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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Brasil, tortura coloca o País no 'banco mundial dos réus'

 


VITÓRIA/BRASIL - As seções de tortura e espancamento de presos, e as humilhações aos familiares deles, praticados pela polícia e agentes penitenciários no Brasil, colocaram o País no "Banco dos Réus" dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Por ANTONIO CARLOS LACERDA
A polícia e os agentes penitenciários brasileiros - dois dos mais imundos cânceres sociais, respeitadas as honrosas e devidas exceções, embora poucas - são os mais violentos, selvagens e cruéis de todo o mundo. Certa feita, o jurista Sobral Pinto, ao defender o líder comunista Luiz Carlos Prestes, foi obrigado a avocar o
Código de Proteção aos Animais devido a violência que os agentes do ditador Getúlio Vargas estavam usando contra seu cliente na prisão.
A violência, a crueldade e a tortura praticadas pelo governo, através de seus agentes, contra os presidiários brasileiros não têm semelhante em todo o planeta. No Brasil, principalmente no Estado do Espírito Santo, Sudeste do País, região mais nobre e próspera do território nacional, a violência, o espancamento e a tortura contra presos e as humilhações aos seus familiares foram o estopim que colocou o Brasil no "Banco dos Réus" da OEA e da ONU, uma vergonha nacional aos olhos do mundo.
Imagens fotográficas que registraram as atrocidades contra presos no Brasil, tais como esquartejamentos e estrangulamentos, são impublicáveis, face o respeito que se deve dar ao ser humano. Apesar da tamanha gravidade da violência contra os presidiários no Brasil, nada tem sido feito em termos de punição dos culpados, que são protegidos pela couraça da intocável unidade corporativa classista.
O Espírito Santo é o estado onde a tortura a presos - tanto no momento da prisão como dentro dos presídios - ultrapassou os limites da barbárie. Nos presídios do Estado, presos são obrigados a se submeterem aos mais desumanos e cruéis "procedimentos" desferidos pelos agentes do governo: polícia e agentes penitenciários.
Os "procedimentos" de tortura a presidiários no Espírito Santo tem até uma espécie de manual, visando o bom desempenho do torturador. No governo do economista Paulo Cesar Hartung Gomes, os presídios do Espírito Santo ficaram mundialmente conhecidos por 'Masmorras do Hartung', tamanha a crueldade e violência com que os presidiários e seus familiares eram tratados pelos agentes do Estado - polícia e agentes penitenciários.
Com a alternância de chefe de Governo, saindo Paulo Hartung e entrando Renato Casagrande, esperava-se que a tortura a presidiários fosse ser erradicada do sistema prisional do Estado. Entretanto, apesar da cinematográfica performance de Renato Casagrande, derrubando as 'masmorras do Hartung', logo no inicio de seu governo, o que se vê atualmente é o mesmo quadro de incrível violência e requintada crueldade praticadas contra presidiários no Espírito Santo.
Aliás, no Espírito Santo, os presídios são verdadeiras 'universidades do crime', depósitos de restos humanos, esgoto da imundice estatal, face o quadro dantesco que o sistema prisional do Estado projeta o Brasil aos olhos críticos da opinião pública mundial.
O próprio presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, chegou a dizer que "Não é possível que em pleno Século XXI o ser humano ainda tenha que conviver com o lamentável e degradante expediente da tortura".
Foi ele, Pedro Valls Feu Rosa, que em 15 de dezembro de 2011, ao tomar posse na Presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo se desculpou, em nome de todo o Poder Judiciário, com "aqueles que têm fome e sede de justiça, por não te-los saciados".
No Brasil, a Lei 9455/97, de 7 de abril de 1997, conhecida por Lei de Tortura, diz que constitui crime de tortura:
I. Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
II. Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
§ 1º Na mesma pena incorre quem submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.
Por causa do Espírito Santo ter se tornado o Estado Brasileiro que mais pratica a tortura oficial, o Tribunal de Justiça criou a Comissão de Enfrentamento à Tortura, uma espécie de canal da dignidade humana, visando combater a tortura a presos. A Comissão, que não tem semelhante no Brasil nem no mundo, foi idealizada pelo próprio desembargador Pedro Valls Feu Rosa, e tem como objetivo o levantamento e análise de inquéritos policiais, representações no Ministério Público e ações penais que envolvam prática de tortura; a divulgação dos resultados no Programa de Transparência do Judiciário; e, a realização periódica de visita surpresa e fiscalização, em parceria com colegiados, nos locais onde há denúncias de privação de liberdade.
Tem, também, a finalidade de propor ações de prevenção à tortura aos órgãos competentes no Estado e agir de acordo com os dispositivos da Convenção Contra à Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU).
O desembargador Pedro Valls Feu Rosa disse que "É inaceitável que seres humanos sejam torturados pelo Estado. Mais inaceitável ainda que o sejam rotineiramente, à luz do dia e de forma massificada. E atinge-se o paroxismo quando os torturadores agem sob as bênçãos dos omissos, daqueles cujo credo é o de tudo ser admissível contra certo tipo de gente - não por coincidência, sempre miseráveis. Que o Criador tenha piedade desses monstros covardes!"
Com a criação, instalação e funcionamento da Comissão de Enfrentamento à Tortura, em 6 de Janeiro de 2012 - menos de um mês da posse do desembargador Pedro Valls Feu Rosa na Presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo -, chegaram ao Tribunal as primeiras denúncias de torturas e maus tratos a presidiários no Espírito Santo.
Devido ao crescente interesse da população em oferecer denúncias sobre tortura a presidiários, em 17 de janeiro de 2012, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo instalou mais um importante canal de acesso da população à Justiça, o "Torturômetro", um dispositivo no seu portal virtual que, não apenas informa há quantos dias não chega uma denúncia de tortura ao Tribunal, como também possibilita a que qualquer pessoa clique sobre o banner, preencha um formulário e denuncie ocorrências que infrinjam a Lei 9.455/1994, conhecida como a "Lei da Tortura".
Com o 'Torturomentro' em ação foram constatadas denúncias formuladas tanto por cidadãos comuns como por entidades de classes, pastorais carcerárias, advogados, parentes de presidiários, lideres sindicais, agentes penitenciários denunciando colegas de trabalho e diretores de presídios, algumas delas de repercussão nacional, como o vídeo de 41 minutos mostrando os "procedimentos" no Centro de Detenção Provisória de Aracruz, litoral Norte do Estado, que, mais uma vez assustou o Brasil e envergonhou o Espírito Santo.
Até o próprio Sindicato dos Agentes do Sistema Penitenciário do Estado do Espírito Santo teve a coragem de denunciar as condições sub-humanas, análogas a tortura, no Centro de Triagem de Viana, na Região Metropolitana de Vitória, capital do Estado, segundo documento entregue ao desembargador Pedro Valls Feu Rosa, pelo vice-presidente da entidade, Denys dos Santos Mascarenhas.
"A situação é deplorável e degradante, tanto para os internos, quanto para os servidores, que são obrigados a exercer a função pública naquele lugar. Os internos estão vivendo em condições sub-humana e degradante, pois todo e qualquer direito mais básico do cidadão está ali violado", afirma o documento.
Afinal, no Espírito Santo, a tortura é o mais acintoso, cínico e covarde banditismo oficial de Estado.
 

O paradoxo da devastação subsidiada

 


 
 
 

ONU tem planos para limpar matriz energética do planeta até 2030, reduzindo drasticamente emissões de CO². Que falta: dinheiro ou nova democracia?


