Publicado no Jornal A PÁTRIA
A pornografia é uma das indústrias mais prósperas da atualidade, com lucro anual que chega a cerca de R$ 100 bilhões. Dominando 30% de todo o tráfego na internet, a pornografia é bastante popular entre os jovens, sendo o Brasil um dos maiores consumidores desse ramo no mundo.
A maior empresa de pornografia do mundo se chama Mindgeek, com sede em Luxemburgo. Essa empresa, que possui o monopólio da pornografia, é dona de praticamente todos sites dessa área e já recebeu inclusive investimento de grandes instituições do ramo financeiro para a compra desses sites. O capital financeiro não investe em algo que não vai dar retorno. O sistema capitalista transforma tudo em mercadoria, tudo pode ser comprado e vendido, até a nossa sexualidade e nossas emoções. Ter poder econômico implica em poder ideológico e social. E a classe parasita da nossa sociedade, os ricos, não pensam duas vezes na hora de criar mecanismos para prejudicar os trabalhadores.
A pornografia causa dependência e, de acordo com alguns estudos, seu vício é parecido com o proporcionado por algumas substâncias químicas. A excitação no momento em que se assiste os vídeos ativa no cérebro uma área que “recompensa” o prazer, fazendo com que o usuário procure mais e mais vídeos, chegando num momento em que essas imagens não causam mais efeito, o que leva a procura de “novidades”, vídeos mais extremos, como cenas reais de estupro e até pedofilia. Além disso, a pornografia também está relacionada a disfunção erétil, depressão, ansiedade e outros problemas psicológicos. A lista de problemas causados pela pornografia é extensa.
Como toda grande indústria, ela está difundida em nossa sociedade, em nossa cultura, nossos hábitos e pensamentos. Podemos afirmar que a nossa cultura está completamente pornificada. Cenas de sexo explícito em novelas e filmes, músicas com conteúdo pornográfico, coreografias que simulam atos sexuais, propagandas com teor sexualizado, entre outros exemplos nos mostram como a indústria pornográfica se naturalizou em nossa vida. O que antes era considerado como pornô, hoje faz parte da cultura pop, enquanto que a pornografia atual se consolida explorando os limites da degradação e da violência.
Efeitos da pornografia para juventude
Tendo seu principal público os adolescentes do sexo masculino, eles crescem consumindo esse tipo de conteúdo e sua sexualidade acaba sendo formada por esses vídeos, criando uma geração de jovens sem noção de consentimento, de respeito aos limites de cada corpo, de sexo saudável e de empatia pelas mulheres.
A pornografia cria na cabeça desses jovens uma noção de sexo totalmente doentia, atrapalhando as relações entre os gêneros como um todo, afinal, para eles as mulheres não passam de objeto sexual. As meninas, apesar de consumirem menos, também são afetadas por isso. Elas crescem acreditando que o sexo serve para o prazer masculino e que o seu valor nessa sociedade se baseia no quão atraente sexualmente elas estão aos olhos dos homens.
Para Gail Dines, “A realidade é que as mulheres não precisam assistir pornografia para serem profundamente afetadas por ela, porque imagens, representações e mensagens de pornografia agora são entregues às mulheres via cultura pop. As mulheres de hoje ainda não são grandes consumidoras de pornografia hardcore; elas estão, no entanto, quer saibam quer não, internalizando a ideologia pornográfica, uma ideologia que muitas vezes se disfarça de conselho sobre como ser gostosa, rebelde e legal para atrair e segurar um homem. (…) Mas o que é diferente hoje não é apenas a hipersexualização da imagem, mas também o grau em que essas imagens se sobrepuseram e excluíram quaisquer imagens alternativas de ser mulher”.
Cresce nelas a frustração de não corresponder aos padrões de beleza impostos pela sociedade, a sensação de nunca serem suficientes para seus companheiros e as torna vítimas de diversas formas de assédio e agressões sexuais, situação comprovada por estudos que mostram uma relação entre consumo de pornografia e o aumento de casos de estupro.
