Marx e
o papel determinante das
forças
produtivas na evolução social
Publicado
em Crítica Marxista, nº 29
Por CLAUS
M. GERMER*
Introdução1
Os
temas deste artigo são as concepções de Marx sobre os fundamentos do papel
determinante das forças produtivas no desenvolvimento da sociedade, e os
fundamentos
e as implicações do vínculo entre a revolução social e a relação existenteentre
o grau de desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção
(FP/RP). Ambas constituem teses fundamentais da concepção materialista e
dialética da história. A aceitação desses dois conceitos tem sido estigmatizada
com a expressão tendenciosa de “determinismo tecnológico”, que não constitui, no
entanto, caracterização adequada dos enunciados teóricos de Marx aos quais se refere.
Com a expressão “determinismo tecnológico” insinua-se que os conceitos complexos
propostos por Marx reduzem-se a enunciados simples, mecânicos e unilaterais.
Esses temas se tornaram polêmicos e até certo ponto emocionais, no campo
marxista, por pelo menos três motivos: em primeiro lugar, por serem associados,
por seus críticos, ao stalinismo;2 segundo, porque a defesa enfática da
primazia das forças produtivas foi tema de uma obra inaugural do chamado marxismo
analítico,3 corrente que, apesar do nome, desvia-se decisivamente dos fundamentos
filosóficos do marxismo; e, finalmente, por ter sido desenvolvido polemicamente
por Althusser e seus seguidores.4 Essas circunstâncias somam-se à inegável
complexidade dos temas e ao fato de que Marx não dedicou uma obra específica à
análise das transições entre modos de produção até o capitalismo.5
A
fundamentação das duas concepções de Marx, exposta neste artigo, mostrará que
os críticos das concepções de Marx não se atêm rigorosamente aos princípios metodológicos
do materialismo dialético. Com efeito, em diversos casos as críticasa
distorções reais ou supostas das concepções de Marx conduzem a outras
distorções, porque os críticos, talvez inadvertidamente, abandonam os
fundamentos metodológicos da análise de Marx.6
São
dois os objetivos deste artigo. O primeiro é colocar em evidência que a
formulação das duas concepções aqui focalizadas é coerente com o método
materialista e dialético, e, portanto, que elas não representam uma forma de
determinismo fatalista ou mera figura de retórica, mas apoiam-se no caráter
materialista de dois componentes da teoria de Marx: por um lado, nos seus
conceitos fundamentais sobre a evolução da sociedade e, por outro, em sua
teoria do conhecimento. Não é possível discutir o significado do conceito de
determinismo e a ambigüidade com que a utilizam os críticos de Marx. O
determinismo, como princípio metodológico nas ciências, tem diferentes
significados,7 que os críticos geralmente não especificam, atribuindo-lhe subrepticiamente
o significado de fatalismo quandoaplicado ao vínculo enunciado por Marx entre
as forças produtivas e as relações sociais de produção.8
Procura-se
também mostrar como a contradição FP/RP se expressa comoluta de classes. Isso é
oportuno porque a crítica ao suposto “determinismo tecnológico” de Marx inclui
a de que essa concepção anularia a relevância da luta de classes, como se as
“forças produtivas” e as “relações de produção” de algum modo “lutassem”
diretamente entre si, ao invés de a sua contradição constituir o fundamento
material da luta de classes.
Como
segundo objetivo, procura-se apontar algumas implicações da relação FP/RP para
a avaliação dos experimentos de transição ao socialismo no século XX, tomando
como referência a URSS, por um lado, e para o desenvolvimento de uma visão
prospectiva mais adequada sobre as características gerais, em termos teóricos, do
processo de transição ao socialismo, do ponto de vista das forças produtivas.
A
antiga União Soviética foi frequentemente acusada de ter mantido integralmente a
forma de produção industrial capitalista e a correspondente sujeição,
alienante
e embrutecedora, da força de trabalho. Nesse sentido, a URSS teria deixado de
corresponder às expectativas da classe operária e dos militantes comunistas de todo
o mundo, voltadas para uma reorganização desalienadora do trabalho industrial.
Este artigo, inspirado por essa crítica, pretende recuperar, da obra de Marx,
as bases teóricas necessárias à avaliação desse aspecto da experiência soviética
e, de modo mais geral, identificar as condições sob as quais se pode supor que
se dá a revolução das forças produtivas no processo de transição do capitalismo
ao socialismo.
A
evolução da sociedade humana: um paradoxo
A
acusação de “determinismo tecnológico” à teoria de Marx sobre a transição entre
modos de produção, embora constitua uma simplificação de um enunciado teórico
importante, não é tão simples quanto parece. Ela engloba uma crítica a três
implicações da teoria de Marx: 1) coloca em dúvida a concepção de que o desenvolvimento
das forças produtivas é o processo responsável pelo desenvolvimentosocial e
pela transição de um modo de produção a outro; 2) atribui a Marx a afirmação da
existência de uma relação mecânica e unilateral entre o nível de desenvolvimento
em que se encontram as forças produtivas (FP) e o caráter das relações de
produção (RP) vigentes em um modo de produção determinado; 3) rejeita a
concepção de que o desenvolvimento das forças produtivas seria um processo
crescente e conduziria, consequentemente, a uma sucessão de modos de produção
“superiores” uns aos outros.
A
relevância dos conceitos de FP e RP decorre de integrarem uma formulação materialista
de uma hipótese sobre a causa do desenvolvimento e da mudança dos modos de
produção, ou seja, das formas de organização da sociedade humana. Isso requer
um esclarecimento prévio. O materialismo significa que a realidade material é a
única realidade existente, e a dialética materialista implica que a matéria
está continuamente em movimento, por ser o movimento uma propriedade intrínseca
a esta.9 Movimento da matéria significa transformação, de forma e de conteúdo.
Se não há outra realidade fora da matéria, e se esta se transforma
continuamente, segue-se que o movimento é autogerado, e, segundo a dialética,
provocado pelas contradições internas à matéria. Consequentemente, para
conhecer as causas de cada movimento é necessário identificar as contradições
que o impulsionam.
No
caso da sociedade, a contradição que a move, segundo Marx, é a que ocorre entre
as forças produtivas e as relações de produção, e sua causa reside no
desenvolvimento das forças produtivas. Mas, o que causa o desenvolvimento das
forças produtivas? A resposta a essa questão requer cuidados especiais, do
ponto
de vista materialista, para que não se introduza na explicação elementos subjetivos,
de intencionalidade do ser humano, que levariam o pesquisador a
resvalar
para interpretações idealistas. Os elementos materialistas de explicação são
puramente objetivos e não intencionais. Os pressupostos históricos e os
fundamentos teóricos dessa explicação foram desenvolvidos por Marx e Engels a partir
da Ideologia alemã.
O
esclarecimento desse problema se torna mais fácil se apresentado como um paradoxo,
expresso em dois enunciados opostos, quando se aplicam os princípios materialistas,
expostos acima, à sociedade. No primeiro, Marx afirma que “não é a consciência
do ser humano que determina o seu ser, mas, ao inverso, é o seu ser social que
determina a sua consciência”.10 Em uma versão simplificada, isso quer dizer que
“é a sociedade que determina o indivíduo e não o contrário”. Essa concepção se
opõe frontalmente à concepção idealista, expressa no chamado “individualismo
metodológico”, que domina a epistemologia burguesa no campo das ciências humanas,
para o qual são as motivações individuais, impressas desde sempre na “natureza
humana” imutável, que explicam a estrutura da sociedade.
Segundo
a concepção materialista, ao contrário, é a sociedade que determina o indivíduo,
são os fenômenos sociais objetivos que geram as teorias sociais e não o
inverso. Nessa formulação o indivíduo parece refletir passivamente a estrutura das
relações sociais nas quais está imerso.
O
segundo enunciado materialista afirma que a sociedade se transforma sob a ação
dos próprios seres humanos, e não por intervenção externa, talvez
sobrenatural.