Um estudo divulgado no último domingo, pelo caderno de Mudanças Climáticas da respeitada revista científica Nature, convida a explorar, criticamente, as supostas dificuldades para alterar a matriz energética do planeta, substituindo petróleo por fontes limpas. O trabalho sugere: são falsas as alegações segundo as quais esta mudança exigiria um esforço financeiro incomum das sociedades. A transição requer, de fato, investimentos. Mas eles são cerca de quinze vezes menores que os subsídios hoje concedidos, de modo quase invisível, aos combustíveis fósseis.
O artigo publicado por Nature foi produzido por Joeri Roveli, climatologista do Instituto para Ciências da Atmosfera e do Clima de Zurique. Seu objeto de estudo é o programa Energia Sustentável para Todos (SE4All, em inglês), lançado pela Assembleia Geral da ONU em 2009 — sem nenhum destaque na mídia mundial. Disponível na revista apenas sob pagamento, o texto foi resenhado pela Agência IPS – que também entrevistou o autor. Suas conclusões são notáveis. Roveli constata que, caso corretamente implementado, o SE4All será capaz de assegurar a execução, até 2030, de dois objetivos essenciais, para um futuro mais justo e sustentável.
Por meio do aproveitamento de fontes como o ventos, o sol, a geotermia e a água, será possível reduzir as emissões de CO² das atuais 52 gigatoneladas (bilhões de toneladas) atuais para 41 gigatoneladas, em dezoito anos. É, segundo a maior parte dos cálculos, a redução necessária para que a temperatura média do planeta eleve-se em, no máximo 2ºC, ao longo deste século. Mas há outra vantagem, igualmente crucial.
Ao contrário de muitos outros projetos, o SE4All busca, ao mesmo tempo, sustentabilidade ambiental e condições de vida dignas para todos os seres humanos. Por isso, reconhece a importância de ampliar a geração de energia. “Quase três bilhões de pessoas ainda usam fogo para cozinhar e se aquecer. Destas, 1,5 bilhões [um em cada cinco seres humanos] não têm nenhum acesso à eletricidade. E 1 bilhão tem acesso esporádico e inconfiável”. É difícil imaginar, para quem vive nas grandes metrópoles, mas cerca de um, em cada três habitantes do planeta, não sabe se poderá acender uma lâmpada esta noite.
A relevância do SE4All está em identificar alternativas para integrar 2,5 bilhões de pessoas assegurando, ao mesmo tempo, a redução das emissões de CO². Para tanto, não é preciso nenhuma obra faraônica. Em apenas 15% a 20% dos casos, afirma o climatologista Roveli, será preciso integrar os sem-eletricidade às redes de distribuição existentes. Em todas as outras situações basta, num primeiro momento, financiar aparatos locais de geração de eletricidade — solares, eólicos, em pequenas hidrelétricas. Além de assegurar condições mínimas de conforto, isso  evitará 2 milhões(!) de mortes prematuras por ano, causadas pela poluição doméstica resultante da queima de lenha, carvão e esterco.
Tudo isso exige investimentos públicos relevantes? Certamente, diz o programa da ONU. O SE4All custaria globalmente, a cada ano, cerca 30 e 40 bilhões de dólares — aproximadamente 150% do que o Brasil investirá em todas as obras (estádios, aeroportos, mobilidade urbana) previstas para a Copa 2004. É, infelizmente, muito, num planeta que não globaliza a democracia, os direitos sociais ou os serviços públicos — e destina às Nações Unidas apenas 5,15 bilhões de dólares ao ano — algo como o Orçamento de uma cidade como Belo Horizonte…
Mas é uma ninharia, diante de gastos que se tornaram “naturais” e, portanto, invisíveis. O texto da IPS revela que, segundo a própria Agência Internacional de Energia,  o mundo subsidia a produção e consumo e de combustíveis fósseis em U$ 523 bilhões anuais. É o que as sociedades pagam, por exemplo, para tornar mais baratos a gasolina do seu automóvel e o óleo combustível das indústrias; ou para tratar as doenças provocadas por estes mesmos produtos.
Mudar a matriz energética, e garantir vida materialmente digna a 2,5 bilhões de pessoas, custaria, portanto, quinze vezes menos que envenenar o planeta. Vale ter este dado em mente, na próxima vez que você ouvir a velha ladaiinha segundo a qual as energias limpas são, ainda, “inviáveis

Fonte: BLOG da Redação

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Frente Al Nusra reconhece atentado a hospital em cidade síria de Alepo

       

  
Imagen activaDamasco, 24 fev (Prensa Latina) A denominada Frente Al Nusra, filial da rede Al Qaeda na Síria, assumiu a responsabilidade do atentado terrorista perpetrado em outubro contra o hospital de Al Hayat, na cidade de Alepo.
A ação terrorista custou a vida de mais de 30 pessoas e feriu dezenas, enquanto deixou severos danos na estrutura da edificação, bem como em uma escola e vários edifícios residenciais.

Um vídeo lançado pelos extremistas em um de seus lugares nas redes sociais, mostra o suicida que cometeu o ataque e todas as etapas de colocação a mais de uma tonelada de explosivos em uma camioneta, até que detonou.

A entidade, integrada por radicais que advogam formar um Califato na Síria onde reja a Sharia ou Lei islâmica, junto aos mais ortodoxos valores do Islã, se atribuiu a maioria dos mais mortais ataque suicidas e com carros bomba, os quais deixaram uma estela de milhares de mortos e colossais danos materiais.

Isto ocorre enquanto governos ocidentais seguem se abstendo em denunciar estes ataques terroristas, como Estados Unidos, ante a rede de atentados com dinamite que sacudiram na quinta-feira Damasco e mataram dezenas de pessoas e deixaram feridas 250, comentou um reporte da televisão estatal.

Washington recusou na sexta-feira condenar a ação e bloqueou uma declaração do Conselho de Segurança das Nações Unidas neste sentido, proceder denunciado pela Rússia, também com assento permanente nessa entidade.

A fins de ano o departamento de Estado estadunidense incluiu o grupo Al Nusra dentro da lista de organizações terroristas sujeitas a sanções. mgt/lr/cc

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Parlamento elege em Cuba Conselho de Estado e sua presidência

       

  
Imagen activaHavana, 24 fev (Prensa Latina) O Parlamento cubano elege hoje na sessão constitutiva de sua Oitava Legislatura o presidente e demais membros do Conselho de Estado, órgão integrado por 31 deputados que ostenta a suprema representação do Estado na ilha.
No havaneiro Palácio de Convenções, os 612 parlamentares eleitos a 3 de fevereiro nas eleições gerais devem selecionar dentre eles -mediante voto secreto e direto- aos integrantes do Conselho.

Do sufragio sairá o presidente -quem é chefe de Estado e de Governo-, o primeiro vice-presidente, os cinco vice-presidentes, o secretário e os outros 23 membros do Conselho de Estado, o qual representa à Assembléia Nacional entre seus dois períodos ordinários anuais de sessões.

A Comissão Nacional de Candidatura, entidade formada pelas organizações sociais, de trabalhadores, estudantes, mulheres e camponeses, apresenta à plenária sua proposta para integrar o Conselho.

Previamente, os deputados elegerão à presidência da Assembléia Nacional do Poder Popular para os próximo cinco anos, duração da cada legislatura, segundo o estabelecido na Constituição vigente em Cuba desde 1976, proclamada precisamente em 24 de fevereiro.

Nesse dia de 1895, os cubanos reiniciaram a luta pela independência do colonialismo espanhol, data que por seu simbolismo patriótico é escolhida para a instalação da Assembleia.

Os 612 parlamentares que representam os setores da sociedade foram eleitos em umas eleições nos que participaram quase sete milhões 900 mil cidadãos, ao redor do 90 por cento do registro de votantes da ilha caribenha, ao qual se acede de oficio ao cumprir os 16 anos.

Prensa Latina

Colaboração com a ditadura preocupa igrejas cristãs

 

Um grupo de cientistas sociais, políticos e líderes eclesiásticos investiga a colaboração de padres, bispos, pastores e leigos com a repressão política na ditadura. Entre os identificados, estão o ex-arcebispo de Belém (PA), d. Alberto Gaudêncio Ramos, d. Geraldo Sigaud, de Diamantina (MG), e d. Antônio de Castro Meyer (foto), de Campos (RJ), um dos fundadores da TFP.


                   
De Carta Maior - As Igrejas Cristãs que atuam no Brasil de forma ecumênica deverão dispor ainda este ano de informações sobre a colaboração de padres, bispos, pastores e leigos com a repressão política durante a ditadura de 1964. Um grupo de pesquisa, integrado por cientistas sociais e políticos, além de líderes eclesiásticos, já está dando os primeiros para realizar essa tarefa.

Antes mesmo de serem iniciados os trabalhos, já foram identificados vários colaboradores, entre os quais três arcebispos já falecidos. São eles o ex-arcebispo de Belém (PA), d. Alberto Gaudêncio Ramos e seus colegas, da corrente tradicionalista da Igreja, d. Geraldo Sigaud, de Diamantina (MG), e d. Antônio de Castro Meyer de Campos (RJ), um dos fundadores, ao lado de Plinio Corrêa de Oliveira, da organização de extrema-direita Tradição, Família e Propriedade, a TFP.

D. Alberto era uma das principais fontes de denúncias contra os seus colegas e subordinados, na Igreja Católica da Amazônia. Já d. Sigaud liderou uma campanha contra seu colega d. Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia e contra d. Tomás Balduíno, da ordem dominicana, de Goiás Velho/GO. Com base em dossiês preparados por Sigaud e Meyer, o governo militar decidiu expulsar Casaldáliga do Brasil. Para a ditadura, d. Pedro, por ser catalão, estava proibido de denunciar problemas brasileiros, como o fez em uma carta em que denunciava o caráter escravocrata do latifúndio na região amazônica.

A ameaça de expulsar Casaldáliga provocou uma discreta, mas objetiva e imediata reação do papa Paulo VI. Em reunião com seu staff, declarou que pela primeira vez na história da diplomacia do Vaticano, a Igreja poderia romper as suas relações com o Brasil. À ameaça abortou, de acordo com o relato do ex-cardeal arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns.

D. Eugênio
Entre as personalidades da Igreja permanentemente vigiadas por colaboradores da repressão está também incluído o ex-cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, d. Eugênio de Araújo Sales. Investigações oficiosas em andamento, feitas por organizações de Direitos Humanos, indicam que d. Eugênio era espionado por assessores do seu próprio staff. A mesma espionagem atingiu um outro arcebispo de Natal/RN, d. Nivaldo Monte.

Ele promoveu, nos anos 70, uma reunião reservada com o governador do Rio Grande do Norte José Cortez Pereira e o clero arquidiocesano. No dia seguinte, foi convidado a comparecer ao comando do então IV Exército (atual Comando Militar do Nordeste), em Recife, onde foi questionado sobre vários itens de sua palestra para o clero sobre a situação socioeconômica do seu Estado.

