Yiannis Bournous: "Nada temos a temer enquanto continuarmos a dirigir-nos ao povo grego com sinceridade". Foto de Paulete Matos
Aprende a nadar companheiro
Que a maré se vai levantar
Que a liberdade está a passar por aqui.
(Sérgio Godinho, Maré Alta)
O acordo com o Eurogrupo não conclui a negociação. Nem sequer adia o confronto. Pelo contrário,
abre um novo, longo período repleto de duros choques tanto dentro
quanto fora do nosso país; choques que nunca ocorreram antes, já que os
anteriores governos pró-austeridade não só concordaram em todos os
pontos com a troika e a liderança da UE, como também, em muitos casos,
os ultrapassaram mesmo em termos de severidade das medidas de
austeridade que elaboraram e aplicaram.
O objetivo principal da elite neoliberal
europeia e dos seus representantes políticos foi – e ainda é –
aprisionar o Syriza num contexto que não lhe permita constituir-se numa
alternativa real à hegemonia neoliberal. Tentaram e vão continuar a
tentar aprisionar o governo grego e o Syriza numa postura claramente
defensiva, na qual seríamos forçados a apenas tentar circunscrever os prejuízos, sem termos a capacidade de empreender as nossas próprias iniciativas alternativas.
Todo o contexto da negociação foi formulado pelos nossos oponentes com o propósito de levar o governo ao colapso ou a cair no ridículo. A atitude do governo grego, porém, arruinou os planos deles e desconstruiu a falsa chantagem
Todo o contexto da negociação foi formulado pelos
nossos oponentes com o propósito de levar o governo ao colapso ou a cair
no ridículo. A atitude do governo grego, porém, arruinou os planos
deles e desconstruiu a falsa chantagem posta a circular por círculos
gregos e estrangeiros de que, no caso de o lado grego discordar, o nosso
país entraria em colapso e seria forçado a sair da Eurozona.
O facto de termos conseguido superar os perigos
acima mencionados e ganhar um tempo decisivo é muito importante. Além
disso, é também muito importante termos conseguido cancelar todas as
dolorosas medidas de austeridade com que o governo anterior se tinha comprometido, ainda antes das eleições, a aplicar.
O governo grego assinou um acordo que reflete
substancialmente o facto de que doravante cada passo seguinte será parte
do confronto. Este acordo está longe de ser o que todos nós
consideraríamos como ideal. Inclui obstáculos e restrições que nos
forçam a adiar ou reformular uma parte do nosso programa de governo
popular.
Porém, o regresso da política ao primeiro plano
do processo europeu e as primeiras ruturas políticas que foram causadas
em nível europeu depois da vitória eleitoral do Syriza e a postura
global do governo grego de salvação social constituem sinais
encorajadores para o próximo período. Esta atitude específica alterou o
contexto da discussão em toda a Europa, criando, em paralelo, um grande
movimento de solidariedade sem precedentes. O reforço da solidariedade
dos povos da Europa é um dever da maior centralidade, na perspetiva do
reforço das lutas sociais pan-europeias e da alteração do equilíbrio de
poderes na Europa.
A transparência com que o novo governo atuou no
processo de negociação constitui outra diferença qualitativa com os
governos anteriores da Nova Democracia e do PASOK. Nada temos a temer
enquanto continuarmos a dirigir-nos ao povo grego com sinceridade a
respeito das possibilidades ou dos problemas existentes.
A principal característica que vai determinar o
destino dos próximos estágios do confronto com os nossos oponentes é a
capacidade do governo de manter aberta a rutura criada com o domínio
total do neoliberalismo. No caso de conseguirmos menores ou maiores
vitórias no próximo período, os desenvolvimentos políticos na Europa
serão acelerados, já que o dogma TINA terá entrado em colapso. Se também
levarmos em consideração o parâmetro das eleições nacionais espanholas
em novembro, poderemos facilmente compreender a razão pela qual as
forças neoliberais da UE irão escalar a sua ofensiva contra nós.
Assumindo a sua responsabilidade histórica, o governo grego tem de imediato de trabalhar duramente, de forma a evitar qualquer possibilidade de novas medidas de austeridade
Assumindo a sua responsabilidade histórica, o
governo grego tem de imediato de trabalhar duramente, de forma a evitar
qualquer possibilidade de novas medidas de austeridade e, ao mesmo
tempo, para melhorar as finanças públicas,
fazendo os ricos pagarem. Um primeiro sinal positivo nesta direção é que
os procuradores económicos que investigam a lista de depositantes
gregos que transferiram ilegalmente dinheiro para a Suíça e outros
bancos estrangeiros, já bloquearam 404 milhões de euros encontrados nas
contas bancárias de 17 depositantes. Paralelamente, seremos julgados
pelas nossas iniciativas para a democratização do sistema político e da
esfera pública, para a guerra contra a corrupção e a resolução
da crise humanitária. O governo já apresentou esta semana a sua
primeira proposta de lei que inclui o fornecimento gratuito de
eletricidade (300 Kwh/mês) aos lares que vivem em condições de extrema
pobreza, um subsídio para as rendas de casa (70 euros/pessoa ou 220
euros/família mensais) para 30.000 lares, subsídios para cidadãos que
também vivem em condições de extrema pobreza comprarem alimentos.
Nestes quatro meses, devemos dar passos decisivos que
melhorem a nossa posição nos confrontos de amanhã; e estes passos podem
ser dados desde que uma grande parte da sociedade estiver determinada a
apoiar o governo de salvação social e não apenas esperar. A existência
desta disponibilidade popular sem precedentes, demonstrada nas primeiras
sondagens pós-eleitorais, mas principalmente nas mobilizações sem
precedentes a favor dos objetivos do governo, constituem para o nosso
partido um elemento fundamental.
Hoje, quando entra em colapso o dogma “são todos
iguais” e a política volta a ser a forma de mudar as nossas vidas, o
nosso partido deveria maximizar a sua unidade interna, sem que isto
queira dizer a supressão da diversidade, mas a sua inclusão na nossa
reflexão coletiva e objetivo comum. As críticas e o debate de pontos de
vista nos processos decisórios dos corpos partidários de um partido de
esquerda multitendências são justos, desde que não destruam a nossa
solidariedade interna ou distorçam as nossas decisões oficiais.
O Syriza precisa agora de abrir as suas portas a todos os que desejam lutar coletivamente e sem egoísmos, de forma a recuperar a dignidade
O Syriza precisa agora de abrir as suas portas a
todos os que desejam lutar coletivamente e sem egoísmos, de forma a
recuperar a dignidade. O nosso planeamento, procedimentos e ações têm de
espelhar a nossa determinação de criar o “intelectual coletivo” que irá
construir uma nova consciência coletiva na sociedade grega. Uma nova
conceção de senso comum, baseada na coletividade, na solidariedade e no
preenchimento das necessidades sociais.
Como disse recentemente o presidente do Syriza, a
nossa palavra de ordem comum neste novo começo deve ser: menos palavras e
mais trabalho.
Yiannis Bournous
Membro do Secretariado político do Syriza e da Executiva do Partido da Esquerda Europeia.
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