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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

As Leis da Dialética - A AÇÃO RECÍPROCA


  A AÇÃO RECÍPROCA

I. — O encadeamento dos processos.
II. — As grandes descobertas do século XIX.
1. A descoberta da célula viva e do seu desenvolvimento
2. A descoberta da transformação da energia.
3. A descoberta da evolução no homem e nos animais.
III. — O desenvolvimento histórico ou em espiral.
IV. — Conclusão.

I. — O encadeamento dos processos.
Acabamos de ver, a propósito da história da maçã, o que é um processo. Retomamos esse exemplo.
Procuramos de onde vinha a maçã, e devemos, nas nossas pesquisas, chegar até à árvore. (Mas, o problema de pesquisa põe-se, também, para esta. O estudo da maçã conduz-nos ao das origens e dos destinos da árvore. De onde vem? Da maçã. De uma maçã que caiu, apodreceu na terra para dar origem a um rebento, e isto leva-nos a estudar o terreno, as condições em que as sementes puderam dar um rebento, as influências do ar, do sol, etc. Assim, partindo do estudo da maçã, somos conduzidos ao exame do solo, passando do processo da maçã ao da árvore; este processo encadeia-se, por sua vez, no do solo. Temos o que se chama: «um encadeamento de processos». Isto vai-nos permitir enunciar e estudar a segunda lei da dialética: a lei
da ação recíproca. Tomemos como exemplo de encadeamento de processos, depois do da maçã, o da Universidade Operária de Paris.
Se estudarmos esta escola do ponto de vista dialético, procuraremos de onde vem, e teremos, inicialmente, uma resposta: no outono de 1932, camaradas reunidos decidiram fundar em Paris uma Universidade Operária para estudar o marxismo.
Mas como teve esse comitê a ideia de fazer estudar o marxismo? Foi, evidentemente, porque ele existe. Mas, então, de onde vem o marxismo?
Vemos que a pesquisa do encadeamento dos processos nos conduz a estudos minuciosos e completos. Mais ainda: indagando de onde vem o marxismo, seremos levados a constatar que essa doutrina é a própria consciência do proletariado; vemos, pois, (seja-se por ou contra o marxismo) que o proletariado existe; e, então, poremos, de novo, a pergunta: de onde vem o proletariado?
Sabemos que de um sistema econômico: o capitalismo. Sabemos que a divisão da sociedade em classes, a luta de classes, não nasceu, como o pretendem os nossos adversários, do marxismo, mas, pelo contrário, que este constata a existência de tal luta, e colhe a sua força no proletariado já existente.
Portanto, de processo em processo, chegamos ao exame das condições de existência do capitalismo. Temos, assim, um encadeamento de processos, que nos demonstra que tudo influi sobre tudo. É a lei da ação recíproca.
Em conclusão destes dois exemplos, o da maçã e o da Universidade Operária de Paris, vemos como teria procedido um metafísico.
No exemplo da maçã, apenas poderia pensar «de onde vem a maçã?». E sentir-se-ia satisfeito com a resposta: «a maçã vem da árvore». Ficar-se-ia por aí.
Para a Universidade Operária, ficaria satisfeito por dizer, da sua origem, que foi fundada por um grupo de homens que querem «corromper o povo francês» ou outras banalidades...
Mas o dialético, esse vê todos os encadeamentos de processos, que terminam, conforme os casos, na maçã e na Universidade Operária. O dialético liga o fato particular, o detalhe ao conjunto.
Associa a maçã à árvore, e vai mais longe, até à natureza no seu conjunto. A maçã não é só o fruto da macieira, mas, também, o de toda a natureza.
A Universidade Operária não é apenas o «fruto» do proletariado, mas, também, o da sociedade capitalista.
Vemos, portanto, que, contrariamente ao metafísico, que concebe o mundo como um conjunto de coisas congeladas, o dialético verá o mundo como um conjunto de processos. E, se o ponto de vista dialético é verdadeiro para a natureza e para as ciências, é-o, também, para a sociedade.
O antigo método de pesquisa e de pensamento, a que Hegel chama o método metafísico, e que se ocupava, de preferência, do estudo das coisas consideradas na qualidade da objetos fixos dados... tinha, então, a sua grande justificação histórica49.
Por conseguinte, estudava-se, nessa época, todas as coisas e a sociedade como um conjunto de «objetos fixos dados», que não só não mudam, mas, particularmente para a sociedade, não estão destinados a desaparecer.
Engels assinala a importância capital da dialética, essa grande ideia fundamental segundo a qual o mundo não deve ser considerado como um complexo de coisas
acabadas, mas como um complexo de processos em que as coisas, na aparência estáveis, do mesmo modo que os seus reflexos intelectuais no nosso cérebro, as ideias, passam por uma mudança ininterrupta de devir e decadência, em que, finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos momentâneos, um
desenvolvimento progressivo acaba por se fazer hoje50.
Nem mesmo a sociedade capitalista deve, pois, ser considerada como um «complexo de coisas acabadas», mas, pelo contrário, ser estudada, também, como um complexo de processos.
Os metafísicos dão-se conta de que a sociedade capitalista não existiu sempre, e dizem que tem uma história, mas pensam que, com a sua aparição, a sociedade acabou de evoluir e ficará, doravante, «fixa». Consideram todas as coisas como acabadas, e não como o início de um novo processo. O relato da criação do mundo por Deus é uma explicação do mundo como complexo de coisas acabadas. Deus executou uma tarefa acabada em cada dia. Fez as plantas, os animais, o homem de uma vez para sempre; daí a teoria do fixismo.
A dialética pensa de uma maneira oposta. Não considera as coisas na qualidade de «objetos fixos», mas em «movimento». Para ela, nenhuma coisa se encontra acabada; é sempre o fim de um processo e o começo de um outro, sempre em vias de se transformar, desenvolver. É por isso que estamos tão seguros da transformação da sociedade capitalista em socialista. Nada estando definitivamente acabado, a sociedade capitalista é o fim de um processo ao qual sucederá a socialista, depois a comunista, e assim sucessivamente; há e haverá continuamente um desenvolvimento.
Mas, aqui, é preciso ter em atenção que a dialética não deve ser considerada como qualquer coisa de fatal, de onde se poderia concluir: «uma vez que estais tão seguros da mudança que desejais, por que lutais?».
Porque, como disse Marx, «para fazer dar à luz a sociedade socialista, será preciso um parteiro»; de onde a necessidade da revolução, da ação.
É que as coisas não são tão simples. É preciso não esquecer o papel dos homens que podem acelerar ou retardar essa transformação (tornaremos a ver este assunto no capítulo V desta parte, quando falarmos do «materialismo histórico»).
O que constatamos atualmente é a existência, em todas as coisas, do encadeamento de processos que se produzem pela força interna daquelas (o autodinamismo). É que, para a dialética, insistimos nisso, nada está acabado. É necessário considerar o desenvolvimento das coisas como não tendo nunca cena final. No fim de uma peça de teatro do mundo, começa o primeiro ato de uma outra. Para dizer a verdade, ele começa já no último da peça precedente...

