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segunda-feira, 31 de março de 2014

EUA desesperados para isolar a Rússia em todos os fronts


Pepe Escobar, Rússia Today
http://rt.com/op-edge/us-desperate-to-isolate-russia-893/
O governo Obama não carregará prisioneiros em sua sanha para tentar “isolar” a Rússia em todos os fronts possíveis – até agora, sem resultados importantes.
Já listei algumas razões pelas quais a Ásia não isolará a Rússia.[1] E também algumas razões pelas quais a União Europeia não pode isolar a Rússia.[2] Mesmo assim, o governo Obama prossegue, incansável, e continua a atacar em três grandes fronts – o G-20, o Irã e a Síria.
Primeiro, o G-20. A ministra de Relações Exteriores da Austrália Julie Bishop lançou um balão de ensaio, especulando que a Rússia e o presidente Vladimir Putin poderiam ser barrados da reunião do G-20 em Brisbane, em novembro.
A reação dos outros quatro nações-membros BRICS foi imediata: “A custódia sobre o G-20 pertence a todos os estados-membros igualmente, e nenhum estado-membro pode determinar, unilateralmente, sua natureza e caráter.”
Austrália, sempre subserviente aos EUA, teve de calar o bico. Por hora.
Os BRICS, não por acaso, são a aliança chave do mundo em desenvolvimento dentro do G-20, que atualmente está discutindo o que interessa nas relações internacionais. O G-7 – que ‘expulsou’ a Rússia de sua próxima reunião em Sochi, já transferida para Bruxelas – não passa de balcão de conversas de autopromoção.
De sanção em sanção
Então, há o Irã. O vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Ryabkov deixou muito claro que se os EUA e fantoches selecionados insistirem em lançar sanções econômicas por causa do referendo da Crimeia,“nós tomaremos também medidas de retaliação”. E falava das negociações do P5+1 sobre o dossiê nuclear iraniano.
Em “Three Reasons Why Russia Won't Wreck the Iran Nuclear Negotiations” [Três razões pelas quais a Rússia não arruinará as negociações nucleares iranianas], 25/3/2014, Suzanne Maloney, Brookings, em http://www.brookings.edu/blogs/iran-at-saban/posts/2014/03/22-russia-us-tension-sabotage-iran-nuclear-deal (ing.)], lê-se uma exposição bem acurada de o que o establishment norte-americano pensa sobre o papel da Rússia naquelas negociações.
É verdade que a revelação, em 2009, de uma instalação iraniana secreta, subterrânea, de enriquecimento de urânio não agradou a Moscou – a qual, em resposta, cancelou a venda do sistema S-300 de defesa aérea a Teerã.
Mas mais crucial é o fato de que Moscou quer que o dossiê nuclear iraniano permaneça sob o guarda-chuva do Conselho de Segurança da ONU – onde a Rússia pode exercer seu poder de veto; qualquer solução terá de ser multilateral, não engendrada por neoconservadores psicótico(a)s.
Facções políticas conflitantes no Irã talvez ainda duvidem do comprometimento de Moscou a favor de alguma solução justa – considerando que Moscou não fez grande coisa para aliviar o terrível pacote de sanções. E, sim, Rússia e Irã são concorrentes, como exportadores de energia – e sanções que castiguem o Irã são presentes para a Rússia (50% menos petróleo iraniano foi exportado desde 2011, e o país não se qualifica como grande exportador de gás natural).
Mas se o frenesi das sanções dos EUA engolfar também a Rússia, haverá fogos no céu: Moscou acelerará a troca de mais de 500 mil barris/dia de cru iraniano em troca de a Rússia construir mais uma usina nuclear; haverá outros movimentos russos para detonar a parede de sanções ocidentais; e Moscou também pode decidir vender não só os sistemas de defesa S-300 mas os S-400 ou o futuro e ultra sofisticado sistema de defesa S-500, a Teerã.
É tempo de ataques forjados, sob bandeiras falsas
Há, finalmente, a Síria. Mais uma vez, os BRICS estão na vanguarda. O embaixador russo Vadim Lukov acertou o olho do alvo, quando disse que “Falando bem francamente, sem a posição dos BRICS, a Síria já estaria, há muito tempo, convertida em Líbia.”[3]
Os BRICS aprenderam a lição para o caso da Síria, quando permitiram, com as abstenções em votação na ONU, que se abrisse a via para o bombardeio humanitário da OTAN que destruiu a Líbia e converteu o país em estado arruinado. Subsequentemente, a diplomacia russa interveio, para salvar o governo Obama de bombardear a Síria por causa de uma estúpida, sem sentido, autoinfligida “linha vermelha” – com consequências potencialmente cataclísmicas.
Agora, o enredo novamente se adensa. O enviado da ONU e da Liga Árabe Lakhdar Brahimi anda dizendo que o reinício das conversas de paz de Genebra-2 está “fora de questão” por enquanto. Em briefing ao Conselho de Segurança da ONU no início de março, Brahimi culpou o governo sírio pela interrupção.
É completo absurdo. As incontáveis facções de oposição na Síria, todas oportunistas, jamais quiseram, nunca, qualquer negociação; só queriam mudança de regime. Para nem falar da nuvem de jihadistas – as quais, até recentemente, vinham criando fatos em campo com armas fornecidas a todas elas pelos petrodólares do Golfo.
Agora, abundam os boatos de que o governo Obama estaria pronto para ‘isolar’ a Rússia – e por extensão os BRICS – também no caso da Síria.
O governo Obama, servindo-se dos proverbiais ‘funcionários’ não identificados, anda distribuindo ‘relatos’ de desinformação[4] sobre ataques de jihadistas contra interesses ocidentais, partidos do norte e do nordeste da Síria. Pode ser o prelúdio para um perfeito ataque de ‘terceiros’, apresentado sob bandeira falsa, a ser usado como pretexto para ‘justificar’ uma intervenção ocidental – atropelando, obviamente, a ONU. Os doidos pró-guerra nunca pararam de sonhar com a tal zona de exclusão aérea sobre a Síria.
Esse cenário articula-se claramente com o escândalo em curso no governo Erdogan na Turquia: o que todos vimos por YouTube[5] é exatamente uma conversa no plano da segurança regional, sobre como um membro da OTAN, a Turquia, poderia forjar um ataque, sob bandeira falsa, e atribuí-lo à Síria.
A conclusão é que a OTAN está longe de ter desistido da ‘mudança de regime’ na Síria. Há notáveis simetrias em tudo isso. Putsch na Ucrânia. Ataque forjado na Síria. Ataque da OTAN à Síria? Ataque russo no leste da Ucrânia. Pode não ser tão delirante quanto parece. Daí que... abriram-se as apostas.
Todo o Novo Grande Jogo na Eurásia está sendo de tal modo distorcido, que agora temos Obama, o especialista em Direito Constitucional, a legitimar a invasão e a ocupação do Iraque (“os EUA procuramos trabalhar dentro do sistema internacional, não reivindicamos nem anexamos território iraquiano”[6]) e os doidos fazedores-de-guerra na Think-tankelândia norte-americana a pregar embargo de petróleo contra a Rússia, como para o Irã, com Washington a usar seus fantoches sauditas para completar o serviço.
Depois de dar aulas aos europeus, em Haia e Bruxelas, sobre os desígnios “maléficos” dos russos, e desfilar em Roma feito neo-Cesar, Obama encerra seu tour triunfal precisamente lá, em sua satrapia saudita. Temos de nos preparar para uma imunda caixa de docinhos que vem por aí. ******
[1] 25/3/2014, Pepe Escobar, “A Ásia não ‘isolará’ a Rússia”, Asia Times Online, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/pepe-escobar-asia-nao-isolara-russia.html
[2] 28/3/2014, Pepe Escobar, “Por que a União Europeia não pode ‘isolar’ a Rússia”, Asia Times Online, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/pepe-escobar-por-que-uniao-europeia-nao.html
[3] http://voiceofrussia.com/2014_02_26/BRICS-is-priority-for-Russian-foreign-policy-and-way-to-shape-
multipolar-world-Russias-diplomat-5870/
[4] http://www.nytimes.com/2014/03/26/world/middleeast/qaeda-militants-seek-syria-base-us-officials-
say.html?_r=2&gwh=652320DB83B249B2623A03E8CFD84D42&gwt=regi&assetType=nyt_now
[5] Sobre esse vazamento, ver 28/3/2014, “Erdogan usa a al-Qaeda para encobrir sua invasão à Síria. Vazamentos (tudo traduzido! É nóiz!)” em redecastorphoto
(http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/erdogan-usa-al-qaeda-para-encobrir-sua.html ): e em Oriente Mídia, “Turquia usa Al-Qaeda para justificar guerra contra a Síria”, em Oriente Mídia, em http://www.orientemidia.org/vazamentos-turquia-usa-al-qaeda-para-justificar-guerra-contra-a-siria/ ) [NTs].
[6] Em Bruxelas, anteontem (em http://www.whitehouse.gov/the-press-
office/2014/03/26/remarks-president-address-european-youth) [NTs].

