Sempre interessante e interessada pelos assuntos humanos, Leneide Duarte-Plon envia de Paris, em seu blog, triste informação sobre a onda sectária de tipo fascista que avança naquele país – onde, não há muito tempo, o mundo buscava inspiração para a abertura do espírito e a civilização.
O Islã é compatível com a République ?*
Na França, essa pergunta é feita, em geral, para provar que não. Esse slogan do Front National, o partido de Jean-Marie Le Pen, (L’Islam n’est pas compatible avec la République) começa a ser endossado por intelectuais que, a pretexto de defenderem a laicidade, o princípio que separa a Igreja do Estado, cada dia mais se desinibem no ataque à religião muçulmana.A guerra contra o véu islâmico, começada nos anos 90, continua. A caça às bruxas continua. As mulheres são proibidas de usá-lo em todo o espaço público (escolas, creches, hospitais, administrações públicas, polícia) depois de já serem proibidas de usá-lo nas fotos de identidade.
Recebi de um amigo do Brasil uma montagem audiovisual de fotos de monumentos parisienses acompanhadas de um texto « informativo ». Ele tem um único objetivo: difundir o medo estigmatizando a cultura e a religião muçulmanas.
Esses textos veiculam mentiras e meias verdades. Pura propaganda anti-Islã, que no jogo político atual tomou o lugar da URSS e do comunismo como o bicho-papão que precisa ser diabolizado pela “civilização cristã-ocidental”. O fundo musical não podia ser mais cafona: Mireille Mathieu canta « La Marseillaise ». Mireille Mathieu é um símbolo de cafonice na França.
Com o fim do comunismo, é preciso fabricar um inimigo para justificar as guerras, a fabricação e a venda de armas. Não sei a origem do texto, mas todas as informações se referem à França, como se o país estivesse à beira de uma invasão muçulmana. O título da peça é « Um perigo para o mundo livre ».
Há uma islamofobia na França, mesmo se o discurso racista é controlado por lei que pune “incitação ao ódio racial”. Por isso, ele se exprime veladamente, nesse clima de difusão do medo, incentivado pela extrema direita.
Os muçulmanos franceses são a segunda religião na França, mas não têm e nunca terão poder de modificar as leis e os costumes, como insinua o texto de propaganda. Eles se chocam à realidade francesa e, mal ou bem, tentam se integrar nessa cultura. Um exemplo é o véu, alvo de leis e proibições em todas as repartições públicas do país.
Tenho horror ao Islã fundamentalista no qual a mulher vale menos que zero, a mulher tem um lugar subalterno em relação ao homem. Mas o judaísmo, não somente o ortodoxo-fundamentalista, não fica atrás e ninguém ousa criticar.
Por quê? Primeiramente, por serem os judeus menos numerosos e terem experiência milenar de integração e assimilação nas diferentes sociedades cristãs. Depois, porque os fundamentalistas, em geral, emigram para Israel, para poderem exercer a ortodoxia deles em paz. E, por último, porque ninguém quer ser acusado de antissemitismo, o pior crime numa França que carrega a culpa histórica pela deportação dos judeus e colaboração com os nazistas.
Procuro ver os filmes israelenses que passam em Paris e alguns mostram os ortodoxos no dia-a-dia. A concepção de mundo deles é tão abominável quanto a dos muculmanos ortodoxos: as mulheres têm um único direito, calar-se e viver à sombra dos machos, de um código religioso estreito. A misoginia da religião judaica não fica nada a dever à da religião muçulmana.
O título “Um perigo para o mundo livre” me faz lembrar os slogans anti-comunistas de outros tempos. Quem fabrica os perigos (antes era o “perigo vermelho”) quer se mostrar como o caminho de combatê-los.
Na França, o racismo anti-Islã é o principal “fonds de commerce” do partido de extrema direita Front National. Ele tenta convencer os ingênuos de que França corre graves riscos e somente o FN conseguirá impedir a destruição da « identidade francesa ». O pior é que 33% dos franceses se dizem próximos das teses do FN.
Fonte: http://bilhetesdeparis.blogspot.fr/
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