Deops
Outro ponto a ser levado ao grupo de trabalho das igrejas é o funcionamento informal e ilegal, durante a ditadura de uma "delegacia" no Deops paulista, no centro paulistano, dedicada especialmente às denúncias de clérigos e de pastores contra seus colegas.

Entre os colaboradores dessa "delegacia" – chefiada pelo delegado Alcides Cintra Bueno – estava o jornalista Lenildo Tabosa Pessoa, do jornal "O Estado de S. Paulo". Formado em Filosofia e em Teologia na Universidade Gregoriana de Roma, Lenildo dispunha da formação adequada para participar, até mesmo, no interrogatório de integrantes das pastorais católicas, presos pela repressão...

*Dermi Azevedo é jornalista e cientista político

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Sexo e dinheiro sacodem coração da Igreja Católica

 


Publicado originalmente em Carta Maior

Dia após dia, a caixa de Pandora deixa escapar suas piores sombras. Os demônios que a cúria escondeu durante tantas décadas passeiam à noite como espectros ressuscitados pela Praça São Pedro de Roma: corrupção, sexo e dinheiro, uma trilogia explosiva que ninguém poderia imaginar instalada na cúpula da Santa Sé. A Igreja vive, sem dúvida, seu pior momento.



 
       

Roma - Sexo e dinheiro sacodem o coração da cidade santa. Uma lista de grandes pecados espreita a cúria do Vaticano no momento em que o papa Bento XVI se prepara para renunciar ao seu pontificado. A corrupção dentro do Vaticano e os casos de pedofilia voltaram ao primeiro plano com as revelações feitas nas últimas horas pela imprensa italiana. Segundo o diário La Repubblica, que cita uma fonte vaticana, os detalhes mais recentes “giram em torno do sétimo mandamento”. Esse mandamento diz “não roubarás” e é interpretado como uma disciplina de retidão para a gestão na atividade econômica e na vida social e política. Também se refere à proteção do próximo. Mas o diário italiano vai muito mais longe em suas revelações e afirma que o papa decidiu renunciar após ter tomado conhecimento de que uma rede de padres homossexuais circulava no Vaticano.

Estas revelações fariam parte do informe que o papa encomendou a três cardeais no ano passado. Julián Herranz, Jozef Tomko e Salvatore De Giorgi entregaram em meados do ano passado parte do resultado da investigação realizada tanto sobre o vazamento de documentos roubados do papa como sobre a corrupção. La Repubblica publica em sua última edição uma informação escabrosa: o jornal afirma que, em outubro passado, o cardeal Julian Herranz, presidente do Pontifício Conselho da Santa Sé para os Textos Legislativos, evocou ante o papa a existência de uma “chantagem” exercida desde fora do Vaticano contra padres homossexuais.

O Vaticano negou estas informações. No entanto, este prestigiado jornal italiano fornece detalhes abundantes assegurando que o informe – dois volumes de 300 páginas cada – dava perfeitamente conta de uma “rede transversal dentro do Vaticano unida pela orientação sexual”, ou seja, a homossexualidade. O jornal escreve textualmente: “pela primeira vez a palavra homossexualidade foi pronunciado no Pontificado”. Além disso, revela que o informe da comissão de cardeais aponta para um grupo de prelados que sofreram pressões por parte de pessoas laicas externas ao Vaticano. A revelação coincide com o que Ratzinger disse dois dias depois da entrevista com os cardeais que lhe entregaram o informe. De forma improvisada, Bento XVI falou dos “maus peixes” que caem na rede da igreja.

La Repubblica assegura de maneira convicta que foi essa revelação que levou o papa a renunciar. A mesma publicação conta que a comissão de cardeais entrevistou dezenas de bispos, cardeais e laicos, obtendo um relato apavorante sobre o interior do Vaticano: grupos de poder em disputa, articulados segundo as distintas congregações religiosas ou a região do mundo a qual pertencem ou as suas preferências sexuais. A investigação dos cardeais adianta que altas autoridades da Igreja poderia estar sendo vítimas de “influências externas” por conta de “suas relações de natureza mundana”. O padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, negou com veemência todas essas informações. Ele chamou essas revelações de “fantasiosas” e garantiu que muitas delas eram “simplesmente falsas”.

No entanto, quem conhece parte do que ocorre dentro da Santa Sé diz que a reportagem do La Repubblica contém dados exatos e verídicos. O jornal italiano indica que o informe em mãos do papa menciona um escândalo que remonta ao ano de 2010 e que tem como centro Angelo Balducci . Esse personagem era, na época, presidente do Conselho Nacional de Obras Públicas, no período em que Berlusconi estava no poder. Balducci era objeto de uma investigação judicial quando se descobriu que, para conseguir os serviços de jovens homossexuais, se relacionava com um nigeriano, Chinedu Thomas Ehiem, do coral da capela Júlia da Basílica de São Pedro.

A existência de um lobby gay dentro da Santa Sé provocou um alvoroço gigantesco no país, aumentando a tormenta que, a medida que se aproxima a data da renúncia do papa – 28 de fevereiro – se forma sobre o conclave que deve designar o sucessor de Bento XVI. A polêmica se estabelece agora sobre uma disjuntiva muito polêmica em torno da presença ou não no conclave dos cardeais que esconderam os padres pederastas e até os protegeram. É o caso do cardel Roger Mahony, responsável pela diocese de Los Angeles e acusado de encobrir ao longo de um quarto de século 129 sacerdotes implicados em abusos de menores. Os outros cardeais comprometidos com a mesma sujeira são o cardeal primaz da Irlanda, Sean Brady, e o cardeal belga Godfried Danneels. Estes personagens são os maiores implicados na proteção que deram aos pederastas apesar de seus atos criminosos. A lista, porém, é muito mais ampla. Nela entram o norteamericano Justin Francis Rigali, o australiano George Pell, o mexicano Norberto Rivera Carrera, o polaco Stanislaw Dziwisz e o argentino Leonardo Sandri.

Dia após dia, a caixa de Pandora deixa escapar suas piores sombras. Os demônios que a cúria escondeu durante tantas décadas passeiam à noite como espectros ressuscitados pela Praça São Pedro de Roma: corrupção, sexo e dinheiro, uma trilogia explosiva que ninguém poderia imaginar instalada na cúpula da Santa Sé. A Igreja vive, sem dúvida, seu pior momento. As guerras entre a cúria, a disputa por dinheiro e poder, a pederastia tardiamente reconhecida e sancionada deixaram órfãos de autoridade moral e terrena a milhões e milhões de fiéis em todo o mundo. Em sua profunda fé eles são, também, vítimas da explosão da Igreja Católica.

Tradução: Katarina Peixoto
 
 

Cuba: os cinco anos cruciais




Logo começará último mandato dos atuais dirigentes. Sua missão: realizar as reformas políticas e econômicas necessárias para preservar regime e suas conquistas.

Por Leonardo Padura, na Agência IPS | Tradução: Antonio Martins

Nos primeiros dias deste mês, os cubanos foram às urnas com a missão de eleger os deputados das assembleias municipais e provinciais do parlamento da ilha, última instância em que o voto direto dos cidadãos pode decidir. Os índices de votação, como é usual, ultrapassaram 90% e todos os candidatos de todos os municípios terminaram eleitos, como também é usual.

 Os habitantes da ilha votaram como votam sempre, com a mesma rotina e talvez sem muita consciência do que está começando nesta consulta eleitoral. Porque no dia 24 deste mesmo mês se produzirá, no sistema eleitoral cubano, o último ato tradicional estipulado pelo processo, com o qual se iniciará a nova legislatura: a eleição, por parte dos 612 deputados já escolhidos, dos integrantes da Assembleia Nacional, que constitucionalmente regerá os destinos do Estado nos próximos cinco anos.

 Em torno desta eleição, a notícia mais comentada tem relação com as mudanças que serão iniciadas na nova legislatura. Anunciou-se finalmente que Ricardo Alarcón de Quesada deixará suas funções à frente da Assembleia, que exerceu durante os últimos vinte anos. Segundo declarações que se leu, Alarcón justificou sua saída do cargo afirmando que vinte anos são muito tempo e é preciso mudar, é preciso mudar…

 Mas o fato de que apenas se fala, e que se reveste da maior importância política e histórica para Cuba, é que a eleição de Raul Castro para o cargo de presidente do Conselho de Estado (algo de que ninguém duvida) assinalará o primeiro dia de uma contagem regressiva. Ao final de outros 1.823 dias, ela marcaria o fim do mandato político do general e de pelo menos cinco dos atuais seis vice-presidente. Eles assumiram oficialmente seus postos em fevereiro de 2008, quando se tornaram evidentes o impossível regresso de Fidel Castro ao poder e o ascenso de seu irmão.

Foi o próprio Raul Castro que, em 2011, durante as sessões do congresso do Partido Comunista de Cuba, dirigente desta ilha, propôs que nenhum cargo político pudesse se estender por mais de dois mandatos de cinco anos… incluído o seu, como presidente. Esta proposta, que foi aprovada no conclave partidário, ainda carece de ratificação constitucional, numa mudança da Carta Magna que deverá incluir muitas das novas realidades nascidas no calor das reformas do modelo econômico do país, idealizadas, impulsionadas e defendidas pelo próprio Raul Castro.

