A AÇÃO RECÍPROCA
I. — O
encadeamento dos processos.
II. — As
grandes descobertas do século XIX.
1. A
descoberta da célula viva e do seu desenvolvimento
2. A
descoberta da transformação da energia.
3. A
descoberta da evolução no homem e nos animais.
III. — O
desenvolvimento histórico ou em espiral.
IV. —
Conclusão.
I. — O encadeamento
dos processos.
Acabamos
de ver, a propósito da história da maçã, o que é um processo. Retomamos esse
exemplo.
Procuramos
de onde vinha a maçã, e devemos, nas nossas pesquisas, chegar até à árvore.
(Mas, o problema de pesquisa põe-se, também, para esta. O estudo da maçã conduz-nos ao das origens e dos destinos
da árvore. De onde vem? Da maçã. De uma maçã que caiu, apodreceu na terra para
dar origem a um rebento, e isto leva-nos a estudar o terreno, as condições em
que as sementes puderam dar um rebento, as influências do ar, do sol, etc.
Assim, partindo do estudo da maçã, somos conduzidos ao exame do solo, passando
do processo da maçã ao da árvore; este processo encadeia-se, por sua vez, no do
solo. Temos o que se chama: «um encadeamento de processos». Isto vai-nos
permitir enunciar e estudar a segunda lei da dialética: a lei
da ação
recíproca. Tomemos como exemplo de encadeamento de processos, depois do da
maçã, o da Universidade Operária de Paris.
Se
estudarmos esta escola do ponto de vista dialético, procuraremos de onde vem, e
teremos, inicialmente, uma resposta: no outono de 1932, camaradas reunidos
decidiram fundar em Paris uma Universidade Operária para estudar o marxismo.
Mas como
teve esse comitê a ideia de fazer estudar o marxismo? Foi, evidentemente,
porque ele existe. Mas, então, de onde vem o marxismo?
Vemos que
a pesquisa do encadeamento dos processos nos conduz a estudos minuciosos e
completos. Mais ainda: indagando de onde vem o marxismo, seremos levados a
constatar que essa doutrina é a própria consciência do proletariado; vemos,
pois, (seja-se por ou contra o marxismo) que o proletariado existe; e, então,
poremos, de novo, a pergunta: de onde vem o proletariado?
Sabemos
que de um sistema econômico: o capitalismo. Sabemos que a divisão da sociedade
em classes, a luta de classes, não nasceu, como o pretendem os nossos
adversários, do marxismo, mas, pelo contrário, que este constata a existência de tal luta, e
colhe a sua força no proletariado já existente.
Portanto,
de processo em processo, chegamos ao exame das condições de existência do capitalismo.
Temos, assim, um encadeamento de processos, que nos demonstra que tudo influi
sobre tudo. É a lei da ação
recíproca.
Em
conclusão destes dois exemplos, o da maçã e o da Universidade Operária de
Paris, vemos como teria procedido um metafísico.
No exemplo
da maçã, apenas poderia pensar «de onde vem a maçã?». E sentir-se-ia satisfeito
com a resposta: «a maçã vem da árvore». Ficar-se-ia por aí.
Para a
Universidade Operária, ficaria satisfeito por dizer, da sua origem, que foi
fundada por um grupo de homens que querem «corromper o povo francês» ou outras
banalidades...
Mas o
dialético, esse vê todos os encadeamentos de processos, que terminam, conforme
os casos, na maçã e na Universidade Operária. O dialético liga o fato
particular, o detalhe ao conjunto.
Associa a
maçã à árvore, e vai mais longe, até à natureza no seu conjunto. A maçã não é
só o fruto da macieira, mas, também, o de toda a natureza.
A
Universidade Operária não é apenas o «fruto» do proletariado, mas, também, o da
sociedade capitalista.
Vemos,
portanto, que, contrariamente ao metafísico, que concebe o mundo como um
conjunto de coisas congeladas, o dialético verá o mundo como um conjunto de
processos. E, se o ponto de vista dialético é verdadeiro para a natureza e para
as ciências, é-o, também, para a sociedade.
O antigo método de pesquisa e de pensamento, a que Hegel chama o
método metafísico, e que se ocupava, de preferência, do estudo das coisas
consideradas na qualidade da objetos fixos dados... tinha, então, a sua
grande justificação histórica49.
Por
conseguinte, estudava-se, nessa época, todas as coisas e a sociedade como um
conjunto de «objetos fixos dados», que não só não mudam, mas, particularmente
para a sociedade, não estão destinados a desaparecer.
Engels
assinala a importância capital da dialética, essa grande ideia fundamental segundo a qual o mundo não deve ser
considerado como um complexo de coisas
acabadas, mas como um complexo de processos em que as coisas, na
aparência estáveis, do mesmo modo que os seus reflexos intelectuais no nosso
cérebro, as ideias, passam por uma mudança ininterrupta de devir e decadência,
em que, finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos
momentâneos, um
desenvolvimento progressivo acaba por se fazer hoje50.
