boa notícia é que, a julgar por essa fala, os generais dos EUA compreendem que tal movimento dos EUA significará guerra contra a Rússia. A má notícia é que os neoconservadores parecem desejar precisamente isso: guerra. Dado que a guerra já se tornou uma possibilidade, é preciso examinar precisamente o que essa guerra implicará.
O modo como a doutrina norte-americana determina que se imponha uma zona aérea de exclusão é bem claro e direto: começa com série intensiva de ataques de mísseis cruzadores da Força Aérea e da Marinha dos EUA, e bombardeios cujo objetivo é destruir as defesas aéreas e capacidades de comando e controle do inimigo. Nesse estágio, bombardeio pesado e ataques de mísseis antirradiação têm papel chave. É também quando os norte-americanos, se têm alguma esperança de beneficiar-se de uma surpresa tática, também, com certeza, atacam as bases aéreas inimigas, com especial ênfase em destruir aeronaves em solo, vias de fuga e instalações de armazenamento de combustível.
Essa primeira fase pode ter duração muito variável, de 48 horas até dez dias, dependendo da complexidade/capacidade de sobreviver da rede de defesa aérea do inimigo.
A segunda fase inclui, tipicamente, o uso de jatos de combate ar-ar, para combater patrulhas aéreas que são, praticamente sempre, controladas por sistemas AWACS embarcados. Finalmente, depois de a rede de defesa aérea ter sido destruída e já estar estabelecida a supremacia aérea, enviam-se jatos de ataque e bombardeiros, para bombardear tudo que encontrem, até que o inimigo renda-se ou seja completamente destruído.
Na Síria, esse cenário ideal tropeçará em vários problemas.
Primeiro, embora haja só uns poucos sistemas S-400/S-300 na Síria, os EUA nunca tiveram de operar contra eles, especialmente não contra a versão russa desses sistemas formidáveis. Pior ainda, a Rússia tem também radares de muito longo alcance que tornam impossível que os EUA obtenham qualquer vantagem de surpresa tática. Por fim, mas não menos importante, a Rússia também tem instalados poderosos sistemas de guerra eletrônica, capazes de criar total caos em pontos chaves de sistemas de comando, controle, comunicações e inteligência dos EUA.
Segundo, esses sistemas S-400/S-300 estão, na maioria, localizados no que se define legalmente como “território russo”: a base Khmeimim e nos cruzadores de classe Slava ou de classe Kuznetsov, que estão ao largo da costa síria. Vale o mesmo para os nodos chaves da rede russa de comunicações. Se os norte-americanos forem doidos o bastante para tentar atingir um navio da Marinha Russa, a tentativa abriria toda a Marinha dos EUA a ataques russos.
Terceiro, embora a Rússia tenha instalado número relativamente pequeno de aviões na Síria, e embora número ainda menor deles sejam interceptadores ar-ar, os que a Rússia instalou (SU-30SM e SU-35) são substancialmente superiores a qualquer aeronave que haja no inventário dos EUA, com a única possível exceção do F-22A. Por mais que os EUA possam conseguir sobrepujar os russos com números, a operação terá custo altíssimo.
Quarto, o uso dos AWACS da Força Aérea dos EUA pode ser complicado pela possibilidade de os russos decidirem usar seus mísseis anti-AWACS de longuíssima distância (disparáveis de terra e do ar). Também é provável que a Rússia use seu próprio AWACS no espaço aéreo iraniano e os proteja com mísseis balísticos MiG-31, o que faz deles alvo muito difícil de atingir.
Quinto, ainda que os EUA possam estabelecer algo que se aproxime de uma superioridade aérea geral sobre a Síria, os russos ainda assim terão três alternativas formidáveis para continuar a atacar o Daech em regiões profundas do território sírio:
1) mísseis cruzadores (disparados de plataformas navais ou de bombardeiros Tu-95MS);
2) grupos de ataque SU-34/SU-35 disparados da Rússia ou iranianos; e
3) bombardeiros supersônicos de longo alcance (Tu-22M3 e Tu-160).
Seria extraordinariamente difícil para os EUA tentar deter esses ataques russos, uma vez que a Força Aérea e a Marinha dos EUA não recebem treinamento para missões desse tipo desde o final dos anos 1980s.
Sexto, mesmo uma imposição bem-sucedida de uma zona aérea de exclusão pouco efeito teria para impedir os russos de usarem a própria artilharia e helicópteros de ataque (os quais, para começar, são alvos difíceis para aeronaves de asas). Caçá-los em baixas altitudes exporia ainda mais a Força Aérea e a Marinha dos EUA, para maior quantidade de defesas aéreas da Rússia.
Sétimo, por último, mas não menos importante, não estamos em 1995 e Síria não é Bósnia: hoje os europeus não têm estômago para combater contra os sírios, muito menos contra a Rússia. Assim, ainda que alguns governantes europeus tenham de enviar pelo menos algumas aeronaves para mostrar lealdade ao Tio Sam (Polônia, Alemanha, Holanda e talvez um F-16 de segunda mão, cortesia de algum Estado Báltico), dificilmente os regimes que realmente contam (França, Grã-Bretanha, Itália, etc.) se interessarão por intervenção militar arriscada e completamente ilegal. Não configuraria problema militar para os EUA, mas seria mais uma dificuldade política.
