Por Lumiar Ramos na página do IPEC
A ilha caribenha, Cuba, foi escolhida como sede do próximo congresso internacional de permacultura, o IPC 11, que acontecerá em novembro 2013. No encontro serão abordados os temas ‘permacultura a prova de furacões’, ‘sistemas permaculturais para ilhas e cidades’ e ‘desafios na mudança climática’, além de exemplos da permacultura no estilo cubano.
Para entender como Cuba revolucionou seu meio de produção de alimentos é preciso entender um pouco de sua história. Desde sua colonização, Cuba foi influenciada pelas maiores potências econômicas do mundo. Começou com a Espanha, Estados Unidos e a por fim União Soviética.
Após a guerra de independência em 1898, vieram os interesses norte americanos que apoiaram governos ditatoriais em Cuba para proteger seus interesses comerciais. Enquanto a maioria dos cubanos viviam na miséria a sua riqueza era controlada por corporações estrangeiras. Tornando-se o bordel e refúgio das mafias norte americanas.
Do outro lado, trabalhadores, estudantes e camponeses pressionavam por mudanças. Em meados da década de 50 o país gradualmente foi consumido por uma Guerra Civil que só termina com a Revolução de 1959. As relações entre Cuba e os Estados Unidos começam a se romper quando as intenções de uma Cuba comunista se torna aparente após a aliança com a União Soviética.
Os americanos inconformados com a expropriação de corporações americanas e de terras rurais de posse de americanos na ilha cubana, e com o fracasso da operação na Baía dos Porcos (1961), impuseram um embargo econômico a Cuba, ameaçando cortar relações com qualquer país que fizesse comércio com a ilha. Foi quando a União Soviética entrou em cena comprando os produtos que seriam exportados, tornando Cuba totalmente dependente dos soviéticos.
A ideia inicial pós-revolução era despropriar as terras dos latifundiários e corporações e redistribuir para pequenos agricultores. Na época da influência soviética a ideia foi parcialmente abandonada. O estado começa a produzir os alimentos, principalmente o açúcar para exportar para o bloco soviético.
Durante as primeiras 3 décadas após a revolução de Fidel, Cuba produz seus alimentos de forma mecanizada em um sistema industrial de agricultura que necessita grande quantidade de recursos não renováveis, o mesmo utilizado em países de primeiro mundo. Apoiado e subsidiado pela União Soviética, Cuba utilizou mais combustíveis, máquinas e produtos químicos agrícolas por hectare do que qualquer outro país no mundo.
Após o colapso do bloco soviético em 1989 Cuba teve um massiva diminuição no estoque de alimentos e fica sem combustível, químicos e fertilizantes para produzir alimentos. A ingestão de calorias da população caiu 2/3. Entraram em um momento de crise econômica chamado de “Período Especial”. Do dia para noite desaparece o principal fornecedor de energia da ilha e o desafio para alimentar uma população de 11 milhões de pessoas começa. Nesse período inicia o maior programa de orgânicos e agricultura sustentável que já houve.
O governo começa a encorajar a produção de alimentos em qualquer espaço vazio nas cidades, seja ele público ou privado. Foi aí que surgiu os ‘Organopônicos’, hortas em espaços públicos que são produzidas por cooperativas. O governo permite que as cooperativas ou famílias usem o terreno de graça desde que eles a utilizem para produzir alimentos. O governo ainda ajuda os agricultores com auxílio técnico e com os materiais e ferramentas a custo mínimo.
Quase todas as instituições públicas são envolvidas na jardinagem, como escolas, hospitais, asilos e até fábricas. A horta urbana foi parte da solução para crise. Nas áreas rurais a terra é fértil e aprenderam a trabalhar com a natureza ao invés de controlá-la, sem manipular o meio ambiente.
Nos subúrbios de Alamar em Havana, em 3 hectares de hortas no meio da cidade é produzida a maioria dos vegetais consumidos na comunidade. Sem combustível para transportar alimentos a agricultura nas cidades virou uma necessidade.
