General Amaury Kruel, amigo e aliado do presidente
deposto João Goulart, teria recebido US$ 1,2 milhão da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo para apoiar movimento golpista; após
derrubada, então major foi cassado
por Rodrigo Gomes, da Rede Brasil Atual
São Paulo – O coronel reformado do
Exército Erimá Pinheiro Moreira, de 89 anos, afirmou na terça-feira (18)
que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) subornou o
general Amaury Kruel para que ele se voltasse contra o presidente João
Goulart, apoiando o golpe de Estado de 1964. Em depoimento à Comissão da
Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, o coronel afirmou ter
presenciado o ex-presidente da Fiesp Raphael de Souza Noschese, na
companhia de três homens, chegar a uma reunião com o general portando
malas com US$ 1,2 milhão.
O general Amaury Kruel foi ministro da Guerra do
ex-presidente João Goulart (1961-1964). Considerado fiel, foi designado
ao comando do 2º Exército, em São Paulo. Goulart foi deposto, com apoio
de Kruel, que no dia anterior ao golpe havia declarado publicamente que
se o presidente não expurgasse “os comunistas de seu governo” ele não
mais o apoiaria.
Porém, a história contada pelo coronel reformado
revela que a mudança repentina de atitude do general Kruel pode não ter
sido por questões ideológicas, mas econômicas.
Em 1964, Moreira era major-farmacêutico do Exército
em São Paulo. No dia 31 de março, o coronel Tito de Oliva Maia, diretor
do Hospital Geral Militar, procurou por ele e solicitou que emprestasse a
sede do laboratório de análises clínicas, do qual Moreira era
proprietário, para realizar uma reunião. Ali, Amaury Kruel receberia
pessoas que não poderiam ser recebidas na sede do grupamento, nem no
Hospital Militar.
Sem entender, o então major levou coronel Tito até o
local, no bairro da Aclimação, centro da capital. Pouco depois Kruel
chegou, acompanhado de cinco batedores. Mais alguns minutos e chegou ao
local o então presidente da Fiesp, Raphael de Souza Noschese,
acompanhado de três homens, cada um com duas malas.
Moreira estranhou as malas e, temendo um atentado,
exigiu que fossem abertas. “Eram seis maletas. Eu estava com o general
lá, com a vida garantida em meu laboratório. Podia ter ali uma bomba, um
revólver, ou qualquer coisa que atacasse a gente e matasse o general”,
explicou. “Eu mandei abrir as malas. Foi quando começou uma briga e eu
vi que era só dólar, dólar, dólar, todas elas cheias de dólar.
Amarradinho do banco.”
Segundo o relato, todos foram para o andar de cima.
Menos Moreira e os batedores. Algum tempo depois Kruel chamou por ele e
disse: – Põe estas maletas no porta malas do meu carro e traz a chave
para mim.
“Não tive dúvidas. Fui lá, coloquei no carro, fechei e
entreguei a chave para ele”, comentou. Segundo Moreira, coronel Tito
lhe disse que havia US$ 1,2 milhão e que o dinheiro fora enviado pelo
governo americano.
O hoje coronel reformado acreditava que se tratasse
de dinheiro para ações contra o golpe. “O general Amaury Kruel esteve
com a gente de manhã e disse uma coisa muito simples: O Goulart não cai.
Eu morro, mas ele não cai. É meu compadre, nós somos amigos de
infância. Fui posto aqui para garanti-lo.”
Ao voltar ao hospital, mais à noite, Moreira ouviu no
rádio o pronunciamento de Kruel, colocando-se contra Goulart. Logo
depois foi chamado pelo coronel Tito para uma reunião. “Ele disse assim:
'Senhores, o general Amaury Kruel, mandou o coronel (de infantaria)
aqui para saber se estão ao lado dele ou se estão contra ele. Porque ele
acabou de aderir à revolução'”.
Para o presidente da Comissão da Verdade da Câmara,
vereador Gilberto Natalini (PV), o depoimento de Moreira é “bombástico”.
“Agora vamos sentar, analisar e levantar nomes possíveis para depor”,
disse, em entrevista publicada na página da Câmara. “O que ele contou
vai contribuir muito para a nossa linha de investigação – que é o
financiamento civil da ditadura militar.”
Perseguição
Moreira relatou ainda que contestou o recebimento do
dinheiro pelo general Kruel e acabou cassado. “De manhã, quando fui
voltar ao trabalho, o general Tito me disse: 'Major, você está em férias
a partir de hoje. Vai para casa, pega família, vai viajar um pouco para
melhorar essa cabeça sua'. Enquanto eu estive fora encenaram uma
documentação falsa de que eu era subversivo e me cassaram.”
Os problemas não pararam aí. Moreira afirmou que o
Departamento de Ordem Pública e Social (Dops) colocou uma banca de
jornal na frente do laboratório dele para vigiá-lo. Depois disso, ainda
teve de se mudar por conta das constantes difamações que sofria. “Eu
tive de mudar de casa, ali do Cambuci, porque a minha mulher saia na rua
e os vizinhos ficavam na janela da sala dizendo: 'olha a mulher do
comunista'.”
O coronel reformado afirmou durante o depoimento que
nunca se envolveu com questões políticas. “Eu nunca fui comunista. Sou
brasileiro nato, adoro meu país, nunca tive problema com político
nenhum, nunca me envolvi em política”, disse.
Moreira foi anistiado em 1979, devido à Lei de
Anistia, e conseguiu na Justiça o direito de ser promovido a ponto
máximo da carreira, aposentando-se como coronel-farmacêutico.
Noschese, ex-presidente da Fiesp, morreu em 2000, aos 90 anos.
Em nota publicada em reportagem de O Globo, a federação
afirmou que “é importante lembrar que a atuação da entidade tem se
pautado pela defesa da democracia, do Estado de Direito e pelo
desenvolvimento do Brasil”. Segundo a entidade empresarial, “eventos do
passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados”.
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