Por Mauro Iasi
“Quanto tempo duram as obras?
Tanto quanto ainda não estão completas.
Pois, enquanto exigem trabalho
Não entram em decadência”
B. Brecht
A
Revolução Cubana faz aniversário de 54 anos. Caso consideremos o quadro
geral dos tempos em que vivemos, já em si um grande feito, isto é, a
experiência cubana vai atravessando da metade de um século ao início do
outro com uma dignidade rara em nossa época. Por isso, parabéns aos
nossos camaradas cubanos!
No Congresso de fundação do PCC, em 1965, Fidel fazia um alerta que hoje ganha uma significância maior. Dizia o líder cubano:
“Não
é fácil, dada a complexidade dos problemas atuais e do mundo atual,
manter esta conduta, manter esse inflexível critério, manter essa
independência soberana. Mas nós havemos de mantê-la. Essa Revolução não
foi importada de parte nenhuma, é um produto autêntico do nosso país,
ninguém nos disse como a devíamos fazer e nós a fizemos. Ninguém deverá
dizer-nos como a teremos de prosseguir, e nós prosseguiremos. Aprendemos
a escrever a história continuaremos a escrevê-la. Que ninguém duvide
disso!”
Bom, o mundo
ficou ainda mais complexo e incrivelmente mais difícil. Fidel se
referia à divisão do mundo socialista e ao cisma entre URSS e China e
alertava para o fato que os problemas e os rumos da revolução cubana
deveriam ser pensados não a partir de modelos preconcebidos ou
referencias externas, por mais importantes que esses fossem. Em outra
parte de seu discurso lembrando que o marxismo é uma doutrina
revolucionária e não um dogma, dizia que “pretender encerrar o marxismo
numa espécie de catecismo é ser antimarxista”. Fundado neste
pressuposto, Fidel desenvolve seu argumento afirmando que a diversidade
das situações exigirá diferentes interpretações e aquelas que se
mostrarem corretas e forem consequentemente aplicadas é que podem se
chamar de revolucionárias.
Tal
princípio se expressa desde a definição das formas estratégicas pelas
quais se desenvolveu a luta revolucionária, a definição dos rumos
econômicos quando da liderança de Che no ministério responsável, na
política internacional e tantos outros exemplos.
Hoje
enfrentamos uma situação ainda mais adversa. O bloco socialista se
desfez, a Rússia restaurou o capitalismo num misto de monopolismo e
gangsterismo, a China o restaura buscando manter o monopólio do poder
político com o Partido Comunista ao mesmo tempo em que abre suas
fileiras aos novos milionários que brotam do desenvolvimento acelerado
da economia de mercado. Neste cenário o que vemos em Cuba tem que ser
analisado com cautela. Por um lado trata-se de dar respostas a
organização econômica que mantenha a ilha e suas estruturais
deficiências em condições de garantir a vida de seus habitantes em um
quadro em que não mais se pode contar com o bloco socialista, de outro, a
intenção expressa de manter o rumo socialista e as conquistas da
revolução nas áreas essenciais como saúde, educação, alimentação e
outras.
As recentes
mudanças anunciadas vão, aos poucos, revelando os caminhos escolhidos.
Respeitando a autonomia e independência que este povo soube com
dignidade conquistar só podemos lembrar os princípios anunciados por
Fidel: aqueles que souberem apontar alternativas coerentes e as
aplicarem de maneira consequente poderão se chamar de revolucionários,
os outros serão suplantados.
Nas
circunstâncias em que se encontram, os cubanos parecem partir da
constatação que é necessário abrir setores da economia ao mercado e
reduzir a dimensão da estrutura pública socializada, mantendo o controle
político ao reforçar as estruturas do poder popular e a capacidade de
direção do Partido. Há uma evidente aproximação da referencia chinesa,
mas há diferenças evidentes não apenas pela dimensão das economias dos
dois países, como da história política destas formações sociais tão
distintas. Esperamos, sinceramente, que os resultados sejam também
distintos.
Como estamos
iniciando um novo ano, vamos apenas desejar sucesso aos nossos
camaradas e confiar em sua determinação de manter nossas metas e
horizontes socialistas, pois eles são estratégicos no mundo que
viveremos daqui para adiante, para Cuba e para a humanidade. No mesmo
discurso Fidel afirmava: “Saberemos correr os riscos desse mundo com
dignidade e serenidade. Nossa sorte será a dos outros povos e nosso
destino será o destino do mundo”. Para o bem, ou para o mal.
Em épocas
como estas, quando exilamos em nós as certezas e convicções que o mundo
parece abandonar, abre-se a possibilidade do destino trágico, como
teorizou tão bem Lukács. Então busquemos na poesia e na arte a forma de
expressão de nossas angústias.
Aqui, mais
uma vez, recorro à Silvio Rodriguez que em uma música me lembrou: Martí
me ensinou, e creio nele a cada dia, ainda que a crua economia tenha
parido outra verdade.
Em seu mais recente álbum, Segunda Cita,
Silvio produziu um verdadeiro manifesto em uma canção especialmente
dedicado ao aniversário da Revolução Cubana (neste caso, a música foi
composta em 2008, ao 49a aniversário) que se chama Sea Señora.
Na nota explicativa que acompanha o encarte o autor aclara suas
intenções aos dizer que a canção “é um voto à evolução política em Cuba,
sem esquecer os pilares de nossa história”.
Após, nos
primeiros versos, expressar seu desejo que esta senhora que já foi
donzela, aprofunde as marcas deixadas por suas pegadas, declama:
“A desencanto, opóngase deseo.
Superen el erre de revolución.
Restauren lo decrépto que veo,
pero déjenme el brazo de Maceo
y, para conducirlo, su razón”.
Como vocês sabem, Maceo foi um dos heróis da Primeira Guerra de independência de Cuba. Mais adiante, na última estrofe, conclui:
“Las fronteiras son ansias sin coraje.
Quiero que conste de una vez aqui.
Cuando las alas se vuleven herrajes,
es hora de volver a hacer el viaje
a la semilla de José Martí”.
Bom, vamos a mais um ano. Coragem!
Mauro Iasi é
professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da
ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas),
do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB.
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