Isso significa que é o ser humano que produz a sociedade e não o inverso. Ou
seja, o mesmo materialismo dialético parece afirmar duas coisas
contrárias:
por um lado, que é a sociedade que determina o indivíduo e, por outro, que é o
indivíduo que determina a sociedade. Como se resolve esse paradoxo?
É
disso, em parte, que trata a discussão sobre o chamado “determinismo
tecnológico”.
A
solução do paradoxo depende das implicações das concepções materialistas da
teoria do conhecimento e do caráter do trabalho social, sintetizadas a seguir.
Como
toda forma de movimento, o desenvolvimento da sociedade obedece a leis
determinadas. Como a sociedade não é constituída simplesmente pelos indivíduos,
mas pela teia de relações recíprocas que os conectam uns aos outros,11 segue-se
que o desenvolvimento da sociedade consiste no movimento e na mudança dessa teia de relações. Como essas são
relações entre seres conscientes, parece, à primeira vista, que estes poderiam
mudar a sociedade alterando deliberadamente a natureza de suas relações. Mas,
do ponto de vista materialista, essas relações não dependem da vontade
arbitrária do ser humano, e devem ajustar-se às condições objetivas que
permitem assegurar a reprodução cotidiana da sociedade. Portanto, é da mudança
dessas condições que depende a mudança das relações sociais. Mas essas
condições estão sujeitas a leis específicas.
Por
consequência, o próprio ser humano só poderia alterar a sociedade deliberadamente
se conhecesse as leis que presidem as mudanças nas condições de
reprodução
da sociedade. Segundo Marx, a humanidade não havia, até então, descoberto essas
leis, e ele pretendeu descobri-las e estava convencido de que
o
havia feito: o materialismo histórico seria a teoria do movimento histórico da sociedade
e conteria as correspondentes leis de movimento.
Mas
o fato de o ser humano não ter tido consciência das leis de movimento da
sociedade, que ele mesmo gera com sua ação, não impediu que a sociedade se
transformasse
continuamente. Com efeito, diversas formas diferentes de organização social –
os modos de produção – sucederam-se ao longo da história, o que significa que o
ser humano transformou a sociedade por sua própria ação direta, mas o fez não
intencionalmente. O fato de que há leis de movimento das quais o ser humano não
tem consciência, apesar de ser ele próprio o agente dessas leis, significa que
sua ação em sociedade está submetida, sem que ele o perceba, a leis que o
subjugam imperiosamente, como se fossem leis naturais. Isso também implica que,
se o ser humano puder identificar com precisão as leis de desenvolvimento da
sociedade, poderá promover seu desenvolvimento de modo deliberado, o que não
significa arbitrariamente, pois está sujeito aos limites impostos por essas
leis.
Portanto,
o paradoxo apresentado acima decorre da formulação incompleta dos dois
enunciados opostos. Deve-se, portanto, completá-los: dizer que “a sociedade determina
o indivíduo” significa que o indivíduo, em sua consciência e em sua ação, está
sujeito às leis desconhecidas, mas atuantes, de movimento da sociedade; em
contraposição, dizer que “o indivíduo determina a sociedade” implica que as leis
que presidem a ação do indivíduo conferem a este o potencial de transformar a
sociedade. A explicação do potencial transformador das ações dos indivíduos em sociedade
exige, portanto, que se identifiquem as leis que presidem essas ações.
Essas
leis se expressam, segundo a elaboração teórica de Marx, nas teorias do conhecimento
e do processo de trabalho.
O
trabalho, fonte do conhecimento e do desenvolvimento social
Se
a sociedade humana está em contínua transformação, sem que esta decorra da ação
intencional do ser humano, isso só pode ocorrer se o ser humano for forçado a realizar
continuamente um tipo de atividade prática da qual resulta, involuntariamente, a
criação das condições necessárias à transformação social. Para que essa
atividade seja obrigatória e ininterrupta, deve decorrer de uma necessidade que
opera ininterruptamente e que independe da vontade do ser humano. Essa
atividade prática é o trabalho, e é imperiosa porque é indispensável à
reprodução material da vida humana.
Através
do trabalho para produzir seus meios de sobrevivência, o ser humano gerou, em
primeiro lugar, o crescimento e a diferenciação da massa cerebral, do que
resultou a gestação da consciência,12 e, em seguida, passou a aprender, isto é,
a gerar conhecimento por intermédio do trabalho. O trabalho, portanto, é a fonte
da consciência e do conhecimento. Na teoria de Marx o conhecimento não é fruto
da contemplação, mas da atividade humana prática.13 O trabalho consiste na ação
do ser humano sobre os materiais naturais que o circundam, a fim de obter deles
as coisas de que necessita. Ao agir sobre tais materiais começa a conhecê- -los,
familiariza-se com suas propriedades, e à medida que o trabalho se repete continuamente,
o conhecimento adquirido amplia-se e reage sobre o processo de trabalho,
aperfeiçoando-o gradualmente.14 Aos poucos passa a empregar materiais naturais
como instrumentos auxiliares das mãos e a fabricar instrumentos de trabalho. O
conjunto dos materiais naturais que transforma para seu uso, dos instrumentos e
demais materiais e instalações que o auxiliam no trabalho, e do próprio
conhecimento acumulado e da aptidão adquirida para o trabalho, constituem as
forças produtivas do trabalho.15 Consequentemente, o trabalho é a origem do
conhecimento, que se expressa nas forças produtivas, e da ampliação contínua do
conhecimento, que se expressa no desenvolvimento das forças produtivas.16
Do
exposto até aqui extraem-se duas importantes conclusões: primeira, a concepção de
Marx, de que o desenvolvimento das forças produtivas é o elemento
dinâmico
do desenvolvimento social, tem fundamentos materialistas consistentes, uma vez
que é consistente a tese de que o trabalho é a fonte material de novos
conhecimentos, que retroagem sobre as forças produtivas, aperfeiçoando-as. Há
aqui uma sobreposição de termos, pois o verdadeiro elemento dinâmico é o
trabalho, mas justifica-se porque este consiste na ativação do conjunto das
forças produtivas por ele geradas e existentes em cada momento histórico. Com
isso se revela o caráter ilusório do paradoxo em discussão: cada geração
reproduz-se por seu próprio trabalho, impulsionada pela necessidade da
sobrevivência e com base nas forças produtivas herdadas das gerações anteriores
(que determinam o modo de vida da geração
atual),
mas, pelo próprio ato de trabalhar, amplia e aprofunda, com maior ou menor rapidez,
o conhecimento, e por intermédio disso faz avançar as forças produtivas.17
A
segunda conclusão – a mais polêmica – é que o desenvolvimento das forças produtivas
é cumulativo ou progressivo, isto é, que os modos de produção sucessivos são
progressivamente mais avançados em termos do nível de desenvolvimento das
forças produtivas, que se reflete em níveis sucessivamente mais elevados da produtividade
do trabalho, aos quais correspondem relações de produção também progressivas.18
Essa conclusão é contestada por diversos
autores marxistas,19 em alguns casos sob a alegação de que Marx teria sido
influenciado pelo modismo evolucionista presente em sua época.20 Se isso fosse
verdade, implicaria que Marx não teria uma teoria do desenvolvimento dos modos
de produção, o que não é correto, pois elaborou uma explicação consistente,
resumida acima. O exposto mostra que essa conclusão emana com lógica rigorosa
de pressupostos históricos e fundamentos teóricos claros e consistentes, e
segue um procedimento materialista e dialético coerente. Isso sugere que as
objeções se devem, ao menos em parte, não à inconsistência da interpretação de
Marx, mas à adoção de pressupostos e de métodos diferentes dos de Marx pelos
seus críticos.