Nem mesmo
a sociedade capitalista deve, pois, ser considerada como um «complexo de coisas
acabadas», mas, pelo contrário, ser estudada, também, como um complexo de
processos.
Os
metafísicos dão-se conta de que a sociedade capitalista não existiu sempre, e
dizem que tem uma história, mas pensam que, com a sua aparição, a sociedade
acabou de evoluir e ficará, doravante, «fixa». Consideram todas as coisas como
acabadas, e não como o início de um novo processo. O relato da criação do mundo
por Deus é uma explicação do mundo como complexo de coisas acabadas. Deus
executou uma tarefa acabada em cada dia. Fez as plantas, os animais, o homem de uma vez para
sempre; daí a teoria do fixismo.
A
dialética pensa de uma maneira oposta. Não considera as coisas na qualidade de
«objetos fixos», mas em «movimento». Para ela, nenhuma coisa se encontra
acabada; é sempre o fim de um processo e o começo de um outro, sempre em vias
de se transformar, desenvolver. É por isso que estamos tão seguros da
transformação da sociedade capitalista em socialista. Nada estando
definitivamente acabado, a sociedade capitalista é o fim de um processo ao qual
sucederá a socialista, depois a comunista, e assim sucessivamente; há e haverá
continuamente um desenvolvimento.
Mas,
aqui, é preciso ter em atenção que a dialética não deve ser considerada como
qualquer coisa de fatal, de onde se poderia concluir: «uma vez que estais tão
seguros da mudança que desejais, por que lutais?».
Porque,
como disse Marx, «para fazer dar à luz a sociedade socialista, será preciso um parteiro»; de onde a
necessidade da revolução, da ação.
É que as
coisas não são tão simples. É preciso não esquecer o papel dos homens que podem
acelerar ou retardar essa transformação (tornaremos a ver este assunto no
capítulo V desta parte, quando falarmos do «materialismo histórico»).
O que
constatamos atualmente é a existência, em todas as coisas, do encadeamento de
processos que se produzem pela força interna daquelas (o autodinamismo). É que,
para a dialética, insistimos nisso, nada está acabado. É necessário considerar o desenvolvimento das coisas como não
tendo nunca cena final. No fim de uma peça de teatro do mundo, começa o
primeiro ato de uma outra. Para dizer a verdade, ele começa já no último da
peça precedente...
II. — As grandes
descobertas do século XIX.
O que
determinou o abandono do espírito metafísico, e obrigou os sábios, depois de
Marx e Engels, a considerar as coisas no seu movimento dialético, foi,
sabemo-lo, as descobertas feitas no século XIX. São, sobretudo, três grandes
descobertas dessa época, assinaladas por Engels, em «Ludwig Feuerbach», que
fizeram progredir a dialéctica51.
1. A descoberta da célula viva e do seu desenvolvimento.52
Antes
desta descoberta, tomara-se como base de raciocínio o «fixismo». As espécies
eram consideradas como estranhas umas às outras. Além disso, distinguia-se,
categoricamente, de um lado, o reino animal, do outro, o vegetal.
Depois
dessa descoberta, foi possível precisar a ideia da «evolução», que os
pensadores e sábios do século XVIII tinham já ventilado. Ela permite
compreender que a vida é feita de uma sucessão de mortes e nascimentos, e que
todo o ser vivo é uma associação de células. Pelo que esta constatação não
deixa subsistir qualquer fronteira entre animais e plantas, e, assim, afasta a
concepção metafísica.
2. A descoberta da transformação da energia .
Outrora,
a ciência acreditava que o som, o calor, a luz, por exemplo, eram completamente
estranhos uns aos outros. Ora, descobre-se que todos esses fenômenos se podem
transformar uns nos outros, que há encadeamentos de processos, tanto na matéria
inerte como na
natureza viva. Tal revelação é, ainda, um golpe aplicado no espírito
metafísico.
3. A descoberta da evolução no homem e nos animais .
Darwin,
disse Engels, demonstra que todos os produtos da natureza são o resultado de um
longo processo de desenvolvimento de pequenos germes, unicelulares na origem:
tudo é o produto de um longo processo, tendo por origem a célula.
E Engels
conclui que, graças a essas três grandes descobertas, podemos seguir o encadeamento
de todos os fenômenos da natureza, não só no interior dos diferentes domínios,
mas, também, entre eles.
Foram,
pois, as ciências que permitiram o enunciado desta segunda lei da ação
recíproca.
Entre os
reinos vegetal, animal e mineral, nada de separações, apenas processos; tudo se
encadeia. Isso também é verdade para a sociedade. As diferentes sociedades que
atravessaram a história dos homens devem ser consideradas como uma sequência de
encadeamentos de processos, em que cada uma saiu, necessariamente, da que a
precedeu.
