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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Agustín Lewit: Alguma coisa acontece na América Central



Hoje já não é mais preciso argumentar exaustivamente sobre a ideia de que, nos últimos anos, o cenário político na América do Sul virou alguns graus em direção à esquerda. Ainda que esse deslocamento não compreenda a todos os países, visto que também surgiram na região governos conservadores, o certo é que, a esta altura, soa como um dado real da realidade que um certo espírito progressista se espalhou pelo subcontinente.



Por Agustín Lewit, da Página/12
Mas o fenômeno parece ter transcendido as fronteiras do Cone Sul. De fato, algo similar também ocorreu na América Central onde, na contramão do cenário das últimas décadas, marcado por uma hegemonia neoliberal fechada e uma ingerência norte-americana asfixiante, vários países do istmo continental viram surgir experiências políticas progressistas. Sejam versões atualizadas de forças insurgentes do passado, ou surgindo enquanto projetos políticos novos, colocaram a América Central em sintonia com o ritmo político regional. Exemplo do primeiro caso é a Nicarágua, onde a Frente de Libertação Nacional conseguiu voltar ao poder em 2006, depois de quase duas décadas de governos conservadores. No segundo caso aparece Honduras, onde o Libre (Livre, em português)– partido de Manuel Zelaya e de sua mulher, Xiomara Castro – não conseguiu derrotar o conservador PLN nas últimas eleições. Porém, com um programa de forte conteúdo social, chegou a se constituir como a segunda força nacional, rompendo mais de um século de bipartidarismo conservador.
Estes exemplos se reforçam com o que aconteceu recentemente em El Salvador e na Costa Rica, dois países que realizaram eleições presidenciais – no fechamento desta edição os primeiros resultados oficiais já eram conhecidos – em ambos os casos a esquerda mostrava um desempenho excelente.
No caso de El Salvador, a que parecia como provável vitória de Sánchez Cerén significaria, a priori, um aprofundamento do rumo iniciado cinco anos atrás, quando a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) levou Mauricio Funes à presidência. Diferentemente dele, Cerén é um quadro que vem das entranhas do FMLN e que representa algo como “a esquerda da esquerda”. Com promessas que vão desde “uma virada em direção ao Sul”, aproximando a nação salvadorenha da América do Sul, até avanços concretos na redistribuição da renda – em um país com altíssimos índices de pobreza e de marginalização–, Cerén escutou com atenção o cansaço de muitos seguidores “farabundistas” diante dos titubeios de Funes e os pedidos de aprofundar o caminho aberto há cinco anos.
Pelo lado da Costa Rica, apesar de a vitória não ser tão clara para o partido esquerdista Frente Amplio (Frente Ampla), o fato de quase todas as pesquisas prévias mostrarem seu candidato, José María Villalta, muito perto do candidato governista, já significou alguma coisa – principalmente, se considerarmos que a Frente Ampla começou a campanha em quarto lugar e que a esquerda sempre ocupou um lugar bastante relegado. Por isso, as chances concretas de vitória de Villalta e seu surpreendente desempenho nas últimas eleições já são uma verdadeira novidade para o cenário político do país.
As eleições na Costa Rica e em El Salvador não fizeram outra coisa se não respaldar um cenário regional em plena mutação, onde todas as alternativas eleitorais de esquerda têm se materializado e ganhado, pouco a pouco, nas distintas conjunturas nacionais, nutridas tanto por movimentos sociais vigorosos, como pelo esgotamento da forma de gestão política da direita.
O desafio seguinte é, sem dúvidas, encontrar a maneira como essas experiências alcancem uma integração virtuosa que as oxigene para avançar em suas duras realidades e proponham alternativas à subordinação econômica aos Estados Unidos. O Sistema de Integração Centro-americana (SICA) parece ser um bom espaço para tal fim, assim como o Mercado Comum Centro-americano. Com igual relevância aparecem os possíveis laços com novos blocos regionais, em especial o da ALBA, pela proximidade territorial com a Venezuela, motor do bloco.
Numerosos golpes de Estado, fraudes eleitorais consumadas e uma ingerência norte-americana preocupante significaram uma história complicada para as esquerdas centro-americanas. E esses perigos estão longe de desaparecer. Mas também é certo que o ar de “um novo tempo” proveniente do Sul que alterou o cenário político continental colaborou com a revigorização dessas forças, que, por sua vez, souberam interpretar o descontentamento popular, o esgotamento de modelos econômicos centrados no livre comércio e na crise de representatividade que afeta muitos partidos tradicionais.
Nesse ressurgimento de alternativas concretas diante do liberalismo econômico e do conservadorismo político, vão atadas as esperanças de uma vida melhor de milhões de centro-americanos. Oxalá essas esperanças comecem a se concretizar.
Fonte: Vermelho

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