Por
Manifestação
da Liga de Defesa Inglesa, racista e anti-islâmica
Partidos
xenófobos podem eleger dezenas de eurodeputados, em 25/5. Esquerda não
conseguirá enfrentá-los sem retomar laços com as populações empobrecidas
Uma coisa
é certa: as eleições europeias do final de maio trarão um aumento notável do
voto de extrema direita. E incorporarão ao Parlamento Europeu u número
considerável de novos deputados ultradireitistas. Atualmente, eles se
concentram em dois grupos: o Movimento pela Europa das Liberdades e da
Democracia (MELD) e a Aliança Europeia de Movimentos Nacionais (AEMN). Juntos,
reúnem 47 eurodeputados – 6% de 766 cadeiras1.
Quantos serão, depois de 25 de maio? O dobro? Um número suficente para bloquear
as decisões do Parlamente Europeu e, em consequência, o funcionamento da União Europeia?2
A verdade
é que, desde há vários anos e em particular desde que se agudizaram a crise da
democracia participativa, o desastre social e a desconfiança diante da União
Europeia (UE), quase todas as eleições nos países do bloco traduzem-se numa
irresistível subida da extrema-direita. As recentes sondagens de opinião
confirmam que, nas eleições de maio, poderia aumentar consideravelmente o
número dos representantes dos partidos ultras: Partido pela Independência do
Reino Unido, UKIP (Reino Unido)3;
Partido da Liberdade, FPÖ (Áustria); Jobbik (Hungria); Aurora Dourada (Grécia);
Liga Norte (Itália); Verdadeiros Finlandeses (Finlândia); Vlaams Belang
(Bélgica); Partido da Liberdade, PVV (Holanda); Partido do Povo Dinamarquês, DF
(Dinamarca); Democratas de Suécia, DS (Suécia); Partido Nacional Eslovaco, SNS
(Eslováquia); Partido do Ordem e a Justiça, TT (Lituânia); Ataka (Bulgária);
Partido da Grande Roménia, PRM (Roménia); e Partido Nacional-Democrata, NPD
(Alemanha).
Na
Espanha, onde a extrema-direita esteve no poder mais tempo que em qualquer
outro país europeu (de 1939 a 1975), esta corrente tem hoje pouca
representatividade. Nas eleições de 2009 para o Parlamento Europeu só obteve
69.164 votos (0,43% dos sufrágios válidos). Ainda que, normalmente, ao redor de
2% dos espanhóis se declare de extrema-direita (o que equivale a uns 650 mil
cidadãos). Em janeiro passado, dissidentes do Partido Popular (PP, conservador)
fundaram o Vox, um partido situado à “direita da direita” que, com jargão
franquista, recusa o “Estado partidocrático”, defende o patriotismo e exige “o
fim do Estado das autonomias” e a proibição do aborto.
Mas o
movimento de extrema-direita mais importante da Espanha é a Plataforma per
Cataluña (PxC), que conta com 67 vereadores. O seu líder, Josep Anglada, define
o grupo como “um partido identitário, transversal e de forte conteúdo social”
mas com uma dura posição anti-imigrantes: “Na Espanha”, afirma Anglada,
“aumenta dia a dia a insegurança cidadã, e grande parte desse aumento da
insegurança e do crime é culpa dos imigrantes. Defendemos que cada povo tem o
direito a viver segundo os seus costumes e identidade nos seus próprios países.
Precisamente por isso, opomo-nos à chegada da imigração islâmica ou de qualquer
outro lugar extraeuropeu”.
Quanto à
França, nas eleições municipais de março passado, a Frente Nacional (FN),
presidida por Marine Le Pen, ganhou as câmaras de uma dúzia de grandes cidades
(entre elas Béziers, Hénin-Beaumont e Fréjus). E, em escala nacional, conseguiu
mais de 1.600 cadeiras de vereadores: um fato sem precedentes.
Talvez o
mais insólito ainda esteja talvez por vir. As sondagens indicam que, nas
eleições de 25 de maio, a FN obteria entre 20% e 25% dos votos4.
Caso isso se confirme, irá converter-se no primeiro partido de França, à frente
da conservadora União por um Movimento Popular (UMP), e muito à frente do
Partido Socialista do presidente François Hollande. Uma autêntica bomba.
A
rejeição à UE e a saída do euro são dois dos grandes temas comuns das
extremas-direitas europeias. E, neste momento, encontram um eco muito favorável
no ânimo de tantos europeus violentamente atingidos pela crise. Uma crise que
Bruxelas agravou com o Pacto de Estabilidade5
e as suas políticas cruéis de “austeridade” e de cortes de direitos, causas de
enormes desastres sociais. Há 26 milhões de desempregados, e a percentagem de
jovens de menos de 25 anos no desemprego atinge cifras espantosas (61,5% em
Grécia, 56% na Espanha, 52% em Portugal). Exasperados, muitos cidadãos repudiam
a UE6.
Crescem o euroceticismo e a eurofobia. E isso conduz em muitos casos à
convergência com os partidos ultras.
Mas é
também preciso dizer que a extrema-direita europeia mudou. Durante muito tempo,
prevaleceram as ideologias nazi-fascistas dos anos 1930, com a sua parafernália
nostálgica e sinistra (uniformes paramilitares, saudação romana, ódio
antissemita, violência racista…). Esses aspetos – que ainda persistem, por
exemplo, no Jobbik húngaro e no Aurora Dourada grego – foram desaparecendo
progressivamente. Em seu lugar foram surgindo movimentos menos
“infrecuentáveis” porque aprenderam a dissimular essas facetas detestáveis,
responsáveis dos seus constantes fracassos eleitorais. Atrás ficou o
antissemitismo que caracterizava extrema-direita. Em seu lugar, os novos ultras
puseram a ênfase na cultura, na identidade e nos valores, frente ao aumento da
imigração e à suposta “ameaça” do Islã.
