Por Peter Kornbluh
Reproduzido da seção “Tendências/Debates” daFolha de S.Paulo, 1/4/2014, tradução de Paulo Migliacci; intertítulo do OI
No 50º aniversário do golpe de Estado, João Vicente Goulart apelou ao
Senado brasileiro para que este solicite a liberação dos documentos
norte-americanos ainda sigilosos sobre as operações clandestinas que
contribuíram para a derrubada do governo de seu pai.
Dadas a atual tensão bilateral entre Brasil e Estados Unidos, parece
improvável que o governo Obama aceite. Ao menos, não por ora. Mas se há
uma oportunidade de usar a liberação de documentos como um instrumento
diplomático, o momento é agora e o lugar é o Brasil.
Washington vem praticando a arte da diplomacia via liberação de
documentos em diversos países. Como outros instrumentos de política
externa, os registros históricos podem ser uma poderosa contribuição
para a promoção dos interesses dos Estados Unidos no que tange à
estabilidade e à promoção de uma comunidade mundial pacífica.
A despeito das tensões com o governo Rafael Correa, por exemplo, o
governo Bush fez um gesto importante ao liberar documentos solicitados
pela Comissão da Verdade do Equador. Depois da detenção do general
Augusto Pinochet em Londres, o governo Clinton ordenou a revisão e
liberação de 23 mil documentos sobre o Chile.
Para seu crédito, o governo norte-americano há quase 40 anos vem
liberando documentos secretos sobre seu papel no golpe brasileiro, por
meio de reclassificação de confidencialidade. Até mesmo gravações de
conversas dos presidentes Kennedy e Johnson com seus assessores sobre as
complicadas maquinações do golpe, a mudança de regime e uma intervenção
militar no Brasil agora estão disponíveis ao público.
Arquivos sombrios
Com base nesses registros, conhecemos detalhes da operação “Brother
Sam” –o plano do Pentágono para fornecer armas, gasolina e até mesmo
soldados a fim de garantir o sucesso do golpe militar. “Não queremos que
as Forças Armadas brasileiras ajam antes que tudo esteja preparado”,
afirma um memorando da Casa Branca classificado como “top secret” e
datado de 30 de março de 1964. No entanto, as ações clandestinas da CIA
(Agência Central de Inteligência) no Brasil na época continuam
sigilosas.
Para um país orgulhoso e independente como o Brasil, a arrogância
imperial e a audácia que esses registros demonstram são ofensivas, para
dizer o mínimo. Mas se há um resultado positivo do significativo
envolvimento norte-americano no golpe e com os regimes militares que se
seguiram é o registro histórico detalhado que isso propiciou.
Os arquivos contêm milhares de cabogramas e memorandos de conversações
que podem iluminar, e iluminarão, o acontecido nos anos de repressão no
Brasil. Um cabograma de 1973 do Departamento de Estado, liberado
recentemente e fornecido à Comissão Nacional da Verdade, por exemplo,
revela a existência de uma central de inteligência militar na cidade de
Osasco (SP) onde ocorreram violações sistemáticas e grotescas dos
direitos humanos.
Um dos torturadores daquele centro se vangloriou a norte-americanos de
usar a infame técnica de tortura do pau de arara. Ele também ofereceu
um relato de uma técnica de execução que descreveu como “costurar” o
suspeito, ou seja, crivá-lo de balas de metralhadora de cima abaixo. A
embaixada norte-americana reportou que matar suspeitos de terrorismo era
“procedimento padrão” em São Paulo.
Esses documentos se provarão inestimáveis para a Comissão da Verdade,
bem como para os cidadãos brasileiros e norte-americanos –especialmente
porque as Forças Armadas e os serviços de inteligência brasileiros
parecem ter dado fim aos seus arquivos sombrios da mesma forma que
punham fim às suas vítimas. O direito de saber continua a ser
fundamental para a saúde democrática de nossas sociedades.
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Peter Kornbluh, 57, é diretor do projeto de documentação sobre o Brasil
do centro de pesquisa Arquivo de Segurança Nacional, em Washington
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