Resumindo tudo isso, eu diria simplesmente que se os norte-americanos e seus aliados têm enorme vantagem em números, em termos de qualidade são amplamente superados pelos russos pode-se dizer que em todos os níveis. No mínimo, essa margem de vantagem qualitativa a favor dos russos faz da imposição de uma zona aérea de exclusão sobre a Síria ideia extremamente arriscada (e completamente ilegal). Podem fazer? Sim, poder, podem, provavelmente, mas pagarão custo substancialmente alto e se exporão a risco muito real de guerra total com a Rússia.
Como já disse muitas vezes, a Síria está enfiada no meio da área de “responsabilidade” do CENTCOM/OTAN e sobre o limite externo da capacidade de projeção dos russos. Onde a Rússia tem dezenas de aeronaves, os norte-americanos podem introduzir muitas centenas. Assim sendo, a verdadeira pergunta não é se os norte-americanos podem fazê-lo, mas se estão dispostos a pagar o preço que operação desse tipo implica fatalmente.
Num nível político, é importante repetir aqui o seguinte:
1) A presença dos EUA na Síria – toda ela – é completamente ilegal e não tem autorização do Conselho de Segurança da ONU;
2) Qualquer e todas as operações militares dos EUA na Síria também são completamente ilegais ; e
3) A imposição de alguma zona aérea de exclusão pelos EUA também seria completamente ilegal.
Embora nada disso tenha detido o Império até agora, são fatos que podem garantir aos europeus uma desculpa perfeita para não participarem de tal operação. Claro, os norte-americanos não precisam de força aérea europeia para impor uma zona aérea de exclusão na Síria, mas politicamente a ação os afetaria muito gravemente.
E há ainda mais um problema com o qual os EUA terão de lidar: a imposição de uma zona aérea de exclusão sobre a Síria é operação muito ampla que exigiria centenas de aeronaves. De onde os EUA operariam essas aeronaves? Posso estar sendo ingênuo, mas não acredito que Erdogan permitiria que os EUA usem Incirlik para essa finalidade. O Iraque, muito provavelmente, pelo menos tentaria fechar seu espaço aéreo para qualquer aeronave que participe dessa operação, especialmente se for para atingir forças sírias ou russas. Restam pistas de Israel, Jordânia, Arábia Saudita e EUA para decolagem de aeronaves dos EUA: a Jordânia não tem estrutura e é próxima demais; Israel não ajudaria os EUA contra a Rússia, tampouco o Egito. E embora os sauditas tenham excelentes instalações, estão longe demais. Os porta-aviões seriam a melhor escolha, mas absolutamente não são meio ideal para campanha aérea de longa duração (como seria a imposição da tal zona aérea de exclusão).
Repito: nenhum desses fatores cria impedimento absoluto, mas complicam substancialmente o trabalho dos planejadores norte-americanos.
Conclusão:
O risco de uma tentativa dos EUA para impor uma zona aérea de exclusão sobre a Síria permanecerá bem ativo sempre, a menos, claro, que Trump impeça que Hillary tome conta da Casa Branca; se não impedir, o risco entrará em escalada aguda. Quanto a Obama, ele provavelmente não quer meter a mão nesse grande vespeiro, pouco antes de deixar a Casa Branca (ou, pelo menos, espero que não queira).
Por fim, independente de quem realmente se instale na Casa Branca, a ideia de impor uma zona aérea de exclusão sobre a Síria terá de ser avaliada pela ‘régua’ da chamada “doutrina Powell” para intervenções militares. Assim sendo, vejamos o que vale esse plano, medido pelas perguntas concebidas pela doutrina Powell:
Pergunta (P): Há ameaças contra interesse vital da segurança nacional?
Resposta (R): Não
P: Os EUA temos objetivo claramente alcançável?
R: Tipo isso.
P: Riscos e custos foram plenamente e francamente analisados?
R: Sim, e podem vira a ser extremamente altos.
P: Todos os demais meios políticos não violentos foram completamente exauridos?
R: Não.
P: Há estratégia plausível de retirada, de modo a evitar-se envolvimento sem fim?
R: Não.
P: As consequências de nossa ação foram plenamente consideradas?
R: Sim. E o maior risco é a 3ªGuerra Mundial contra a Rússia.
P: A ação conta com o apoio do povo norte-americano?
R: Não.
P: Temos genuíno amplo apoio internacional?
R: Não.
Como se pode ver, o plano não satisfaz sequer os mínimos critérios da Doutrina Powell na maioria dos itens. Assim, se um ser humano mentalmente são ocupar a Casa Branca, todas as conversas permanecerão como até aqui – ameaças ocas. Claro, se Hillary chega à Casa Branca e nomeia uma maníaca do calibre de Michèle Flournoy para o Departamento da Defesa, com equipe de segurança nacional feita de belicistas completamente alucinados, todas as apostas ficam abertas.