quinta-feira, 27 de março de 2014

EUA e os direitos humanos na América Latina


O relatório de Direitos Humanos apresentado pelos EUA aponta problemas nos países que não rezam pela cartilha de Washington e ignora Honduras e Colômbia.


Juan Manuel Karg (*)
Arquivo

Tempos atrás apareceu o informativo anual sobre direitos humanos no mundo realizado pelo Departamento de Estado norte-americano. Na América Latina, o Equador se somou à lista de violadores dos direitos humanos na qual Venezuela e Cuba estão há dez anos de forma ininterrupta. Que países do continente não aparecem no documento e por qual motivo? Por que Honduras, país com crescente perseguição a jornalistas e a trabalhadores rurais desde o golpe de 2009, foi retirada dos casos “preocupantes” para os Estados Unidos? O caso paradigmático é o da Colômbia.

No início de março, o Secretário de Estado John Kerry apresentou diante da opinião pública internacional o relatório anual de direitos humanos na América Latina, por meio do qual os Estados Unidos se outorgam a condição de “fiscal” das democracias em nosso continente, observando o desempenho das mesmas. No polêmico texto, o Equador é integrado à lista de países que, a partir da avaliação do Departamento de Estado, desrespeitam os direitos humanos em nosso continente. A entrada do país governado por Rafael Correa nesta lista seria a suposta diminuição das liberdades de expressão, de imprensa e de associação no país.

Quito respondeu o informativo, caracterizando o documento como “unilateral” e questionando a legitimidade de Washington neste quesito. No texto, afirma que os Estados Unidos têm “um pobre histórico em relação ao cumprimento dos direitos humanos nos últimos anos”, recordando a responsabilidade da administração Obama nas prisões ilegais e torturas realizadas na prisão de Guantánamo; sua persistência no bloqueio a Cuba, fato sistematicamente condenado por uma abrumadora maioria na Organização das Nações Unidas (ONU); e o uso – e abuso – de aviões não tripulados contra populações civis, além da persistência da pena de morte em diversos estados norte-americano.

A resposta apresentada pelo chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, dá conta da não ratificação, por parte de Washington, de cinco instrumentos internacionais vinculados ao tema: a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), a Convenção Universal contra a Tortura, a Convenção Universal sobre os Direitos da Criança, a Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e seus Familiares, e a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.

Assim, a conclusão que emerge do texto poderia ser muito bem uma sugestiva pergunta: qual é a posição de onde Washington pretende “avaliar” o respeito ou não aos direitos humanos em nosso continente, visto e considerando que desdenhou, tal como o Equador expôs, algumas de suas ferramentas?

Outro dado do relatório chama atenção: a ausência de Honduras na lista de violadores. Nesse país, desde o golpe de Estado de 2009 até a atualidade, foram assassinados 29 jornalistas, e aumentou a perseguição ao movimento de trabalhadores rurais durante o mandato de Lobo, conforme denunciou a organização Via Campesina internacional em setembro do ano passado. Tudo isso sem mencionar as polêmicas eleições presidenciais do final de 2013, em que o conservador Juan Orlando Hernández ultrapassou com uma escassa margem Xiomara Castro de Zelaya, em um momento em que a veracidade de muitas cédulas eleitorais foi questionada por observadores internacionais presidentes em Tegucigalpa. As duas questões, a situação dos direitos humanos “cotidianos” no país, e as denúncias sobre a própria eleição presidenciais, foram sistematicamente menosprezadas pelos meios de comunicação privados do continente, e não aparecem referenciadas no documento de Washington.

E a Colômbia? Lá, recentemente, a candidata à vice-presidência Aída Avella sofreu um atendado com 14 tiros que atingiram seu carro em uma caravana da campanha. Isso, somado às cassações políticas do prefeito de Bogotá Gustavo Petro e da ex-senadora e defensora dos direitos humanos Piedad Córdoba, e da prisão de dirigentes do movimento Marcha Patriótica. O país não teve lugar no relatório – apesar da acusação de execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados por parte das forças do Estado. A Colômbia, para além das evidências que o informativo mostra ou que deliberadamente ignora, não aparece na lista de violadores de direitos humanos, sendo um dos países onde é mais difícil exercer oposição política em nosso continente, tal como demonstram os fatos já mencionados.

A variável ideológica influencia na hora de “fiscalizar” as democracias para os Estados Unidos: os países da “lista” em nosso continente pertencem majoritariamente à ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas) e exerceram um papel de destaque em outras instâncias de integração autônomas com relação a Washington, tais como a Unasul, Celac e Mercosul, junto dos governos pós-neoliberais do continente. Para finalizar, ficam abertas algumas questões sugestivas, levando em consideração o que foi exposto. A “condenação” do Equador se deve à situação dos direitos humanos no país, ou melhor, à posição de contestador que o governo Correa assumiu nas cúpulas internacionais contra a ingerência norte-americana em nosso continente? Quanto influenciaram as declarações públicas de Correa em torno do papel regressivo que a “Aliança do Pacífico” ocupa em nosso continente para que os EUA incluíssem o Equador nesta lista de violadores?

(*) Licenciado em Ciência Política pela UBA (Universidade de Buenos Aires). Pesquisador do Centro Cultural da Cooperação – Buenos Aires

Tradução: Daniella Cambaúva

Fonte: Carta Maior

50 anos do golpe: a verdade e a impunidade


Aos 50 anos do golpe que derrubou o governo de João Goulart, a verdade sobre o que aconteceu no país começa, aos poucos, a se desenterrar.
Eric Nepomuceno -

Na véspera dos cinquenta anos do golpe civil militar que derrubou o governo de João “Jango” Goulart e instaurou uma ditadura de 21 anos, há um pouco de tudo no Brasil. Há os nostálgicos, há os que se esquecem daqueles tempos maléficos e há os indiferentes, que acreditam que voltar ao passado é algo dispensável. E estes são a maioria – dona de um silêncio muito revelador sobre o pavor crônico dos brasileiros diante de um passado infame.

E há também os poucos – pouquíssimos – agentes do terrorismo de Estado que, por alguma razão, decidiram contar uma parte do que sabem. Dessa forma, a verdade começa, aos poucos, a se desenterrar. Isso ocorre sob o respaldo de uma lei esdrúxula e infame de autoanistia decretada pelos militares no início do declínio da ditadura, e que foi ratificada de forma tão surpreendente quanto abjetamente covarde pelo Supremo Tribunal Federal, há quatro anos.

Entre esses pouquíssimos que agora falam, um – o coronel aposentado do exército Paulo Malhães – o faz com uma tranquilidade assustadora. E ele tem razão: a anistia o protege agora de contar como arrancava os dentes e os dedos dos assassinados para impedir que os corpos fossem reconhecidos. Descreve com uma meticulosidade de jardineiro como abria a barriga dos cadáveres que logo seriam jogados em algum rio, e a precisão empregada na hora de colocá-los em sacos de aniagem, calculando o peso exato das pedras para que flutuassem, sem aparecer na superfície. Admite placidamente sua participação em sessões de tortura e em assassinatos. Disse não saber quantos matou.

