Vinte
anos após derrota e colapso da União Soviética, país retomou comando de sua
economia e enorme influência internacional. Como isso foi possível?
Por José
Luis Fiori
[Publicado originalmente em 30/5/2008, no Caderno Brasil do Le
Monde Diplomatique]
Relembro,
porque me causou uma profunda impressão. Uma montagem russa da ópera Guerra
e Paz, de Serguei Prokofiev, na Bastilha. Era 1998, a União Soviética havia
desaparecido, e a Rússia estava humilhada e destruída. A ópera Guerra e Paz
estreou no Teatro Maly, em Leningrado, no dia 12 de junho de 1946, pouco depois
da invasão e expulsão das tropas alemãs, e da vitória russa, na Segunda Guerra
Mundial; e conta a história da invasão e expulsão das tropas francesas e da
vitória russa, na guerra com Napoleão Bonaparte, em 1812. Na última cena, o
povo e os soldados russos cantam juntos uma peroração apoteótica, proclamando a
eternidade do “espírito russo”. Com força, emoção, convencimento, inesquecível.
E, de
fato, depois da destruição de 1812, a Rússia se reconstruiu e se transformou
numa das principais potências europeias do século XIX; e depois de 1945, a
União Soviética voltou a levantar e se transformou na segunda potência militar
e econômica do mundo, na segunda metade do século XX. Como já havia acontecido
antes, em 1709, depois da invasão e da expulsão das tropas suecas de Carlos
XII, por Pedro o Grande, quando a Rússia começa sua fantástica modernização do
século XVIII. Mas em 1998, parecia impossível que isto pudesse acontecer de
novo, depois da derrota soviética e da destruição liberal da economia russa.
Dez anos depois, entretanto, no momento da posse do seu terceiro presidente
republicano, Dmitri Medvedev, a Rússia está de novo de pé, e o “espírito russo”
volta a assustar os europeus, e preocupar o mundo. O jornal Financial Times
publicou recentemente um caderno especial sobre a Rússia, onde afirma que “nem
Bruxelas nem Washington estão sabendo como tratar com a Rússia, depois de
Vladimir Putin, porque a Rússia está cada vez mais disposta a retomar sua posição
no mundo, em particular nos países da antiga União Soviética”. (1)
Em 1991,
imediatamente depois da dissolução da União Soviética, os Estados Unidos e a
União Européia, se colocaram o problema, e se atribuíram a tarefa de
“administrar” a desmontagem do “império russo”. Por causa de suas conseqüências
econômicas, e por causa do problema geopolítico da Europa Central. Para os
Estados Unidos, o objetivo fundamental era impedir o surgimento de uma “terra
de ninguém” no leste europeu. Por isto lideraram a expansão imediata das
fronteiras da OTAN, e a ocupação das posições militares que haviam sido
abandonadas pelos soviéticos, na Europa Central. Esta ofensiva estratégica da
OTAN e da União Europeia, e sua posterior intervenção militar nos Bálcãs, foi
uma humilhação para os russos e provocou uma reação imediata e defensiva que
começou, exatamente, pela vitória eleitoral de Vladimir Putin, em 2000, e a
retomada, pelo seu governo, de uma estratégia militar agressiva, depois de
2001.
Durante
suas duas administrações, o presidente Putin, manteve a opção pela economia de
mercado, mas recentralizou o poder, e reconstruiu o estado e a economia russa,
refazendo seu complexo militar-industrial, e nacionalizando seus recursos
energéticos. A Rússia ainda detém o segundo maior arsenal atômico do mundo, e o
governo Putin aprovou uma nova doutrina militar que autoriza o uso de armamento
nuclear, mesmo em caso de um ataque convencional à Rússia, na hipótese de
fracassarem outros meios para repelir o agressor. Além disto, o novo governo
russo alertou os Estados Unidos – ainda no ano 2000 — para a possibilidade de
uma corrida nuclear, caso insistissem no seu projeto de criação de um “escudo
anti-balístico” na Europa Central.
O
interessante, do ponto de vista da história russa, é que agora de novo, como no
passado, depois de 2001, também a economia russa se recuperou e voltou a
crescer a uma taxa média anual de 7%, puxada pelos preços do petróleo e das
commodities, e sustentada por um boom de consumo e de investimento interno.
Este crescimento – liderado pelas grandes empresas estatais do setor de energia
e armamentos — multiplicou seis vezes o produto interno da Rússia, que já
superou o PIB da Itália, e deve superar o PIB da França, nos próximos dois
anos. Dez anos depois da sua moratória, a Rússia detém a terceira maior reserva
em moeda estrangeira do mundo, depois da China e do Japão, e seus salários
subiram de uma média de U$ 80 dólares por mês, no ano de 2000, para U$ 640, no
ano de 2007, quando a economia russa alcançou seu nível de atividade anterior à
grande crise. E neste clima de boom econômico, o novo presidente Dmitri
Medvedev convocou, recentemente, os empresários russos a copiar o modelo chinês
e aderir à onda global de aquisição de empresas estrangeiras, para acelerar
ainda mais economia russa, e reduzir a sua dependência tecnológica.
Ou seja,
quinze anos depois da derrota e do colapso da União Soviética, o estado russo
retomou o comando de sua economia e de sua inserção internacional. E tudo
indica, neste início do século XXI, que está recuperando sua importância
estratégica, como maior estado territorial do mundo, o único com capacidade de
intervenção por terra, através de suas próprias fronteiras, em todo o
continente eurasiano. Por isto, é uma rematada bobagem falar da Rússia como uma
potência ou uma economia emergente, quando na verdade se trata de uma velha e
grande potência que está reocupando sua posição tradicional na Europa, na Ásia
Central e no Oriente Médio.
Mas
nenhum analista internacional consegue prever os caminhos futuros desta nova
ressurreição do “espírito russo”, até porque a Rússia sempre foi mais
misteriosa e imprevisível do que a União Soviética. Faz algumas semanas, Andre
Klimov, líder liberal da Duma, afirmou que “seria um erro grave, neste momento,
alguém pensar que possa fazer com a Rússia o que bem entenda” (2). Palavras que
soam como uma advertência suave, como quem quisesse relembrar às demais
potências, a mensagem final de Serguei Prokofiev, na sua grandiosa ópera Guerra
e Paz : o “espírito russo é eterno”, e ressurgirá sempre de novo, e com
mais força, toda vez que o seu sagrado território for invadido, ou que o povo
russo for humilhado, como aconteceu várias vezes, na história, e voltou a acontecer,
no final do século XX.
-
1. Financial Times, Rússia, Special Report, 18 de abril de 2008, p:3
2. Idem
1. Financial Times, Rússia, Special Report, 18 de abril de 2008, p:3
2. Idem
Fonte: OUTRASPALAVRAS
Поздравляем Россия, Великий! Сильный! Мир во всем мире с вашей помощью. Мои просвещенные люди.
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