Publicado no Jornal AVERDADE
De
todo o nosso trabalho político-ideológico quotidiano, dos artigos que
lemos constantemente na imprensa, tal como dos relatórios que nos são
apresentados, destaca-se que o partido tem de enfrentar “mexericos”.
Queria agora dizer algumas palavras sobre a natureza destas
manifestações, das suas fontes, do que elas representam e qual é o seu
objetivo, pensando que isso possa servir para as combater.
Os mexericos são um fenômeno típico da
pequena-burguesia. Têm um caráter pequeno-burguês e são manifestações da
ideologia burguesa. Os mexericos mal intencionados são produto do
subjetivismo e não têm nada de comum com uma crítica sã, realista e
construtiva. Bem pelo contrário, têm um caráter difamador,
frequentemente calunioso, tanto com intenção como sem ela. Na maior
parte das vezes, são mexericos sem fundamento e, quando, raramente,
trata-se de um assunto que tenha qualquer fato concreto por base,
transforma-se em ato denegridor por efeito da própria forma sob a qual
se desenvolve e do juízo subjetivo daquele que interpreta o assunto.
Mesmo neste caso, de interpretação em interpretação feita por indivíduos
que se entregam à prática nociva dos mexericos, estes acabam por se
tornar calúnia. Deve-se ver aí um método de crítica dos mais odiosos,
próprio dos pequeno-burgueses. Não há nele qualquer atitude sã, de
princípio, nem construtiva, porque ele deforma os fatos, inventa,
intencionalmente ou não, circunstâncias não verificadas, porque procede
de boca a ouvido pelas costas e em prejuízo do elemento que toma como
alvo.
Os mexericos não têm nunca como objetivo
a correção do elemento visado; fazem, pelo contrário, um grande dano
tanto ao indivíduo como ao coletivo. Os que se entregam a esta prática
se apresentam como moralistas, pois disfarçam sempre os seus propósitos
maldizentes com uma “concepção moral elevada”, quando se trata, na
realidade, de uma concepção amoral, quer pelo espírito subjetivista que
inspira sua formação, quer pelos fundamentos em que repousa, quer pelas
formas que toma e pelos objetivos que persegue. Os que recorrem, como a
um método de conteúdo pretensamente político, a esses mexericos (que, de
fato, podem florescer em domínios diversos), não podem estar eles
próprios imbuídos de uma concepção política sã, pois as pessoas que têm
os pontos de vista subjetivistas que a prática pequeno-burguesa dos
mexericos pressupõe, nunca estão em condições de proceder a uma
verdadeira análise da situação política mediante o estudo dos fatos
reais de maneira objetiva. O método de organização do trabalho baseado
em tagarelices não pode ser um método correto de análise política. Os
que o empregam são, podemos dizer sem receio de nos enganarmos, ou
oportunistas ou interesseiros ou sectários ou conservadores.
Além dos males que acabo de invocar, os
mexericos suscitam querelas, disputas, rancores que podem ir até aos
homicídios. Provocam uma perturbação na sociedade, na sua harmoniosa
unidade ideológico-política, mas são também uma forma da luta de classe
por parte da burguesia derrubada do poder, para criar dificuldades à
ditadura do proletariado, para atormentar moralmente e nas coisas mais
íntimas as pessoas sãs da nossa sociedade. Deve-se compreender bem que
tal método, de conteúdo e de caráter reacionário, escolherá
inevitavelmente como primeiro alvo, a fim de os desacreditar e de os
desqualificar, precisamente os que combatem impiedosamente os
“mexericos”.
Combater implacavelmente os “mexericos”
sob as formas burguesas e pequeno-burguesas com que se apresentam, não
significa dissimular os erros que se manifestaram em qualquer domínio
político, ideológico, moral ou organizativo. Pelo contrário, a crítica
destes erros deve ser feita, mas deve repousar sobre sólidas bases de
princípio, apoiar-se bem sobre fatos, ser aberta, formulada cara a cara
ou perante o coletivo, no momento em que é necessária e não ser baseada
em simples suposições. A crítica deve, em todas as circunstâncias,
caracterizar-se por um objetivo moral, político e ideológico, ter uma
função educativa para o indivíduo ou para o coletivo criticados, nunca
ter como objetivo esmagar moralmente o elemento em causa, mas, pelo
contrário, elevar o seu moral para lhe permitir corrigir os seus erros.
Enfim, a crítica dirigida a pessoas que cometem erros na sua vida
privada ou no local onde trabalham não se deve transformar numa
preocupação dominante que dissimule, obscureça e entrave a justa solução
dos principais problemas que preocupam o Partido e o Estado. Sublinho-o
porque, com muita frequência, nas organizações de base do Partido
veem-se abrir debates que consistem em críticas individuais recíprocas
sob formas que não só fazem desleixar os problemas principais e
perturbam a vida da organização como, por vezes, rompem também a sua
unidade.
Por vezes, consolamo-nos dizendo que
estas críticas “não têm um caráter político”. Esta apreciação é errada.
Elas têm um caráter político e ideológico, precisamente porque
suscitaram a discórdia e a divisão no seio da organização. Não se trata
aqui de não criticar os que cometem erros; eles devem ser criticados sem
falta sob as formas e pelas razões que invoquei mais atrás, mas devemos
precaver-nos cuidadosamente contra críticas baseadas em intrigas, de
essência subjetivista, e os seus efeitos desmoralizantes e
antieducativos.