Esta nova conjuntura, repito, histórica para um país como Cuba, onde os cargos políticos, estatais e de governo não tiveram datas-limites durante cinco décadas, abre um período de expectativas. Dizem respeito às mudanças que ocorrerão no quinquênio que se abre e ao que estas mudanças legarão para o futuro que começará em 24 de fevereiro de 2018.

Há mais de cinco anos, primeiro com vagar e mudanças semânticas; em seguida, com medidas concretas de pequeno, médio e até longo alcance econômico e social (como, sem dúvida, a reforma migratória que, desde janeiro deste ano, permite à maioria dos cubanos viajar livremente, depois de quase cinquenta anos sem poder fazê-lo), o general de exército Raul Castro colocou em movimento a engrenagem estrutural socialista cubana. Está à procura do que o país mais necessita: institucionalidade, controle financeiro, aumento da produtividade, eficiência econômica, auto-suficiência na produção de certos itens, mudanças na política de emprego, modificações na propriedade, etcétera

Mas estas urgências convocam outras transformações, que foram anunciadas pelo próprio governante, num processo que deverá, neste período que começa em 24 de fevereiro, chegar a sua maior profundidade e produzir, inclusive, um novo reflexo constitucional – pois repercutirá na sociedade e em seus atores.

Quais serão estas modificações no modelo cubano? Vai-se entrar com mais profundidade na estrutura econômica, em que até agora as mudanças, embora importantes, não são macroeconomicamente decisivas e não puderam garantir alguns de seus objetivos, em aspectos como a produção de alimentos?

Que papel terão os investimentos externos, num país que precisa de capital para renovar sua infra-estrutura envelhecida?

Que outras liberdades cidadãs serão asseguradas nestes anos, após algo tão essencial como a reforma migratória? Que país deixará a chamada “geração histórica” – hoje com mais de 80 anos de idade e meio século à frente do país – aos futuros governantes, que irão se preparar nestes anos definidores? Que papel econômico e até social poderão ter, no país, os novos e velhos emigrados?

Cuba entra em uma etapa de transformações e o horizonte de seus resultados são os próximos cinco anos – muito tempo para a vida de um ser humano, uma respiração para o tempo histórico.

 
* Leonardo Padura [verbete na Wikipedia] é escritor e jornalista cubano, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura 2012. Seus romances foram traduzidos para mais de quinze idiomas e sua obra mais recente, El hombre que amaba a los perros, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramón Mercader.
 
Fonte: OUTRASPALAVRAS

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Ártico não terá mais gelo no mar durante o verão, prevêem cientistas

 

Novas evidências dos efeitos do aquecimento global apontam para um futuro próximo em que não existirá gelo no Ártico nos meses mais quentes do ano. "Não é só a área que está cada vez menor, mas também a sua espessura, fazendo o gelo ficar mais vulnerável ao derretimento no futuro", explica Christian Haas, geofísico da Universidade de York, no Canadá.



                           

O Mar Ártico está experimentando uma perda de gelo em um ritmo tão rápido que a área em breve estará livre de gelo nos meses mais quentes. Na comparação com 1980, o volume de água congelada no Ártico equivale a apenas 20% do que havia naquela época.

Os dados constam de um relatório divulgado na semana passada por cientistas de diversas universidades. A taxa alarmante de derretimento foi medida pelo satélite da Agência Espacial Europeia CryoSat-2, que usa uma nova tecnologia para medir a espessura do gelo do mar e quanto dele é coberto por água congelada.

A perda de espessura do gelo é algo mais difícil de ver a olho nu, e seu declínio preocupa demais os centistas, que agora conseguiram apurá-la melhor. "Não é só a área que está cada vez menor, mas também a sua espessura, fazendo o gelo ficar mais vulnerável ao derretimento no futuro", explica Christian Haas, geofísico da Universidade de York, no Canadá.

O mar Ártico já atingiu níveis recordes de perda em 2012, com a menor quantidade registrada de gelo, que cobriu apenas metade da área média coberta entre 1979 e 2012. Os dados recém-divulgados confirmam relatórios anteriores – como os do satélite da Nasa ICESat entre 2003 a 2008 – que também apontavam o fim da água congelada no Ártico nos meses mais quentes.

Cientistas do Centro de Ciência Polar da Universidade de Washington também divulgaram um relatório com previsões semelhantes em 2012 – para isso, usaram uma técnica chamada Pan-Arctic Ice Ocean Modeling and Assimilation System (PIOMAS).

"Como as medições por satélite mostram que não só a área diminui, mas também a sua espessura, é realmente cada vez mais provável que o gelo desaparecerá mais cedo ou mais tarde", Haas.

Com isso, seria importante inclusive rever políticas de redução de emissões feitas com base em dados mais conservadores sobre o derretimento do gelo no Ártico.
 fonte: Carta Maior

África: decolagem ou rapina colonial

 

A África foi sinônimo durante décadas de guerra, genocídio, corrupção, fome e extrema pobreza. Esta imagem está mudando graças a uma sequência de bons dados econômicos. Muitos países africanos se encontram diante de uma nova encruzilhada marcada por uma disjuntiva: repetição do fracasso ou salto para a frente. A China e as potências ocidentais procurarão tirar o máximo proveito dos recursos naturais do continente.


                            

 A África foi sinônimo durante décadas de guerra, genocídio, corrupção, fome e extrema pobreza, um continente de extraordinária beleza natural abandonado por Deus. Esta imagem está mudando graças a uma sequência de bons dados econômicos. Segundo a revista especializada britânica The Economist, seis dos países com maior crescimento do mundo nos últimos dez anos foram africanos. A empresa de consultoria estadunidense McKinsey aponta para a mesma direção com uma medição diferente. Neste século XXI, o Produto Interno Bruto (PIB) da África cresceu o dobro que nas décadas perdidas de 80 e 90.

A bonança estratégica é a chave destes índices de crescimento econômico em um momento em que o mundo desenvolvido segue lutando com a austeridade e o sobre endividamento. Graças a este boom, a segunda economia do leste do continente, a Tanzânia, crescerá 7% este ano e o próximo, enquanto que duas de suas nações mais pobres e atribuladas, Serra Leoa e Gana, deverão apresentar índices de 14 e 7,8%, respectivamente. Moçambique, Etiópia, Uganda, Quênia, Serra Leoa e Somália são outros países tocados pela varinha mágica do petróleo e do gás que beneficiou antes Nigéria e Angola.

Deus finalmente despertou para a África? O subdiretor da revista especializada “África Confidencial”, Andrew Weir, encontra-se entre os céticos com boa memória histórica. “O tema é que a África já viveu esse fenômeno. A pergunta chave é a quem ele beneficia e de que modo contribui para o desenvolvimento. Está muito claro que a China, as companhias energéticas e o setor financeiro estão vivendo grandes oportunidades. A questão é se isso vai beneficiar os africanos”, disse Weir à Carta Maior.

O lado obscuro da história
O século XIX foi marcado pelas disputas colonialistas entre potências ocidentais e a superexploração tão esplendidamente retratada por Joseph Conrad em seu “Coração das Trevas”. O longo caminho da independência que começou depois da Segunda Guerra Mundial gerou enormes expectativas que se desfizeram em meio a divisões étnicas, lutas de poder e uma corrupção galopante. Os cinco bilhões de dólares que acabaram nas contas suíças do ditador do Zaire, Mobutu Sese Seko, a paranoia desatada por Idi Amin em Uganda, a fome no Sudão e o genocídio em Ruanda simbolizaram entre os anos 60 e os 90 o destino do continente.

Hoje a China é a nova estrela no firmamento das superpotências e multinacionais que disputam entre si os recursos do continente. Em 1999, o comércio China-África era de seis bilhões de dólares. Uma década mais tarde já superava a casa dos 90 bilhões de dólares. Hoje a China é o principal sócio comercial do continente. Em uma cúpula em Pequim realizada no ano passado com 50 chefes de estado da África, o presidente Hu Jintao prometeu créditos de 20 bilhões de dólares para o investimento em infraestrutura e “desenvolvimento sustentável”.

A estratégia chinesa aponta para um desenvolvimento da infraestrutura básica – estradas, portos, etc. – que facilite o acesso aos produtos primários do continente de que necessita sua indústria. Seus investimentos na Zâmbia, que tem grandes reservas de cobre e carvão, constituem cerca de 20% do PIB desse país e 75% de suas exportações. Cerca de 20% do algodão de que precisa sua indústria têxtil chega de Mali, Benin e Burkina Fasso. Uma terça parte do petróleo importado pelo gigante asiático vem da África e, sobretudo, de Angola. E é precisamente esse setor energético, chave do suposto “renascimento” africano, o grande eixo da polêmica.

A maldição do ouro negro
O exemplo da Nigéria é o que melhor ilustra as oportunidades e perigos da atual etapa. Maior produtor de petróleo da África, a Nigéria sobre o que muitos chamam de “maldição do ouro negro” ou “doença holandesa”. Nestas duas “sintomatologias”, a posse de um recurso invejável termina sendo uma obscura maldição que condena uma nação ao atraso, à pobreza e à corrupção.

As ONGs calculam que, na última década, cerca de 29 bilhões de dólares se perderam na Nigéria em um obscuro labirinto de bolsos oficiais e de prebendas das multinacionais. Este labirinto significa não só uma perda de riqueza em termos de arrecadação de impostos e investimento em desenvolvimento – infraestrutura, educação, etc. -, como também a aparição e consolidação de núcleos de poder e práticas institucionais que são muito difíceis de desfazer.

