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Para Lênin a desigualdade do desenvolvimento econômico é inerente ao capitalismo. Apesar dele se referir à possibilidade do triunfo socialista em um só país, suas palavras cabem muito bem quando o assunto é a questão racial, porém, nesse caso, quem tematizou essa demanda étnicorracial foi Josef Stalin, um dos mais próximos colaboradores de Lênin. Ou seja, a desigualdade racial está intrinsecamente ligada ao sistema capitalista1. Tal preocupação foi constante na vida de Stalin, como militante e como dirigente do PCUS(Partido Comunista da União Soviética), em que buscou tratar disso recordando, também, o seu passado, cujo avô Dzhugasvili, era judeu. Em O Marxismo e a Questão Nacional, de 1912, ele aponta o perigo do multiculturalismo dentro do Partido e afirma a necessidade da unidade entre as várias nacionalidades, que deveriam se organizar num partido forte e centralizado2, sem abrir mão da autodeterminação.
“O direito à autodeterminação é o direito, não da burguesia, mas das massas trabalhadoras de uma nação dada. O princípio da autodeterminação deve ser utilizado como um meio de luta para o socialismo. Deve ser subordinado aos princípios do socialismo” Stalin3.
Ele afirmara isso porque sempre foi um exímio conhecedor das lutas do povo, pois esteve entre elas nos vários momentos de sua vida, como agitprop - agitador e propagandista-, na função de editor de jornais e nas atividades clandestinas onde teve agudo contato com as minorias étnicas do interior da Rússia (curdos, judeus, ciganos, turcos, persas, entre outras4). Stalin entendia como poucos a realidade e o sofrimento dessas minorias, o que tornou-se fundamental para a consolidação da URSS, pós-1917. Com a vitória dos bolcheviques, a Rússia passa a primeiro país socialista da história, em 1917, e Stalin é eleito Comissário das Nacionalidades, órgão responsável pela questão racial-nacional, no qual em 2 de novembro deste ano edita A Declaração dos Povos da Rússia com as seguintes diretrizes5.
*abolição do jugo nacional
*igualdade de direitos entre as nacionalidades
*autodeterminação
*fim dos “progroms”
*exaltação da amizade e fraternidade
*abolição dos privilégios nacionais
*abolição das restrições religioso-nacionais
*liberdade das minorias étnicas
Esta declaração, além de defender a autonomia das repúblicas socialistas, reconhecia o direito à autodeterminação e, inclusive, até de elas virem a se separar da Rússia, onde o governo comunista tinha acabado de chegar ao poder, colocava fim à violência de uns grupos contra outros e conclamava o povo à fraternidade. Mas o principal significado da declaração A Todos os Povos da Rússia é que, na prática, o poder soviético dava autonomia para a formação de Estados independentes, respeitando a soberania e o livre desenvolvimento das crenças e costumes étnicos, com garantia tanto da liberdade religiosa quanto à inviolabilidade desses valores. O Conselho dos Comissários do Povo ratificou os princípios desta declaração e os defendeu com fervor revolucionário nos seus órgãos, os Sovietes de Deputados Operários, Camponeses e Soldados. Na proclamação A Todos os Trabalhadores Mulçumanos da Rússia e do Oriente, documento publicado em 22 de novembro de 1917, o governo bolchevique se dirigiu à comunidade mulçumana6 convocando-a para uma política internacionalista libertadora, incentivando sua formação e o respeito às instituições mulçumanas no território russo. Esta atitude era uma luta contra o nacionalismo de cunho burguês, que no fundo, agia em oposição à jovem nação socialista. O Comissariado das Nacionalidades, a cargo de Stalin, fundou as Repúblicas de Tártaro-Barquíria, Casaquestão e Turquestão, ambas autônomas do Estado Soviético, fruto da nova política externa adotada por Lênin.
Já em 19 de novembro de 1917, o alvo da ação política dos comunistas era acabar com os resquícios machistas que humilhavam as mulheres. Nesta data publica-se o decreto Sobre o Matrimônio Civil, os Filhos e a Implantação do Registro Civil em que proclama-se a igualdade de direitos entre homens e mulheres, pois, antes da Revolução de Outubro, a mulher sofria uma dupla escravização, por causa da exploração capitalista e por ser considerada inferior ao sexo masculino naquela época. Usando esta prerrogativa milhares de meninas foram estupradas, surradas e maltratadas. O decreto comunista pôs fim a isso e ainda reconhecia como legítimos os matrimônios civis, dava os mesmos direitos aos filhos nascidos fora do matrimônio e o casamento religioso passou a ser uma opção de cada família, portanto, sem caráter oficial. Para formar o novo cidadão russo com base nesses valores humanistas e socialistas, o governo criou o Decreto Sobre a Imprensa, em que lançou a campanha maciça contra o analfabetismo, encarregou-se da ajuda alimentar e do vestuário dos estudantes, bem como incentivou a instrução pública, técnico, política e obrigatória para todos. Como meta de acabar com o analfabetismo, também elevou os clássicos russos como patrimônio exclusivo do Estado e construiu a Academia Socialista de Ciências Sociais, preservando a liberdade de imprensa no país. No ano de 1921, Stalin discursou no X Congresso do Partido Comunista da Rússia propondo no documento Sobre as Tarefas Atuais do Partido no Problema Nacional, a formação da URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Conforme o espírito democrático desse líder os países que aderissem à URSS poderiam se separar depois, caso quisessem e não perderiam a autonomia. Como garantia desta proposta haveria rodízio no presidium da URSS entre ucranianos, russos e georgianos. A tese de Josef Stalin foi recebida calorosamente pelos congressistas, sendo aprovada a 30 de dezembro de 1922, durante o I Congresso dos Sovietes da URSS.