Quando perguntado sobre a violência sexual contra presas políticas, desconversou. “Se houve casos de abuso, foram um ou dois”, diz. Há dezenas e dezenas de relatos de mulheres que foram presas e abusadas. Malhães esclarece que, por ele, nenhuma: “Uma mulher subversiva, para mim, é um homem. Foram presas algumas mulheres lindas, mas não me atraíam. Eu as considerava e considero como um inimigo”.

Diz tudo isso na Comissão Nacional da Verdade instaurada por Dilma Rousseff, ela mesma uma ex-presa política que passou por todo tipo de tortura. É um dos únicos, na véspera do aniversário, que assume o que cometeu. Outros, como o coronel também aposentado Alberto Brilhante Ustra, famoso pela forma descontrolada com que torturada os presos, especialmente as mulheres, se dão ao luxo de fazer piadas prepotentes quando são convocados a depor diante da Comissão da Verdade.

Impressiona também a resistência pétrea de militares aposentados em sequer admitir que o que ocorreu em 1964 foi um golpe de Estado. Garantem que jamais houve ditadura: houve uma revolução, que logo se transformou em um regime forte. No máximo, autoritário. Mas ditadura, não.

Talvez também por essa razão que Dilma Rousseff tenha proibido expressamente que se faça qualquer tipo de comemoração da data em instalações militares. A determinação da presidenta não atinge os militares aposentados, que têm seus próprios clubes – é assim que eles os chamam: clubes – para comemorar a infâmia. Para os militares, inclusive para os que não eram nascidos, o que ocorreu em 31 de março de 1964 foi uma revolução para impedir que um regime comunista se instalasse no Brasil. É mentira, e todo mundo sabe.

E tem uma coisa muito esclarecedora, muito simbólica. Na verdade, o golpe aconteceu em 1° de abril. Os golpistas retrocederam o calendário em 24 horas porque, no Brasil, o 1° de abril é o dia dos bobos. O dia da mentira.

Fonte:  Carta Maior


quarta-feira, 26 de março de 2014

Ucrânia: lições da Praça Maidan, um mês depois


Como milhares de ativistas, democráticos porém atomizados, foram dirigidos pela ultra-direita. Que papeis jogaram Ocidente e Rússia. Que futuro esperar

