China e EUA disputarão Ásia. Europa seguirá em crise. Obama pode encerrar bloqueio de Cuba. Israel tentará bombardear Irã
Depois de termos sobrevivido ao anunciado fim do mundo,
resta-nos agora tratar de prever nosso futuro imediato. Com raciocínios
prudentes, porém mais cartesianos; baseando-nos nos princípios da
geopolítica, uma disciplina que permite compreender o jogo geral das
potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar, como
nos tabuleiros de xadrez, os movimentos de cada adversário potencial.
Se contemplarmos, nestes início de ano, um mapa do
planeta, imediatamente observaremos vários pontos com luzes vermelhas
acesas. Quatro deles apresentam altos níveis de perigo: Europa, América
Latina, Oriente Médio e Ásia.
Na União Europeia (UE), 2013 será o pior ano desde que
começou a crise. A “austeridade” como crença única e os ataques ao
Estado de bem-estar social continuarão, porque assim exige a Alemanha
que, pela primeira vez na História, domina a Europa e a dirige com mão
de ferro. Berlim não aceitará nenhuma mudança até as eleições do próximo
22 de setembro, em que a chanceler Angela Merkel poderia obter um
terceiro mandato.
Na Espanha, as tensões políticas aumentarão na medida em que a Generalitat de Catalunya
comece a tornar precisos os termos da consulta aos cidadãos sobre o
futuro desta comunidade autônoma. Processo que os nacionalistas bascos
seguirão com o maior interesse. A situação da economia, já péssima,
dependerá do que ocorrer… na Itália, nas próximas eleições (em 24 de
fevereiro). E das reações dos mercados, diante ou de uma eventual
vitória dos amigos do conservador Mario Monti (que conta com o apoio de
Berlim e do Vaticano), ou do candidato de centro-esquerda, Pier Luigi
Bersani, melhor colocado nas pesquisas.
Também dependerá das condições (sem dúvida brutais) que
Bruxelas exigirá, para o resgate que o primeiro-ministro espanhol,
Mariano Rajoy, acabará pedindo. Sem falar dos protestos, que continuam
espalhando-se como rastro de gasolina – e acabarão por se encontrar com
algum fósforo aceso… Podem ocorrer explosões em qualquer uma das
sociedades do sul europeu (Grécia, Portugal, Itália, Espanha),
exasperadas pelos cortes sociais permanentes. A UE não sairá do túnel em
2013, e tudo pode piorar se, além disso, os mercados decidirem
voltar-se (como os neoliberais os incitam a fazer) (1) contra a França,
do moderadíssimo socialista François Hollande.
Na América Latina, 2013 também estará cheio de desafios.
Em primeiro lugar, na Venezuela, que desde 1999 desempenha um papel
importante nas mudanças progressistas em toda a região. A recaída
imprevista do presidente Hugo Chávez – reeleito em 7 de outubro último –
cria incertezas. Embora o dirigente esteja se restabelecendo de sua
nova operação contra o câncer, não se podem descartar novas eleições
presidenciais em fevereiro. Designado por Chávez, o candidato da
revolução bolivariana seria o atual vice-presidente Nicolás Maduro, um
líder muito sólido, com qualidades humanas e políticas para se impor.
Também haverá eleições, dia 17 de fevereiro, no Equador.
Quase ninguém duvida da reeleição do presidente Rafael Correa, outro
dirigente latino-americano fundamental. Honduras (onde, em junho de
2009, um golpe derrubou Manuel Zelaya) viverá importante pleito. O atual
presidente, Porfirio Lobo, não pode disputar um segundo mandato
consecutivo. E o Tribunal Eleitoral Supremo autorizou a inscrição do
partido Liberdade e Refundação (Libre), que, liderado por Zelaya,
apresenta como candidata sua esposa, Xiomara Castro. Já no Chile, que
terá eleições presidenciais em 17 de novembro, a impopularidade atual do
presidente conservador Sebastián Piñera oferece possibilidades de
vitória à socialista Michelle Bachelet.
A atenção internacional também se voltará para Cuba. Por
duas razões. Continuam em Havana as conversações entre o governo
colombiano e as FARC, para tentar acabar com o último conflito armada na
América Latina. E esperam-se decisões de Washington. Nas eleições do
último 6 de novembro, Barack Obama venceu na Flórida: obteve 75% do voto
hispânico e – muito importante – 53% do voto cubano. São resultados que
dão ao presidente, em seu último mandato, ampla margem de manobra para
avançar rumo ao fim do bloqueio econômico e comercial da ilha.
Onde nada parece avançar é, mais uma vez, o Oriente
Médio. Ali encontra-se o atual foco de perturbações no mundo. As
revoltas da “primavera árabe” conseguiram derrotar vários ditadores
locais: Bem Alí, da Tunísia; Mubarak, do Egito; Gadafi, na Líbia; Saleh,
no Yêmen. Mas as eleições livres permitiram que partidos islâmicos com
tendências reacionárias (os Irmãos Muçulmanos) conquistassem o poder.
Agora querem, como se vê no Egito, conservá-lo a todo custo. Para
consternação da população laica, que, por ter sido a primeira a se
sublevar, nega-se a aceitar esta nova forma de autoritarismo. Um cenário
idêntico está armado na Tunísia.