O tema racial volta a ser objeto dos debates, em 1936, com a promulgação da Constituição Soviética sanciona-se legislativamente o que já havia se tornado fato: as conquistas sociais do povo na luta pelo socialismo. Nela ratificam-se a independência das nacionalidades, das etnias e o caráter multi-nações da URSS. Nada menos do que 50 milhões de trabalhadores participaram desses debates através de assembleias, reuniões e sovietes; recorde que nenhum outro país fez. Mas o orgulho maior do povo russo ficou por conta das reconstruções das velhas cidades e da periferia que ganharam novas, cômodas e alegres moradias e construíram-se novos bairros de residências nos centros operários de Cheliabinsk, Gorki, Karkov e Novosibirsk. Moscou ganhou seu rápido e barato metro. Ainda em 1936 Stalin foi a primeira liderança mundial a condenar a invasão da Abissínia, hoje Etiópia, pelas tropas fascistas italianas7. Durante a década de 1930, Stalin adotou as cotas para os batrak ( assalariados agrícolas) e os bedniak (camponeses pobres). Estes tinham preferência para receber alimentação, educação (nas escolas de liquidação do analfabetismo), para participar dos programas sociais do governo e no momento de receber incentivos técnico-agrícolas, como aquisição de máquinas e tratores (BETTANIN,198,p.95).
Em 1943 o desejo de Hitler de aniquilar “toda a população judia sem exceção“ foi frustrado por Stalin nos confrontos militares de Petrogrado. Em 1948 Stalin apoia a criação do Estado de Israel e em 1955, dois anos após a morte do líder bolchevique, realiza-se a Conferência de Bandung convocando a Ásia-África a lutar contra o colonialismo e a discriminação racial8, com eco na III Internacional Comunista, cuja repercussão do pensamento de Stalin chegava ao Partido Comunista dos Estados Unidos.Para Cannon9, militante trotskista e membro do Socialist Workers Party - SWP-,
“a nova política sobre a questão negra, aprendida dos russos durante os primeiros dez anos do comunismo norte-americano, deu ao Partido Comunista a capacidade de avançar a causa do povo negro nos anos 30; e de estender sua própria influência entre os negros em uma escala da qual nenhum movimento radical tinha-se aproximado até então. Estes são os fatos históricos, não somente da história do comunismo norte-americano, mas também da história da luta pela emancipação dos negros.”(CANNON,1959)
Lá o movimento pelos Direitos Civis teve sua maior agitação, graças justamente a essa influência vinda da URSS. Esta hegemonia russa dentro do Partido atingiu toda uma expressiva geração de líderes negros dos Estados Unidos, como Malcom10 X e Martin Luther King11. Do outro lado do mundo, no continente africano, a linha política russa foi responsável pelas vitórias contra o colonialismo e o racismo. Estavam sob esta direção a maioria das lideranças negras dos anos 1950 e 1960, como Nelson Mandela, que foi dirigente do Partido Comunista da África do Sul, Agostinho Neto (Angola), Amílcar Cabral (Guiné-Bissau), Samora Machel (Moçambique), Léopold Senghor (Senegal) Sam Mujoma (Namíbia), Patrice Lumumba ( Congo) e os mais de 60 mil comunistas que se engajaram na luta anti-racista para defender a Mãe-África.
Mas, para os socialistas, a igualdade racial se direciona, especificamente, aos negros, índios e demais grupos étnicos enquanto parcela do proletariado e porque são estas as maiores vítimas do capitalismo, para elevar suas consciências no sentido de engajá-las no projeto de construção da sociedade que não tenha nenhum tipo de preconceito contra eles próprios e nem mesmo contra outro segmento qualquer, a sociedade socialista.
Notas:
1-LENIN, Vladimir.Obras Escolhidas.Lisboa:Avante,1978.
2-MARTES,Ludo.Stalin:um novo olhar.Rio de Janeiro:Revan,2003.p.37.
3-STALIN,Joseph. O Marxismo e o Problema Nacional.São Paulo:Livraria Ciências Humanas,1979.
4-op.cit.
5-KIM M.P. et al.História da URSS:época do socialismo(1917-1957).São Paulo:Grijaldo,1960.p.89.
6-ibidem
7-MARTES,op.cit.
8-KIM.op.cit.p.607.
9-CANNON,James P.A Revolução Russa e o Movimento Negro Norte-Americano.International Socialist Review.Disponível em:< http://www.marxists.org/portugues/cannon/1959/05/08.htm>.Acesso em 17/03/2012.
10-CALLINICOS,Alex.Race And Class.Londres:Boomarks,1995.Disponível em:
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