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quinta-feira, 10 de abril de 2014

Lavrov: “Não é a Rússia quem está desestabilizando a Ucrânia”

A crise profunda e generalizada na Ucrânia é tema de grave preocupação para a Rússia. Entendemos perfeitamente bem a posição de um país que se tornou independente há apenas 20 anos e que ainda tem pela frente tarefas complexas na construção de um estado soberano.





Por Serguei Lavrov, no The Guardian


Dentre elas, a busca de algum equilíbrio entre os interesses de suas várias regiões, de povos que têm raízes históricas e culturais diferentes, falam línguas diferentes e têm diferentes perspectivas sobre o próprio passado e presente, e sobre o lugar futuro de seu país no mundo.

Dadas essas circunstâncias, o papel de forças externas deve ser ajudar os ucranianos a proteger as fundações da paz civil e do desenvolvimento sustentável, que ainda são frágeis.

A Rússia fez mais que qualquer outro país para apoiar o estado ucraniano independente, incluindo subsidiar por muitos anos a economia ucraniana mediante baixos preços da energia. Em novembro passado, no início da atual crise, apoiamos o desejo de Kiev, de consultas urgentes entre Ucrânia, Rússia e a União Europeia, para discutir a harmonização do processo de integração. Bruxelas rejeitou completamente a ideia. Essa atitude refletiu a linha perigosa e improdutiva já tomada pela União Europeia e pelos EUA, há muito tempo. Tentavam já forçar a Ucrânia a fazer uma dolorosa escolha entre leste e oeste, o que agravou as diferenças internas.

Sem considerar as realidades na Ucrânia, foi fornecido apoio massivo a movimentos políticos que promoviam a influência ocidental, e isso foi feito em direta violação da Constituição da Ucrânia. Foi o que aconteceu em 2004, quando o presidente Viktor Iuchtchenko venceu um terceiro turno inconstitucional das eleições, introduzido sob pressão da União Europeia. Agora, o poder em Kiev foi tomado por vias não democráticas, mediante violentas ações de rua das quais participaram diretamente ministros e outros altos funcionários dos EUA e de países da União Europeia.

Afirmativas de que a Rússia tivesse empreendido qualquer esforço para minar parcerias dentro do continente europeu são falsas, não correspondem aos fatos. Ao contrário, nosso país promoveu com constância um sistema de segurança igual e indivisível na área euro-atlântica. Propusemos assinar um tratado para esse efeito, e defendemos a criação de um espaço econômico e humano comum do Atlântico ao Pacífico, que seria também aberto aos países pós-soviéticos.

Simultaneamente, estados ocidentais, apesar de repetidamente garantir que não, promoveram sucessivas ondas de expansão da OTAN, moveram a infraestrutura militar da aliança para o leste e puseram-se a implementar planos de defesa antimísseis. O programa da Parceria Ocidental da União Europeia está desenhado para amarrar fortemente à Europa os chamados estados-foco, vedando-lhes a possibilidade de cooperação com a Rússia.

Os esforços, pelos que encenaram a secessão do Kossovo, hoje separado da Sérvia, e de Mayotte, hoje separado de Comoros, para questionar a livre vontade dos crimeanos só podem ser interpretados como flagrante manifestação de duplicidade de padrões. Não menos estranha é a ação de fingir que não sabe que o principal perigo a ameaçar o futuro da Ucrânia é que o caos gerado por extremistas e neonazistas se espalhe.

A Rússia está fazendo tudo que pode para promover a rápida estabilização na Ucrânia. Estamos firmemente convencidos de que ela pode ser alcançada, mediante, dentre outros passos: uma verdadeira reforma constitucional, que assegure os direitos legítimos de todas as regiões da Ucrânia e responda às demandas da região sudeste, de fazer do idioma russo a segunda língua oficial do estado; firmes garantias de que o status de estado não alinhado da Ucrânia seja consagrado na lei do país, consagrando assim o seu papel de elo de conexão numa arquitetura de segurança indivisível para toda a Europa; e medidas urgentes para pôr fim às formações armadas ilegais do Setor Direita e de outros grupos ultranacionalistas.

Não estamos impondo coisa alguma a ninguém. Apenas vemos que, se isso não for feito, a Ucrânia continuará em espiral rumo à crise, com consequências imprevisíveis. Permanecemos prontos a nos somar aos esforços internacionais que visam a alcançar esses objetivos. Apoiamos o apelo feito pelos ministros de Relações Exteriores de Alemanha, França e Polônia, para que seja implementado o acordo de 21 de fevereiro. A proposta deles – de fazerem-se conversações Rússia-União Europeia, com a participação da Ucrânia e de outros estados da Parceria Ocidental, sobre as consequências de acordos de associação com a União Europeia – corresponde à posição da Rússia.

O mundo de hoje não é escola primitiva, na qual os professores distribuam castigos à vontade. Declarações beligerantes, como as que se ouviram na reunião de ministros da OTAN em Bruxelas, dia 1º de abril, não correspondem a demandas por uma desescalada. A desescalada deve começar por desescalar-se a retórica. É hora de pôr fim ao aumento infundado da tensão, e de voltar ao trabalho conjunto, sério.

*Diplomata e desde 2004 ocupa o cargo de Ministro das Relações Exteriores da Rússia . Sua nomeação foi aprovada por dois presidentes da Rússia , em 2008 por Dmitry Medvedev e em 2012 por Vladimir Putin. Antes disso, Lavrov atuou na diplomacia como embaixador da Rússia à Organização das Nações Unidas (1994-2004). Além de seu russo nativo, Lavrov fala inglês, francês e cingalês.

Fonte: O VERMELHO. Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu

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