Depois de terem acompanhado com interesse as explosões
de liberdade na primavera de 2011 nesta região, as sociedades europeias
estão de novo desinteressando-se do que nela ocorre. Talvez por ser
muito complicado. Um exemplo: a inextricável guerra civil na Síria. Ali,
o que está claro é que as grandes potências ocidentais (Estados Unidos,
Reino Unido e França), aliadas à Arábia Saudita, Qatar e Turquia,
decidiram apoiar (com dinheiro, armas e instrutores) a insurgência
islâmica sunita. Esta continua ganhando terreno, em distintas frentes.
Quanto tempo resistirá o governo de Bashar El Assad? Sua sorte parece
lançada. A Rússia e a China, seus aliados diplomáticos, não darão sinal
verde na ONU para um ataque da OTAN, como na Líbia, em 2011. Mas tanto
Moscou quanto Beijing consideram que a situação do regime de Damasco é
militarmente irreversível, e começaram a negociar com Washington uma
saída que preserve seus interesses.
Diante do “eixo xiita” (Hezbolá libanês, Síria e Irã),
os Estados Unidos constituíram, na região, um amplo “eixo sunita” (desde
a Turquia e Arábia Saudita até o Marrocos, passando pelo Cairo, Trípoli
e Túnis). Objetivo: derrubar Bashar El Assad e despojar Teerã de seu
grande aliado regional – antes da próxima primavera. Por que? Porque em
14 de junho haverá, no Irã, eleições presidenciais (2). Nelas, Mahmud
Ahmadinejad, atual mandatário, não pode concorrer, já que a Constituição
não permite exercer mais de dois mandatos. Ou seja, durante o próximo
semestre, o Irã estará imerso em ácidas disputas eleitorais, entre os
partidários de uma linha dura diante de Washington e os que defendem a
via da negociação.
Diante desta situação iraniana de certo desgoverno,
Israel estará em ordem de marcha para um eventual ataque contra as
instalações nucleares de Teerã (3). No Estado judeu, as eleições gerais
de 22 de janeiro produzirão provavelmente a vitória da coalizão
ultraconservadora que reforçará o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu,
partidário de bombardear o Irã o quanto antes.
Este ataque não pode ser executado sem a participação
militar dos Estados Unidos. Washington irá aceitá-lo? É pouco provável.
Barack Obama, que toma passoe em 21 de janeiro, sente-se mais seguro
depois da reeleição. Sabe que a imensa maioria da opinião pública
estadunidense (4) não deseja mais guerras. O front do Afeganistão segue
aberto. O da Síria, também. Outro pode abrir-se no norte do Mali. O novo
secretário de Estado, John Kerry, terá a delicada missão de acalmar o
aliado israelense.
Enquanto isso, Obama olha para a Ásia, zona prioritária
desde que Washington decidiu a reorientação estratégica de sua política
externa. Os Estados Unidos tratam de frear, ali, a expansão da China.
Cercam-na de bases militares e apoiam-se em seus parceiros tradicionais:
Japão, Coreia do Sul e Taiwan. É significativo que a primeira viagem de
Barack Obama, depois de sua reeleição, tenha sido para a Birmânia,
Camboja e Tailândia. São três membros da Associação de Nações do Sudeste
Aiático (Asean), uma organização que reúne aliados de Washington na
região e cuja maioria dos membros tem problemas de limites marítimos com
Beijing.
A China designará Xi Jinping presidente, em março
próximo. Seus mares converteram-se nas zonas de maior potencial de
conflito armado da área Ásia-Pacífico. As tensões de Beijing com Tóquio,
a respeito da soberania das ilhas Senkaku (Diaoyú, para os chineses),
podem agravar-se depois da vitória eleitoral, em 15 de dezembro último,
do Partido Liberal-Democrata (PLD), cujo líder e novo primeiro-ministro,
Shinzo Abe, é um “falcão” nacionalista, conhecido por suas críticas à
China. Também a disputa com o Vietnã, sobre a propriedade das ilhas
Spratley, está subindo perigosamente de tom. Sobretudo, depois que as
autoridades vietnamitas colocaram oficialmente o arquipélago sob sua
soberania, em junho passado.
A China está modernizando a todo vapor sua marinha de guerra. Em 25 de setembro último, lançou seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, com
intenção de intimidar seus vizinhos. Beijing suporta cada vez menos a
presença militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre os dois gigantes,
está se instalando uma perigosa “desconfiança estratégica” (5) que, sem
dúvidas, marcará a política internacional do século XXI.
–
(1) Ler o dossiê “France and the euro. The time-bomb at the heart of Europe”, The Economist, Londres, 17 de noviembre de 2012.
(2) No Irã, o presidente não é o chefe de Estado. Este
papel é exercido pelo Guia Supremo, com mandato perpétuo, função
exercida atualmente por Ali Khamenei.
(3) Ler, em Outras Palavras, “Ignacio Ramonet vê o xadrez das ameaças ao Irã”.
(4) The New York Times, Nova York, 12 de noviembre de 2012.
(5) Ler, de Wang Jisi y Kenneth G. Lieberthal, “Adressing U.S.-China Strategic Distrust”, Brookings Institution, 30 de marzo de 2012.
Fonte: OUTRASPALAVTAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário