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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Óleo de fracking: por que o Brasil pode e deve rejeitá-lo


131209-Fracking
Sem consulta alguma à sociedade, Agência Nacional de Petróleo quer iniciar exploração predatória e contaminante — que ameaça o Aquífero Guarani e desvaloriza riqueza do Pré-Sal

Por Maurício Thuswol, na Carta Maior

Das 72 áreas para exploração de gás natural arrematadas durante a 12ª Rodada de Licitações promovida pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) na semana passada, 54 apresentam alto potencial para a produção do chamado gás não convencional, também conhecido como gás de xisto ou, no termo em inglês, shale gas. Principal foco de interesse de um leilão que, no geral, ficou aquém das expectativas do governo brasileiro, a produção de gás de xisto, no entanto, ainda precisará vencer resistências na sociedade civil antes de se tornar uma opção energética viável no país. A produção, considerada altamente arriscada para o meio ambiente e com consequências sociais e econômicas nefastas que só agora começam a ser mensuradas em países como Estados Unidos, Argentina e França, sofre no Brasil a oposição de entidades representativas dos setores sindical, socioambiental e sanitário.
Logo após a 12ª Rodada de Licitações, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública com o objetivo de anular os efeitos do leilão. Paralelamente, organizações que já haviam tentado obter liminares na Justiça para cancelar o leilão antes que fosse realizado, como a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) , prometem ingressar com novas ações, pedindo agora que a rodada seja anulada: “Exigimos uma moratória da exploração nestas áreas arrematadas no leilão para que possa haver uma ampla discussão com a sociedade, com os ambientalistas e com os próprios moradores das áreas de exploração, que serão afetados”, diz Emanuel Cancela, que é secretário-geral da FNP e também do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro).
Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes), outra organização que pediu publicamente que o leilão para exploração de gás de xisto não se realizasse, Dante Ragazzi Pauli afirma que essa opção energética não é um fato consumado: “O leilão feito pelo governo federal é apenas uma etapa. Agora, os vencedores têm um prazo para realizar estudos mais detalhados acerca da viabilidade técnica, econômica e ambiental da exploração do gás de xisto. Nós entendemos que isso deveria ter sido feito antes do processo, para que a gente conhecesse melhor os estudos de impacto ambiental. O que temos de fazer agora, já que uma parte do processo foi vitoriosa, é ver de que forma poderemos acompanhar os estudos que devem ser feitos daqui pra frente. É importante que se dê à sociedade brasileira a chance de acompanhar”, diz.
A Abes questiona, sobretudo, o arriscado método de produção do gás de xisto, conhecido como fraturamento do solo ou, no termo em inglês, fracking: “O problema são as técnicas utilizadas para a extração do gás, é a metodologia que requer a fratura da rocha. Após explodir a rocha, é utilizada uma enorme quantidade de água com milhares de produtos químicos para liberar o gás. Não se conhece ainda ao certo o risco trazido pela injeção dessa água misturada no subsolo, o risco de se contaminar aquíferos freáticos. É isso o que a gente quer discutir, e que entende que deveria ter sido discutido antes do processo do leilão. Senão, acontece como na França: você começa, depois vê que tem impacto e proíbe. Para que isso?”, questiona Pauli.
Os métodos de extração do gás de xisto também são condenados pelos petroleiros: “A produção do gás e do petróleo de xisto é bastante perigosa, e o processo de fraturamento das rochas não é seguro. Injeta-se produtos químicos que podem contaminar os nossos rios e lagos, ameaçar a fauna e a flora. Nós temos o exemplo, na Argentina e no Texas (EUA), de mortandade de animais, de água da torneira pegando fogo”, enumera Emanuel Cancela.
Aquífero Guarani

O alerta contra o gás de xisto é dado também por ambientalistas. Ex-secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Liszt Vieira – que, como presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) durante dez anos, também foi um dos responsáveis pela execução dos compromissos ambientais assumidos internacionalmente pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff – alerta que a exploração do gás de xisto pode jogar por terra parte do prestígio acumulado pelo Brasil nos últimos anos na seara ambiental. Uma das ameaças que teria impacto internacional, ressalta Liszt, seria a contaminação do Aquífero Guarani, já que 16 áreas arrematadas para exploração de gás de xisto estão situadas na Bacia do Paraná, exatamente em cima do aquífero.
“A contaminação do Aquífero Guarani, considerado o maior do mundo, é um risco concreto, e seria sem dúvida uma catástrofe ecológica de impacto internacional. A ANP autorizou o fraturamento do Folhelho Irati, no Paraná, mas essa rocha está situada a apenas centenas de metros abaixo do aquífero. Nós sabemos que pelo menos metade da água injetada no subsolo a grande pressão acaba retornando à superfície, carregada de metais pesados e centenas de aditivos químicos. Trata-se de um desastre anunciado”, diz Liszt, lembrando ainda que “o Brasil é signatário de protocolos internacionais que exigem a adoção do princípio da precaução”.
Pré-sal

Os críticos ao início da produção de gás de xisto no Brasil afirmam ainda que essa opção é um “tiro no pé” da economia brasileira, já que, em médio prazo, tende a fazer baixar o preço do petróleo e, conseqüentemente, diminuir o valor econômico das reservas de óleo e gás brasileiras situadas no pré-sal: “A regra no mundo é que só utiliza essa produção quem não tem petróleo, o que não é o caso do Brasil. Nós temos imensas reservas de petróleo, inclusive do pré-sal. Então, achamos que será precipitado, além de não favorecer ao nosso povo, se começarmos a produzir petróleo e gás de xisto”, diz Cancela.
Para o secretário-geral da FNP, o governo brasileiro cede a pressões externas pelo aumento da produção de gás de xisto: “A presidente Dilma e a ANP estão na contramão da história da geopolítica de petróleo. Estão simplesmente cedendo à pressão, principalmente dos Estados Unidos e da China, que têm interesse em implementar a produção de gás de xisto para baratear o custo do petróleo. Se o preço cair, isso vai nos prejudicar”.
Apesar das preocupações com um eventual prejuízo econômico ao pré-sal, caberá à Petrobras o controle do processo nesse início de exploração de gás de xisto no Brasil. Do total de 72 blocos negociados, a estatal brasileira arrematou, sozinha ou em parceria, 49 blocos. O total de áreas de exploração arrematadas representa apenas 30% dos 240 blocos, espalhados por sete bacias, que foram a leilão durante a 12ª Rodada de Licitações promovida pela ANP. Surpreendentemente, não houve nenhuma oferta para os 32 blocos ofertados na Bacia do São Francisco (espalhados por Minas Gerais, Goiás, Bahia e Tocantins) ou para os 14 blocos da Bacia do Parecis (localizadas em Mato Grosso e Rondônia): “O resultado foi dentro do esperado. Estamos abrindo no Paraná uma nova fronteira para a exploração de gás no Brasil”, resume a diretora-geral da ANP, Magda Chambriard.

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