A outra cara desta maldição é a chamada “doença holandesa”, um termo cunhado em 1997 pela The Economist para descrever a decadência do setor manufatureiro na Holanda após o descobrimento de uma importante jazida de gás em 1959. Os sintomas dessa enfermidade aparecem a partir do fluxo de investimentos que são atraídos pelo petróleo e gás e a inevitável valorização da moeda local gerada por eles. Essa valorização torna pouco competitiva o resto da economia, afoga a indústria nacional e gera processos inflacionários.

“A isso se soma o fato de que os países vendem o recurso bruto em vez de desenvolver produtos com valor agregado. A Nigéria não tem uma refinaria de petróleo porque há uma elite que faz dinheiro importando e distribuindo os produtos petroleiros que chegam do exterior. E isso não ocorre só no campo da energia. O cacau poderia ser exportado como chocolate, mas isso não ocorre pela teia de interesses que se interpõe no caminho”, assinalou Weir.

A encruzilhada
Existem alguns sinais que apontam para esta direção. Nos últimos anos, Botswana se converteu em um dos poucos países africanos que conseguiu dar o salto da exploração de um produto primário – diamantes – para um com valor agregado – gemas -, multiplicando o emprego e a riqueza nacional. Com um olho posto neste exemplo e outro no modelo da Noruega, um país que converteu a riqueza petroleira em uma fonte de desenvolvimento por meio da criação de um Fundo Soberano, Gana, Moçambique e Tanzânia criaram fundos especiais autônomos para administrar a riqueza energética e utilizá-la para o desenvolvimento econômico-social.

Nas eleições de dezembro em Gana, que deram a vitória ao atual presidente John Dramani Mahama, o eixo da campanha foi o investimento dos recursos energéticos. Segundo apontou áo Financial Times, o professor de política da Universidade de Gana, Emmanuel Gymah-Boadi, a eleição “foi uma batalha encoberta pelo controle do petróleo e do gás”. No papel, as coisas podem funcionar. A lei de investimento do petróleo de Gana estipula que cerca de 30% dos lucros deve fazer parte de um fundo soberano especial para o reinvestimento. Mas o próprio presidente eleito fez um chamamento à vigilância logo após a instauração desse fundo. “Não resta dúvida que mesmo depois de 55 anos de independência somos um país jovem. Como tal tivemos nossa porção de instabilidade e dificuldades”, disse Mahama.

O século XXI não tem que ser necessariamente o XIX. Neste sentido muitos países africanos se encontram diante de uma nova encruzilhada marcada por uma disjuntiva de ferro: repetição do fracasso ou salto para a frente, Nigéria ou Noruega. A China e as potências ocidentais procurarão tirar o máximo proveito dos recursos naturais do continente. Da conduta que será adotada pelos dirigentes africanos e da vigilância por parte da sociedade civil dependerá que a África volte a ser uma região de guerras e fome ou então que se converta em um polo de crescimento mundial.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
 
Fonte: Carta Maior

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Agitação global no médio prazo

 


*Publicado originalmente no Esquerda.net

As previsões de curto prazo envolvem demasiadas reviravoltas imprevisíveis no mundo real. Mas se pode tentar fazer afirmações plausíveis para o médio prazo. Haverá forças populares, em todo o mundo, que vão procurar criar um novo tipo de sistema histórico, que nunca existiu até agora, baseado na democracia relativa e na relativa igualdade?


                                                     
 

Fazer previsões no curto prazo (os próximos um ou dois anos) é um jogo de doidos. Há demasiadas reviravoltas imprevisíveis no mundo real político/cultural/económico. Mas podemos tentar fazer afirmações plausíveis para o médio prazo (uma década ou mais), baseados num quadro teórico viável, combinado com uma sólida análise empírica de tendências e de condicionamentos.

Que sabemos do sistema-mundo no qual vivemos? Em primeiro lugar, sabemos que é uma economia-mundo capitalista, cujo princípio básico é a incessante acumulação de capital. Em segundo lugar, sabemos que é um sistema histórico, o qual, como todos os sistemas (desde o universo como um todo aos menores nano-sistemas) tem uma vida. Começa a existir, vive a sua vida “normal” de acordo com regras e estruturas que cria, até que, em determinado ponto, o sistema fica demasiado longe do equilíbrio e entra numa crise estrutural. Em terceiro lugar, sabemos que o nosso presente sistema-mundo tem sido um sistema polarizado, no qual houve um crescimento constante da brecha entre os Estados e dentro dos Estados.

Estamos numa destas crises estruturais atualmente, que já decorre há 40 anos. Vamos continuar a estar durante outros 20 a 40 anos. Esta é a duração média para uma crise estrutural de um sistema social histórico. O que acontece numa crise estrutural é que o sistema se bifurca, o que significa essencialmente que emergem duas formas alternativas de pôr fim à crise estrutural “escolhendo” coletivamente uma de duas alternativas.

A característica principal de uma crise estrutural é a série de flutuações caóticas e selvagens que atinge tudo – os mercados, as alianças geopolíticas, a estabilidade das fronteiras dos Estados, o emprego, as dívidas, os impostos. A incerteza, mesmo no curto prazo, torna-se crónica. E a incerteza tende a congelar a decisão económica, o que, evidentemente, torna tudo pior.

Eis algumas coisas que podemos esperar no médio prazo. A maioria dos Estados enfrentam, e vão continuar a enfrentar, um aperto entre a redução da arrecadação e os gastos crescentes. O que a maioria dos Estados tem feito é reduzir os gastos de duas formas. Uma é cortar (até mesmo eliminar) uma grande quantidade de redes de segurança que foram construídas no passado para ajudar as pessoas comuns a enfrentar as múltiplas contingências com que se deparam. Mas há também uma segunda forma. Muitos Estados estão a cortar as transferências de dinheiro para entidades estatais subordinadas – estruturas federadas, se o Estado é uma federação, e governos locais. O que isto faz é apenas transferir para estas unidades subordinadas a necessidade de aumentar impostos. Se consideram isto impossível, podem ir à bancarrota, o que elimina outras partes das redes de segurança (nomeadamente as pensões).

Isto tem um impacto imediato sobre os Estados. Por um lado, enfraquece-os, na medida em que mais e mais unidades procuram separar-se, se o consideram economicamente vantajoso. Mas, por outro lado, os Estados são mais importantes que nunca, na medida em que as populações procuram refúgio nas políticas de proteção estatais (mantenha o meu emprego, não o teu). As fronteiras estatais sempre mudaram. Mas prometem mudar com mais frequência agora. Ao mesmo tempo, novas estruturas regionais ligando Estados existentes (ou as suas subunidades) – tais como a União Europeia (UE) e a nova estrutura sul-americana (UNASUR) – vão continuar a florescer e a desempenhar um papel geopolítico crescente.

As relações entre os múltiplos atores do poder geopolítico tornar-se-ão ainda mais instáveis numa situação na qual nenhum destes atores estará em posição de ditar as regras entre os Estados. Os Estados Unidos são um antigo poder hegemónico com pés de barro, mas ainda com poder suficiente para causar danos ao dar passos em falso. A China parece ter a posição económica emergente mais forte, mas é menos forte do que a própria e outros pensam. O grau em que a Europa ocidental e a Rússia se vão aproximar ainda é uma questão em aberto, e tem muita importância na agenda de ambos os lados. A Índia ainda mantém a indecisão sobre como vai jogar as suas cartas. O que isto significa para guerras civis como a da Síria, no momento, é que os intervenientes externos anulam-se uns aos outros e os conflitos internos tornam-se ainda mais organizados em torno de grupos identitários fratricidas.

Vou reiterar a posição que defendo há muito. No fim de uma década, veremos alguns realinhamentos muito importantes. Um é a criação de uma estrutura confederal ligando o Japão, a (reunificada) China, e a (reunificada) Coreia. O segundo é uma aliança geopolítica entre esta estrutura confederal e os Estados Unidos. O terceiro é uma aliança de facto entre a UE e a Rússia. O quarto é a proliferação nuclear numa escala significativa. O quinto é o protecionismo generalizado. O sexto é uma deflação mundial generalizada, que pode tomar uma de duas formas – ou uma redução nominal de preços, ou inflações galopantes que têm a mesma consequência.

Obviamente, não são desenlaces felizes para a maioria das pessoas. O desemprego mundial vai subir, não cair. E as pessoas comuns vão sentir o aperto de forma muito aguda. Já demonstraram que estão prontos a reagir em múltiplas formas, e esta resistência popular vai crescer. Encontrar-nos-emos no meio de uma vasta batalha política para determinar o futuro do mundo.

Os que gozam hoje de riqueza e privilégios não vão ficar parados. Contudo, vai-se tornar crescentemente evidente para eles que não podem garantir o futuro no sistema capitalista existente. Vão procurar implementar um sistema baseado não no papel central do mercado mas antes numa combinação da força bruta e de engano. O objetivo chave é assegurar que no novo sistema permaneçam três elementos chave do presente – hierarquia, exploração e polarização.