Devemos,
portanto, fixar que: a ciência, a
natureza, a sociedade devem ser vistas como um
encadeamento de processos, e o motor que trabalha para desenvolver tal
encadeamento é o autodinamismo.
III.— O
desenvolvimento histórico ou em espiral.
Se
examinarmos um pouco mais de perto o processo que começamos a conhecer, vemos
que a maçã é o resultado de um encadeamento de processos. De onde vem a maçã?
Vem da árvore. De onde vem a árvore?
Da maçã.
Podemos, portanto, pensar que temos um círculo vicioso, no qual acabamos por
voltar sempre ao mesmo ponto. Árvore, maçã. Maçã, árvore. O mesmo acontecerá se
tomarmos o exemplo do ovo e da galinha. De onde vem o ovo? Da galinha. De onde
vem a galinha? Do ovo.
Se
considerássemos as coisas assim, tal não seria um processo, mas um círculo, e
essa aparência deu mesmo a ideia do «retorno ao eterno». Isto é, voltaríamos
sempre ao mesmo ponto, ao de partida.
Mas,
vejamos exatamente como se põe o problema:
1. Eis
uma maçã.
2. Esta,
decompondo-se, dá origem a uma ou mais árvores.
3. Cada
árvore não dá uma maçã, mas várias.
Não
voltamos, portanto, ao mesmo ponto de partida; voltamos à maçã, mas num outro plano.
Do mesmo
modo, se partirmos da árvore, teremos:
1. Uma
árvore que dá
2. maçãs,
e maçãs que darão
3.
árvores.
Também
aqui voltamos à árvore, mas num outro plano. O ponto de vista ampliou-se.
Não
temos, pois, um círculo, como as aparências poderiam fazer pensar, mas um
processo de desenvolvimento, a que chamaremos desenvolvimento histórico. A história
mostra que o tempo não passa sem deixar marca. Passa, mas os desenvolvimentos
que ocorrem não são os mesmos. O mundo, a natureza, a sociedade constituem um
desenvolvimento que é histórico, e, em linguagem filosófica, se chama «em
espiral».
Servimo-nos
desta imagem para fixar as ideias. É uma comparação para ilustrar o fato de que
as ciências evoluem segundo um processo circular, mas não voltam ao ponto de
partida; voltam um pouco acima, num outro plano, e assim sucessivamente, o que
dá uma espiral ascendente.
Por
conseguinte, o mundo, a natureza, a sociedade têm um desenvolvimento histórico
(em espiral), que é movido, não o esqueçamos, pelo autodinamismo.
IV. — Conclusão.
Acabamos
de estudar, nestes primeiros capítulos sobre a dialética, as duas primeiras
leis: a da mudança e a da ação recíproca. Isto era indispensável para poder
abordar o estudo da lei da contradição, porque é ela que nos vai permitir
compreender a força que move «a mudança dialética», o autodinamismo.
No
primeiro capítulo, relativo ao estudo da dialética, vimos porque fora esta
teoria muito tempo dominada pela concepção metafísica e porque era metafísico o
materialismo do século XVIII.
Compreendemos
melhor agora, depois de ter visto rapidamente as três grandes descobertas do
século XIX, que permitiram ao materialismo desenvolver-se para se tornar
dialético, porque era necessário que a história desta filosofia atravessasse os
três grandes períodos que conhecemos: 1,° materialismo da antiguidade (teoria
dos
átomos); 2.° materialismo do século XVIII (mecanicista e metafísico), para
levar, enfim, 3.°, ao materialismo dialético.
Afirmamos
que o materialismo nascera das ciências e ligado a elas. Podemos ver, após
estes três capítulos, como isso é verdade. Vimos, no estudo do movimento e da
mudança dialéticos, depois dessa lei da ação recíproca, que todos os nossos raciocínios são baseados nas ciências.
Hoje, em
que os estudos científicos estão especializados ao extremo e os sábios
(ignorando, em geral, o materialismo dialético) não podem, por vezes,
compreender a importância das suas descobertas particulares em relação ao conjunto das ciências, cabe à
filosofia dar uma explicação do mundo e dos problemas mais gerais; é a missão
em particular do materialismo dialético - reunir todas as descobertas
particulares de cada ciência, para fazer a síntese, e dar, assim, uma teoria
que nos torne cada vez mais, como dizia Descartes, «mestres e possuidores da
natureza.
49 Friedrich ENGELS: «Ludwig Feuerbach»
50 Idem, p. 34.
51 Friedrich ENGELS: «Ludwig Feuerbach»
52 Foram Schwann e Schleiden que, ao descobrir, com a célula
orgânica, «a unidade a partir da qual se desenvolve, por multiplicação e
diferenciação, todo o organismo vegetal e animal», estabeleceram a continuidade
dos dois grandes reinos da natureza viva.
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