Por David Mandel | Tradução: Maurício Ayer
Comecemos pela versão dos governos ocidentais: teria havido na Ucrânia um levante popular pela democracia. Independentemente do que pensemos sobre o presidente deposto, Viktor Yanukovtich, sua eleição, em 2010, foi reconhecida como democrática pelos observadores internacionais e – após certa hesitação – pela candidata derrotada, Yulya Timochenko. Eleições relativamente honestas foram, aliás, a única consequência positiva, para o povo, da última grande mobilização na Praça Maidan, a chamada “Revolução Laranja” de dezembro de 2004. Novas eleições presidenciais estavam previstas para março de 2015 (ou dezembro de 2014, segundo o acordo firmado por Yanukovtch e os dirigentes da oposição parlamentar, em 21 de fevereiro). As sondagens previam derrota de Yanukovitch. Apesar da corrupção, o regime aceitava muito bem as liberdades políticas. Uma grande parte da mídia de massas estava em mãos da oposição.
Sobre um possível acordo com a União Europeia, a população estava, segundo as pesquisas, dividida. Deste ponto de vista, é a tentativa de impor, a partir da rua, este acordo, que parece antidemocrática. Uma reivindicação democrática teria sido abrir o debate público sobre o tema, e promover em seguida um plebiscito.
O novo governo provisório, nascido do processo de Maidan foi ratificado pela Rada (parlamento), mas viola a Constituição em vigor. Ela exige o voto de 75% dos parlamentares para destituir o presidente. Tal votação não houve. Além disso, neste momento Oleksandr Turchinov enfeixa os postos de presidente do Parlamento e presidente do país – uma enorme concentração de poder igualmente não prevista pela Constituição. É um mau agouro para a equidade das eleições previstas para maio.
É claro que a grande maioria das dezenas, às vezes centenas de milhares de pessoas que lotaram a Praça Maidan estava revoltada pela corrupção onipresente no sistema político, que atravessa todas as instituições da sociedade. Os manifestantes foram, em sua grande maioria, mobilizados pelo desejo de assumir controle sobre a política do governo e de orientá-la em favor de interesses populares.
O movimento é característico do período contemporâneo, quando houve uma vasta série de levantes populares semelhantes – principalmente nos países árabes, mas também no espaço da ex-União Soviética (Geórgia em 2003, Ucrânia em 2004, Quirguistão em 2005). Uma população atomizada mobiliza-se por meio das redes sociais; porém, sem programa claro. Os frutos dessa mobilização de massas foram recolhidos por forças que estão organizadas e têm ideia clara do que querem.
A razão profunda desse fenômeno é a ausência de uma esquerda influente. Isso, por sua vez, reflete a fraqueza atual da classe operária (a classe dos assalariados/as), que foi a base tradicional da esquerda. As trabalhadoras e os trabalhadores, enquanto classe, ficaram ausentes dos eventos – nenhuma greve em apoio aos protestos –, mesmo considerando que a maior parte das pessoas reunidas na Praça Maidan era sem dúvida de assalariados de renda modesta.
Pois o verdadeiro problema não era Yanukovitch, mesmo sendo ele corrupto e a serviço de forças antipopulares. (A fonte – ou fontes – da matança na Praça Maidan ainda está por ser estabelecida. Alguns, em particular o Ministro das Relações Externasda Estônia, chegaram a sugerir que foi a oposição.)
Desse ponto de vista, o regime de Yanukovitch praticamente não se distinguia dos precedentes, inclusivo o de Viktor Youchtchenko, o grande herói de Maidan em 2004, e antes dele o de Koutchma, que já almejava a adesão da Ucrânia à OTAN, e antes dele o de Kravtchuk, antigo burocrata comunista encarregado de combater o nacionalismo que, em aliança com os nacionalistas das regiões ocidentais, tornou-se o pai da Ucrânia independente. O verdadeiro problema é um sistema político e uma economia dominados por oligarcas que instrumentalizam as divisões linguísticas e culturais para avançar em seus próprios interesses. Desse ponto de vista, os eventos recentes não mudaram nada.
Quem conhece a cena política na Ucrânia sabe que há uma circulação contínua de personalidades políticas entre o governo e a oposição: os opositores de Maidan eram ontem membros ou aliados da equipe que estava no poder. (Aliás, isso distingue o regime da Ucrânia do regime da Rússia, que podemos qualificar como “bonapartista”. Na Rússia, o Estado (o Executivo) domina os oligarcas, embora promova seus interesses econômicos globais; na Ucrânia, são os oligarcas que dominam o governo.)
As massas revoltadas, mas atomizadas, parecem incapazes de penetrar na verdadeira fonte do mal e ainda menos de vislumbrar uma solução (que, na minha opinião, seria o controle democrático das alavancas principais da economia – sua socialização). A maioria via na adesão à União Europeia (que a Europa, de fato, não lhes oferecia) uma solução mágica para a corrupção e uma garantia do respeito às normas democráticas.
A ausência de uma análise e de um programa claros explica o papel importante que os elementos fascistas puderam desempenhar nos eventos: eles rejeitavam qualquer compromisso com o poder contestado e se apresentavam como adversários implacáveis, não somente dos líderes atuais, mas do “sistema”. E reivindicavam “uma revolução nacional”. Essa tomada de posição intransigente atraía os manifestantes, que se lembravam dos frutos amargos da “Revolução Laranja” e que não compreendiam o verdadeiro sentido da “revolução nacional” preconizada pelos fascistas.
* * *
Isso nos leva a outra interpretação sobre os acontecimentos: um “golpe fascista”. Mesmo que ela não dê conta da complexidade dos eventos, essa interpretação não é totalmente desprovida de fundamento. Um dos três dirigentes da oposição parlamentar com os quais os diplomatas europeus assinaram o acordo de 21 de fevereiro é Oleg Tyagnibok, chefe do partido de extrema direita “Svoboda”, partido russofóbico e antissemita, que quer uma Ucrânia para os ucranianos étnicos e ucranofônicos – o que exclui, efetivamente, a metade da população. O partido obteve 12% dos votos nas eleições parlamentares de 2012, principalmente nas regiões ocidentais do país, bases principais do nacionalismo.
Até 2005, quando o Svoboda sofreu uma certa “cirurgia plástica”, o partido chamava-se “Social-nacional” e colocava nos cartazes o “Wolfsangel” (“o anjo do lobo”), símbolo das unidades SS sob Hitler. Pudemos vê-los em alguns momentos na cena de Maidan com a bandeira rubro-negra da OUN (a organização dos nacionalistas ucranianos), que durante a Segunda Guerra Mundial colaborou com a ocupação alemã e participou dos assassinatos em massa das populações polonesas e judias. Em 2004, Tyagnibok foi expulso do bloco parlamentar de direita por suas declarações a respeito da “máfia judeu-russa” que, segundo ele, controla a Ucrânia. Citando seu caráter racista e xenófobo, o Parlamento Europeu lançou um apelo aos partidos democráticos da Ucrânia em dezembro de 2012 de não se associar nem formar coalizões com o partido.
Apesar disso, os diplomatas da União Europeia e dos Estados Unidos acharam por bem conferir uma legitimidade a esse partido, que atualmente está integrado nas estruturas do poder, tendo obtido muitas pastas ministeriais, inclusive postos de vice-Primeiro-Ministro, de Ministro da Defesa e de Procurador Geral, que é encarregado do respeito à Constituição e às leis.
Mas o Svoboda tem, ainda à sua direita, a concorrência da parte de um agrupamento muito menor, mas mais violento: o “Pravyi Sektor” (Setor Destro). Esse grupo, composto de vagabundos fascistas e de hooligans do futebol, é dirigido por um fascista de longa data, Dmytro Yaroch. Ao longo dos últimos dias de Maidan, seus militantes, que estavam armados, puderam forçar cada vez mais o ritmo da situação. Tomando de assalto edifícios públicos durante as negociações, eles contribuíram para impedir a realização de um acordo no dia 21 de fevereiro, negociado com a ajuda de emissários europeus e que teria criado um governo provisório de coalizão nacional.
Hoje, os membros do Pravyi Sektor ocupam postos no Ministério do Interior, responsável pela polícia e pelas forças armadas. Segundo alguns relatos, o próprio Yaroch tornou-se secretário-adjunto do Conselho Nacional de Segurança e Defesa, organismo que aconselha o presidente sobre a estratégia de defesa nacional. O secretário é Andriy Parubiy, militante de longa data da extrema direita. O primeiro-ministro interino, Arseni Yatsenyuk, destituiu três adjuntos do ministro de Defesa por recusarem a incorporar as unidades armadas do Pravyi Sektor nas forças armadas regulares. Assim, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, neofascistas ocupam os postos num governo nacional e isso com a bênção tácita do Ocidente.
As forças do Pravyi Sektor chegaram aos arsenais governamentais nas regiões ocidentais da Ucrânia e estão na origem de uma onda de violência e vandalismo que atravessa o país, tendo como alvo as organizações, personagens e símbolos pró-russos ou de esquerda. Entre outros, os escritórios do Partido Comunista e de uma organização de esquerda antifascista foram saqueados. Houve tentativas de incendiar a residência do chefe do Partido Comunista e de uma sinagoga em Zaporizhe. A casa dos pais de um deputado do Partido das Regiões (partido de Yanoukovitch) foi incendiada em Lviv. Em locais das regiões ocidentais (por exemplo a cidade de Rovno), os transgressores do Pravyi Sektor fazem a lei.
Em suma, se podemos falar em “golpe fascista”, os fascistas emergiram dos eventos mais fortes e legitimados.
Não é preciso dizer que isso é um mal augúrio para um país que está tão profundamente dividido; país frágil, que nunca existiu enquanto Estado antes de 1991 (exceto por alguns meses, durante a guerra civil). Foi apenas em 1939 que a parte ocidental, berço do nacionalismo militante, foi incorporada à Ucrânia soviética. Quanto à Crimeia, que faz parte da Rússia desde o século 18, Moscou deu-a de presente à Ucrânia em 1954. Se os nacionalistas rejeitam o passado soviético como ilegítimo, eles não deveriam pela lógica estar prontos a renunciar à Crimeia? Mas em lugar disso, o programa do Svoboda propõe abolir o estatuto de autonomia da Crimeia. Visa igualmente reintroduzir menção à etnia nos documentos de identidade. Um membro eminente do partido chegou ao ponto de propor fazer do uso da língua russa um ato criminoso.
Uma situação tão frágil deveria aconselhar prudência aos verdadeiros patriotas. mas os nacionalistas, que são minoritários no país e concentrados sobretudo (mas não exclusivamente) nas regiões ocidentais, procuram impor sua vontade pela força. Um dos primeiros atos do parlamentos após a fuga de Yanukovitch foi abolir a lei que permitia às regiões ter o russo como segunda língua oficial, mas sempre subordinada ao ucraniano. Essa decisão foi anulada depois, mas o mal estava feito. As sondagens indicam que uma forte maioria considera que a língua russa deveria ser reconhecida como segunda língua oficial. Cerca de metade da população a utiliza como língua cotidiana. Esse gesto do parlamento ajuda a compreender a reação ao novo governo na Crimeia, amplamente russófona e etnicamente russa.
O governo formado após a mobilização de Maidan é, portanto, tudo – menos o governo de unidade nacional preconizado pelos acordos de 21 de fevereiro, um governo que teria podido dar segurança à população russófona das regiões orientais e do sul. Dos dezenove ministros do novo governo, somente dois vêm do leste, e nenhum do sul. Além da questão das línguas, o governo introduziu uma resolução que interditaria o Partido Comunista, partido que obteve 13% nas eleições de 2012 e que é, de fato, o único partido importante da oposição desde o colapso do Partido das Regiões. Esse partido já foi declarado ilegal, junto com o das Regiões, em muitas regiões ocidentais, onde as legislaturas funcionam independentes de Kiev.
* * *
As divisões na Ucrânia são profundas e complexas. Além da questão da língua, há a cultura, e notadamente a memória histórica. Os heróis das regiões ocidentais colaboraram com a ocupação alemã e participaram de seus crimes. Os heróis das regiões orientais, do sul e do centro lutaram contra o fascismo e pela União Soviética. Os interesses econômicos igualmente divergem: a economia da parte oriental do país, a parte mais industrial, é fortemente integrada à da Rússia, que é de longe a parceira comercial mais importante do país. Há igualmente diferenças importantes de mentalidade… Uma coisa é clara: a população das regiões ocidentais, animadas por um nacionalismo antirrusso, tem sido em geral muito mais ativa politicamente que a do resto do país.
Para terminar, algumas palavras sobre os atores internacionais. O mundo todo se lembra da conversa gravada e difundida pela internet entre Victoria Nulland, secretária-adjunta de Estado dos EUA para a Eurásia, com o embaixador dos Estados Unidos em Kiev. Lembra-se sobretudo que Nulland propôs “mandar a União Europeia se foder”. Mas nos fatos, a conversa tratava da composição do novo governo em Kiev após a mobilização na Praça Maidan. Nulland tinha uma opinião formada a esse respeito: ela queria um certo “Yats” encabeçando o governo. E eis que hoje, Arseni Yatsenyuk é o primeiro ministro. Que feliz coincidência!
Pudemos igualmente ver Nulland na Praça Maidan distribuindo pão aos manifestantes. Imaginemos a reação do governo canadense se o embaixador russo distribuísse rosquinhas aos estudantes durante a Primavera dos Plátanos [mobilização estudantil em 2012, contra privatização do ensino]. Há evidentemente uma clara diferença: todo o mundo sabe que a ingerência ocidental nos assuntos de outros países se faz unicamente dentro dos interesses desses países e para promover a democracia…
Tendo em conta as profundas divisões internas da Ucrânia, a sua história, e a situação geográfica, a posição que é de longe a mais vantajosa para o país seria evidentemente a neutralidade. Segundo as pesquisas, 80% da população se opõem à adesão da Ucrânia à OTAN. Apesar disso, todos os presidentes do país buscaram a adesão, chegando até a enviar tropas ao Afeganistão e ao Iraque. Independente do que se pense de Yanukovitch, é o primeiro presidente a abraçar a neutralidade de seu país, reivindicando-lhe um estatuto parecido ao da Finlândia ou da Suécia. Mas se a Rússia parece pronta a aceitar essa posição, a OTAN rejeita-a absolutamente.
Não se sabe realmente por que Yanoukovitch decidiu suspender as negociações de um acordo de associação com a União Europeia. (Atentemos ao fato de que ele não recusou o acordo.) Se isso foi feito sob pressão de Moscou, então por que Putin não exerceu essa pressão antes, quando ela não teria provocado uma tão enorme onda de cólera popular? Afinal, Yanukovitch anunciou esse objetivo para seu partido em 2008.
É preciso, então, colocar a hipótese de que foi o próprio Yanukovtich que mudou de ideia, porque temia o impacto negativo do acordo sobre a situação econômica da Ucrânia, já bastante grave. (Ela não tem sido boa desde a independência.) A União Europeia oferecia apenas uns 600 milhões de euros, que deviam ser pagos em parcelas sob a condição da realização de reformas ditas “estruturais” – em outras palavras, uma política de austeridade, aplicada a uma população da qual grande parte já vive na pobreza.
Além disso, a Ucrânia deveria se compremeter em eliminar todas as barreiras comerciais e os direitos aduaneiros para as mercadorias e serviços vindos da Europa e alinhar-se à legislação e regulamentação em vigor na Europa. Isso teria um impacto devastador sobre a indústria ucraniana na parte oriental, russófona, do país. E o que a Europa oferecia em troca? Nem a livre entrada na Europa para os cidadãos nem adesão à União Europeia. Yanukovtich, ao que parece, ficou com medo. Mas não “Yats”, que promete ao povo do país “medidas dolorosas”.
Lembremo-nos da Iugoslávia. Foi depois das reformas impostas pelo FMI que os movimentos separatistas cresceram. Uma política de austeridade na Ucrânia seria devastadora para a população e reforçaria as tendências políticas doentias e centrífugas.
Como se vê a situação do lado russo? Enxerga-se, sem dúvida, uma nova etapa da política de longa data dos Estados Unidos e da OTAN que visa a refrear o país, isso apesar do compromisso solene de Bush-Pai feito a Gorbatchev: não ampliar a aliança militar comandada pelos EUA, em troca de carta branca para a reunificação da Alemanha. Do ponto de vista do governo russo, é um outro exemplo da tática, utilizada já na Sérvia, na Geórgia e na Ucrânia, para efetuar uma “mudança de regime” instrumentalizando uma mobilização de massa.
À parte isso, por razões puramente internas, o governo russo não vai ficar indiferente diante da ascensão da extrema direita racista, antirrussa, numa região limítrofe com a qual a Rússia tem laços culturais históricos e muito estreitos. A política externa do regime – autoritário, corrupto e ineficaz – é quase a única coisa que atrai apoio positivo da parte da população.
Não impressiona, portanto, que a Rússia tenha congelado sua oferta de 15 bilhões de dólares à Ucrânia – oferta feita, é preciso atentar, sem exigências de austeridade. Ela também acaba de anunciar a não-renovação do desconto negociado sobre o preço do gás. E ela possui diversas outras alavancas econômicas para pressionar. A Rússia é a maior parceiro comercial da Ucrânia. Já ameaçou impor tarifas punitivas sobre certos produtos quando se discutia o acordo com a Europa.
O gesto militar na Crimeia tinha então um objetivo antes de tudo simbólico, visando à população da Rússia tanto quanto as forças de direita na Ucrânia. Era uma advertência ao governo de Kiev de não se deixar levar. Quanto à indignação do Ocidente – lembremo-nos do bombardeio aéreo da Sérvia, em flagrante violação do direito internacional, sob pretexto de um fictício genocídio dos kosovares. Ou então a guerra do Iraque, assim como dezenas e dezenas de intervenções na América Latina e ao redor do mundo.
As seguintes palavras do último embaixador norte-americano na União Soviética são uma conclusão apropriada: “Por causa de sua história, de sua situação geográfica, e dos laços econômicos naturais e construídos, é impossível que a Ucrânia seja um país unido, são, a menos que tenha relações amistosas – ou pelo menos não antagônicas – com a Rússia.” Contrariamente à maioria da população ucraniana, que sustenta essa posição, a OTAN e os nacionalistas não querem nada disso.


