Há uma infinidade de obras sobre a
Revolução Russa e seus grandes líderes. Porém, sobre a participação das
mulheres não há um número significativo de publicações, à exceção das
obras de Alexandra Kollontai, que foi a única ministra do primeiro
governo bolchevique. A libertação da mulher foi o eixo fundamental da
sua vida, como escritora e como militante. Num artigo raro, publicado no
Diário Feminino de Moscou, edição de 11 de novembro de 1927, é a
própria Kollontai que fala sobre essa temática. Segue um extrato do seu
artigo.
As mulheres que participaram da Grande
Revolução de Outubro – quem eram elas? Indivíduos isolados? Não, havia
multidões delas; dezenas, centenas e milhares de heroínas anônimas que,
marchando lado a lado com os operários e camponeses sob a Bandeira
Vermelha e a palavra-de-ordem dos Sovietes, passou por cima das ruínas
do czarismo rumo a um novo futuro…
Se alguém olhar para o passado, poderá
vê-las, essa massa de heroínas anônimas que outubro encontrou vivendo
nas cidades famintas, em aldeias empobrecidas e saqueadas pela guerra… O
lenço em sua cabeça, uma saia gasta, uma jaqueta de inverno remendada…
Jovens e velhas, mulheres trabalhadoras e esposas de soldados camponesas
e donas-de-casa das cidades pobres. Mais raramente, muito mais
raramente, secretárias e mulheres profissionais, mulheres cultas e
educadas. Mas havia também mulheres da intelligentsia entre aqueles que
carregavam a Bandeira Vermelha à vitória de Outubro – professoras,
empregadas de escritório, jovens estudantes nas escolas e universidades,
médicas. Elas marchavam alegremente, generosamente, cheias de
determinação. Elas iam a qualquer parte que fossem enviadas. Para a
Guerra? Elas colocavam o quepe de soldado e tornavam-se combatentes no
Exército Vermelho. Se elas portassem fitas vermelhas no braço, então
corriam para as estações de primeiros-socorros para ajudar o Front
Vermelho contra Kerenski na Gatchina. Trabalhavam nas comunicações do
exército. Trabalhavam felizes, convictas de que alguma coisa
significativa estava acontecendo. Nas aldeias, a mulher camponesa (seus
maridos tinham sido enviados para a Guerra) tomava a terra dos
proprietários e arrancava a aristocracia dos postos onde ela se alojou
por séculos.
Ainda não tinham certeza do que
exatamente queriam, pelo que lutavam, mas sabiam uma coisa: não iriam
continuar suportando a guerra. No ano de 1917, o grande oceano de
humanidade se levanta e se agita, e a maior parte desde oceano feita de
mulheres…Algum dia a historia escreverá sobre as proezas dessas heroínas
anônimas da revolução, que morreram na Guerra e amargaram incontáveis
privações nos primeiros anos seguintes à revolução, mas que continuaram a
carregar nas costas o Estandarte Vermelho do Poder Soviético e do
comunismo.
Entretanto, fora deste mar de mulheres
de lenços e toucas surradas inevitavelmente emergem as figuras daquelas a
quem os historiadores devotarão atenção particular, quando, muitos anos
depois, eles escreverem sobre a Grande Revolução de Outubro e seu
líder, Lênin.
A primeira figura que emerge é a da fiel
companheira de Lênin, NadezhdaKonstantinovnaKrupskaya, vestindo seu
vestido cinza liso e sempre se esforçando para permanecer em segundo
plano. Via e ouvia tudo, observando tudo o que acontecia; então ela
poderia mais tarde fornecer um relato completo para Vladimir Ilich,
adicionar seus próprios hábeis comentários e expor uma ideia sensata,
apropriada e conveniente.
Ela trabalhou incansavelmente como braço
direito de Vladimir Ilich, ocasionalmente dando depoimentos e relatando
críticas nas reuniões do partido. Em momentos de grande dificuldade e
perigo, quando muitos camaradas firmes perderam o ânimo e sucumbiram às
dúvidas, NadezhdaKonstantinovna permaneceu sempre a mesma, totalmente
convencida da justiça da causa e de sua vitória certa. Ela transmitia
inabalável confiança, e sua firmeza de espírito, escondia uma rara
modéstia, sempre contaminava com seu ânimo todos aqueles que entravam em
contato com a companheira do grande líder da Revolução de Outubro.
Outra figura que se destaca – outra leal
parceira de Vladimir Ilich, uma camarada-em-armas durante os anos
difíceis do trabalho clandestino, secretária do Comitê Central do
Partido, YelenaDmitriyevnaStassova. Inteligente, com uma rara precisão, e
uma excepcional capacidade para o trabalho, uma rara habilidade para
“apontar” as pessoas certas para o trabalho. Em suas mãos, segurava um
caderno de anotações, enquanto ao seu redor multidões de camaradas do
front, trabalhadores, guardas vermelhos, membros do partido e dos
Sovietes, buscavam respostas claras ou ordens.