Assim, o Partido deve compreender
convenientemente o aspecto perigoso, nos planos político, ideológico e
organizativo, dos “mexericos”, a fim de que eles possam ser combatidos
com rigor, como é preciso que o sejam. Se o perigo que eles representam
não for bem compreendido pelos comunistas, se estes, na vida, caem na
prática deste método pequeno-burguês, “os mexericos” penetrarão de forma
sorrateira dentro do Partido, que então não estará em condições de
combater esta prática perniciosa entre as massas.
Por isso, agucemos a nossa vigilância e
combatamos este hábito nocivo, por onde quer que ele se manifeste, em
primeiro lugar em nós próprios, no Partido e entre as massas.
Em geral, são os ociosos que se entregam
às maledicências, às tagarelices, mas não são os únicos a fazê-lo. Em
primeiro lugar, encontraremos este hábito entre as pessoas de um nível
de formação política e ideológica pouco elevada, entre os que se
comprazem numa vida cultural oca, que não vivem como deve ser com as
ideias novas que o Partido e as massas desenvolvem e que não combatem
para as pôr em prática. Os portadores destas tagarelices são elementos
apodrecidos com preconceitos atrasados, ou incapazes de romper com o
modo e as formas arcaicas de vida, com os costumes do passado. Mas são
iguais também os que se apresentam como elementos “modernizados”, mas
nos quais esta espécie de modernização não passa de uma degenerescência
do caráter e de um refinamento ainda mais perigoso da prática dos
“mexericos”.
Outrora, o tempo passado no café ou as
visitas de umas pessoas à casa das outras eram ocasião para longas
conversas. “Mata-se o tempo”, dizia-se, mas isso se fazia falando de uns
e de outros, passando a sua vida pelo crivo. Tal prática, embora
consideravelmente emendada, prossegue ainda hoje. Há camaradas que se
lamentam justamente da abertura de um número demasiado de cafés. Não foi
dada qualquer ordem para abrir cafés a seguir uns aos outros; portanto,
os únicos responsáveis por este estado de coisas são os próprios
camaradas dos distritos, que se lamentam disso e que são os próprios a
autorizá-lo. Se levanto este problema, não é para que se fechem todos os
cafés, pois isso não seria uma medida judiciosa. Contudo, não se deve
considerar este problema unicamente sob o seu aspecto comercial; deve-se
ter igualmente em conta o descanso necessário dos trabalhadores. Que o
café se torne efetivamente um lugar de ócios cultivados, isso depende,
antes de mais, dos próprios clientes que o frequentam, da sua
mentalidade, do nível da sua formação ideológica e política, da intenção
com que vão para lá. Se uma pessoa frequenta o café até ao ponto de
desleixar o seu lar e a sua família, se o frequenta para beber e se
embriagar, para aí dizer mal de todos os que entram e saem ou para fazer
escândalos, então o café torna-se um lugar de mexericos. É evidente que
a responsabilidade não recai somente sobre o local, mas também sobre
seus frequentadores. Assim, se é verdade que não devemos abrir cafés
demais, é, antes de mais, necessário trabalhar para a educação das
pessoas, porque se esta primeira condição não for cumprida, estas
pessoas não educadas se dedicarão então aos seus desmandos, invadirão os
nossos estabelecimentos culturais que não se chamam cafés, mas que
facilmente podem vir a sê-lo.
Portanto, temos muito a fazer no domínio
da direção e da educação da classe operária e dos trabalhadores. Como
se enganam os camaradas que me escrevem nas suas cartas frases como
estas: “Sepultamos para todo o sempre e profundamente as leis do cânone
do Lek”(1),
“a influência da religião foi suprimida” e outras afirmações deste
gênero, que denotam uma falta de maturidade. Bem entendido, estes
camaradas não têm dúvidas de que é difícil adormecer o Partido ou a mim
próprio com tais afirmações retumbantes, mas não se trata aqui de uma
tentativa, ainda que involuntária, de mentira, de mistificação ou de uma
falta de aprofundamento da situação política, ideológica e social das
regiões onde estes camaradas trabalham e vivem. Os grandes resultados
obtidos não representam mais do que uma parte dos que devemos atingir,
e, para fazê-lo, devemos saltar ainda muitos obstáculos, que não podemos
vencer de outro modo senão lutando e ao preço de esforços, e não com
palavras ocas e fanfarronices. A elevação político-ideológica, o
trabalho bem organizado e a simplicidade comunista do caráter permitem
vencer as dificuldades e obter os êxitos desejados.
Enver Hoxha
Notas:
(1) Referência ao “Cânone de Lek Dukagjini”, coletânea de normas, costumes e usos medievais feita pelo padre Shtjefen Gjeçov, cuja sobrevivência se manifesta ainda hoje em algumas regiões da Albânia. O “Cânone” foi usado pelo clero para preservar a exploração e manter as populações na ignorância. Primeira Edição: Tirana, 12 de Setembro de 1969.
*Enver Hoxha nasceu em Gjirokastër, na Albânia. Após a invasão da Albânia pela Alemanha, em 1941, Hoxha, junto com outros militantes, fundou o Partido Comunista da Albânia, que posteriormente adotou a denominação de Partido do Trabalho da Albânia (PTA). Foi Secretário do Comitê Central do PTA. De 1944 até 1954 foi primeiro-ministro da Albânia.
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