A posição dos comunistas
A pornografia é indefensável. Ela está inserida dentro da crise sexual que vive a sociedade capitalista. Segundo Alexandra Kollontai, “Não é a primeira vez que a humanidade atravessa um período de aguda crise sexual. Não é a primeira vez que as aparentemente firmes e claras prescrições da moral cotidiana, no domínio da união sexual, são destruídas pelo afluxo de novos ideais sociais. A humanidade passou por uma época de crise sexual verdadeiramente aguda durante os períodos do Renascimento e da Reforma, no momento em que uma formidável modificação social relegava a segundo plano a aristocracia feudal, orgulhosa de sua nobreza, acostumada a dominar sem limitações, e em seu lugar emergia uma nova força social, a burguesia ascendente, que crescia e se desenvolvia cada vez mais, com maior impulso e poder”.
Ainda no mesmo texto, ela afirma que “a burguesia, com sua ideologia individualista, será substituída por outra classe, por um novo grupo social… essa classe ascendente vanguardista não pode deixar de conter no seu âmago embriões das novas relações entre os sexos estreitamente ligadas às suas tarefas sociais e de classe”.
A crise sexual que vivemos faz parte da crise do capitalismo como um todo. De um lado, a burguesia tenta salvar o seu modelo de família e de relações entre homens e mulheres (como, por exemplo, garantindo alguns direitos de propriedade aos casais homossexuais ao mesmo tempo que inflama a LGBTfobia no seio da classe trabalhadora) e do outro temos os trabalhadores, que enquanto classe revolucionária desenvolve em seu íntimo as novas formas de relações sociais que irão predominar na sociedade futura.
Utilizando ainda o exemplo do casamento, enquanto que para a burguesia é interessante que seja indissolúvel para garantir a segurança da propriedade privada, para a classe trabalhadora o ideal é que as uniões sejam livres e baseadas no amor e no companheirismo. De fato, entre a classe trabalhadora, os casamentos são informais e por mais que exista uma dependência financeira da mulher trabalhadora ao seu marido, dificilmente o relacionamento vai começar por motivação exclusivamente econômica.
A construção da sociedade socialista passa pela consolidação dessas novas formas de se relacionar, como disse Kollontai, “Entre as múltiplas ideias fundamentais que a classe trabalhadora deve levar em conta em sua luta para a conquista da sociedade futura, deve estar, necessariamente, o estabelecimento de relações sexuais mais sadias e que, portanto, tornem a humanidade mais feliz”.
A pornografia aparece como o instrumento ideal para mercantilizar nossa sexualidade, gerar lucro para os capitalistas e para embrutecer a classe trabalhadora. A visão de mundo dos ricos, que não tem empatia, compaixão ou qualquer sentimento humano pelo outro, coloca nessa indústria tudo aquilo que pensa sobre as mulheres, os negros, os LGBTs, enfim, o povo como um todo.
O machismo, enquanto estruturante da nossa sociedade, é uma das principais armas do capitalismo para desunir os trabalhadores e é por isso que são eles, os homens trabalhadores, os destinatários do bombardeio da pornografia em suas diversas formas de manifestação. A burguesia precisa educar os homens trabalhadores para serem agressores, para que controlem suas esposas, mantendo ambos distante de sua tarefa revolucionária. As músicas populares, por exemplo, nas últimas décadas foram reformuladas pelo gênero “ostentação” em que o seu conteúdo faz referências a atividades sexuais e ao consumismo exacerbado, e não é por acaso. Não há espaço vazio para a doutrinação ideológica da burguesia.
Há quem diga que a pornografia envolve apenas a imaginação e que é inofensiva ou que a pornificação da cultura seja exagero moralista, numa tentativa de dar uma desculpa a si mesmo pelo consumo, mas estamos tratando de um problema real que envolve tanto a saúde física e mental do nosso povo como também de uma ofensiva ideológica da burguesia contra a nossa classe.