O SCRIPT UCRANIANO NA VENEZUELA BOLIVARIANA


Três generais da Força Aérea Venezuelana acabam de ser detidos por conspirarem um golpe de estado. Foram entregues a Tribunais Militares, nos termos da lei e da Constituição Bolivariana. Este episódio significa que o imperialismo conseguiu comprar alguns militares de alta patente. Mas significa também que a Revolução Bolivariana e suas Forças Armadas estão vigilantes, pois os conspiradores foram denunciados por outros oficiais. Na Ucrânia o imperialismo gastou (confessadamente) cinquenta milhões de dólares para desestabilizar o país e promover o golpe de estado. Quanto não terá gasto já na Venezuela? O script da desestabilização da Ucrânia está a ser seguido ao pé da letra na Venezuela Bolivariana. Contratação de mercenários, sabotagem económica, destruição de bens públicos, utilização de marginais, grupos fascistas e terrorismo. O assassinato de 35 soldados da Guarda Nacional Bolivariana, 21 deles por armas de fogo, mostra que – tal como na Ucrânia – o imperialismo já recorre a franco-atiradores (snipers). Há uma tentativa clara das agências imperialistas (CIA, NDE, etc) de levar o país à guerra civil. O espectro da intervenção militar directa do imperialismo é uma realidade. A Revolução Bolivariana terá de defender-se com mão dura se não quiser ter o mesmo destino da Ucrânia. A diferença entre a Venezuela e a Ucrânia é que a primeira tem um governo digno, patriota, revolucionário e com apoio do povo, ao passo que a Ucrânia não tinha. Por isso a Venezuela Bolivariana tem condições de vencer.
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Rússia propõe ao Brasil fabricação conjunta de caças de quinta geração


Rússia está pronta para discutir a possibilidade de criação de uma joint venture em suas negociações com o Brasil Foto: ITAR-TASS
Países-membros dos Brics estabelecem parcerias estratégicas na área de cooperação técnico-militar.