Sinteticamente,
eis a linha lógica do enunciado de Marx: primeiro, o conhecimento nasce com a
atividade prática do ser humano e é continuamente ampliado
como
resultado dela. Segundo, a atividade prática fundamental e primordial é a produção
dos meios necessários à vida cotidiana. Essa atividade se repete interminavelmente,
dia a dia, ano após ano, geração após geração, sendo, portanto, a fonte
inesgotável e irreprimível do novo conhecimento e da renovação contínua dos
métodos e dos materiais utilizados na produção. Assim, abstraindo catástrofes naturais
ou sociais, o conhecimento não pode deixar de se expandir, e os meios de
produção não podem deixar de se desenvolver, porque a produção, que é sua fonte,
não pode ser interrompida. Portanto, o ato obrigatório e ininterruptamente repetido
de trabalhar é a origem das mudanças sofridas pela sociedade. Terceiro, à
medida que o trabalho se repete interminavelmente, o conhecimento dos materiais
naturais se estende e se aprofunda, novos instrumentos são concebidos e continuamente
desenvolvidos, os materiais de que são feitos se diversificam, e a aptidão do
trabalho se aperfeiçoa correspondentemente. Como resultado, o processo social
de trabalhar, materializado nas forças produtivas, transforma-se aos poucos,
até fazer emergirem os elementos que apontam para uma nova estrutura social. O
desenvolvimento do conhecimento, por um lado, e da organização e dos processos
de produção correspondentes, por outro, dão origem a novas formas de
trabalhos
e a trabalhadores de novo tipo, e a novas formas materiais de apropriação dos
meios de produção, que entram em conflito crescente com as formas de trabalho e
de apropriação, existentes até então.
Algumas
objeções a essa tese se baseiam em interpretações desta que não são
justificadas pela formulação de Marx nem estão implícitas nela. Uma delas
apoia-se
em evidências empíricas da ocorrência histórica de retrocessos em vez de avanços
nas forças produtivas e, consequentemente, nas relações de produção. Essa crítica
é inócua, pois a formulação de Marx não implica que o desenvolvimento das
forças produtivas é insuscetível de retrocessos. Ele mesmo aponta o caráter ziguezagueante
desse desenvolvimento, mas isso ocorre sobretudo nos estágios iniciais da
sociedade, dispersa em comunidades isoladas.21 A cumulatividade e a
progressividade do desenvolvimento das forças produtivas são condicionadas, positiva
ou negativamente, por diferentes fatores, entre os quais se encontra o próprio
nível já alcançado pelas forças produtivas. A possibilidade de retrocessos, porém,
não anula a lei, como alguns autores pretendem, a ponto de deixar a linha de
desenvolvimento da sociedade indeterminada. Dada a consistência da lei, os retrocessos
devem ser encarados como exceções e não como regra.
Também
se faz objeções à consistência da lei com base nas diferenças de ritmosde
desenvolvimento de diferentes sociedades, como entre as orientais e ocidentais,
e até mesmo na aparente estagnação de outras. Valem os mesmos comentários anteriores:
a formulação de Marx não implica que os ritmos de desenvolvimento das forças
produtivas sejam iguais em todas as sociedades, ou que não ocorram estagnações
prolongadas.22 A esse propósito, é curioso que os críticos ignorem o fato de
que, sendo as forças produtivas compostas por elementos fornecidos pela natureza,
é óbvio que a composição dos elementos naturais disponíveis, em cada região
geográfica, é um dos fatores a condicionar – de modo mais favorável ou mais
desfavorável – o desenvolvimento das forças produtivas.23 Não é possível, por
exemplo, conceber meios de aproveitamento da força do vento em regiões onde não
há ventos suficientemente fortes, ou da água onde não há quedas-d’água e essas
não podem ser construídas, e assim por diante.
Wood
alega que a lei do primado das forças produtivas de Marx resulta de projetar,
sobre o passado histórico da humanidade, uma característica inerente
apenas
ao capitalismo, que é seu dinamismo tecnológico.24 Isso é uma clara distorção da
conceituação de Marx. Pelo que se pode comprovar do exposto até aqui, a teoria
do desenvolvimento das forças produtivas, formulada por Marx, baseia- -se em
pressupostos históricos e teóricos que não foram derivados do caráter do capitalismo
e independem deste. Wood parece não ter entendido os fundamentos da teoria do
desenvolvimento social de Marx. Isso explicaria a inversão que faz da relação
entre a teoria de Marx e os fatos históricos. Wood pensa que Marx projetou sobre
o passado uma característica própria do capitalismo, e não percebe que, ao contrário,
é a teoria geral dos modos de produção de Marx que torna possível compreender a
aceleração inédita do desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo.
Isso decorre de ser o capitalismo o primeiro modo de produção cujo funcionamento
corrente se baseia na procura intencional de inovações técnicas,25 porque essas
são o instrumento básico da concorrência intercapitalista.26 Nos modos de
produção anteriores o desenvolvimento das forças produtivas foi sempre um
subproduto não intencional do processo repetido de trabalho, porque o trabalho social
não era organizado caoticamente pelo mercado, como no capitalismo, mas por um
plano social, portanto excluía a concorrência entre os produtores.27
Finalmente,
a autora ignora outro elemento da concepção materialista, segundo o qual a
velocidade da transformação da matéria aumenta com a complexidade desta, o que
também explica a maior velocidade das mudanças no capitalismo, em relação aos
modos de produção anteriores.28
O
que se observa é que alguns autores, em objeções como as citadas, parecem não
perceber que os métodos subjacentes, respectivamente, à análise de Marx e às
suas objeções, são com frequência bastante diferentes e até opostos. Exemplo ilustrativo
é a crítica desencadeada contra as concepções de Morgan. O contraste entre os
enfoques críticos pode ser ilustrado pelas avaliações divergentes da obra de
Morgan elaboradas por Godelier e Terray.29 Enquanto Godelier se dedicou a catalogar
as evidências empíricas que contrariavam as usadas por Morgan, sem se referir
ao caráter e à consistência de seu método, Terray procurou demonstrar a
consistência científica do método de Morgan e o caráter relativo das objeções baseadas
em resultados de pesquisas empíricas posteriores, que não invalidam a sua
concepção geral.
As
relações sociais de produção
O
ser humano, desde o início, vive em sociedade, o que implica que o seu trabalho
é trabalho social, isto é, uma combinação de trabalhos individuais
diferenciados e interligados visando à sobrevivência do coletivo social. Isso
significa que os indivíduos se relacionam uns com os outros, de modos definidos,
ao trabalhar.
Essas
relações recíprocas são as relações de produção. Do ponto de vista materialista,
essas relações não são encaradas como intencionais, mas impostas por
uma
necessidade objetiva irresistível, que, neste caso, emana das características materiais
do processo de trabalho. Isso se expressa, segundo Marx, na existência de uma
relação definida entre as forças produtivas e as relações de produção. Eis a
passagem clássica em que a enuncia: Na produção social da sua vida os seres
humanos estabelecem relações determinadas,
necessárias, independentes da sua vontade,
relações de produção, que correspondem a determinado grau de desenvolvimento
das suas forças produtivas materiais.30
Note-se
a ênfase no enunciado de que as relações de produção que se estabelecem entre
os seres humanos na “produção social da sua vida”, são “relações
determinadas, necessárias e independentes da sua
vontade”. Isso é crucial, pois significa, em
primeiro lugar, que a forma das relações de produção independe da intencionalidade
dos seres humanos e desenvolve-se espontaneamente, embora eles próprios as
produzam ao interagirem sistematicamente no trabalho; e, em segundo, o fato de
o seu desenvolvimento ser espontâneo não significa que seja aleatório ou
arbitrário, mas que se impõe a eles de modo irresistível, embora desconheçam a
lei de seu desenvolvimento.