Para ter um solo rico os cooperados coletam restos de comida na cidade para produzirem composto e alimentarem as minhocas para produção de húmus. As hortas chegam a produzir mais de 50 tipos de culturas, entre vegetais, frutas, plantas medicinais e ornamentais.
Para o controle de pestes e pragas utilizam o controle biológico. Chegam a criar joaninhas e louva-deus, que são os principais predadores de insetos indesejáveis na ilha. Também utilizam bactérias para controle de alguns insetos e inseticidas naturais extraídos do alho e da cebola para controlar fungos e doenças. Outra técnica é a utilização de plantas para controlar pestes (associação de culturas). O cravo-de-defunto repele alguns insetos enquanto os girassóis atraem insetos benéficos. A diversidade de plantas imita a natureza com diferentes espécies crescendo juntas, uma ajudando a proteger a outra.
A maioria dos alimentos cultivados são vendidos nas barraquinhas das hortas e os preços são de acordo com a demanda. Essa feira livre é uma mudança radical para um país comunista onde praticamente tudo é controlado pelo governo, o que faz o trabalho no campo extremamente lucrativo. Metade do lucro é revertido na produção e a outra metade é dividida entre os trabalhadores.
Outro desafio foi no campo, para produzir leite a vaca precisa de proteína. Antes da crise importavam pílulas de proteína e uma inovação foi cultivar legumes em treliças. As vacas são movidos para diferentes pastos e áreas, assim dá tempo das plantas crescerem novamente. Essa inovação diminuiu os custos pela metade, podendo durar por anos. Outra inovação é o pasto com árvores, e dependendo da espécie de árvores plantadas podem fornecer boa parte da proteína necessária.
Após duas gerações utilizando máquinas na lavoura os métodos tradicionais foram deixados de lado e tiveram que ter aula com agricultores mais antigos para aprenderem a utilizar animais. O boi por exemplo é utilizado para arar, ajudam a fertilizar o solo, podendo entrar nos campos quando é muito molhado para os tratores.
Os camponeses ajudam a identificar e propagar as sementes e as variedades que foram naturalmente adaptadas as condições naturais da ilha, que é o oposto da agricultura industrial onde tem pequenas variedades de espécies e os químicos são utilizados para proteger as plantas. A difusão de sementes tornou-se um ‘programa nacional’. A ideia é retomar a biodiversidade de espécies na ilha. Quando um camponês consegue uma diferente espécie que se adaptou bem ela é propagada para tentarem em outras hortas.
Cuba praticamente abandonou a agricultura convencional, passando a produzir alimentos de forma orgânica e implementar os princípios da permacultura. Hoje é produzido dentro da capital Havana 50% da necessidade de alimentos da cidade.
Hortas urbanas em Cuba formou uma paisagem que é única no mundo, produzindo mais que apenas alimentos, mas também espaços verdes, sombras e melhorando a qualidade do ar. Começou numa necessidade, se tonando hoje uma paixão com 10.000 hortas urbanas em Cuba.
Após a crise a ilha revolucionou seu modo de produzir alimentos diminuindo a energia consumida na produção. Em países desenvolvidos como Canadá é preciso 12 calorias de recursos não-renováveis para produzir 1 caloria de alimento, em Cuba hoje a relação é oposta. Agricultores cubanos aprenderam a fazer muto mais com menos.
O que eles aprenderam sobre conservar recursos é uma lição crítica para os países “desenvolvidos”, principalmente pela quantidade de petróleo que é utilizada para produzir químicos agrícolas. Esse tipo de agricultura é totalmente vulnerável e dependente.
É utilizada na ilha uma agricultura agroecológica e sustentável, em pequena escala e com harmonia com o entorno urbano. Descentralizou da produção e a comercialização e preparou o produtor.
Em menos de uma década Cuba encontrou um jeito de alimentar sua população consumindo apenas 5% da energia que qualquer outro país do hemisfério norte. A necessidade é a mãe da invenção, como produzir mais comida com menos químicos e combustíveis fósseis. Cuba mostrou que alternativas sustentáveis existem.
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