Ria Nóvosti


A Rússia está propondo ao Brasil o desenvolvimento e fabricação conjunta de caças multifuncionais de quinta geração do tipo T-50, informou à RIA Novosti, nesta segunda-feira (24), o diretor do Serviço Federal para a Cooperação Técnico-Militar da Rússia, Aleksandr Fomin.
Infelizmente, não participamos da licitação para o fornecimento de 36 caças ao Brasil. No entanto, a noss"a proposta de desenvolver e produzir em conjunto com o país um caça multifuncional com base no T-50 continua de pé", disse Fomin na véspera da abertura da Feira Internacional Aérea e Espacial de Santiago, no Chile.
Segundo ele, a Rússia está pronta para discutir a possibilidade de criação de uma joint venture em suas negociações com o Brasil.
O Brasil já escolheu o vencedor da licitação para a aquisição de 36 caças pesados ​​para a Força Aérea Brasileira, no valor de US$ 4 bilhões. Na lista final estavam três aeronaves: o Rafale, da Dassault Aviation, o F/A-18E/F Super Hornet, da Boeing, e o JAS-39 Gripen NG, da Saab. O russo Sukhoi Su-35 não ficou entre os finalistas. A licitação foi vencida pelo sueco JAS- 39 Gripen NG.
Publicado originalmente pela RIA Nóvosti
http://gazetarussa.com.br/ciencia/2014/03/24/russia_propoe_ao_brasil_fabricacao_conjunta_de_cacas_de_quinta_geraca_24787.html

Sanções contra a Rússia agilizam a formação de novo mercado financeiro

Publicado no Correio do Brasil
Peskov falou sobre a formação de um mercado financeiro independente
Peskov falou sobre a formação de um mercado financeiro independente

As sanções anunciadas pela União Europeia e EUA contra a Rússia também voltaram a mexer com o mercado investidor, nesta terça-feira, após uma entrevista com o porta-voz do Kremllin, Dmitry Peskov. A Rússia voltou a cogitar a formação de um mercado financeiro paralelo ao de Wall Street, com negociações realizadas em moedas como o rublo, o yuan e o real, em resposta às pressões do Ocidente contra a anexação do Estado independente da Crimeia.
Segundo Peskov, as sanções contra a Rússia foram “o último gatilho” para a criação de um sistema financeiro independente, baseado na economia real. Segundo afirmou, “o mundo está mudando rapidamente”.
– Quantas civilizações cresceram e se extinguiram no curso da História? Quem está apto a resistir à pressão de um sistema perto da falência e indicar ao seu povo o caminho para o futuro? A possibilidade de um novo sistema financeiro independente do dólar, que segue perto de um colapso após a crise de 2008 será uma consequência das sanções contra a Rússia que, doravante, passará a reforçar seus laços econômicos com o países do BRICS, em particular com a China, que é dona de grande parte da dívida externa norte-americana – afirmou.
O mundo, hoje em dia, segundo análise do porta-voz do governo russo, “deixou de ser bipolar” e países como Brasil, Índia, China e África do Sul, que integram o BRICS, juntos com a Rússia, representam 42% da população mundial e cerca de um quarto da economia, o que coloca este bloco como um importante ator global. As sanções determinadas pelo Ocidente “podem significar uma grande catástrofe para os EUA e os europeus, no futuro”, acrescentou Peskov.
A discussão sobre um novo sistema financeiro, no entanto, não começou agora. Desde a formação do BRICS, há mais de uma década, estuda-se a possibilidade de se formar um novo mercado, que aceite outras moedas, e não apenas o dólar norte-americano, na liquidação dos negócios. Os países que integram este bloco estão todos de acordo com os princípios legais, em nível mundial, e o volume de negócios entre estas nações tem batido novos recordes a cada ano, nas mais diferentes áreas.

Com o objetivo de modernizar o sistema econômico global, que tem no centro dele os EUA e a UE, os líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul criaram o BRICS Stock Alliance, um embrião deste novo mercado sem o dólar, e têm desenvolvido mecanismos bancários capazes de financiar seus grandes projetos de infraestrutura. Apesar do ceticismo dos mercados formais, “estes países têm mostrado bons resultados em suas balanças comerciais”, concluiu.

segunda-feira, 24 de março de 2014

A ópera, a guerra e a ressurreição da Rússia


Vinte anos após derrota e colapso da União Soviética, país retomou comando de sua economia e enorme influência internacional. Como isso foi possível?

Por José Luis Fiori
[Publicado originalmente em 30/5/2008, no Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique]
Relembro, porque me causou uma profunda impressão. Uma montagem russa da ópera Guerra e Paz, de Serguei Prokofiev, na Bastilha. Era 1998, a União Soviética havia desaparecido, e a Rússia estava humilhada e destruída. A ópera Guerra e Paz estreou no Teatro Maly, em Leningrado, no dia 12 de junho de 1946, pouco depois da invasão e expulsão das tropas alemãs, e da vitória russa, na Segunda Guerra Mundial; e conta a história da invasão e expulsão das tropas francesas e da vitória russa, na guerra com Napoleão Bonaparte, em 1812. Na última cena, o povo e os soldados russos cantam juntos uma peroração apoteótica, proclamando a eternidade do “espírito russo”. Com força, emoção, convencimento, inesquecível.
E, de fato, depois da destruição de 1812, a Rússia se reconstruiu e se transformou numa das principais potências europeias do século XIX; e depois de 1945, a União Soviética voltou a levantar e se transformou na segunda potência militar e econômica do mundo, na segunda metade do século XX. Como já havia acontecido antes, em 1709, depois da invasão e da expulsão das tropas suecas de Carlos XII, por Pedro o Grande, quando a Rússia começa sua fantástica modernização do século XVIII. Mas em 1998, parecia impossível que isto pudesse acontecer de novo, depois da derrota soviética e da destruição liberal da economia russa. Dez anos depois, entretanto, no momento da posse do seu terceiro presidente republicano, Dmitri Medvedev, a Rússia está de novo de pé, e o “espírito russo” volta a assustar os europeus, e preocupar o mundo. O jornal Financial Times publicou recentemente um caderno especial sobre a Rússia, onde afirma que “nem Bruxelas nem Washington estão sabendo como tratar com a Rússia, depois de Vladimir Putin, porque a Rússia está cada vez mais disposta a retomar sua posição no mundo, em particular nos países da antiga União Soviética”. (1)
Em 1991, imediatamente depois da dissolução da União Soviética, os Estados Unidos e a União Européia, se colocaram o problema, e se atribuíram a tarefa de “administrar” a desmontagem do “império russo”. Por causa de suas conseqüências econômicas, e por causa do problema geopolítico da Europa Central. Para os Estados Unidos, o objetivo fundamental era impedir o surgimento de uma “terra de ninguém” no leste europeu. Por isto lideraram a expansão imediata das fronteiras da OTAN, e a ocupação das posições militares que haviam sido abandonadas pelos soviéticos, na Europa Central. Esta ofensiva estratégica da OTAN e da União Europeia, e sua posterior intervenção militar nos Bálcãs, foi uma humilhação para os russos e provocou uma reação imediata e defensiva que começou, exatamente, pela vitória eleitoral de Vladimir Putin, em 2000, e a retomada, pelo seu governo, de uma estratégia militar agressiva, depois de 2001.
Durante suas duas administrações, o presidente Putin, manteve a opção pela economia de mercado, mas recentralizou o poder, e reconstruiu o estado e a economia russa, refazendo seu complexo militar-industrial, e nacionalizando seus recursos energéticos. A Rússia ainda detém o segundo maior arsenal atômico do mundo, e o governo Putin aprovou uma nova doutrina militar que autoriza o uso de armamento nuclear, mesmo em caso de um ataque convencional à Rússia, na hipótese de fracassarem outros meios para repelir o agressor. Além disto, o novo governo russo alertou os Estados Unidos – ainda no ano 2000 — para a possibilidade de uma corrida nuclear, caso insistissem no seu projeto de criação de um “escudo anti-balístico” na Europa Central.
O interessante, do ponto de vista da história russa, é que agora de novo, como no passado, depois de 2001, também a economia russa se recuperou e voltou a crescer a uma taxa média anual de 7%, puxada pelos preços do petróleo e das commodities, e sustentada por um boom de consumo e de investimento interno. Este crescimento – liderado pelas grandes empresas estatais do setor de energia e armamentos — multiplicou seis vezes o produto interno da Rússia, que já superou o PIB da Itália, e deve superar o PIB da França, nos próximos dois anos. Dez anos depois da sua moratória, a Rússia detém a terceira maior reserva em moeda estrangeira do mundo, depois da China e do Japão, e seus salários subiram de uma média de U$ 80 dólares por mês, no ano de 2000, para U$ 640, no ano de 2007, quando a economia russa alcançou seu nível de atividade anterior à grande crise. E neste clima de boom econômico, o novo presidente Dmitri Medvedev convocou, recentemente, os empresários russos a copiar o modelo chinês e aderir à onda global de aquisição de empresas estrangeiras, para acelerar ainda mais economia russa, e reduzir a sua dependência tecnológica.
Ou seja, quinze anos depois da derrota e do colapso da União Soviética, o estado russo retomou o comando de sua economia e de sua inserção internacional. E tudo indica, neste início do século XXI, que está recuperando sua importância estratégica, como maior estado territorial do mundo, o único com capacidade de intervenção por terra, através de suas próprias fronteiras, em todo o continente eurasiano. Por isto, é uma rematada bobagem falar da Rússia como uma potência ou uma economia emergente, quando na verdade se trata de uma velha e grande potência que está reocupando sua posição tradicional na Europa, na Ásia Central e no Oriente Médio.
Mas nenhum analista internacional consegue prever os caminhos futuros desta nova ressurreição do “espírito russo”, até porque a Rússia sempre foi mais misteriosa e imprevisível do que a União Soviética. Faz algumas semanas, Andre Klimov, líder liberal da Duma, afirmou que “seria um erro grave, neste momento, alguém pensar que possa fazer com a Rússia o que bem entenda” (2). Palavras que soam como uma advertência suave, como quem quisesse relembrar às demais potências, a mensagem final de Serguei Prokofiev, na sua grandiosa ópera Guerra e Paz : o “espírito russo é eterno”, e ressurgirá sempre de novo, e com mais força, toda vez que o seu sagrado território for invadido, ou que o povo russo for humilhado, como aconteceu várias vezes, na história, e voltou a acontecer, no final do século XX.