A
dependência das relações de produção em relação às forças produtivas significa,
por um lado, que a forma assumida, em cada momento histórico, pelas
relações
entre os indivíduos, depende das formas específicas das forças produtivas (tipos
e localização das matérias-primas, dos instrumentos de trabalho e dos ambientes
de trabalho – construções, instalações, meios de transporte etc.); por outro,
como as forças produtivas estão em contínuo desenvolvimento – mais lento ou
mais rápido, segundo a época histórica –, segue-se que as relações entre os indivíduos,
na produção, estão também em contínuo desenvolvimento.31
Como
se manifestam socialmente as relações de produção? Segundo Marx, as relações de
produção expressam-se na forma jurídica da propriedade,32 ou seja, a forma das
relações entre os indivíduos reflete a forma das relações entre eles e os meios
de produção, isto é, a forma material da apropriação dos meios de produção, que
é determinada pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas. A relação
entre os indivíduos onde a propriedade dos meios de produção é coletiva difere
significativamente da relação entre eles onde é privada. Em contrapartida, a
propriedade privada apresenta-se, ao longo da história, sob diferentes formas –
escravista, feudal, capitalista –, e a cada uma delas correspondem relações específicas
entre os indivíduos.
A
revolução social e as lutas de classes
Com
o surgimento da propriedade privada dos meios de produção ocorre uma mudança
crucial: as relações de produção passam a manifestar-se de modo duplo; por um lado na forma material ou objetiva
segundo a qual os indivíduos se relacionam no processo de produção, e, por
outro, na forma jurídica, isto é, nas leis33 nas quais são codificados os
direitos dos proprietários e os deveres dos não proprietários. Isso introduz um
fator de rigidez no cenário dinâmico em que as forças produtivas e as relações
de produção se transformam coordenadamente, com as últimas seguindo as
primeiras. É que as leis que definem os direitos de propriedade baseados nas
relações de produção vigentes não sofrem um processo de evolução espontâneo e
progressivo, como ocorre com as forças produtivas, mas só podem ser alteradas
por mudanças da ordem jurídica, que afetam os direitos estabelecidos e
dependem, por essa razão, da correlação de forças entre os diferentes pleiteantes
de direitos, ou seja, dependem da luta de classes. Consequentemente, a forma
jurídica da propriedade permanece inalterada, no essencial, durante o período
histórico coberto por um modo de produção. Mas a forma material da apropriação,
que a forma jurídica da propriedade expressa, continua evoluindo, uma vez que
ela representa a forma real das relações entre os indivíduos, e estas se
alteram com o desenvolvimento das forças produtivas, cujo nível não está fixado
em lei e depende do desenvolvimento científico e tecnológico progressivo.34
Estabelece-se,
portanto, uma contradição entre as relações materiais de produção e sua
expressão jurídica na forma da propriedade.
Há,
portanto, três elementos operando em conjunto: (i) o desenvolvimento das forças
produtivas, que determina a forma material da apropriação; (ii) as relações materiais
de produção, que refletem a anterior; e (iii) os direitos de propriedade dos
meios de produção, que representam, no plano jurídico, as relações materiais de
produção vigentes. E há uma linha de causação na direção i) ii) iii).
Marx
definiu o modo de produção, no maior nível de abstração, como uma combinação
entre um determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas e a
correspondente forma material das relações de produção, cristalizadas nas leis.
No apogeu de um modo de produção há consonância entre o nível de desenvolvimento
das forças produtivas, as relações de produção que lhe correspondem e sua
expressão nas leis, que sancionam juridicamente o poder de classe ou de Estado
da classe proprietária.
Pelos
motivos já expostos, as forças produtivas continuam desenvolvendo-se espontaneamente,
como decorrência do fluxo contínuo do processo de produção.
A
partir de determinado momento seu desenvolvimento começa a gerar novas relações
materiais de produção, divergentes das dominantes, não representadas pela forma
jurídica da propriedade vigente, motivo pelo qual entram em contradição com
esta. Eis a clássica passagem em que Marx expõe, sucintamente, o processo:
Em
certo estágio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas sua expressão
jurídica, com as relações de propriedade, no interior das quais se tinham movido
até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se
em entraves das mesmas. Inaugura-se então uma época de revolução social. Com a
alteração da base econômica, altera-se mais lentamente ou mais rapidamente toda
a imensa superestrutura.35
É
necessário traduzir a sucinta descrição de Marx em um processo político mais
concreto, caso contrário pareceria que, em vez da luta entre classes definindo
a
revolução social, teríamos uma “luta” entre forças produtivas e relações de
produção, impossível de encontrar atuando no processo político e com a qual,
talvez devido a uma leitura desatenta, se iludem os críticos da teoria da
transição de Marx.
É
indispensável, em primeiro lugar, fazer distinção entre a revolução social como
processo e a revolução política como momento decisivo. A revolução social, que
ocupa todo um período histórico, é o processo de transição de um modo de produção
a outro, caracterizado, por um lado, pela elevação das forças produtivas do
nível anterior a um novo nível, e, por outro, pela alteração correspondente das
relações materiais de produção. A revolução política, ao contrário, é o momento
limitado do auge revolucionário em que se altera o poder de Estado e se realiza
a mudança da forma jurídica da propriedade: a forma vigente é abolida e subs- tituída
pela nova forma, representando as novas relações materiais de produção, correspondentes
ao nível de desenvolvimento atingido pelas forças produtivas ainda sob o modo
de produção anterior, vigente no momento da revolução política. Em
consequência, a revolução política divide o processo da revolução social em
duas fases, qualitativamente distintas, uma anterior e outra posterior a ela. É
necessário, de início, detalhar as características do processo na fase anterior
e no momento crucial da revolução política.
A
revolução social é o processo histórico de substituição da classe proprietária dominante
por uma nova classe proprietária. Segundo a passagem citada de Marx, ela se
inicia quando o desenvolvimento das forças produtivas entra em choque com as
relações de produção vigentes, o que se manifesta no desencadeamento da luta
entre a classe emergente e a dominante. Para que isso ocorra, porém, é necessário
que uma nova classe surja e se desenvolva no interior do modo de produção
vigente e sob o domínio da respectiva classe proprietária, e com a qual entra
em conflito.36 Sem isso não se poderia explicar, do ponto de vista
materialista, o surgimento, na cena da luta de classes, de um projeto
econômico, social e político viável, oposto ao modo de produção vigente. Esse
novo projeto, quando surge, representa os interesses objetivos da nova classe
em ascensão e constitui o esboço de um novo modo de produção, antagônico ao
vigente.37 É necessário, portanto, que o processo objetivo e não intencional de
desenvolvimento das forças produtivas dê origem ao embrião dessa nova classe, e
que esta atinja uma dimensão e uma expressão econômica e política compatível
com a força necessária para disputar e conquistar o poder de Estado.38
Por
consequência, deve-se admitir a ocorrência de um descolamento progressivo, não
explicitada na exposição de Marx, antecedendo a revolução política,
entre
a forma material das relações de produção objetivamente existentes e a forma jurídica
da propriedade, no sentido de que novas relações materiais de produção se
desenvolvem progressivamente, dando origem à nova classe aspirante ao poder, enquanto
a forma jurídica da propriedade, em vigor, sustentáculo da classe proprietária
vigente, permanece inalterada.39 A tensão, que se instala no âmago da
sociedade, expressa-se como luta entre a classe proprietária vigente e a nova classe
em processo de constituição, expressando o antagonismo entre a forma jurídica
vigente da propriedade e a nova forma material, gerada pelo desenvolvimento das
forças produtivas. Abre-se um período de intensidade crescente da luta de
classes, que finalmente desemboca na revolução política. A nova classe social
assume a propriedade dos meios de produção e o poder de Estado no lugar da
classe até então dominante.