A desumanização da mulher, a sua opressão existe porque a mulher tem uma exploração específica dentro da sociedade capitalista, que é o trabalho reprodutivo. Dentro desse trabalho reprodutivo está incluído também as relações sexuais, pois dar prazer ao homem é um dos comportamentos esperados das mulheres. Silvia Federici diz que “a principal razão pela qual não podemos desfrutar do sexo é que, para as mulheres, o sexo é trabalho; dar prazer faz parte do que se espera de toda mulher. Liberdade sexual não ajuda. Certamente é importante não ser apedrejada até a morte se formos ‘infiéis’ ou se descobrirem que não somos virgens. Mas liberdade sexual significa mais trabalho. No passado, esperavam que criássemos filhos. Agora esperam que façamos um trabalho assalariado, ainda limpemos a casa e tenhamos filhos e, no final de um dia de trabalho duplo, estaremos prontas para pular na cama e ser sexualmente atraentes”.
O capitalista vê as pessoas como coisas, vazias de sentimento, de humanidade. Ele, na posição de explorador, dá início a várias ofensivas ideológicas na tentativa de manter esse sistema de exploração e opressão em pé. E é por isso que a pornografia deve ser combatida dentro das fileiras comunistas.
Forjar a mulher e o homem novo
Para Che Guevara, ser comunista “Quer dizer: apresenta-se a todo jovem comunista a tarefa de ser essencialmente humano, ser tão humano que se aproxime ao melhor do humano, purificar o melhor do homem por meio do trabalho, do estudo, do exercício de solidariedade continuada com o povo e com todos os povos do mundo, desenvolver ao máximo a sensibilidade até se sentir angustiado quando um homem é assassinado em qualquer canto do mundo e para se sentir entusiasmado quando em algum canto do mundo se alça uma nova bandeira de liberdade”.
O consumo da pornografia afasta e insensibiliza o comunista de seus companheiros, especialmente de suas companheiras e atrapalha a formação da mulher e do homem novo numa moral proletária e revolucionária. Precisamos colocar a construção do comunismo em todas as esferas da nossa vida, como disse Krupskaya, “Devemos tentar ligar nossas vidas pessoais com a causa pela qual lutamos, com a causa da construção do comunismo”.
Para isto, temos que nos manter atentos e vigilantes as nossas ações, manter constante a luta política dentro de nós. A sexualidade, numa sociedade machista e patriarcal como a nossa, é uma ferramenta de opressão e nesse campo também devemos estar atentos. O camarada Lenin já falou que “Na vida sexual se manifesta não só aquilo que deriva da natureza, mas também o que nos dá a cultura, quer se trate de coisas elevadas ou inferiores”. Ele fala ainda que “O comunismo deve trazer não o ascetismo, mas a alegria de viver e o bem-estar físico, devidos também, à plenitude do amor. Penso que o excesso que se observa hoje, na vida sexual não produz nem a alegria de viver nem o bem-estar físico, mas, pelo contrário, os diminuem. Ora, em épocas revolucionárias isto, é mau, muito mau”.
Transformar uma sociedade não é uma tarefa fácil, mas a história nos mostra que não é impossível. Não temos nada a perder, mas a certeza da vitória só vem com dedicação. Construir uma nova vida para o nosso povo envolve observar no seio dessa nova sociedade os padrões de relacionamento que são típicos dos trabalhadores e os que são impostos pela burguesia para nos prejudicar. Os excessos na vida sexual, como o consumo de pornografia, se apresentam como uma das armas do capitalismo para embrutecer, neutralizar e adoecer a nossa juventude.
Ser contra a pornografia não é ser contra a liberdade sexual (que é assunto pra outro texto) ou de uma visão socialista “ultrapassada”, como bradam alguns revisionistas. Não se trata de conservadorismo, mas sim de agir com amor. É um sentimento de profundo respeito e amor ao próximo, ao povo e à humanidade que move um comunista e esse sentimento deve estar presente em todos os aspectos da nossa vida, inclusive o mais íntimo, o sexual. “Dominar-se, disciplinar os próprios atos não é escravidão, e é igualmente necessário no amor”.
Ana Carolina, militante da UJR
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