Por Matthew Duss, no Prospect | Tradução: Gabriela Leite
Provavelmente é perspicaz enxergar com algum ceticismo o acordo entre as principais facções palestinas, Fatah e Hamas, anunciado na última quinta-feira (24/4). Ambos os grupos concordaram em criar um governo de consenso e realizar eleições ainda este ano. Anunciados com similar alarme, os acordos em Cairo, em 2011, e em Doha, 2012, não levaram a lugar algum. Naquelas ocasiões, nenhuma das partes acreditou que tinha mais a ganhar do que a perder, com um acordo de compartilhamento de poder.
Mas existem razões para acreditar que dessa vez será diferente. O acordo surgiu após o envio, à Faixa de Gaza [controlada pelo Hamas], da primeira delegação da Organização pela Libertação da Palestina (OLP, dirigida pela Fatah), desde a brutal guerra civil entre os dois grupos, em 2007. O acordo foi assinado na Palestina — na cidade de Gaza, para ser exato — ao invés de alguma outra capital estrangeira. Ainda mais, a reconciliação permanece amplamente popular entre palestinos. Em março de 2011, com protestos anti-governo se espalhando pela região, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas em Gaza e na Cisjordânia para pedir o fim da divisão. Uma pesquisa de abril de 2013, feita pelo Centro de Mídia e Comunicações de Jerusalém, descobriu que mais de 90% da população eram favoráveis à reconciliação entre as duas facções.
É importante compreender de que modo as dinâmicas políticas internas da Palestina ajudaram a produzir esta mudança, ao colocarem ambas as facções sob enorme pressão. Em meio ao que seus líderes proclamaram um “Despertar Islâmico” na região, o Hamas havia construído uma visão otimista sobre suas próprias perspectivas, assumindo que iria se beneficiar do advento de uma onda de governos dominados por islâmicos, no Oriente Médio. Mas viu sua sorte mudar drasticamente, ao longo do último ano. O golpe de Estado no Egito, em julho de 2013, removeu o governo de Mohammed Morsi, dominado por membros da Irmandade Muçulmana (o Hamas foi fundado como o braço palestino da Irmandade). O novo governo militar egípcio fechou a maior parte dos túneis que ligavam o país à Faixa de Gaza, e eram vitais para abastecimento desta região. Também removeu uma fonte-chave de receitas de Hamas, que tributava o comércio nos túneis.
Mas a situação da Fatah também era difícil. Com as negociações com Israel (nas quais ele entrou contra a vontade da maioria de seu próprio partido) na UTI, o presidente palestino Mahmoud Abbas viu claramente, na reconciliação, um trunfo para ampliar sua popularidade em um momento em que está em uma posição relativamente mais forte com o Hamas. O que falta saber é se ele vê este movimento como algo destinado a fortalecer sua posição, nas negociações com Israel; se o enxerga como um passo para deixar estas negociações de lado; ou se considera ambas as hipóteses.
A reação ultrajada de legisladores norte-americanos ilustra o desafio (ainda maior) diante do qual estará o governo Obama — em seus esforços já frágeis para facilitar um acordo final entre Israel e Palestina. Os EUA e a União Europeia tratam o Hamas como uma organização terrorista, acusando-o de múltiplos atos de assassinato, entre meados dos anos 1990 e o início dos anos 2000, e por frequentes ataques a Israel, realizados a partir de Gaza, por meio de foguetes. A carta do Hamas permanece como um documento profundamente ofensivo, que cita a justificativa religiosa para matar judeus. Outra questão importante é se este acordo, e a reincorporação do Hamas à Autoridade Palestina, significam que o grupo afastou-se daquele documento, abandonando seu objetivo de longa data de destruir Israel, e se aproximou da solução de dois Estados.
Jibril Rajoub, um dirigentes graduado do Fatah, insistiu ontem que o Hamas deu o passo. “Nós não estaríamos concordando em assinar um acordo de reconciliação sem estar claro a todas as facções que estamos nos direcionando nossa nação para frente, para uma solução de dois Estados”, ele disse. “Eu espero que Israel permita a continuidade das negociações de paz, com base na ideia de dois Estados para dois povos.”
Mas isso será o suficiente para satisfazer a chamada “comunidade internacional”? Em respostas à vitória eleitoral do Hamas, em 2006, o quarteto liderado pelos EUA — que inclui a ONU, a União Europeia e a Rússia — impôs três condições ao grupo para se reunir ao governo palestino: renunciar ao terrorismo, reconhecer Israel e honrar os acordos passados assinados entre israelenses e palestinos. (Não se menciona, a respeito, o fato de o governo israelense incluir partidos que se opõem à existência do Estado palestino…)
O governo dos EUA respondeu negativamente às novidade. A porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, qualificou como “decepcionante” o acordo de unidade palestina e acrescentou que ele “levanta preocupações sobre nossos esforços para estender as negociações.” A União Europeia, por outro lado, deu boas-vindas ao acordo. “A UE clamou consistentemente por uma reconciliação intra-palestina por trás”, declarou o porta-voz Michael Mann, chamando o acordo de um “elemento importante para a unidade de um futuro Estado palestino e para alcançar a solução de dois Estados.”
Como já fez com os anúncios anteriores, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu rejeitou o movimento. “Esta noite, enquanto as conversas sobre paz estão começando a tomar rumo, o Abbas escolheu o Hamas, e não a paz” disse um comunicado divulgado por seu gabinete. “Quem quer que escolha o Hamas não quer paz”. É difícil imaginar que este apelo tenha peso junto a Abbas, dado que as conversas de paz mantidas no último ano alcançaram pouco, e foram acompanhadas por um aumento sem precedentes da construção de colônias de ocupação israelenses.
O gabinete de segurança de Israel decidiu, na semana passada, suspender as negociações com os palestinos. Mas diversos analistas israelenses foram rápidos em afirmar que o acordo Fatah-Hamas representa uma oportunidade para seu país. Críticos das negociações notaram que a desunião entre a Cisjordânia e Gaza — uma, governada pela Autoridade Palestina controlada pelo Fatah, outra, dirigida pelo Hamas — torna sempre mais difícil um acordo de paz. Os líderes israelenses “argumentaram que Abbas não representa, na verdade, o povo palestino e que nenhum progresso poderia ser feito enquanto o Autoridade Palestina não controlar Gaza”, escreveu Barak Ravid no diário israelense Haaretz. “O acordo de reconciliação, se implementado, poderia prover uma resposta para estes argumentos, criando um governo que representasse todos os palestinos.”
“Seria incorreto apresentar um ultimato à OLP, embora seja preciso escolher entre negociações com Israel e uma reaproximação com o Hamas, escreveu Ildo Zelkovitz, ligado ao think-tank israelense Mitvin. “A possível estabilidade do sistema político palestino pode favorecer Israel, e se a reconciliação for alcançada, qualquer processo político iniciado por Abbas com Israel pode envolver também o Hamas.
Falta saber se os EUA terminarão optando por este ponto de vista. Para o secretário de Estado, John Kerry, que vê um acordo entre Israel e Palestinos como uma prioridade de sua passagem pelo posto, o anúncio da reconciliação Fatah-Hamas complica um processo já difícil. Mas apesar das dificuldades das últimas semanas, e como já notei, ele pode agir com criatividade. A questão é se se será suficientemente criativo para converter os fatos recentes numa oportunidade.
Fonte: OUTRASPALAVRAS
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