Publicado no jornal AVERDADE
A
 pesada artilharia ideológica do revisionismo e da Guerra Fria contra 
Stálin e suas realizações na construção do socialismo na União Soviética
 ainda hoje se faz sentir. Não é verdade que o mero distanciamento no 
tempo nos permite ver com mais clareza o que se passou, como lemos 
tantas vezes nas capas de dezenas de livros burgueses sobre o período. 
Não nesse caso. Conforme nos ensina Lênin, não existe neutralidade numa 
sociedade dividida em classes, e, por isso, não é de se esperar que 
autores burgueses mudem seu ponto de vista com o passar dos anos.
No entanto, isso não impede que alguns 
lampejos de lucidez e honestidade intelectual possam ser encontrados 
entre historiadores não-marxistas que estudam a questão, como é o caso 
de Robert W. Thurston, professor de História na Universidade de Miami, 
em Oxford, Ohio, EUA, e autor da obra Life and terror in Stalin’s Russia – 1934-1941 (Vida cotidiana e terror na Rússia de Stálin, em tradução livre), ainda sem tradução para o português.
Ao analisar o período comumente referido
 como o mais repressivo na história da URSS, que foi entre 1934 e 1941, 
Thurston afirma que Stálin, ao contrário do que é propagandeado pela 
academia burguesa, nunca teve a intenção de aterrorizar o país e que não
 tinha nenhuma necessidade disso. Ao contrário, afirma o historiador, as
 grandes massas da população soviética não só acreditavam que as 
mudanças em curso no país eram uma real busca por inimigos internos, 
como essas mesmas massas colaboravam com o Governo revolucionário nesta 
tarefa.
Thurston inicia seu livro mostrando que,
 após um conturbado início de século, ao passar por duas revoluções, uma
 Guerra Mundial e uma Guerra Civil, o Governo soviético começou a 
“relaxar” no início da década de 1930, no sentido de introduzir reformas
 no sistema penal e atenuar as práticas punitivas. Entre os vários 
exemplos utilizados pelo historiador, encontramos neste ponto o relato 
de que Stálin e Molotov, em 1933, ordenaram a libertação de nada menos 
que metade de todos os camponeses que haviam sido presos por questões 
ligadas à coletivização. Em agosto de 1935, o Governo declarou anistia a
 todos os trabalhadores condenados a menos de cinco anos e que estavam 
trabalhando “honradamente e com boa consciência”. Mas, a despeito de 
todas as positivas ações que vinham sendo tomadas neste sentido, novos 
acontecimentos fizeram com que essa tendência fosse bruscamente 
interrompida.
A partir do assassinato de Kirov, em 
1934, uma rede conspirativa foi identificada no alto escalão do Governo e
 do Exército soviéticos. Segundo Thurston, havia realmente um bloco 
trotskista em atividade na URSS; Bukharin tinha conhecimento de um 
centro articulado contra Stálin; pelo menos um dos seguidores de 
Bukharin mencionou matar Stálin; e informações de origens distintas 
confirmavam um complô no Exército articulado por Tukhachevsky. Assim, 
todas as evidências apontam para o fato de que as ações do Governo, 
desse momento em diante, foram uma reação a eventos que se passavam no 
país, e não uma política deliberada e imotivada de repressão, como 
defende a historiografia burguesa.
Esta reação do Governo foi levada a cabo
 em grande parte pela chamada Polícia Política, a NKVD. Mas, ao 
contrário da fantasia burguesa devaneada no livro 1984, do 
trotskista George Orwell, a NKVD, segundo Thurston, estava longe de ser 
uma organização “onisciente” e “onipotente”, uma espécie de “Grande 
Irmão”. Segundo o historiador, essa organização dependia tanto das 
informações quanto da colaboração dos cidadãos soviéticos. Assim, a 
chamada Polícia Política, apontada na historiografia burguesa como uma 
consequência de um “desequilíbrio mental” de Stálin, foi, na verdade, 
uma criação da própria sociedade e da história soviéticas. Thurston cita
 como evidência o fato de que simples cidadãos podiam não somente 
influenciar a NKVD em algumas detenções, como também tinham o poder de 
até mesmo impedir algumas delas. Segundo Thurston, “nem Stálin e nem a 
NKVD agiram independentemente da sociedade”, embora esta organização 
tenha, de fato, cometido erros e excessos sob a liderança de Ezhov, 
afastado do cargo e julgado posteriormente.
Este último ponto é de vital importância. A historiografia burguesa superdimensiona as exceções e lhe dão o status
 de regra, querendo indicar, com isso, que a maioria dos prisioneiros do
 período eram inocentes. Uma consequência de tal cenário seria que a 
maioria da população viveria então permanentemente atemorizada, com 
receio de ser presa a qualquer momento, por nada.
“Ninguém pode julgar quantas pessoas 
temiam o regime no final de década de 1930… mas abundantes fontes 
revelam… que a resposta a essa situação era limitada… Tal temor ocorria 
dentro de certas categorias da população…”, afirma Thurston. Seja qual 
for o momento analisado entre 1934 e 1941, um temor ao Governo era 
certamente menos importante do que a crença de que as autoridades 
buscavam identificar inimigos reais do país. Sobreviventes do período 
reforçam repetidamente este ponto de vista. Pelo menos entre 1939 e 1941
 é possível afirmar, com segurança, que os trabalhadores urbanos da URSS
 exibiam patriotismo, apoio à liderança de Stálin e confiança no seu 
direito e na sua capacidade de criticar importantes aspectos da 
situação.
Apoio do povo ao Governo soviético
Outro ponto de destaque na caricatura 
traçada pela burguesia sobre o Governo de Stálin é a questão da falta de
 liberdade de crítica. Vão de encontro a isso, no entanto, os inúmeros 
exemplos citados por Thurston de organizações dos próprios trabalhadores
 que tinham como objetivo discutir e criticar aspectos de suas vidas nas
 fábricas e no país. Uma dessas formas era através dos jornais das 
fábricas, nos quais qualquer trabalhador poderia contribuir. O jornal da
 fábrica de Voroshilov, em Vladivostok, por exemplo, recebeu mais de 
duas mil cartas para publicação somente no primeiro semestre de 1935.
Mas o principal teste do Governo de 
Stálin foi a resposta da população à Segunda Guerra Mundial. Segundo 
Thurston, não houve deserção em massa durante a guerra. A principal 
característica do Exército Vermelho foi sua assombrosa determinação de 
vencer, e essa foi a razão pela qual venceu. Assim, apesar de todos os 
erros que podem ter ocorrido nos processos do chamado “terror” no final 
dos anos 1930, a Segunda Guerra Mundial foi, segundo Thurston, o “teste 
ácido” de todo o período de Stálin, no qual não apenas os soldados do 
Exército Vermelho lutaram com toda determinação, como os trabalhadores 
que ficaram no país continuaram a produzir, em situações muitas vezes 
dificílimas, as armas, os tanques e os armamentos necessários para a 
vitória.
Glauber Athayde, Belo Horizonte
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