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1. Financial Times, Rússia, Special Report, 18 de abril de 2008, p:3
2. Idem

Fonte: OUTRASPALAVRAS

PS sofre dura derrota na França. Extrema-direita tem resultado histórico

Publicado em Carta Maior

O resultado do primeiro turno das eleições municipais, realizado neste domingo, foi uma catástrofe para os socialistas franceses, atualmente no poder.


Eduardo Febbro

Paris - Marcada por uma taxa de abstenção sem precedentes, o primeiro turno das eleições municipais francesas puniu o Partido Socialista, atualmente no poder, levou a extrema-direita da Frente Nacional a resultados históricos ao mesmo tempo em que, apesar dos escândalos que mancharam sua imagem nas últimas semanas, a direita agrupada na UMP do ex-presidente Nicolas Sarkozy ficou muito perto de alcançar seus objetivos: conquistar o maior número possível de cidades de mais de 10 mil habitantes.

O abstencionismo e a extrema-direita foram os principais vencedores desta eleição teste para o conjunto da classe política. Com 38,5% de abstenção, esta consulta municipal de 2014 superou a abstenção verificada em 2008, que foi de 33,5%, e a de 2001, 32,6%. O grande perdedor foi o Partido Socialista. O movimento da rosa buscou por todos os meios evitar a nacionalização da campanha e circunscrevê-la a seu âmbito mais local para evitar assim pagar o tributo da baixíssima popularidade do presidente François Hollande. A estratégia fracassou rotundamente: o PS se encontra em uma posição muito ruim em várias cidades importantes.

“As condições de uma grande vitória estão reunidas para o segundo turno”, declarou o presidente da UMP, Jean-François Copé. De fato, em muitas circunscrições os eleitores deram a vitória na bandeja para a direita. A líder do ultradireitista Frente Nacional, Marine Le Pen, disse que os resultados conhecidos neste domingo representavam “o fim da bipolarização da vida política francesa”. A Frente Nacional chegou em primeiro lugar em cidades importantes como Fréjus, Avignon, Beziers e Perpignan. Além disso, pela primeira vez em sua história, a extrema-direita ganhou uma cidade já no primeiro turno, Hénin-Beaumon. Em muitos outros lugares seus candidatos estão bem posicionados ou se encontram em condições de provocar duelos triangulares direita-esquerda-extrema direita no segundo turno que ocorrerá dia 6 de abril.

Os socialistas não conseguiram superar a decepção dos seus eleitores. A alta porcentagem de abstenção traduz uma escassa mobilização dos hoje desencantados eleitores da esquerda que, em 2012, contribuíram para a vitória do socialista François Hollande à presidência da República. “Há uma forma de decepção que ficou expressa no primeiro turno”, admitiu a ministra ecologista da Habitação, Cécile Duflot. Uma cidade após outra, o PS viu uma série de derrotas que confirmam nas urnas o profundo mal estar que suscita o governo socialista.

Até Niort, uma localidade que o partido hoje na presidência administrava desde 1957, passou para as mãos da direita. Em Marselha, onde o socialismo esperava tirar os conservadores deste importante porto do Mediterrâneo, a configuração é semelhante. O candidato do PS aparece em terceiro lugar, atrás do representante da UMP e do candidato da ultradireita.

O único argumento que restou aos socialistas foi chamar a união para o segundo turno e agitar o espantalho da extrema-direita. Seu primeiro secretário, Harlem Désir, disse: “faremos tudo o que for necessário para que ao final destas eleições municipais nenhuma cidade seja dirigida pela Frente Nacional”. O objetivo chegou atrasado. O partido de Marine Le Pen já ganhou cidades no primeiro turno e está muito bem colocado em várias outras para administrá-las no futuro. Seria preciso ser muito ingênuo para acreditar que os socialistas sairiam ilesos da má imagem que arrasta seu presidente e o Executivo.

Após 22 meses no poder, François Hollande se converteu no presidente mais impopular da V República. É paradoxal constatar que os franceses depositaram em parte sua confiança em um partido de ideologia rançosa, a Frente Nacional, e também em uma direita carcomida pelos escândalos, debilitada pela luta de clãs e sua alucinógena capacidade para representar unicamente apetites pessoais e derivas ideológicas graves.

Marine Le Pen confirmou nas urnas a sua estratégia: “desdiabolizou” um pouco mais a extrema-direita e demonstrou que, quando a inércia, o engano e a indecência dos partidos de governo chegam a um grau crítico, a extrema-direita está com sua rede para colecionar recordes. O avanço da Frente Nacional é mais que histórico: Marine Le Pen ganhou a primeira aposta que consistiu em apresentar o maior número possível de listas (597) e está por ganhar a segunda: manter-se em posição de força em um amplo número de cidades no segundo turno.

A eleição foi uma catástrofe para os socialistas. Agora, o PS aponta seus refletores para a primeira semana de abril para tentar superar o desalento dos eleitores de centro-esquerda que se abstiveram de votar, para limitar os prejuízos do voto de protesto. A meta consiste em conservar o bastião de Paris, o que é perfeitamente possível, e manter sob sua administração outras cidades chave como Nantes, Lille, Estrasburgo e Toulouse. Nada está garantido. Tolouse e Estrasburgo podem passar para a direita nas próximas semanas. A extrema-direita é hoje o centro do jogo político. A perspectiva mais que favorável de seus candidatos obriga os socialdemocratas e os conservadores e mover suas peças em relação a ela.

Nas últimas eleições, seja presidencial, municipal, legislativa ou europeia, a extrema-direita consolida seus avanços enquanto os socialistas gritam “é o lobo!” e a direita trata de imitá-la o máximo possível para atrair seus votos. A ascensão é inelutável e simetricamente proporcional ao ocaso das ideias dos partidos e, sobretudo, da fidelidade às mesmas.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

EUA e aliados empurraram Rússia a intervir na Ucrânia


Os acontecimentos envolvendo a Ucrânia indicam que está em marcha uma nova estratégia norte-americana para desestabilizar Moscou.



