A imagem que vai em anexo a este curto texto, ou
melhor dizendo, a este breve lamento, é sintomática do tipo de
organização ou movimento – porque nem todos, de fato, se “organizam”
politicamente e parecem desejar continuar assim – que, no Brasil,
atribui a si próprio anseios ou faculdades revolucionárias.
A proposta do “yoga revolucionário” é, no mínimo, curiosíssima.
Que prática do yoga seria essa capaz de transformar a
sociedade, abalando os alicerces da ordem burguesa, promovendo a
reforma agrária, redistribuindo a renda e a riqueza e por aí vai?
Sem que, evidentemente, para isso, tenha que confrontar ninguém.
Com certeza não se pode deixar de atribuir a seus
proponentes uma confiança fantástica nas capacidades transformadoras e
nos poderes da mente.
Está também assegurada a participação de
performáticos artistas, que quem sabe poderão encontrar seus espaços, ou
talvez até seus nichos de mercado, entre os revolucionários ocupantes
da Câmara…
É claro que estamos, com as provocações acima, propositalmente, cometendo um ato de flagrante e injusto reducionismo.
Movimentos como o “Ocupa Câmara” não se limitam,
absolutamente, a apenas a isso, e tem sua importância e validade no
mínimo como demonstrativo de quem nem toda a juventude está apática e
também, para exercer clara pressão sobre os digníssimos “representantes
populares” que, por mandato eletivo, lá se encontram.
Embora, é claro, os movimentos Ocupa jamais serão
capazes de substituir o peso da maciça presença da população que,
lamentavelmente, não vem se verificando mais nas manifestações.
Todavia, o destaque específico daqueles pontos sui generis
no meio da programação do “Ocupa Câmara” tem como objetivo, apenas,
ressaltar certos aspectos que ficam absolutamente evidenciados a partir
desse tipo proposta. Um tipo de posicionamento que expõe traços muito
claros dessa “esquerda” existente no Brasil que, afirmando-se
politicamente revolucionária, não consegue ser mais do que
multiculturalista.
Uma “esquerda revolucionária” sem foco, sem objetivos políticos efetivamente revolucionários muito bem definidos, se é que os definiu em algum momento.
Que dirá praticante de estratégias políticas objetivas, pragmáticas, para alcançá-los.
Uma “esquerda revolucionária” festeira, afeita às
grandes celebrações culturais – fato positivo, embora em nada
surpreendente -, mas que se mostra politicamente inócua, pois carece de
objetivos claros e de estratégia minimamente eficiente.
Uma “esquerda revolucionária” que anda pouco ambiciosa, mais restrita às “pequenas revoluções”.
Por exemplo, contra o sexismo e contra a homofobia,
questões, sem dúvida, relevantes, importantes, fundamentais, porém não
substitutivas de uma luta efetiva contra uma ordem liberal burguesa que,
organizada como ela só, ainda transforma demandas e símbolos feministas
e homossexuais, entre muitos outros, em interessantíssimas fontes de
lucro.
Pode-se também argumentar que é uma “esquerda”, além
disso, diminuta em termos de adesão popular, pequenez essa que pode ser,
ela própria, efeito, e não causa, da sua falta de preparo.
Vale lembrarmos, por outro lado – fora o simbolismo
de ocupar uma Câmara legislativa, demonstrando que nem todos estão
totalmente dominados pela apatia: o que há de revolucionário em exigir
dos mandatários dos cargos eletivos que cumpram com seus deveres legais?
Nada, absolutamente nada.
E isso demonstra que, apesar de todos os pesares,
apesar de todos os abusos, ainda temos uma população, incluindo os que
se dizem “revolucionários”, legitimando esses poderes que aí estão
constituídos, que de alguma forma ainda deles espera alguma coisa, que
neles ainda confia o suficiente para deles exigir
soluções. ”Revolucionários”, enfim, que talvez não se sintam capazes, ou
nem sequer tenham contemplado a hipótese de se transformarem, eles
mesmos, no poder constituído.
O “yoga revolucionário”, por curioso que o termo
seja, expõe inequivocamente o ideal dessa “esquerda revolucionária”,
multiculturalista, talvez realmente muito bem intencionada mas, acima de
tudo, pacifista, e que por isso se mostra incapaz, por princípios, de
admitir que não há nem pode haver ação revolucionária eficaz que
despreze o uso, mais ou menos explícito e indiscriminado, da violência.
Violência que é, goste-se ou não disso, o fator de
decisão de última instância da política. E cujo uso não estamos
defendendo nem propagando, mas apenas, constatando sua natureza
essencial nas relações políticas, tema por nós já amplamente tratado em outros textos por aqui.
Que essa “esquerda” se julgue, sem nenhum problema e
ao seu bel prazer, de esquerda, mas que, em nome da coerência, descarte o
“revolucionária” e encontre um outro qualificativo para acompanhar o
primeiro termo. “Esquerda eleitoral”, “esquerda cultural”, “esquerda
pacifista”, e por aí vai. Ou tudo isso junto. Ou como é típico dos
ideais da pós-modernidade que permeiam seus integrantes: uma esquerda
“que não precisa se definir”, porque afinal definições são
discriminativas, limitadoras e excludentes.
O que seja.
Pelo menos, assim agindo, essa “esquerda” desfaz a
confusão de atribuir revolucionarismo a grupos efetivamente incapazes
disso, por princípios e por falta de meios, abrindo com isso, quem sabe,
as portas para o surgimento de uma outra esquerda que, de fato, possa e
queira assumir esse papel.
Pois uma “esquerda revolucionária” dessas, cujas
únicas armas que se sente capaz de empunhar sejam o poder transformador
do yoga e das artes é, sem dúvidas, aquela esquerda que e a ordem
liberal burguesa e a direita sempre pediram a Deus.
Daniel Kosinski
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