No outro lado, haverá forças populares, em todo o mundo, que vão procurar criar um novo tipo de sistema histórico, que nunca existiu até agora, baseado na democracia relativa e na relativa igualdade. É quase impossível prever o que isto significa em termos de instituições que o mundo criará. Vamos aprender na décadas futuras a construir este sistema.

Quem vai ganhar esta batalha? Ninguém pode prever. Será o resultado de uma infinidade de nano-ações por uma infinidade de nano-atores numa infinidade de nano-momentos. Nalgum ponto, a tensão entre as duas soluções alternativas vai inclinar-se definitivamente a favor de uma ou de outra. É isto que nos dá esperança. O que cada um de nós faz em cada momento acerca de cada questão imediata é de grande importância. Alguns chamam-lhe o “efeito borboleta”. A vibração das asas de uma borboleta afeta o clima do outro lado do mundo. Neste sentido, somos todos, hoje, pequenas borboletas.
 
Fonte: Carta Maior

Capital financeiro e mudança climática

 

Falta hoje um regime regulatório internacional que permita pensar que a economia mundial poderá reduzir sua pegada de carbono na atmosfera na velocidade exigida. O Protocolo de Kioto é uma ficção. E no setor financeiro é onde estão concentradas forças que se oporão fortemente a um acordo que evite o perigo da mudança climática catastrófica. (Na foto, a nevasca que acaba de atingir os EUA, apenas três meses após a tormenta tropical Sandy)

                  
 As forças do capital financeiro dificultarão muito o enfrentamento das mudanças climáticas. Alguns dizem que a estrutura do setor financeiro não facilitará a transição para uma economia de baixo nível de carbono. O problema é mais grave: o sistema financeiro é um potente obstáculo para prevenir uma catástrofe derivada do aquecimento global.

Para avaliar a dimensão do perigo, é importante recordar alguns dados. Na atualidade, a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera alcança as 394 partes por milhão (ppm). O CO2 é o gás de efeito estufa mais comum (não é o único, nem o mais potente). Os modelos mais desenvolvidos sobre mudança climática indicam que só abaixo das 450 ppm de CO2 se tem uma probabilidade de manter o aumento de temperatura dentro da classe dos graus centígrados. Os cientistas consideram que esse patamar não deve ser rebaixado caso se queira evitar uma mudança climática catastrófica.

Estudos científicos consideram que para aumentar significativamente a probabilidade de permanecer abaixo deste patamar a economia mundial deveria limitar suas emissões para o período 2000-2050 a 886 gigatoneladas de dióxido de carbono (GtCO2). Na primeira década do século se emitiram 321 GtCO2, de modo que só nos resta um volume disponível de 565 gigatoneladas para o período 2010-2050.

Dados da organização Carbontracker Initiative revelam que se se extraíssem e queimassem as reservas mundiais conhecidas de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) teríamos emissões superiores as 2.795 GtCO2. Ou seja, essas reservas contém cinco vezes mais carbono do que o teto acima mencionado de 565 GtCO2. Extrair e usar essas reservas poderia levar à concentração de CO2 na atmosfera para as 700 ppm, o que mudaria o planeta tal como o conhecemos.

Agora, as reservas de combustíveis fósseis das 200 empresas mais importantes de carvão, petróleo e gás no mundo (empresas cotizadas em bolsas de valores) tem reservas com um potencial de carbono de 745 GtCO2. Isso quer dizer que se estas empresas extraírem e queimarem suas reservas estaremos rebaixando para 180 GtCO2 o volume que nos resta disponível para o período 2010-2050 (as 565 GtCO2 acima mencionadas). O problema é ainda mais sério porque estas cifras não incluem as empresas estatais e tampouco levam em conta as gigantescas reservas de gás natural que existem no xisto nos Estados Unidos e em vários outros países.

O problema é que as reservas nas mãos destas companhias já estão anotadas em seus balanços com um enorme valor monetário. Uma avaliação destas empresas admite que essas reservas serão efetivamente realizadas, o que significa que serão extraídas e utilizadas. Do ponto de vista contábil, ninguém está preocupado se a utilização dessas reservas é suficiente para ultrapassar o perigoso patamar dos graus centígrados. A mudança climática não é um conceito contábil.

Para dizê-lo de outro modo, se existisse uma autoridade capaz de aplicar a restrição das 565 GTCO2 para os próximos quarenta anos, estas empresas somente poderiam queimar umas 150 GtCO2. O restante, carbono não injetado na atmosfera, seria de ativos sem valor e se traduziria em perdas colossais para os investidores que comprometeram recursos nessas empresas.

Essas 200 empresas do mundo da energia fóssil têm um valor em bolsa equivalente a 7,4 trilhões de dólares. Os países com maior potencial de gases de efeito estufa nas reservas de empresas que operam em bolsas são Rússia, Estados Unidos e Reino Unido. E nas bolsas de valores de Londres, São Paulo, Moscou, Toronto e do mercado australiano até 30% da capitalização de mercado está vinculada a combustíveis fósseis.

Estamos na presença de um conflito de dimensões históricas: de um lado está a comunidade científica advertindo para não se queimar essas reservas de combustíveis fósseis e do outro estão as empresas e investidores que tem interesse em realizar seus ativos (extrair e usar essas reservas). Quem prevalecerá? Nos últimos 30 anos, o setor financeiro do mundo foi capaz de dominar a política macroeconômica. Com efeito, as prioridades da política monetária e fiscal do mundo inteiro respondem hoje (inclusive em meio à crise) às necessidades do capital financeiro. Por que seria diferente no que diz respeito às políticas sobre mudanças climáticas?

Hoje carecemos de um regime regulatório internacional que permita pensar que a economia mundial poderá reduzir sua pegada de carbono na atmosfera na velocidade exigida. O Protocolo de Kioto é uma ficção e a única coisa que resta é um “compromisso” para se chegar a um acordo em 2015 que deverá entrar em vigor em 2020. No setor financeiro estão concentradas forças que se oporão com tudo a um acordo que evite o perigo da mudança climática catastrófica.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A turnê mundial de Yoani Sánchez

Por: Salim Lamrani para Opera Mundi

Opositora cubana inicia no Brasil turnê mundial , que incluirá os EUA e mais de dez países da América Latina e Europa


    
   
Depois de cinco anos de espera, Yoani Sánchez conseguiu, por fim, a autorização para viajar ao exterior. Depois da reforma migratória vigente desde 14 de janeiro de 2013, que permite a todos os cubanos deixar o país sem outra formalidade além da obtenção de um passaporte e um visto, a mais famosa opositora do governo de Havana inicia no Brasil uma turnê mundial que a levará a vários continentes. O cineasta Dado Galvão a receberá em Recife, onde participará da apresentação do documentário Conexão Cuba Honduras 1.

Efe

Yoani Sánchez faz check-in em balcão de companhia aérea no aeroporto internacional de Havana antes de embarcar para o Brasil

Sua turnê se parece com a de um chefe de Estado ou a de uma estrela da música, e os recursos dedicados a ela são impressionantes. De fato, “uma programação muito intensa” espera a jovem opositora de 37 anos 2. Tem conferências previstas no México, onde será a convidada de honra da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), que terá sua reunião semestral em Puebla; nos Estados Unidos, com encontros em Nova York, onde será recebida na redação do New York Times; Washington e Miami, Argentina, Canadá, Peru, Espanha, Itália, Alemanha, República Checa, Países Baixos e Suíça 3.

Como viajar é um direito universal reconhecido pela Declaração das Nações Unidas de 1948, só podemos nos alegrar pelo fato de a principal figura da oposição cubana poder expressar suas convicções pelo mundo. No entanto, é inevitável destacar certos aspectos obscuros da personalidade e da vida de Yoani Sánchez, que são objeto de controvérsia e que esta monumental turnê parece confirmar.

Yoani Sánchez não é uma opositora comum. Após viver dois anos na Suíça, decidiu voltar a Cuba e integrar o universo da dissidência. Em 1997, criou o blog Generación Y – traduzido para, pelo menos, 18 idiomas! –, no qual fustiga de modo virulento o sistema e o governo cubanos. Sua nova atividade tem sido coroada com êxito. No período de alguns anos, Sánchez recebeu diversas distinções, todas financeiramente remuneradas. No total, a blogueira recebeu uma remuneração de 250 mil euros, isto é, um montante equivalente a mais de 20 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial, e a 1.488 anos de salário mínimo em Cuba 4.
     

A isso se soma o salário mensal de seis mil dólares concedido pela Sociedade Interamericana de Imprensa, que agrupa os grandes conglomerados midiáticos privados do continente, e que decidiu nomeá-la vice-presidente regional por Cuba de sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação 5. O jornal espanhol El País também decidiu nomeá-la correspondente em Havana, e lhe paga um bom salário 6.

O governo dos EUA, cujo objetivo abertamente expresso é uma mudança do regime em Cuba por meio do financiamento de uma oposição interna, fez de Yoani Sánchez sua prioridade. Considera, em documentos confidenciais publicados pelo Wikileaks, que “Yoani Sánchez pode desempenhar um papel a longo prazo em uma Cuba pós-Castro” 7. De fato, a opositora cubana está em estreita relação com a diplomacia norte-americana em Cuba, como é assinalado em um telegrama classificado como “secreto” por seu conteúdo sensível. A administração Obama valoriza muito a blogueira cubana, como demonstra a reunião secreta ocorrida no apartamento da opositora com a subsecretária de Estado norte-americana Bisa Williams durante sua visita a Cuba, entre 16 e 22 de setembro de 2010 8.

