A condenação do Supremo Tribunal Federal ao ex-ministro José Dirceu, entre outros réus na Ação Penal 470, lança o país à insegurança jurídica e transforma o julgamento do processo conhecido como ‘mensalão’ em uma peça política de fins duvidosos. Este é o consenso a que chegam dois dos mais prestigiados jornalistas brasileiros, de meios de comunicação antagônicos e donos de pontos de vista diversos. Tanto o colunista do diário conservador paulistano Folha de S. Paulo Jânio de Freitas, quanto o editor do blog Conversa Afiada, Paulo Henrique Amorim, concordam que a falta de provas capitais, suficientes para se atirar uma pessoa às grades, transforma o Judiciário brasileiro em um pântano de incertezas e riscos. A opinião de ambos, no entanto, também é avalizada por consultas realizadas pelo Correio do Brasil a integrantes do Judiciário, entre eles juízes e desembargadores que, para não entrar no foco de um dos processos mais controversos da história brasileira, preferem guardar anonimato. Todos concordam, no entanto, que permanece a sensação de que a mais alta Corte de Justiça do país foi injusta, sectária e exerceu o seu papel distanciada das provas contidas nos autos.
Em artigo publicado nesta quinta-feira, nas edições impressa e online da Folha, Jânio de Freitas afirma, categoricamente, que “as deduções em excesso para fundamentar votos, por falta de elementos objetivos, deixaram em várias argumentações um ar de meias verdades. Muito insatisfatório, quando se trata de processo penal, em que está implícita a possível destinação de uma pessoa à prisão”. Ainda segundo o articulista, “o ar de meias verdades que o Supremo esparge, a par de verdades provadas, volta ao seu plenário em alguma medida desagradável. O ministro Celso de Mello quis dar-lhe resposta técnica, como longo preâmbulo a seu curto voto condenatório. Não disponho de juristas alemães a citar também, nem me valeria de uma daquelas locuções romanas disponíveis nos bons dicionários. Logo, não ousaria contestar os doutos da corte suprema. Mas todos os mal preparados podem saber que a atribuição do valor de provas ao que seria, no máximo, indício significa nem mais nem menos do que falta de prova”.
“Se há ou não há jurisprudência do Supremo para dar a indícios, na falta de poder mudar-lhes o nome, o valor de provas, não se altera esta realidade: indícios são sugestões, não são evidências, contrariamente ao que disse o ministro Celso de Mello. Indícios são, inclusive etimologicamente, indicações de possibilidades. Não são verdades. Nem mesmo certezas. No Brasil, o argumento da “insegurança jurídica” é brandido pelo “mercado” sempre que quer proteger privilégios. A consagração de indícios e deduções como provas, para condenações, é ameaça muito extensa. Ou seja, em muitos sentidos, instala insegurança jurídica verdadeira”, afirmou.
Vale tudo
Em comentário publicado nesta manhã, no blog Conversa Afiada, o jornalista Paulo Henrique Amorim também cita o ministro Celso de Melo em sua tentativa de convencer ao público de que a decisão do STF, para condenar à cadeia o ex-deputado José Dirceu sem uma prova cabal, seria legítima ou, no mínimo, amparada na Constituição. Celso de Mello, no encerramento da sessão desta quarta-feira, afirmou que os réus do mensalão agiram numa “agenda criminosa muito bem articulada”.
– Há elementos probatórios e não importa se são indiciários, porque os indícios se qualificam também como prova penal – afirmou o magistrado. Segundo o decano, os indícios “são convergentes, se harmonizam entre si e não se repelem, e, portanto, não se desautorizam mutualmente”.
“Uma catilinária. Uma peça política”, rebateu Amorim, que também qualificou o voto do ministro do Supremo, Ayres Britto, como um “delírio de outra natureza”. O apresentador do jornal noturno na Rede Record de TV explica:
“Ele viu o Golpe. Deve ser o mesmo Golpe que seu antecessor naquela cadeira sinistra – a da Presidência do STF -, o Gilmar Dantas, outro impoluto acusador, viu quando o De Sanctis, o de Grandis e o Protógenes prenderam o impoluto Daniel Dantas. De fato, prender o Dantas e o Naji Nahas (outro símbolo da elite paulistana) foi um Golpe contra a elite!”. Tanto Mello quanto Britto, segundo Paulo Henrique Amorim, aproveitaram o fato de votar por ultimo para “se inocentar”.
“Como votaram por último, a função, ali, era defender o Supremo da violação dos Direitos que a condenação do Dirceu perpetrou. Para absolver Collor de Mello, Celso de Mello não invocou o ‘domínio do fato’. E exigiu o ‘ato de ofício’. Agora, para condenar o Dirceu, se vale dos ‘… elementos probatórios e não importa se são indiciários…’. Vale tudo”, rebate o jornalista. E acrescentou:
“Os votos derradeiros de Britto e Celso de Mello foram uma auto-defesa. Eles sabem que criaram um Monstro. De que se valerão como advogados, depois da aposentadoria. Viva o Brasil!”.
Situação perigosa
Em recente artigo publicado aqui no CdB, o editor-chefe do diário, jornalista Gilberto de Souza, já havia ouvido de integrantes do Judiciário que é alto o risco de o julgamento da AP 470 gerar situações insólitas no futuro. “Se a compra de votos de parlamentares transitar em julgado na mais alta Corte de Justiça do país, com base nos votos consignados por guardiões da Constituição brasileira para que consigam dormir à noite, amparados na experiência de vida de cada um, ou ainda por não ser possível não se saber de algo que não foi dito, nem provado, nas investigações ao longo de quase uma década, a possível prisão do ex-ministro José Dirceu será a menor das consequências. A maior delas estará no risco em que viveremos, todos, diante de uma Justiça que se baseia em conjecturas e condena por presunção”, afirmou.
“A repercussão será devastadora se o Supremo materializar sem uma prova sequer, como constatou o revisor da AP 470, ministro Ricardo Lewandowski, os piores fantasmas da imaginária conspiração comunista mais barburda de que já se teve notícia, para perpetuar no poder o grupo liderado por aquele líder sindicalista, Luiz Inácio Lula da Silva, ligado aos ex-guerrilheiros Daniel e Luiza. É aí que começam as incongruências. Em primeiro lugar, os livros de História do Brasil precisarão contar que a tentativa do suposto esquema de financiamento da esquerda radical teve seu Joaquim Silvério dos Reis no ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson. Depois, que todas as votações na Câmara dos Deputados e no Senado, durante o período de vigência do esquema do ‘mensalão’, tiveram que ser anuladas por vício de origem, o que desmoralizará de forma indelével o Poder Legislativo nacional. E por último, embora não menos importante, nenhuma prova foi exigida no corpo do processo para que os réus seguissem às galés. O mais grave, porém, estará à frente, com o estabelecimento da jurisprudência”, concluiu o jornalista, sobre o julgamento no STF.
Correio do Brasil
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