Stassova carregou a responsabilidade por
muitos negócios importantes, mas se um camarada demonstrava necessidade
ou angústia nesses dias tempestuosos, ela sempre podia auxiliar,
fornecendo explicações, ela fazia o que estava ao seu alcance. Ela não
gostava de ser o centro das atenções. Sua preocupação não era com ela
mesma, mas com a causa.
Pela nobre e estimada causa do
comunismo, YelenaStassova experimentou o exílio e a detenção nas
penitenciárias do regime czarista, deixando-a com a saúde prejudicada…
Em nome da causa ela era firme como aço. Mas em relação ao sofrimento de
seus camaradas, ela demonstrava a sensibilidade e a receptividade que
só se encontram em uma mulher com um coração afetuoso e nobre.
KlavdiaNikolayeva era uma mulher
trabalhadora de origem muito humilde. Ela uniu-se aos bolcheviques já em
1908, nos anos da reação, e suportou o exílio e a prisão… Em1917, ela
retornou a Leningrado e se tornou a organizadora da primeira revista
para as mulheres trabahadoras, Kommunistka. Ela ainda era jovem,
cheia de ânimo e ansiedade. Então ela segurava firmemente o estandarte, e
corajosamente declarava que as trabalhadoras, esposas de soldados e
camponesas precisavam ingressar no partido. Ao trabalho, mulheres! Vamos
defender os Sovietes e o Comunismo! Ela era uma daquelas que lutou em
duas frentes – pelos Sovietes e o comunismo, e ao mesmo tempo para a
emancipação das mulheres.
Os nomes KlavdiaNikolayeva e
KonkordiaSamoilova, que morreram exercendo funções revolucionárias em
1921 (vítimas da cólera), são indissoluvelmente ligados aos primeiros e
mais difíceis passos do movimento das trabalhadoras, particularmente em
Leningrado. KonkordiaSamoilova foi uma militante do partido de
incomparável abnegação, excelência, uma oradora metódica que sabia
ganhar os corações dos trabalhadores. Aqueles que trabalhavam ao seu
lado lembrarão por muito tempo de KonkordiaSamoilova. Ela era simples
nos costumes, simples na aparência, exigente na execução das decisões,
severa com ela mesma e com os outros.
Particularmente notável é a gentil e
encantadora figura de Inessa Armand, que foi incumbida de um trabalho
partidário muito importante na preparação da Revolução de Outubro, e que
depois contribuiu com muitas ideias criativas para o trabalho entre as
mulheres. Com toda sua feminilidade e bondade nas maneiras, Inessa
Armand era inabalável em suas convicções e capaz de defender aquilo que
ela acreditava correto, mesmo quando deparada com temíveis oponentes.
Depois da revolução, Inessa Armand se dedicou à organização do amplo
movimento das trabalhadoras.
Um imenso trabalho foi feito por
VarvaraNikolayevnaYakovleva durante os difíceis e decisivos da Revolução
de Outubro em Moscou. No terreno de batalha das barricadas, ela mostrou
a determinação meritória de uma líder do quartel-general do partido.
Muitos camaradas disseram na ocasião que sua determinação e coragem
inabaláveis foi o que deu ânimo aos vacilantes e inspirou aqueles que
haviam perdido suas forças.
Ao recordar das mulheres que tomaram
parte na Grande Revolução de Outubro, mais e mais nomes e faces surgem
como mágica da memória. Poderíamos deixar de honrar a memória de Vera
Slutskaya, que trabalhou de modo abnegado na preparação para a revolução
e que foi morta pelos Cossacos no primeiro front Vermelho próximo a
Petrogrado? Podemos nos esquecer de YevgeniaBosh, com seu temperamento
inflamado, sempre pronta para a batalha? Ela também morreu no trabalho
revolu-cionário. Podemos nos omitir de mencionar aqui dois nomes
intimamente ligados com a vida e a atividade de V. I. Lênin – suas duas
irmãs e companheiras em armas, Anna IlyinichnaYelizarova e Maria
IlyinichnaUlyanova?
…E a camarada Varya, das oficinas de
linhas de trem em Moscou, sempre animada, sempre inquieta? E Fyodorova,
trabalhadora têxtil de Leningrado, com seu rosto amável e sorridente e
seu destemor quando estava lutando nas barricadas?
É impossível listar todas elas, e
quantas delas permanecem desconhecidas? As heroínas da Revolução de
Outubro formavam todo um exército, e embora seus nomes estejam
esquecidos, sua abnegação vive em cada vitória daquela revolução, em
todos os ganhos e façanhas desfrutadas pelos trabalhadores da União
Soviética.
É lógico e incontestável que, sem a participação das mulheres, a Revolução de Outubro não traria a Bandeira Vermelha da vitória.
Glória às trabalhadoras que marcharam
sob a bandeira vermelha durante a Revolução de Outubro. Glória à
Revolução de Outubro que libertou as mulheres!
José Levino, historiador
Fonte: AVERDADE
Fonte: AVERDADE
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