Michael Parmly, antigo chefe da diplomacia norte-americana em Havana, que se reunia regularmente com Yoani Sánchez em sua residência pessoal, como indicam documentos confidenciais da SINA, manifestou sua preocupação a respeito da publicação dos telegramas diplomáticos dos EUA pelo Wikileaks: “Me incomodaria muito se as inúmeras conversas que tive com Yoani Sánchez fossem publicadas. Ela poderia pagar pelas consequências por toda a vida” 9. A pergunta que imediatamente vem à mente é a seguinte: “Quais são as razões pelas quais Yoani Sánchez estaria em perigo se sua atuação, como ela afirma, respeita o marco da legalidade?”

Desde então, Yoani Sánchez não é uma simples dissidente. Seria interessante que a principal figura da oposição cubana aproveitasse sua turnê mundial para esclarecer algumas zonas obscuras de sua trajetória pessoal e revelasse quais são os poderosos interesses que se escondem por trás de sua pessoa.

1. Voz de América, "Yoani Sánchez viaja ao Brasil em 17 de fevereiro", 6 de fevereiro de 2013.
2. Yoani Sánchez, 17 de fevereiro, https://twitter.com/yoanisanchez
3. EFE, "A blogueira cubana falará no Brasil sobre liberdade e direitos", 17 de febrero de 2013.
4. Yoani Sánchez, "Prêmios", Generación Y.
5. El Nuevo Herald, "Yoani é nomeada para comissão da SIP", 9 de novembro de 2012.
6. El País, "Artigos escritos por Yoani Sánchez", http://elpais.com/autor/yoani_sanchez/a/ (site acessado em 17 de fevereiro de 2013).
7. Jonathan D. Farrar, "Os Estados Unidos e o papel da oposição em Cuba", United States Interests Section, 9 de abril de 2009, telegrama 09HAVANA221. http://213.251.145.96/cable/2009/04/09HAVANA221.html (site acessado em 18 de dezembro de 2010).
8. Joaquin F. Monserrate, "GOC sinaliza 'prontidão para ir em frente", United States Interests Section, 25 de setembro de 2009, telegrama 09HAVANA592, http://213.251.145.96/cable/2009/09/09HAVANA592.html (site acessado em 18 de dezembro de 2010)
9. Michael Parmly, "Consenso On Line : Um fórum imparcial em Cuba", United States Interests Section, 28 de junho de 2007, telegrama 07HAVANA622, http://wikileaks.org/cable/2007/06/07HAVANA622.html (site acessado em 15 de setembro de 2011); Stéphane Bussard, "Meu reencontro com o autor dos telegramas sobre Cuba", Le Temps, 30 de dezembro de 2010.

As duas renúncias do Papa alemão

 

 

Ao colocarem uma pedra sobre o Concílio Vaticano II, Wojtyla e Ratzinger confundiram Igreja com Ocidente, e cristianismo com capitalismo

Por Toni Negri | Tradução: Antonio Martins

Há mais de vinte anos, saiu a encíclicia Centesimus Annus, do Papa polonês Wojtyla, por ocasião do centenário da Rerum Novarum. Era o manifesto reformista, fortemente inovador, de uma Igreja que se pretendia, dali em diante, única representante dos pobres, depois da queda do império soviético. Àquele documento, meus companheiros parisienses do Futur Antérieur e eu dedicamos um comentário que era também o reconhecimento de um desafio. Teve por título “A V Internacional de João Paulo II”.
Vinte anos depois, o Papa alemão renuncia. Declara-se não só esgotado no corpo, e incapaz de se opor aos imbroglios e à corrupção da Cúria Romana, mas também impotente no ânimo para enfrentar o mundo. Esta abdicação, porém, só pode surpreender os curiais. Todos os que estão atentos aos assuntos da Igreja romana sabem que outra renúncia, bem mais profunda, dera-se antes. Ocorrera em parte sob João Paulo II, quando, com o apoio fervoroso de Ratzinger, a abertura aos pobres e o empenho por uma Igreja renovada pela libertação dos homens da violência capitalista e da miséria terminaram.
Fora pura mistificação, a encíclica de 1991? Hoje, devemos reconhecer que, provavelmente, sim. De fato, na América Latina a Igreja católica destruiu cada foco da Teologia da Libertação. Na Europa, voltou a reivindicar o ordo-liberalismus. Na Rússia e Ásia viu-se quase incapaz de desenvolver o discurso que a nova ordem mundial permitia. E nos países árabes e Irã viu os muçulmanos – em suas diversas seitas e facções – assumir o posto do socialismo árabe (e frequentemente cristão) e do comunismo ortodoxo, na defesa dos pobres e no desenvolvimento de lutas de libertação.
A própria reaproximação com Israel não foi feita em nome do anti-fascismo e da denúncia dos crimes nazistas, mas… em nome da defesa do Ocidente. O paradoxo mais significativo é que o grande impulso missionário (desenvolvido de modo autônomo depois do Concílio Vaticano II) refluiu em favor de ONGs católicas, rigidamente especializadas e depuradas de qualquer característica genericamente “franciscana” Estas ONGs terminaram dedicadas à prática dos “direitos do homem” que a Igreja (e dois Papas: o polaco e o alemão) recusava-se a reconhecer nos países europeus ou na América do Norte, onde ainda expressavam, com ressonância anticlerical e republicana, as conquistas (residuais, ainda que eficazes) da laicidade humanista e iluminista. Ao invés de se colocar à esquerda da social-democracia, como a Centesimus Annus propunha, o papado situou-se à direita, no cenário social, e junto a uma direita política próxima aos Tea Parties (inclusive os europeus).
Agora, o Papa alemão abdica. É quase divertido ouvir a mídia do mundo que ainda se interessa pelo assunto (muito limitado, se considerarmos o espaço global). Ela pede ao novo Papa que reconheça o ministério eclesiástico das mulheres; que estabeleça uma administração colegiada burguesa da Igreja, que assegure uma posição de independência em relação à política… propostas banais. Mas tocam o essencial? Seguramente, não: é a pobreza, o que falta à Igreja. Seria enfim o momento de compreender que o Papa não é um Rei: deve ser pobre, só pode ser pobre.
Tentarão mascarar o problema promovendo um africano, ou um filipino, ao papado? Que horrível gesto racista seria, se o Vaticano e os seus ouros e os seus bancos e a sua dogmática política a favor da propriedade privada e do capitalismo permanecessem brancos e ocidentais! Pedem conceder às mulheres o sacerdócio: não é pura hipocrisia, quando não lhes passa nem pela antecâmera do cérebro que Deus possa ser declinado ao feminino? Querem gestão colegiada da Igreja: mas já Francisco ensinou que o compartilhamento só poderia se dar na caridade. Etc, etc.
A Igreja do Papa polaco e do alemão concluiu o processo de aniquilação do Concílio Vaticano II, e esta liquidação infelizmente não representou jamais uma “guerra civil” no interior da instituição, mas apenas um torneio de esgrima entre prelados – ainda que sangrenta, como no caso da neutralização do cardeal Martini – mas sempre esgrima. Ao colocarem uma pedra sobre aquele Concílio, os dois últimos Papas bloquearam um impetuoso movimento de renovação religiosa. Sobretudo, confundiram a Igreja com o Ocidente, o cristianismo com o capitalismo. Era justamente o que a Centesimus Annus prometia não voltar a fazer, uma vez acabada a histeria anti-soviética.
Não bastava, porém, proclamar a pobreza, para subordinar à cristandade as formas de vida do Ocidente capitalista. Era preciso praticar a pobreza, alimentá-la, como uma revolução. Diante das crises monetárias, de produção e sociais, os cristãos teriam desejado da Igreja uma definição nova e adequada de “caridade”, de “amor pelo próximo”, da “potência da pobreza”. Não a obtiveram. No entanto, muitos militantes cristãos refutam o declínio que o Vaticano e o Ocidente parecem percorrer juntos.
Alguns pensam agora que “a renúncia de Bento poderia finalmente tirar a Igreja do século XIX”; outros ,que haverá uma reflexão profunda e o reconhecimento da necessidade de uma reforma. Mas, ao contrário, não terão razão aqueles para os quais estamos diante da “agonia de um império doente?”. E que o gesto de Bento não é outra coisa além de um álibi oportunista, uma tentativa extrema para fugir da crise? A única coisa de que estamos certos é que qualquer reforma doutrinária será inteiramente inútil se não for precedida, acompanhada e realizada por meio de uma reforma radical das formas de presença social da Igreja, de suas mulheres e homens. Se estes desistirem de associar a esperança celeste e a terrena. Se voltarem a falar da “ressurreição dos mortos”, ocupando-se dos corpos, do alimento, das paixões dos homens que vivem. Significa romper com a função que o Ocidente capitalista confiou à Igreja – pacificar, com esperanças vazias, o espírito de quem sofre; tornar culpada a alma que se rebela.
A descontinuidade produzida pela renúncia de Bento suscitará efeitos de renovação se a ela se associar a recusa a representar a “Igreja do Ocidente”. Talvez tenha chegado o momento de realizar o que havia proposto a Centesimus Annus há vinte anos, e reconhecer aos trabalhadores a condição de explorados, no Ocidente, pelo Ocidente. Mas se o Papa polonês de então não conseguiu, é dúbio que possa fazê-lo um aluno seu, de frágil carisma. A obra está confiada, portanto, aos cristãos. E a nós todos.
Fonte: OUTRASPALAVRAS