Seguindo-se
o raciocínio de Marx, no momento da revolução política os meios de produção já
se transferiram, em proporção significativa, à nova classe
em
processo de constituição. Mas essa transferência de propriedade ainda não obteve
expressão jurídica, ou seja, os meios de produção foram apropriados apenas operacional
ou formalmente, pela nova classe, pois as antigas leis da propriedade continuam
em vigor e não contemplam a nova forma material de apropriação. No caso da
transição do feudalismo ao capitalismo, a apropriação operacional dos feudos já
tinha sido transferida, em proporção significativa, à burguesia (os
arrendatários capitalistas), enquanto a antiga forma jurídica da propriedade
continuava em vigor, e os arrendatários capitalistas mantinham-se subordinados
à nobreza feudal, tanto econômica quanto politicamente. Os meios de produção
dos servos, por sua vez, haviam sido expropriados, em certa proporção,
incorporando-se juridicamente à posse dos nobres mas operacionalmente aos
arrendatários, enquanto os servos se convertiam gradualmente em proletários.40
Também
nas cidades o surgimento das manufaturas significou uma gradual transferência
de meios de produção dos artesãos empobrecidos aos novos capitalistas manufatureiros.
Ademais, as manufaturas instalam-se fora dos muros das cidades e, por
consequência, fora do alcance das regulamentações das corporações de ofício,
mas em conflito com estas, que permanecem dominantes embora ameaçadas. Essa
dinâmica das forças produtivas foi o fundamento das lutas de classes entre a
burguesia manufatureira e as corporações artesanais.
Os
constrangimentos à expansão das novas forças produtivas e correspondentes relações
de produção resultam da vigência da antiga forma jurídica de
propriedade
e da sua expressão como poder de Estado, e ilustram o fato de que, para
aboli-la, é preciso desalojar a classe proprietária dominante da estrutura do poder
de Estado. Isso não é fácil, pois a forma vigente da propriedade encontra-se protegida
por diversos cordões de defesa constituintes dessa estrutura: instituições jurídicas,
políticas, ideológicas e, por último, instituições armadas, que constituem o
cimento de toda a estrutura e, segundo a evidência histórica, não se desagregam
espontaneamente.
Em
que situação se encontram as forças produtivas no momento da revolução política?
Segundo a lógica do processo exposto, nesse momento as forças produtivas
encontram-se em transição: não são mais as forças produtivas puras do modo de
produção que estão chegando ao fim, pois já são parcialmente forças produtivas do
novo modo de produção. Por outro lado, essas novas forças produtivas não podem
encontrar-se já na forma definitiva correspondente às novas relações materiais de
produção, uma vez que a vigência, até esse momento, da forma jurídica antiga da
propriedade, constituiu um obstáculo a seu desenvolvimento. De fato, no momento
da revolução burguesa inglesa, por exemplo, na segunda metade do século XVII, a
produção capitalista já era dominante na agricultura e nas cidades, sob a forma
manufatureira,41 mas a forma capitalista definitiva – a indústria mecanizada –
ainda teria de esperar cerca de um século para começar a surgir.
As
novas relações de produção, convertidas pela revolução política na nova forma
jurídica da propriedade, convertem-se em fator de desenvolvimento das
novas
forças produtivas que as engendraram. Como vimos, no momento da revolução política
essas se encontram em fase avançada de transição. Já não são asantigas, mas
ainda não são plenamente as novas. O que a revolução política fazé, em primeiro
lugar, eliminar o obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas, representado
pela forma jurídica de propriedade anterior e, em segundo, instituir a nova
forma jurídica da propriedade, como expressão das novas relações de produção em
desenvolvimento.
A
revolução social não se encerra com a revolução política, mas ingressa em fase
de consolidação e amadurecimento. Com a revolução política, a nova classe proprietária
apenas assume plenamente a responsabilidade pela gestão global – social e
política – das forças produtivas existentes. O termo “apenas” é para enfatizar que
a nova classe assume a propriedade dos meios de produção tais quais são nesse momento,
ainda não totalmente transformados segundo as possibilidades do novo modo de
produção e sem poder transformá-los instantaneamente em algo novo.
A
fase posterior à revolução política é uma fase conturbada e instável, em que o poder
da nova classe ainda está ameaçado pelos elementos de poder residuais da classe
apeada da propriedade dos meios de produção e do poder de Estado. Como as
forças produtivas ainda são, em parte, as antigas, também as formas materiais de
apropriação e as correspondentes classes sociais ainda são em parte as antigas.
A
prioridade da nova classe elevada ao poder é assumir plenamente a capacidade de
exercer o poder político e social e assegurar a consolidação do novo poder de
Estado. Em termos econômicos, a prioridade é restabelecer a normalidade da produção
e da distribuição dos meios de produção e de consumo necessitados correntemente
pela sociedade.
Em
suma, as forças produtivas, tais como se encontram, devem ser dominadas pela
nova classe proprietária, o que não é pouco. A forma plenamente desenvolvida das
novas forças produtivas, no nível correspondente às novas relações de produção,
não pode ser instituída por lei, pois depende de fatores técnicos e científicos
que só podem resultar da continuidade do desenvolvimento espontâneo das forças produtivas
existentes. A extinção da forma antiga de propriedade, no entanto, desbloqueia o
processo de desenvolvimento que estava em curso e proporciona um amplo
horizonte de expansão dos elementos inovadores em processo de gestação.
A
concepção materialista implica que a forma definitiva das forças produtivas próprias
do novo modo de produção é inteiramente desconhecida e não pode ser prevista no
momento da revolução política.42 Esta apenas desobstrui o desenvolvimento das
forças produtivas, o qual consiste na agregação de novas técnicas resultantes
da aquisição de novos conhecimentos, ou seja, consiste na conversão do
desconhecido em conhecido. A partir desse momento, é preciso esperar que o
desenrolar desse processo, nas novas condições sociais, políticas e jurídicas, engendre
aos poucos os contornos definitivos das novas forças produtivas, no seu grau de
pleno desenvolvimento, que também explicitarão, paralelamente, os contornos
maduros das relações materiais de produção e distribuição, cuja configuração definitiva
também é, nesse momento, desconhecida.
Em
síntese, a transição a um novo modo de produção é um processo que se compõe de
alguns momentos essenciais: 1) o desenvolvimento de embriões de novas forças
produtivas e de correspondentes novas relações materiais de produção, permanecendo
inalterada a forma jurídica da propriedade dos meios de produção, imobilizada
na forma correspondente à natureza das forças produtivas originais desse modo
de produção; 2) as novas relações reais entre os indivíduos na produção representam
as novas formas materiais de apropriação dos meios de produção e,
consequentemente, expressam-se nos embriões de novas classes proprietária e
trabalhadora, ambas não contempladas pela forma jurídica de propriedade
vigente, o que condiciona o surgimento e crescimento da oposição entre as novas
e as antigas classes, dando início a um período histórico de lutas de classes
que constitui o processo da revolução social; 3) a crescente contradição de
interesses entre as classes novas e antigas, derivada da progressão das forças
produtivas, abre um período de intensificação das lutas de classes que
desemboca na revolução política, que consiste na passagem do poder de Estado e
da propriedade dos meios de produção à nova classe proprietária, abolindo-se a
forma jurídica vigente da propriedade e instituindo-se os fundamentos da nova
forma; 4) segue-se um período no qual a nova classe proprietária luta para
consolidar seu poder e a nova estrutura jurídica, com a progressiva criação das
instituições correspondentes às
necessidades
do novo modo de produção. Esse processo é essencialmente criativo e original,
mas instável, pois o novo se anuncia com fisionomia nem sempre clara, por vezes
enganadora, brotando literalmente das mãos dos trabalhadores manuais e
intelectuais na atividade cotidiana da produção, e devendo ser convertida em laços
permanentes mediante tentativas nem sempre bem-sucedidas e conseqüentes retrocessos
por vezes dramáticos; 5) à medida que o novo poder vai se consolidando e as
novas instituições se fortalecem, as inovações científicas e técnicas também
vão gradualmente encontrando linhas mais seguras de evolução, acabando por
desembocar, em um momento indeterminável, no que será conhecido como o grau de
desenvolvimento maduro das forças produtivas próprias do novo modo de produção,
às quais corresponderá o regime jurídico adequado.