Reginaldo Mattar Nasser (*)



A escalada da crise na Ucrânia fez com que as bravatas belicistas atingissem o seu mais alto nível nos EUA. Alguns anunciam uma Nova Guerra Fria, outros não ficam por menos e já prevêem uma Terceira Guerra Mundial. A ex-secretária de Estado ,Hillary Clinton, comparou as ações de Putin com o que fez Hitler no acordo de Munique em 1938. Reportagens, editoriais e comentários nos principais jornais, como New York Times e Washington Post, já não respeitam padrões mínimos do jornalismo. (Distorting Russia. How the American media misrepresent Putin, Sochi and Ukraine. Stephen F. Cohen March 3, 2014 edition of The Nation) Tem razão, o professor Stephen Cohen quando observa que a cobertura que a mídia norte-americana faz hoje, sobre a crise na Ucrânia, é menos objetiva e equilibrada do que quando cobriam a União Soviética durante a Guerra Fria.
Alguns analistas tentam encontrar os desígnios do Líder Russo num longíquo passado heróico dos Czares. Revanchismo, desejo de vingança, ódio, complexo de superioridade são algumas das adjetivações que têm se repetido nos últimos dias na tentativa de compreender a anexação da Criméia pela Rússia.

Mas, será que não podemos admitir, ainda que hipoteticamente, que Putin esteja agindo de modo racional, capaz de pesar os custos, benefícios e consequências associados aos seus propósitos?

Não precisamos lembrar que é evidente que Putin possui todos os atributos de alguém que foi treinado para ser um agente da KGB que já pode demonstrar, fartamente, o modo autoritário que governa a Russia durante mais de uma década. Mas isso não significa dizer que ele não compreende os riscos de uma ação tresloucada.

Convenhamos que, nesse momento, Putin poderia até transformar a Rússia em “Estado pária” agindo militarmente na Ucrânia. Mas sua ação foi ponderada, levando em consideração as circunstancias altamente explosivas, o que fez com que sua popularidade entre os russos aumentasse. (Is Putin Rational? Probably. Here's How to Work With Him Alexander J. Motyl March 18, 2014).

A Alta Representante da União Europeia, Catherine Ashton, declarou que estava "tentando enviar os sinais mais fortes possíveis para a Rússia... tentando garantir que eles compreendessem a gravidade da situação." Ora, quem realmente que não consegue entender a gravidade? Rússia ou os EUA e seus aliados ( qualificação mais apropriada do que Ocidente)? ( A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 )

Nas semanas tensas que se seguiram à mobilização popular em Kiev vários senadores dos EUA fizeram da praça Maidan seu palanque favorito para atacar a Rússia e seus líderes causando frisson na grande mídia. O senador republicano John McCain apareceu nos jornais e redes de notícias fazendo discursos inflamados ao lado de conhecidos neonazistas ucranianos. (Sen. John McCain appearing with Ukrainian rightists at a rally in Kiev.) Na sequência do golpe, foi montado um governo com pessoas claramente hostis à Russia, principalmentes nos cargos de segurança e defesa. (Who's Who In Ukraine's 'Kamikaze' Cabinet)

Na verdade, todo esse processo ocorreu da seguinte maneira: os EUA e aliados “empurraram” a Russia para intervenção, sabendo claramente que não restaria a Putin nenhuma outra opção a não ser a anexação da Crimeia. Era isso ou a submissão.

A premiada jornalista norte-americana, Anne Applebaum, especialista em questões do leste europeu chegou à seguinte conclusão: desistam! A Russia não é como nós (ocidente) e também não é uma potência ocidental fracassada que pode ser convertida. A Rússia é uma potência antiocidental com uma visão diferente da política internacional!

O “Ocidente” (isto é, os EUA e seus aliados) "força" a intervenção e, quando ela ocorre, eles se dizem indignados. Esta não é uma tática que soa familiar aos padrões de ação internacional de Washington?

Ações norte-americanas de “pró-democracia” chegam à porta russa

O presidente do National Endowment for Democracy, Carl Gershman, um dos principais distribuidores de dinheiro para ações "pró-democracia" no mundo, e que contribuiu nos protestos em Kiev, advertiu, ano passado, que Putin arriscava perder não apenas os vizinhos mais próximos, mas a própria Rússia. Há dois anos, McCain tuitou, "Querido Vlad, Primavera árabe está chegando nos vizinhos perto de você." (A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 ).

Robert Craig, secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan, um dos cofundadores da Reaganomics, tem posições opostas aos de seus ex-aliados republicanos que conhece muito bem. Para Craig, quem esta sob ataque, no momento, não é a Ucrania, mas a própria Russia.

Tudo isso faz com que voltemos ao inicio dos anos 80 para compreender qual a doutrina que esta sendo adotada no momento. De acordo com a versão oficial da história, a ajuda da CIA para os Mujahadeen teve início em 1980, depois que o exército soviético invadiu o Afeganistão em dezembro de 1979. Mas, na verdade a história da guerra começou, em 3 de julho de 1979, quando o então presidente Carter assinou a ordem para ajuda secreta aos opositores do regime pró-soviético de Cabul. Vinte anos depois (1998), o então secretario de segurança de Nacional, Zbigniew Brzezinski, veio a público esclarecer que naquele mesmo dia, ele escreveu uma nota ao presidente explicando que esta ajuda iria induzir uma intervenção militar soviética. (January 15, 1998 Zbigniew Brzezinski)

Brzezinski e Bernard Lewis eram membros do Grupo Bilderberg formado, em 1979, quando formularam a estratégia angloamericana para o Oriente Médio. Lewis argumentou que o Ocidente deveria encorajar grupos tribais e religiosos a reivindicar sua autonomia. Se o poder central é suficientemente enfraquecido, não há verdadeira sociedade civil para manter uma identidade nacional. O caos político poderia transbordar para as regiões muçulmanas da União Soviética, configurando aquilo que Brzezinski denominou "arco de crise". (ver entre outros. Robert Dreyfuss, Devil’s Game: How the United States Helped Unleash Fundamentalist Islam. Owl Books, 2005)

No final da década de noventa, Brzezinski, publicou um livro bastante comentado entre os policymakers norte-americanos (“The grand chessboard: American primacy and its geostrategic imperatives”, 1997). Nele, preconizava que uma nova ordem mundial, sob a hegemonia dos EUA, deveria ser criada contra, e sobre, os fragmentos da URSS. Nesse sentido, a Ucrânia aparecia como o posto avançado de uma estratégia para evitar a recriação do Imperio Soviético.

Em artigo escrito numa das mais importantes revistas norte-americanas sobre Politica Internacional, Foreign Affairs, em 2010, (From Hope to Audacity Appraising Obama's Foreign Policy January/February 2010) Brzezinski avalia positivamente o governo Obama que “ tem demonstrado um genuíno senso de direção estratégica, uma sólida compreensão do mundo de hoje e um entendimento sobre o papel que os EUA deveriam assumir”. Mas, fez algumas ponderações sobre suas relações com a Rússia.

Para Brzezinski, os EUA deveriam prosseguir uma política de duas vias: tem de cooperar com a Rússia sempre que for mutuamente benéfico, e não deve tolerar “ações de intimidações” na Geórgia ou na Ucrânia ( “heartland” industrial e agricola da URSS). Qualquer hesitação dos EUA, adverte Brzezinski, seria um passo para trás estimulando a nostalgia imperial da Rússia e os temores de segurança da Europa central. Acrescentou ainda, em tom de conselho, que os EUA e a UE deveriam ser mais ativos e sensíveis às aspirações européias da Ucrânia.

Reafirmar o interesse de longo prazo dos EUA,esclarece Brzezinski, é fortalecer o “pluralismo político dentro do antigo espaço soviético”.

Soa algo exagerado afirmar que estamos iniciando uma Nova Ordem Mundial, mas podemos afirmar com, razoável grau de certeza, de que o leste Europeu será importante foco de tensão, além de impactos consideráveis nas questões Siria e Irã (acordo Nuclear).

(*) Chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC(SP) e professor do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP)