Havana (Prensa Latina) A decisão de postergar até 2013 as
negociações de paz entre o governo e a guerrilha congoleses, pôs em
destaque a complexidade do atual conflito bélico no leste da República
Democrática do Congo (RDC).
2012 terminou e com ele se marcharam as aspirações de atingir em pouco
tempo um arranjo entre as autoridades encabeçadas pelo presidente Joseph
Kabila e a liderança do Movimento 23 de Março (M23), de
ex-guerrilheiros incorporados ao exército e, posteriormente, voltados a
levantarem-se em armas por demandas de tipo castrense.
Segundo o
M23, Kinshasa não cumpriu o acordado em 2009, quando o então irregular
Congresso Nacional para a Defesa do Povo (CNDP) de tutsis congoleses se
uniu ao exército e enfrentou às Forças Democráticas de Libertação de
Ruanda (FDLR), hutus, identificadas com os bandos participantes no
genocídio ruandês de 1994.
Enquanto o conflito foi ganhando em
intensidade e os guerrilheiros em força, nos últimos meses do ano outro
assistente ao conflito, a missão da ONU no Congo (Monusco) começou a
manejar uma variante controvertida e perigosa: incrementar a cifra de
seus capacetes azuis na região leste, onde agora tem 17 mil efetivos.
As Nações Unidas -que em 1961 não evitou o assassinato do
primeiro-ministro Patrice Lumumba e em 1994 contemplou quase de longe o
genocídio de cerca de 800 mil e um milhão de ruandeses de conduta
política moderada- manifestou sua preocupação pelo conflito na rica
região oriental.
Essa decisão que poderia contaminar mais a
disputa entre Kinshasa e os guerrilheiros, ao que parece se reservou,
ainda que em dezembro não tenha sido completamente eliminada.
Em
meados de ano, helicópteros do exército nacional e da ONU atacaram
posições do M23 na província de Kivu do Norte, nas zonas de Nkokwe e
Bukima, mas isso pouco afetou o estado da contenda armada, ao menos
assim o notificou a guerrilha.
Incrementar o número de capacetes
azuis concede evidentemente maior prioridade à solução militar que à
negociação política, o que afeta à RDC, mas também tem repercussões para
seus vizinhos da região dos Grandes Lagos, principalmente nos
fronteiriços Ruanda e Uganda.
Apesar da periculosidade
subregional do dissenso, teve entendimentos para evitar que este se
eternizasse ou estendesse a zonas onde persistem problemas (étnicos,
políticos, territoriais e econômicos) sem resolver, que poderiam ser
lenha para esse fogo de graves consequências, onde simples escaramuças
militares geram milhares de refugiados.
A variável armada parece
estar excluída dos planos imediatos da zona, que já acariciou um
projeto de separação de efetivos com a colocação in situ de uma força
neutra, que evitaria as ações dos grupos guerrilheiros e protegeria a
integridade congolesa e os limites territoriais de Ruanda e Uganda.
Uganda desempenhou um papel importante como facilitador de um
intercâmbio com o governo de Kabila, quem em 2012 recebeu o apoio do
eleitorado para manter-se à frente do país, em eleições das quais saiu
fortalecido e com maior legitimidade para negociar.
Em Kampala
houve uma cúpula da Conferência Internacional dos Grandes Lagos (CIGL)
determinante para as conversas de paz, na qual teve força a iniciativa
de estabelecer a força neutra em Kivu Norte, ao que também acompanharia
uma retirada da guerrilha, antes de oficializar as práticas.
Tal
solução parece adaptar-se melhor às condições do oriente da RDC, com
sua extensa fronteira, que separa o país de Uganda, Ruanda e Burundi,
mas onde operam cerca de uma dezena de destacamentos beligerantes, além
do M23 e da Frente Democrática para a Libertação de Ruanda.
Também estão vários grupos armados locais e também forças burundesas e
ugandesas e o chamado Exército de Resistência do Senhor, liderado por
Joseph Kony, ao qual são atribuídas práticas brutais e crimes de guerra.
Neste âmbito, o aumento de efetivos estrangeiros na zona, sem outra
perspectiva que combater, aumenta a complexidade no cenário
político-militar, enquanto na ONU vários países se pronunciaram por
evitar um desastre múltiplo no leste congolês.
De fato,
recentemente os bispos do Congo Democrático reuniram-se em sessão
extraordinária para denunciar a situação existente no oriente do país,
especificamente na província de Kivu Norte, mas entre outras conclusões
sublinharam a incapacidade da Monusco frente aos grupos armados.
A instabilidade devém parte de um conveniente negócio, por aquele
preceito neoliberal de fragilizar os Estados para que estes se vejam na
necessidade de ceder até o indizível, e se não o fazem correm o risco de
sucumbir ante a pressão das potências e seus aliados. Na realidade, a
violência é um fator que mascara uma complexa rede de saque das riquezas
minerais da República Democrática do Congo (RDC), onde se acha 80 por
cento das reservas mundiais de coltán (columbio e tantalio), que depois
de seu processamento integram tecnologias civis e militares de última
geração.
O envolvimento das multinacionais na exploração das
matérias primas nesse território é considerada escandalosa, porque como
resultado dos superlucros obtidos criam uma série de misérias econômicas
e ecológicas, além de desempenhar um sinistro papel subversivo, quando
apostam por uma ou outra guerrilha.
O país provavelmente mais
rico do continente africano está imerso em um círculo de terror, que lhe
dificulta levantar a cabeça e olhar adiante, para o desenvolvimento e
para o fortalecimento de seu modelo institucional, ainda que neste ano
as eleições presidenciais tenham demonstrado para onde se dirige a
preferência da sociedade.
O Congo Democrático tratou nos
passados 12 meses de escapar das trevas de um conflito, do que o chamado
grupo de especialistas da ONU tratou de identificar a seus promotores
na subregião, mas todos recusaram qualquer vínculo, ainda que esteja
claro que sua solução tem que ser africana e respeitar a soberania
congolesa.
Apesar da tentativa de afogá-la, a RDC se aferra a
sobreviver nos Grandes Lagos, onde está chamada a ser um pilar do
equilíbrio da África central. Consegui-lo será a obra gigante de Joseph
Kabila, e que antes vislumbraram Patrice Lumumba e Laurent Desire
Kabila, marcos da história congolesa assassinados em plena construção
desse ideal
*Jornalista da Redação África e Oriente Médio da Prensa Latina |
Nenhum comentário:
Postar um comentário