Chávez, amigo de Cuba

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Nihil humani a me alienum puto



 

Autor: Sérgio Salomão Shecaira*
 

Mao Tsé-Tung, principal líder da revolução chinesa, foi indagado por um repórter estrangeiro, logo após a vitória dos comunistas na guerra civil, qual a opinião sobre a Revolução Francesa de 1789. O líder comunista, mais de cento e cinquenta anos depois, responde que “ainda era muito cedo para avaliar”.  
Fico pensando comigo mesmo se tão acentuada cautela não deveria ser usada quando me perguntam qual a consequência do Julgamento do Mensalão. Afinal de contas, com o processo sem o trânsito em julgado e com decisões incidentais que se darão ao longo deste ano, e eventualmente do próximo, melhor seria nos calarmos. Ademais, acompanhei o julgamento de longe. Não li o processo e somente recebi, como todos os brasileiros, informações diuturnas pela imprensa. Enfim, falar agora sobre o tema pode parecer, aos olhos orientais, altamente imprudente. Embora cedo para avaliar, vou correr o risco. 
Não vendo o julgamento como operador do direito, mas como cidadão, qualquer pessoa há de ficar feliz com as sentenças condenatórias. Afinal de contas, creio que todo cidadão consciente luta para que a corrupção seja combatida com rigor, e que eventuais corruptos sejam responsabilizados e, não importando quem sejam eles, sejam punidos. É isso o que um cidadão comum diria se não tivesse lido uma linha sobre o tema e avaliasse somente dois momentos: o primeiro, a longínqua acusação de corrupção; o segundo, a simples condenação dos acusados.  
Já como jurista e cidadão, analiso o papel da instituição, bem como o conteúdo da decisão e sua consequência.  
A euforia midiática mostrou sem véus o papel que os magistrados desempenharam. Alguns foram promotores, outros advogados, outros até juízes, além daqueles que foram repórteres investigativos ou jornalistas de costumes nas horas vagas. Todavia, o que mais me surpreendeu foram aqueles que se apresentaram como justiceiros. Essa preocupante atitude causou perplexidade à comunidade jurídica e à população. Todos nós, acostumados ao temor reverencial que nutrimos pelos homens de toga, beca ou batina, pessoas no passado recente consideradas como iluminadas por Deus, vimos uma irritante natureza humana nos atos desses profissionais. Brigas comezinhas, pitos bilaterais, ofensas veladas ou abertas, advertências, saídas do plenário em protesto contra o arbítrio de um ou o abuso verbal de outro. Quiprocós não faltaram. Nem chiliques. Enfim, em um clima de assembleia condominial que decide uma polêmica obra, os condôminos, digo, os magistrados externavam clara e francamente a ira, a vaidade e outras vicissitudes humanas. Despida a toga, vimos que aqueles que pensávamos ser verdadeiros reis estavam nus! 
Nada de importante, se não fosse a mais alta Corte do País. 
Aqui e acolá registrei, da minha distância, minha surpresa. Pedia-se a procedência ou improcedência da ação e não do pedido. Não se sabia qual a lei em vigor para se fazer o cálculo penal. Magistrados calejados quiseram condenar os imputados a uma pena de multa, não prevista na lei, em flagrante desconhecimento do artigo inaugural de nosso Código Penal que consagra o princípio da legalidade. O procedimento trifásico do cálculo penal foi ignorado, bem como toda a jurisprudência garantista que envolvia a matéria e que foi construída, fundamentalmente, pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Enfim, nada dignificante para uma Corte Superior. Se é verdade que quem erra por último é o Supremo, segundo a lição inesquecível de um velho ministro, os erros não passaram despercebidos e, lamentavelmente, foram exemplares. 
Não bastasse isso, toda a teoria do domínio do fato foi descontextualizada. Há mais de 70 anos, ainda nos anos 30, Hans Welzel, um jovem professor alemão, propôs uma importante modificação na teoria do crime. Chamou a mudança de teoria finalista da ação. Com esteio no pensamento filosófico de Nicolai Hartmann e na fenomenologia de Edmund Husserl, condicionou a existência do crime a um ato teleológico humano. Não bastaria um nexo de causalidade, então suficiente para a consagração de um delito. Necessitava-se mais. Como o crime era um ato humano, exigia-se um telos, um fim que se pudesse atribuir ao seu autor. Não por outra razão a teoria se chamou finalista. 
O corolário desse pensamento era uma restrição à imputação de um fato a seu autor. Não bastaria somente a relação de causa e efeito, importada das ciências duras, pois uma razão humana era necessária. E essa razão humana deveria anteceder a exteriorização da conduta que se consubstanciaria em crime. Assim, segundo Husserl, “toda a consciência é a consciência de alguma coisa” – e no Direito Penal é a consciência de um ato previamente concebido a desrespeitar uma norma proibitiva. Ainda segundo ele, somente o ser humano pode decidir de que forma pretende estar no mundo, sobretudo quando aprende a se dar conta de que ele está aberto no mundo, e de que o “mundo” são todas as possibilidades. E é diante delas que os seres humanos são ou deixam de ser, tornam-se e se transformam, exercem seus sonhos e desejos, vivem ou desistem de viver, fazem-se dignos ou simplesmente rastejam como animais invertebrados. 
Qual a consequência prática deste pensamento? Temos uma restrição do sistema de punições. Depois do advento do finalismo, não se pune somente com o nexo causal, pois há que se demonstrar a existência prévia do ato teleológico. Vale dizer, temos uma primeira grande diminuição do sistema punitivo, já que uma exigência mais estrita se soma a um universo causal mais aberto.(1) 
A teoria não se fez de um ato só, de um momento só. Foi sendo criticada e reelaborada ao longo dos anos. Aprofundamentos e ramificações nascem dela. No plano da autoria, pensa-se na teoria do domínio do fato (pareceu-me no julgamento que a ideia tenha sido manuseada por pessoas que não tinham perfeito domínio da teoria, mas vou adiante). Isto é, só poderá ser considerado (co)autor do delito aquele que tiver um domínio – final – do fato. Em palavras simples, a teoria exige que um ato causal possa ser dominado ou dominável pelo seu autor. Se assim não for, autor não é.  
Por tudo isso, quando um ministro afirma que “apesar de não existir provas para condenar, ele ainda assim condena porque a literatura o autoriza” (seja lá que diabos isso signifique), estamos diante de um magistrado draconiano que, basicamente, lembrando Maquiavel, assevera que os fins justificam os meios. Não importa a inexistência de provas, o que importa é o exemplo que se conseguirá com a decisão. “Às favas, pois, com todos os escrúpulos de consciência”, como diria Jarbas Passarinho, prócer da Ditadura ao assinar o AI-5, o que vale é a condenação e seu exemplo. 
Pois bem, temos uma condenação ou, quiçá, várias. Todas exemplares. Esperamos que sirvam de efeito dissuasório para o cometimento de novos atos de corrupção, ainda que os cientistas do Direito não tenham empiricamente conseguido demonstrar tais efeitos preventivos. O que se teme, no entanto, já que se está a falar de exemplos, é o que um juiz iniciante pensará, no interior do Brasil, ao começar sua carreira de magistrado em uma pequena comarca, deparando-se com um crime que ele julgue grave. Aplicará uma teoria que restringe a punição, como a finalista, ou a adotará, em evidente contradição lógica, para fundamentar qualquer sentença condenatória? O Supremo Tribunal, que olha menos o fato e mais a defesa da Constituição, olhou para os crimes do mensalão como um juiz iniciante que se vê pressionado por um crime grave. Deu um exemplo a todos os magistrados do país: “condenem, ainda que sem provas, pois o povo apoia e isso basta”. Às favas com os procedimentos, pois o que vale é o resultado final, o que vale é darmos um exemplo. 
O processo do mensalão foi usado para atemorizar os outros. Não me parece razoável usarmos seres humanos, corruptos ou não, detestáveis ou não, para dizer que a “partir de agora é pra valer”. Exemplos podem ser usados com cobaias, não com pessoas. Parece-me que os fins justificaram os meios. E, agora, aquele juiz hipotético, da comarca hipotética, de um crime grave hipotético que aflige – hipoteticamente – a comunidade, poderá julgar com os fins, e não com os meios.  
De fato, o julgamento foi exemplar! 
Em tempo: o título não é um xingamento, somente afirma que nada do que é humano nos é estranho. Ou, trocando em miúdos, eu lamentavelmente já vi esse filme. 

Nota:
(1) Depois do auge da discussão finalista, outras linhas de pensar floresceram, como o funcionalismo contemporâneo, e que melhor expressam a discussão, de outra perspectiva, sobre o mesmo tema. Nova visão, também restritiva, é produzida com a teoria da imputação objetiva. Mas esta é uma outra estória, que fica para outra vez. 

*Sérgio Salomão Shecaira
Professor titular de Direito Penal da USP.
Ex-presidente do IBCCRIM e do CNPCP. 
Fonte: http://www.ibccrim.org.br/