Implicações
da teoria aplicadas ao socialismo do século XX
Sugere-se
aqui a interpretação de alguns fatos históricos referentes à transição do
capitalismo ao socialismo, em geral, e aos experimentos socialistas do
século
XX em particular, com base estritamente nos elementos da teoria de Marx expostos
neste artigo.
1)
Sendo teoricamente consistente situar o início de um processo de revolução social
no momento em que se desencadeiam as lutas de classes, como manifestação do
surgimento de contradições entre as FP e as RP vigentes, refletindo a
constituição de novas classes sociais, deve-se situar o início da transição do
capitalismo ao socialismo nas revoluções burguesas de 1848, nas quais, pela
primeira vez, o proletariado se apresentou na cena política com autonomia.43
Com efeito, esse episódio foi seguido pela constituição e ampliação de um
movimento socialista revolucionário de âmbito mundial, que deu origem aos
primeiros experimentos socialistas concretos no século XX e teve seu apogeu na
década de 1950, ingressando após essa data em refluxo cíclico.
2)
A concepção de Marx, exposta neste artigo, é altamente abstrata, isto é, refere-se
à transição entre modos de produção como blocos homogêneos e em
estado
de pureza, e não a mudanças parciais em segmentos localizados do modo de
produção em transição. No século XX, porém, só fenômenos desse último tipo ocorreram,
e apenas na periferia do capitalismo, iniciando-se com a Revolução Socialista
de 1917 na Rússia, que serviu de referência para os demais. Nesse país, as FP
capitalistas e as correspondentes RP encontravam-se debilmente desenvolvidas.
Consequentemente,
não podia haver uma contradição autóctone típica da transição do capitalismo ao
socialismo, que requereria que as FP já estivessem
ultrapassando
os marcos das RP capitalistas. Ou seja, a Revolução de 1917 não se explica com
base nas contradições FP/RP internas da Rússia, mas como expressão contundente,
na Rússia, das contradições do capitalismo como sistema mundial.44
O
partido bolchevique, ao tomar o poder, não pensava estar protagonizando uma
revolução socialista isolada, mas a concebia como parte de um movimento
internacional e início de um processo que se tornaria imediatamente mundial.
Como isso não se deu e a revolução não se estendeu ao centro mundial do
capitalismo, a URSS permaneceu a princípio isolada. Portanto, o que lá ocorreu a
partir da Revolução não pode ser analisado como um processo de transição
global, no nível de abstração implícito na relação FP/RP, seguindo as fases
expostas neste artigo.
No
entanto, trata-se efetivamente de um episódio concreto do processo histórico da
revolução social que conduz do capitalismo ao socialismo. Nessa medida, o processo
de desenvolvimento das FP e das RP, ocorrido nesse país, pode e deve ser
analisado com base nos conceitos da teoria da transição de Marx. É o que se procurará
fazer, a seguir, em caráter experimental.
3)
Ocorreu efetivamente, na Rússia, uma revolução política do tipo previsto na
teoria de Marx, pois aboliu-se a forma jurídica capitalista da propriedade e
instituiu-se
a forma jurídica da propriedade coletiva, com a importante exceção do
cooperativismo agrícola.45 No entanto, como a revolução política ficou restrita
à Rússia, onde não se havia desenvolvido diretamente a contradição FP/RP, cujo amadurecimento
deveria estar na base daquela, a abolição da forma capitalista da propriedade
não poderia ter o efeito previsto de abrir caminho ao desenvolvimento livre das
FP, uma vez que essas não haviam alcançado os limites impostos pela forma
jurídica burguesa da propriedade, devido ao débil desenvolvimento das FP capitalistas
no país. Aliás, a própria forma burguesa da propriedade ainda não havia sido
implantada plenamente na Rússia. As FP desenvolvem-se espontaneamente quando a
sociedade desconhece as leis de seu desenvolvimento, mas, quando as conhece, o
desenvolvimento pode ser intencional, segundo um plano. Na Rússia, as condições
objetivas da relação FP/RP não poderiam induzir um processo acelerado
espontâneo de desenvolvimento das FP, mas a revolução política abriu caminho
para sua promoção planejada.
4)
Por tal razão, uma vez que a nova classe detentora do poder de Estado aboliu a
propriedade privada, aboliu o mercado como regulador do trabalho social
e
criou as condições para instituir o planejamento integrado da produção e da distribuição,
e por extensão o desenvolvimento planejado das FP e das RP. Ou seja, o
desenvolvimento social espontâneo foi substituído pelo intencional. Todavia, como
já foi notado, intencional não significa arbitrário, pois continua submetido às
leis de movimento da sociedade, com as quais os seus objetivos devem ser compatíveis.
Isso implica que, em uma sociedade como a russa, com fraco desenvolvimento das
FP, a possibilidade da instituição efetiva de RP socialistas depende de as FP
serem desenvolvidas até o nível já alcançado pelas FP capitalistas mais avançadas
existentes nos países do centro capitalista, uma vez que estas já se
encontravam em transição, isto é, em contradição com a forma jurídica
capitalista da propriedade, o que significa que já continham formas materiais
socialistas de apropriação. O surgimento dessa contradição estaria refletida no
caráter das lutas de classes em curso a partir de 1848. Sendo assim, seria
necessário elevar as FP da Rússia ao nível mais avançado atingido no
capitalismo, para que, a partir daí, se desenvolvessem as novas FP socialistas
e as correspondentes relações materiais de produção. Daí o processo acelerado
de industrialização e de mecanização e coletivização da agricultura.
5)
O desenvolvimento intencional das forças produtivas, no entanto, teria de depender
da importação de meios de produção dos países capitalistas avançados,
uma
vez que não havia outra fonte. Isso implicou uma contradição. O fato de serem forças
produtivas em transição, no interior do modo de produção capitalista, implica
que não haviam ultrapassado os limites impostos pela forma jurídica da propriedade
privada capitalista. Por isso parece lícito dizer que, com os meios de
produção, importavam-se RP capitalistas, refletidas na divisão do trabalho manual/intelectual
e de direção/execução embutida na arquitetura desses meios de produção, porque
condicionada pela primazia dos interesses privados. Isso decorre da lógica
exposta, uma vez que as RP são derivadas do grau de desenvolvimento das FP.
6)
Uma crítica frequente a essas políticas da URSS acusa a industrialização lá promovida
de simplesmente copiar os padrões produtivos capitalistas, com o que introduziu
todos os males causados aos trabalhadores pelo próprio capitalismo.
Se
essa crítica implica que as FP capitalistas não deveriam ter sido importadas, isso
não parece procedente, uma vez que não havia outras FP disponíveis, e FP socialistas
só poderiam ser geradas com base no nível mais avançado atingido pelas FP nos
países centrais do capitalismo, pois estas encontravam-se em transição, fato
que constituíra a base objetiva da emergência da luta pelo socialismo.
7)
Dessas considerações decorrem duas implicações relevantes, referentes ao caráter
das relações sociais. Em primeiro lugar, a relação FP/RP proposta pela teoria sugere
que o rápido desenvolvimento de FP capitalistas traria consigo relações materiais
de produção capitalistas – mesmo que já em transição –, a despeito da vigência
da forma jurídica socialista da propriedade. Segundo o princípio materialista de
que o ser social produz a consciência social, o efeito do desenvolvimento de FP
capitalistas seria a geração de elementos da consciência capitalista, o que requereria
uma política específica de neutralização. Em segundo, se o desenvolvimento social
podia deixar de ser espontâneo e passar a ser intencional, graças à teoria
agora disponível, teria de ser assumido por toda a sociedade e não apenas pelos
dirigentes do processo, o que também requereria uma política específica.
8)
Por último, o fato de que, após a revolução política, o desenvolvimento das FP
terá de ser intencional, não significa que se poderá planejar a natureza e
a
configuração que terão as forças produtivas especificamente socialistas, uma vez
que essas resultarão, após um lapso de tempo que não pode ser previsto, das linhas
de evolução imprevisíveis gradualmente indicadas pelo prosseguimento do
processo de aprendizado paralelo ao processo produtivo. Esse aprendizado continuará
constituindo uma contínua incursão no desconhecido.