Com a
intenção de “desdemonizar” sua imagem, agora abandonam também a ideologia do
ódio e adotam um discurso radical de rejeição do sistema, de crítica (mais ou
menos) argumentada da imigração (em particular muçulmana e romeno-cigana) e de
defesa dos “brancos pobres”. O seu objetivo declarado é atingir o poder. Usam
intensivamente a internet e as redes sociais para convocar manifestações e
recrutar novos membros. E seus argumentos, como dissemos, cada vez encontram
maior eco nos milhões de europeus destroçados pelo desemprego em massa e as
políticas de austeridade.
Na
França, por exemplo, Marine Le Pen ataca com maior radicalidade que qualquer
dirigente político da esquerda o “capitalismo selvagem”, a “Europa
ultraliberal”, os “destroços da globalização” e o “imperialismo econômico dos
Estados Unidos”7.
Os seus discursos seduzem amplos fragmentos das classes sociais trabalhadoras
atingidas pela desindustrialização e as deslocalizações, que aplaudem a líder
do FN quando declara, citando um ex-secretário-geral do Partido Comunista Francês,
que “é preciso deter a imigração; se não, mais trabalhadores serão condenados
ao desemprego”. Ou quando defende o “proteccionismo seletivo” e exige que se
bloqueio o livre comércio porque este “obriga os trabalhadores franceses a
competirem com todos os trabalhadores do planeta”. Ou quando reclama o
“pertencimento nacional” em matéria de acesso aos serviços da segurança social
que, segundo ela, “devem estar reservados às famílias nas quais pelo menos um
dos pais seja francês ou europeu”. Todos estes argumentos encontram apoio e
simpatia nas áreas sociais mais castigadas pelo desastre industrial, onde
durante décadas o voto à esquerdas era a norma8.
Mas o
novo discurso da extrema-direita tem um alcance que vai além das vítimas
diretas da crise. Toca de alguma maneira esse “desenraizamento identitário” que
muitos europeus sentem confusamente. Responde ao sentimento de
“desestabilização existencial” de inúmeros cidadãos atacados pelo duplo golpe
da globalização e de uma UE que não cessa de se ampliar.
Tantas
certezas (em matéria de família, de sociedade, de nação, de religião, de
trabalho) balançaram, nestes últimos tempos, que muita gente perde pé. Em particular
as classes médias, asseguradoras até agora do equilíbrio político das
sociedades europeias – mas que agora, veem a sua situação desmoronar-se sem
remédio. Correm o risco de mudar de classe. De resvalar para o abismo que as
conduz ao encontro das classes pobres, de onde pensavam (pelo credo no
Progresso) ter saído para sempre. Vivem em estado de pânico.
Nem a
direita liberal, nem as esquerdas souberam responder a todas estas novas
angústias. E o vazio foi preenchido pela extrema-direita. Como afirma Dominique
Reynié, especialista dos novos populismos na Europa, “a extrema-direita foi a
única que tomou em conta o desenraizamento das populações afetadas pela erosão
de seu patrimônio material – desemprego, queda do poder aquisitivo – e do seu
património imaterial, isto é, o seu estilo de vida ameaçado pela globalização,
a imigração e a União Europeia”9.
Nas
últimas duas décadas, as esquerdas europeias dedicaram toda sua atenção e
energia a – legítimas – questões societárias (divórcio, casamento homossexual,
aborto, direitos dos imigrantes, ecologia). Mas ao mesmo tempo, camadas da
população trabalhadora e camponesa foram abandonadas a sua má sorte. Sem sequer
palavras de compaixão: sacrificadas em nome dos “imperativos” da construção
europeia e da globalização. A essas camadas órfãs, a extrema-direita soube
falar, identificar os seus infortúnios e prometer soluções. Não sem demagogia.
Mas com eficácia.
Consequência:
a União Europeia dispõe-se a lidar com a extrema-direita mais poderosa que o
Velho Continente já conheceu, desde a década de 1930. Sabemos como acabou
daquela vez. Que esperam os democratas para acordar?
2 As pesquisas mais sérias indicam que, depois de 25
de maio, o número de deputados europeus de extrema direita pode passar de 47 a
71. Ler “Élections européennes 2014:
vers ??une?? extrême droite européenne?”, Fundación Robert Schuman.
3Uma sondagem realizada pelo YouGov em 6 de abril de
2014 no Reino Unido atribui ao Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP)
40% das intenções de voto e pelo menos vinte deputados europeus.
4Segundo um estudo de imagem do FN, realizado em
fevereiro de 2014 pelo Instituto TNS Sofres, o número de franceses que aderem
às suas ideias é de 34%.
5O Pacto de Estabilidade e de Crescimento proíbe os
governos europeus da zona euro de ter um déficit orçamentário superior a 3% do
PIB.
6O último estudo Eurobarómetro, publicado em
dezembro de 2013, revela que só 31% dos europeus têm uma imagem positiva da UE
(em comparação com 48%, em março de 2008).
7Leia-se “Nouveaux visages des extrêmes droites”,
Manière de voir, n.°134, Paris, abril-maio de 2014.
8Segundo uma sondagem publicada pelo diário Le
Monde, a imagem da presidente do FN recebe cada vez mais opiniões
favoráveis: 56% dos interrogados acham que ela “entende os problemas
quotidianos dos franceses” e 40%, que “tem novas ideias para resolver os problemas
de França”.
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