II. — As grandes descobertas do século XIX.
O que determinou o abandono do espírito metafísico, e obrigou os sábios, depois de Marx e Engels, a considerar as coisas no seu movimento dialético, foi, sabemo-lo, as descobertas feitas no século XIX. São, sobretudo, três grandes descobertas dessa época, assinaladas por Engels, em «Ludwig Feuerbach», que fizeram progredir a dialéctica51.
1. A descoberta da célula viva e do seu desenvolvimento.52
Antes desta descoberta, tomara-se como base de raciocínio o «fixismo». As espécies eram consideradas como estranhas umas às outras. Além disso, distinguia-se, categoricamente, de um lado, o reino animal, do outro, o vegetal.
Depois dessa descoberta, foi possível precisar a ideia da «evolução», que os pensadores e sábios do século XVIII tinham já ventilado. Ela permite compreender que a vida é feita de uma sucessão de mortes e nascimentos, e que todo o ser vivo é uma associação de células. Pelo que esta constatação não deixa subsistir qualquer fronteira entre animais e plantas, e, assim, afasta a concepção metafísica.
2. A descoberta da transformação da energia .
Outrora, a ciência acreditava que o som, o calor, a luz, por exemplo, eram completamente estranhos uns aos outros. Ora, descobre-se que todos esses fenômenos se podem transformar uns nos outros, que há encadeamentos de processos, tanto na matéria inerte como na natureza viva. Tal revelação é, ainda, um golpe aplicado no espírito metafísico.
3. A descoberta da evolução no homem e nos animais .
Darwin, disse Engels, demonstra que todos os produtos da natureza são o resultado de um longo processo de desenvolvimento de pequenos germes, unicelulares na origem: tudo é o produto de um longo processo, tendo por origem a célula.
E Engels conclui que, graças a essas três grandes descobertas, podemos seguir o encadeamento de todos os fenômenos da natureza, não só no interior dos diferentes domínios, mas, também, entre eles.
Foram, pois, as ciências que permitiram o enunciado desta segunda lei da ação recíproca.
Entre os reinos vegetal, animal e mineral, nada de separações, apenas processos; tudo se encadeia. Isso também é verdade para a sociedade. As diferentes sociedades que atravessaram a história dos homens devem ser consideradas como uma sequência de encadeamentos de processos, em que cada uma saiu, necessariamente, da que a precedeu.
Devemos, portanto, fixar que: a ciência, a natureza, a sociedade devem ser vistas como um encadeamento de processos, e o motor que trabalha para desenvolver tal encadeamento é o autodinamismo.