*********
* Professor do Departamento de Economia da UFPR.
1” As obras de Marx e Engels também foram
consultadas nos originais em alemão. Por esse motivo, em alguns casos as
citações literais, retiradas das versões traduzidas, foram corrigidas pelo
autor.
2”
Ellen M. Wood. Democracy Against Capitalism: Renewing Historical Materialism.
Cambridge:
Cambridge
University Press, 1995, p.6-8.
3”
Gerald A. Cohen. Karl Marx’s Theory of History: a Defence. Princeton:
Princeton Univ. Press, 1978
4” Louis Althusser et al. Ler O capital. v.2.
Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
5” Todavia, Marx realizou uma análise bastante
detalhada da transição do feudalismo ao capitalismo, e Engels forneceu uma
aplicação do materialismo histórico à análise da transição do comunismo primitivo
aos modos de produção baseados na propriedade privada (Friedrich Engels. A
origem da família, da propriedade privada e do Estado. 6.ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980).
6” Wood é um exemplo disto: sob o pretexto de
criticar a distorção que afirma identificar no “determinismo tecnológico” em
vez de examinar o tema à luz do método de Marx, dedica-se a “reconsiderar”, “repensar”
e “redefinir” os conceitos fundamentais envolvidos, sem consideração com os fundamentos
do método (Wood, Democracy Against Capitalism, cit., p.11. Ver também Ellen M. Wood. The
Origin of Capitalism. New York: Monthly Review Press, 1999).
7”
Roy Bhaskar. “Determinismo”. In: Tom Bottomore (Ed.). Dicionário do
pensamento marxista. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p.99-101. Ver
também Diccionario de Filosofía. Moscú: progreso,1984.
8” Uma apreciação, sem essa tendenciosidade, dos
principais aspectos da polêmica sobre o vínculo FP/RP pode ser encontrada em
Lawrence Harris. “Forças produtivas e relações de produção”. In: Bottomore, op.
cit., p.157-59; e André Tosel (1982). “Déterminisme”. In: Georges Labica et Gérard Bensussan
(Eds.). Dictionnaire critique du marxisme. Paris: Quadrigne/PUF,
1999, p.305-7.
Esclarecimentos adicionais sobre o determinismo do
ponto de vista materialista em S. Meliujin. El problema de lo finito y lo
infinito. México:
Grijalbo, 1960, p.264-275.
9”
Friedrich Engels. Anti-Dühring. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1976, p.51. Segundo Marx, “tudo o que existe, tudo o que vive sobre a terra ou
na água, só existe, só vive por intermédio de algum movimento. Assim o
movimento da história gera as relações sociais” (Karl Marx. Miséria da
filosofia. Lisboa: Estampa, 1978, p.118).
10” Karl Marx. Contribuição à crítica da economia
política. São Paulo: Martins Fontes, 1977, p.24.
11” Karl Marx. Elementos fundamentales para la
crítica de la economia politica (Borrador). v.1, 9.ed.,México: Siglo xxi,
1977, p.204-5.
12 Friedrich Engels. “Sobre o papel do trabalho na
transformação do macaco em homem”. In: Karl Marx e Friedrich Engels. Obras
escolhidas. v.2. São Paulo: Alfa-Omega, s. d., p.267-80; André Leroi-Gourhan.
O gesto e a palavra: 1. Técnica e linguagem. Lisboa: Edições 70, 1990.
13”
Karl Marx e Friedrich Engels. “Teses sobre Feuerbach”. In: Karl Marx e
Friedrich Engels. Obras escolhidas. v.3. São Paulo: Alfa-Omega, s. d.,
p.208-10. As ideias constituem reflexos da realidade circundante na mente do
ser humano, mas não de um ser humano passivo e contemplativo, como o reflexo de
um objeto no espelho, mas resultam da ação prática do ser humano sobre a
realidade circundante. Não há outra forma de conhecimento (Claus M. Germer. “A
relação abstrato/concreto no método da economia política”. In: Gentil Corazza
(Org.). Métodos da ciência econômica. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2003, p.70-3; Theotonio dos Santos. Forças produtivas e relações de produção:
ensaio introdutório. Petrópolis: Vozes, 1984).
14 “... a humanidade iniciou a sua carreira no ponto
mais baixo da escala, abrindo caminho, do estado selvagem até à civilização,
através da lenta acumulação do saber empírico” (Lewis H. Morgan. A sociedade
primitiva. Lisboa: Presença, 1980, p.13).
15” Karl Marx. O capital. v.1. São Paulo:
Abril Cultural, 1983, cap.5.
16 Cohen. Karl Marx’s Theory of History,
cit., cuja obra constitui uma defesa vigorosa dessa tese, afasta-se, no
entanto, nitidamente do enfoque materialista de Marx ao atribuir o
desenvolvimento das forças produtivas a uma racionalidade intrínseca ao ser
humano. Esse enunciado de Cohen
resulta da sua adesão ao individualismo
metodológico, próprio do chamado “marxismo analítico”, do qual a sua obra
constituiu um dos marcos iniciais.
17 “... em cada fase [da história – CMG]
encontra-se um resultado material, uma soma de forças produtivas, uma relação
com a natureza e entre os indivíduos gerada historicamente, que cada geração
herda da que a precede, uma massa de forças produtivas, capitais e
circunstâncias, que, por um lado, é efetivamente modificada pela nova geração,
mas que, por outro lado, lhe dita suas próprias condições de vida e lhe confere
um desenvolvimento determinado, um caráter especial – que portanto as
circunstâncias fazem os seres humanos tanto quanto os seres humanos fazem as
circunstâncias…” (Marx e Engels. “Feuerbach: a oposição entre as concepções
materialista e idealista.” In: A ideologia alemã. cap.1. Lisboa: Estampa, 1975,
p.56).
18 “Tendo chegado a um certo grau de
amadurecimento, a forma histórica determinada é removida e dá lugar a uma mais
elevada” (Karl Marx. O capital. v.III. São Paulo: Abril, 1985, p.814, itálicos acrescentados).
19 Segundo Wood, essa interpretação implica que
“... modos [de produção – CMG] menos produtivos são inexoravelmente seguidos
por [modos] mais produtivos, de acordo com alguma lei universal da natureza”
(Wood, 1995, cit., p.4, itálicos acrescentados), ironia que constitui um triplo
equívoco. Primeiro, a referência a “alguma lei” indefinida é uma insinuação de
que a lei não foi formulada, o que é um engano, uma vez que Marx a formulou
claramente, segundo o exposto; segundo, a lei do desenvolvimento das forças
produtivas como resultado do trabalho humano não é uma “lei universal da
natureza”, mas uma lei específica da sociedade humana; por último, com a atribuição
de inexorável à sucessão progressiva dos modos de produção, a autora quer
atribuir-lhe um caráter mecânico e metafísico que não corresponde à concepção
de Marx. A lei do desenvolvimento das forças produtivas afirma que este, na sua
essência, possui um caráter progressivo, expresso em crescente produtividade do
trabalho, o que o exposto acima demonstra, de modo que, na medida que as FP se
desenvolvem normalmente, o modo de produção resultante será superior. Em
condições ceteris paribus, próprias de todas as leis científicas, isso deve
sempre realizar-se. Mas isto não significa que a essência progressiva do
processo de trabalho sempre se realize inexoravelmente, em todas as condições
históricas concretas, pois isso depende de grande quantidade de circunstâncias
históricas. O próprio Marx apontou episódios históricos da antiguidade em que
catástrofes naturais ou sociais conduziram à regressão social. Por outro lado,
seria difícil imaginar um processo de trabalho social que, por sua própria
natureza, conduzisse à regressão ao invés do avanço das forças produtivas.
20 Étienne Balibar. “Sobre os conceitos
fundamentais do materialismo histórico.” In: Louis Althusser et al., Ler O
capital. v.2. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p.202, 242.
