A crise entre o governo federal e parte de sua base aliada no Congresso
Nacional, organizada em torno do autodenominado "Blocão" traduz os
limites do sistema político em nosso país. Denúncias, investigações,
aprovação ou rejeição de projetos de lei são apenas a moeda de troca por
cargos e postos administrativos. Mais um episódio para reforçar no
imaginário nacional a frase do escritor Mark Twain: "Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar".
Uma armadilha que foi sendo naturalizada. Afinal, todos os presidentes
em nossa história republicana que perderam a maioria parlamentar caíram
ou perderam qualquer capacidade de governar. Ser viável, assegurar
capacidade de governar é sinônimo de ceder ao fisiologismo. Não seria
esse o preço de um sistema democrático? repetem os analistas burgueses.
Um sistema político em que o preço da governabilidade é alimentar o
fisiologismo revela a impossibilidade de qualquer avanço social. Alguém
duvida que as poderosas bancadas dos grupos econômicos sairão ainda mais
fortalecidas nas próximas eleições?
Estamos, então, num beco sem saída?
Entre os governos eleitos em nosso continente a partir dos anos 90, num
claro repúdio à ofensiva neoliberal que destruiu as bases
desenvolvimentistas dos nossos países, somente na Venezuela, Equador e
Bolívia foram convocadas assembléias constituintes que enfrentaram a
blindagem dos sistemas políticos. Nos demais, seja pela ausência de
correlação de forças, seja pela falta de vontade política, ou mesmo de
ambas, os governantes que expressavam a luta com o neoliberalismo
conviveram com as travas de um ordenamento que impossibilita qualquer
mudança social. Sobrevivem, rebaixando seus programas a constante
negociação com os verdadeiros donos do poder.
É certo que os governos do PT, especialmente o de Lula que contava com
todas as condições, não se empenharam em organizar o povo. E, nisso
reside seu maior erro. Porem, herdeiros de um sistema político moldado
durante a ditadura e eleitos num quadro de descenso da luta de massas,
enfrentaram os limites de um sistema político que impossibilita qualquer
transformação social.
Como nos alertou Florestan Fernandes, em maio de 1986, quando aprovaram
a convocação de uma Assembléia Constituinte, que cumpriria
simultaneamente a função de Congresso Nacional e, conseqüentemente, não
sendo exclusiva não poderia jamais ser soberana: "Os de cima tocam o
carro de acordo com sua veneta, interesses e conveniências. Não existe
democracia, porem palavrório democratizante. Os de cima não podem
oferecer aos de baixo aquilo que eles sequer logram dividir entre si. A
regra é os que podem mais choram menos (ou mamam mais). Não foi sob a
ditadura, mas sob a "Nova República" que tivemos a mais clara definição
política das improbabilidades da democracia".
Estamos
diante de um limite que se não for transposto poderá nos causar uma
profunda derrota política. Para além de qualquer resultado nas eleições
deste ano. Isto é o que caracteriza uma crise de destino.
Mudar
o sistema político é uma prioridade da luta popular. Independente das
divergências programáticas legitimamente existentes nas forças de
esquerda, nenhuma organização que proponha transformações pode se
recusar a construir uma frente política para enfrentar nosso sistema
político.
Um sistema político absurdo, retratado na imagem abjeta dos sorridentes
parlamentares fisiológicos do "Blocão". Cujo repúdio estava presente
nos milhares de pequenos cartazes empunhados pela juventude que saiu às
ruas em junho, constatado em inúmeras pesquisas de opinião. Insatisfação
que é manipulada pelas forças mais conservadoras.
Uma luta desta dimensão exige a unidade. O caminho para mudar o sistema
política é a convocação de uma Assembléia Nacional, Exclusiva e
Soberana.
Alguns temem a ousadia desta proposta. Afinal, ao longo da ofensiva
neoliberal e no longo período de descenso da luta de massas, a proposta
de "mudar a constituição" esteve não mãos da direita, interessada em
banir as conquistas sociais.
Porem, a situação mudou. E o pavor dos de "cima" com a proposta de uma
Constituinte é a maior prova. As classes dominantes podem gerar
confusão, jogarão suas imensas energias numa disputa dessa importância,
mas sabem que tem muito mais a perder do que a ganhar. A ampliação da
democracia é o sentimento crescente que as apavora e as leva a rejeitar
qualquer tímida mudança. Basta recordar como cerraram fileiras quando a
Presidenta Dilma apresentou a proposta.
Construir o Plebiscito Popular da Constituinte, como a principal
ferramenta pedagógica para organizar e despertar a consciência desta
bandeira política não é uma tarefa a mais na luta popular. É nosso
enfrentamento na verdadeira crise de destino que atravessamos.
Fonte:<ricardogebrim@uol.com.br>
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