III.— O desenvolvimento histórico ou em espiral.
Se examinarmos um pouco mais de perto o processo que começamos a conhecer, vemos que a maçã é o resultado de um encadeamento de processos. De onde vem a maçã? Vem da árvore. De onde vem a árvore?
Da maçã. Podemos, portanto, pensar que temos um círculo vicioso, no qual acabamos por voltar sempre ao mesmo ponto. Árvore, maçã. Maçã, árvore. O mesmo acontecerá se tomarmos o exemplo do ovo e da galinha. De onde vem o ovo? Da galinha. De onde vem a galinha? Do ovo.
Se considerássemos as coisas assim, tal não seria um processo, mas um círculo, e essa aparência deu mesmo a ideia do «retorno ao eterno». Isto é, voltaríamos sempre ao mesmo ponto, ao de partida.
Mas, vejamos exatamente como se põe o problema:
1. Eis uma maçã.
2. Esta, decompondo-se, dá origem a uma ou mais árvores.
3. Cada árvore não dá uma maçã, mas várias.
Não voltamos, portanto, ao mesmo ponto de partida; voltamos à maçã, mas num outro plano.
Do mesmo modo, se partirmos da árvore, teremos:
1. Uma árvore que dá
2. maçãs, e maçãs que darão
3. árvores.
Também aqui voltamos à árvore, mas num outro plano. O ponto de vista ampliou-se.
Não temos, pois, um círculo, como as aparências poderiam fazer pensar, mas um processo de desenvolvimento, a que chamaremos desenvolvimento histórico. A história mostra que o tempo não passa sem deixar marca. Passa, mas os desenvolvimentos que ocorrem não são os mesmos. O mundo, a natureza, a sociedade constituem um desenvolvimento que é histórico, e, em linguagem filosófica, se chama «em espiral».
Servimo-nos desta imagem para fixar as ideias. É uma comparação para ilustrar o fato de que as ciências evoluem segundo um processo circular, mas não voltam ao ponto de partida; voltam um pouco acima, num outro plano, e assim sucessivamente, o que dá uma espiral ascendente.
Por conseguinte, o mundo, a natureza, a sociedade têm um desenvolvimento histórico (em espiral), que é movido, não o esqueçamos, pelo autodinamismo.

IV. — Conclusão.
Acabamos de estudar, nestes primeiros capítulos sobre a dialética, as duas primeiras leis: a da mudança e a da ação recíproca. Isto era indispensável para poder abordar o estudo da lei da contradição, porque é ela que nos vai permitir compreender a força que move «a mudança dialética», o autodinamismo.
No primeiro capítulo, relativo ao estudo da dialética, vimos porque fora esta teoria muito tempo dominada pela concepção metafísica e porque era metafísico o materialismo do século XVIII.
Compreendemos melhor agora, depois de ter visto rapidamente as três grandes descobertas do século XIX, que permitiram ao materialismo desenvolver-se para se tornar dialético, porque era necessário que a história desta filosofia atravessasse os três grandes períodos que conhecemos: 1,° materialismo da antiguidade (teoria
dos átomos); 2.° materialismo do século XVIII (mecanicista e metafísico), para levar, enfim, 3.°, ao materialismo dialético.
Afirmamos que o materialismo nascera das ciências e ligado a elas. Podemos ver, após estes três capítulos, como isso é verdade. Vimos, no estudo do movimento e da mudança dialéticos, depois dessa lei da ação recíproca, que todos os nossos raciocínios são baseados nas ciências.
Hoje, em que os estudos científicos estão especializados ao extremo e os sábios (ignorando, em geral, o materialismo dialético) não podem, por vezes, compreender a importância das suas descobertas particulares em relação ao conjunto das ciências, cabe à filosofia dar uma explicação do mundo e dos problemas mais gerais; é a missão em particular do materialismo dialético - reunir todas as descobertas particulares de cada ciência, para fazer a síntese, e dar, assim, uma teoria que nos torne cada vez mais, como dizia Descartes, «mestres e possuidores da natureza.

49 Friedrich ENGELS: «Ludwig Feuerbach»
50 Idem, p. 34.
51 Friedrich ENGELS: «Ludwig Feuerbach»
52 Foram Schwann e Schleiden que, ao descobrir, com a célula orgânica, «a unidade a partir da qual se desenvolve, por multiplicação e diferenciação, todo o organismo vegetal e animal», estabeleceram a continuidade dos dois grandes reinos da natureza viva.


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