21 “Depende unicamente da expansão das trocas se as
forças produtivas alcançadas em uma localidade, principalmente invenções, se
percam ou não para o desenvolvimento posterior. Enquanto não existir comércio
que ultrapasse os arredores imediatos, cada invenção tem que ser feita em cada
localidade, e simples acasos (...) são suficientes para obrigar um país com
forças produtivas e necessidades desenvolvidas a recomeçar do início. No início
da história era necessário recriar todos os dias cada invenção e fazê-la em
cada localidade de maneira independente. (...) O caráter duradouro das forças
produtivas alcançadas só será garantido quanto o comércio tiver se convertido em
comércio mundial, tendo por base a grande indústria, e todas as nações tiverem
sido arrastadas para a luta da concorrência” (Marx e Engels. Feuerbach, cit.,
p.84).
22 Marx. O capital. v.III. cit., p.254.
23 Morgan menciona, entre os fatores responsáveis
pelas diferenças de níveis de desenvolvimento no Oriente e no Ocidente, o fato
de os povos orientais contarem com maior número de animais domesticáveis
(Morgan, op. cit., p.37-9).
24
Wood. Democracy Against Capitalism, cit., p.4, 12; The Origin of
Capitalism, cit., p.11, 34.
25 O que é intencional é a procura, não os
resultados, uma vez que estes fazem parte do desconhecido e são, portanto,
imprevisíveis. Nas sociedades não capitalistas não há procura intencional, como
regra, porque nenhuma necessidade sistemática a impõe. Do ponto de vista
materialista, a intencionalidade da procura por inovações no capitalismo não se
deve a fatores subjetivos, como a racionalidade, mas é imposta pela
concorrência como condição de sobrevivência dos capitalistas individuais.
26 Marx. O capital. v.I, cit., cap.10. Wood
argumenta em contrário, com base em uma citação de Marx, alegando que na
Antiguidade houve fenômenos de desenvolvimento das forças produtivas baseados na
concorrência entre nações comerciais (Idem, ibidem, p.190-1). Na referida
citação, porém, o que Marx mostra é que a produção para fins comerciais,
baseada na escravidão, na Antiguidade, resultou em superexploração da força de
trabalho, não em desenvolvimento das forças produtivas.
27
Claus Germer. “The Commodity Nature of Money in Marx’s Theory.” In: F. Moseley.
(Ed.). Marx’s Theory of Money: Modern Appraisals. Basingstoke: Palgrave
Macmillan, 2005, p.21-3.
28 “... cuanto más compleja es y mejor organizada
está la forma de la materia y del movimiento, tanto más rápidos son su
desarrollo y su tranformación qualitativa. (...) La materia viva se desarrolla
com mucha mayor rapidez. (...) En esta [la sociedad – CMG] también se observa
la aceleración del desarrollo al pasar de una formación a otra de tipo
superior. Para convencernos basta comparar los períodos de existencia de las
sociedades de la comunidad primitiva, esclavista, feudal, capitalista y
socialista, así como el volumen de su progreso material y cultural” (Meliujin,
op. cit., p.220-1). Algumas evidências históricas são fornecidas por Charles
Parain. “Evolução do sistema feudal europeu.” In: Theo Araujo Santiago (Org.). Capitalismo
transição. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado, 1974, p.29; e Pierre Vilar.
“A transição do feudalismo ao capitalismo.” In: Santiago, op. cit., p.35.
29 Maurice Godelier (1978). “Partes mortas, ideias
vivas do pensamento de Marx sobre sociedades primitivas. Marxismo e
evolucionismo.” In: E. A. Carvalho (Org.). Antropologia econômica. São Paulo:
Ciências Humanas, 1978, p.101-136; Emmanuel Terray. O marxismo diante das
sociedades ‘primitivas’: dois estudos. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
30 Marx. Contribuição, cit., p.24, itálicos
acrescentados.
31 “Vivemos em meio a um movimento contínuo de
crescimento das forças produtivas, de destruição de relações sociais, de
produção de ideias; imóvel é só a abstração do movimento (...)” (Marx. Miséria
da filosofia, cit., p.122).
32
Karl Marx und Friedrich Engels. Die Deutsche Ideologie. Berlin, Dietz,
1978, p.311, 346-7.
33
Balibar, op. cit., p.183; Charles Bettelheim. A transição para a
economia socialista. Rio de Janeiro: Zahar, 1969, p.27, 175-7.
34 Observa-se historicamente que fatores
superestruturais (pertencentes à cultura, à ideologia, à religião etc.) podem
atuar retroativamente e afetar negativamente o desenvolvimento das forças
produtivas. Isso não implica, porém, que, contrariamente à lei formulada por Marx,
as relações de produção determinam a natureza das forças produtivas, como
pretende Wood (The Origin of Capitalism, cit., p.25). Para sustentar
essa hipótese, mantendo-se no materialismo, seria necessário apontar outra origem,
não intencional, das relações de produção, o que a autora não faz.
35 Marx. Contribuição, cit. p.24-5..
36 “A existência de ideias revolucionárias numa
época determinada pressupõe já a existência de uma classe revolucionária” (Marx
e Engels. Feuerbach, cit., p.68).
37 Segundo Marx, “... relações de produção novas
e superiores nunca se instalam antes que as condições de existência materiais
das mesmas tenham sido geradas no próprio seio da velha sociedade” (Marx.
Contribuição, cit., p.25, itálicos acrescentados).
38 Marx estabelece um princípio crucial: antes
que a revolução política seja possível, as forças produtivas devem
desenvolver-se plenamente até o limite do modo de produção. Uma formação social
nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é
capaz de conter (...)” (Marx. Contribuição, cit., p.25).
39 Balibar, op. cit. Isso pode ser ilustrado pelo
processo de surgimento de embriões da burguesia e do proletariado no interior
do modo de produção feudal, bem antes que a revolução burguesa lhe pusesse fim.
A magistral descrição, por Marx, do processo ocorrido na Inglaterra, é a base
das referências seguintes.
40 Marx. O capital, v.I, cit., cap.24..
41 A forma manufatureira dominava nos dois setores:
nas cidades, as manufaturas propriamente ditas; na agricultura, a produção de
lã de ovelha utilizando grandes contingentes de assalariados.
42 Para ilustrar a importância desse fator, sugere-
se que o leitor se coloque, mentalmente, no momento da revolução política
burguesa inglesa, na segunda metade do século XVII. Nesse momento, o auge das
forças produtivas era representado pela manufatura, umbilicalmente ligada ao
artesanato, não existindo ainda os elementos essenciais para se imaginar o que
seriam a Revolução Industrial e suas consequências, um século à frente. A
revolução política representou os interesses da burguesia manufatureira,
apoiada numa forma de produção que seria derrotada e superada pela indústria mecanizada,
o que ilusta o surgimento de novas contradições após a revolução política.
43 Karl Marx. “As lutas de classes na França de 1848
a 1850.” In: Karl
Marx e Friedrich Engels. Obras escolhidas. v.1. São Paulo:
Alfa-Omega, s. d., p.93-198.
44 “Segundo a nossa concepção, portanto, todas as
colisões da história têm a sua origem na contradição entre as forças produtivas
e a forma de intercâmbio. Não é necessário, aliás, que esta contradição, para
provocar colisões em um país, seja levada ao ponto máximo de intensidade no
próprio país. A concorrência, provocada por um comércio internacional
ampliado com países industrialmente mais desenvolvidos, é suficiente para
produzir uma contradição idêntica também nos países com indústria menos
desenvolvida” (Marx und Engels. Die Deutsche Ideologie, cit., p.73,
itálicos acrescentados).
45 Esse é exemplo prático setorial da coerência da
relação FP/RP: a instituição imediata da forma coletiva da propriedade, isto é,
de relações de produção socialistas, foi impossível devido ao baixo nível de desenvolvimento
das forças produtivas na agricultura russa.
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