Chris Nineham, Counterfire, Stop the War Coalition (UK)
http://www.counterfire.org/index.php/articles/analysis/16839-nato-and-the-decline-of-us-imperial-power
Políticos britânicos estão celebrando o anúncio de que a conferência da OTAN de 2014 acontecerá em South Wales. Sem nenhum pudor ou ironia, dizem que a conferência estimulará o turismo e os empregos, além da chance de divulgar o país.
Antes das platitudes e das celebrações, deveriam considerar exatamente que tipo de organização será hospedada no ‘resort’ e clube de golfe de Celtic Manor, perto de Newport, em setembro de 2014.
Nesse momento, a OTAN tenta lidar com uma crise de dupla identidade, porque seu princípio básico sempre foi assegurar que os EUA continuassem a controlar a política externa europeia, para mais facilmente projetar o poder mortífero dos EUA na região.
A OTAN foi criada em 1949, no início da Guerra Fria. À primeira vista, foi um pacto de mútua defesa que uniu os EUA e a Europa Ocidental, contra a ameaça de uma invasão soviética. A realidade sempre foi bem diferente.
Em primeiro lugar, foi parte de uma estratégia mais ampla para cercar, intimidar e ‘conter’ a URSS, para levá-la à ruína. A corrida nuclear que a OTAN ajudou a montar e operar impôs tal pressão contra o estado soviético, que acelerou o colapso, no início dos anos 1990s.[1]
Segundo, unir militarmente os países ocidentais sob controle dos EUA, assegurou o domínio dos EUA sobre a Europa. Amarrou os europeus no apoio a uma política externa pós-2ª Guerra Mundial que se apresentava como pró-democracia e anticolonialista, mas, de fato, era uma política letalmente agressiva.
Até o ano 2000, os EUA bombardearam pelo menos 27 países, assassinaram ou tentaram assassinar governantes do Terceiro Mundo e tentaram derrubar 40 governos.
Esses esforços incluíram guerras abertas na Coreia de 1950-3, no Vietnã e depois no Cambodia de meados dos anos 1960s até 1973 e uma das campanhas mais prolongadas de bombardeio aéreo sustentado de toda a história do mundo, pela própria OTAN, contra a Sérvia, em 1999.
Terceiro, a OTAN coordenou operações secretas de forças especiais por toda a Europa para subverter a esquerda e preparar ações contra qualquer possível governo de esquerda que aparecesse. A “Operação Gladio” na Itália, a mais afamada dessas redes comandadas pela OTAN, foi exposta em 1990. Essa operação Gladio parece ter tido papel importante na destruição da esquerda italiana nos anos 1970s e 80s, mas depois se soube que operações semelhantes foram também montadas na Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Espanha e Turquia.
A destruição dos satélites soviéticos e, na sequência, da própria União Soviética em 1989 foi momento agridoce para a inflada burocracia da OTAN: por um lado, marcou seu triunfo sobre o principal inimigo; por outro lado gerou problemas existenciais. A OTAN ficou em perigo de tornar-se vítima da própria propaganda. Durante décadas, o ‘Bloco Comunista’ havia sido pintado como a maior ameaça à paz e ao mundo livre. Sem ele, surgia a ameaça de já não ser necessária qualquer liderança militar norte-americana na Europa, nem a gigantesca produção de armas e exércitos que a OTAN estimulara na Europa nas décadas que se seguiram à guerra.
O fato de a OTAN ter-se mantido – de fato, até cresceu – no mundo pós-Guerra Fria provou que jamais se tratara exclusivamente de ‘conter’ a URSS. David Rothkopf, um dos arquitetos de uma nova política para a OTAN no governo do presidente Clinton, explicou a verdadeira dinâmica por trás do intervencionismo norte-americano pós-guerra: “A Pax Americana veio com um preço implícito a ser pago pelas nações que aceitaram o guarda-chuva de segurança dos EUA. Se um país dependia dos EUA para proteger sua segurança, tinha de aceitar os EUA nas questões do comércio em geral.”[2]
A rápida expansão da OTAN para a Europa Oriental depois do colapso da União Soviética confirmou que a OTAN era elemento chave do projeto imperial dos EUA. Em parte, foi concebida para garantir que os estados soviéticos olhassem para o oeste, à procura de ajuda, de mercados e de investimentos. Mas foi meio também para bloquear preventivamente qualquer possível aliança entre as potências da Europa Ocidental e a Rússia, que se debatiam no vendaval do ‘livre mercado’. A ampliação da OTAN para a Polônia, a República Tcheca e a Hungria deu aos EUA o papel de leão-de-chácara entre Rússia e Alemanha. Como se lê num documento de planejamento do Departamento de Defesa de 1992, “nosso primeiro objetivo e impedir a emergência de um novo rival”.
Em termos mais amplos, a OTAN foi a principal plataforma nos planos dos EUA para reorganizar a economia mundial – para abrir o mundo inteiro para as empresas norte-americanas e para atá-las, o mais possível, politicamente. O slogan da OTAN era ‘fora da área, fora dos negócios’.
Na ausência da ameaça comunista, os EUA tiveram de arrastar os europeus para guerras de agressão, para aumentar o poder de fogo dos europeus e manter a liderança da Aliança Ocidental. Não é surpresa, pois, que a OTAN tenha feito suas primeiras guerras nos Bálcãs nos anos 1990s, primeiro contra os sérvios na Bósnia, depois na campanha ainda mais mortífera contra os sérvios na guerra do Kosovo de 1999. Nesse momento, inauguraram-se também novos discursos: as guerras ocidentais passaram a ser apresentadas como “intervenções humanitárias”.
O 11/9 inaugurou um período de unilateralismo norte-americano. Em parte, os ataques às torres gêmeas e ao Pentágono davam aos falcões de Washington a chance de irem à guerra sozinhos. Em parte também, várias potências da OTAN sentiam-se mal ante um ataque ao Iraque. Mas logo se achou nova utilidade para a OTAN, quando a pequena coalizão ‘de vontades’ começou a dar-se muito mal no Iraque. Em 2006, a OTAN assumiu o controle conjunto das operações na desastrada ocupação do Afeganistão, e assim assumiu o papel central na mais longa aventura colonial do planeta, desde a grande onda de descolonização que começara no final da 2ªGuerra Mundial.
Serviu também como guarda-chuva-comando para a Operação “Protetor Unificado” –a campanha de bombardeamento da Líbia, em 2011. A ideia ‘unificante’ era falsa, e a campanha logo se viu minada por ações de França, Alemanha, Grã-Bretanha e EUA, todos tentando maximizar suas ‘taxas’ de bombardeamento, aspirando a –como supunham que conseguiriam – aumentar a capacidade de influir na Líbia pós-Gaddafi. Essa disputa feroz levou à morte de dezenas de milhares de líbios e à total destruição do estado líbio.
As derrotas ocidentais no Iraque e no Afeganistão, combinadas ao humilhante fracasso de Obama, Cameron e Hollande, que não conseguiram consumar uma nova intervenção ocidental na Síria criaram novas e mais graves dúvidas sobre o papel da OTAN, o que só faz aumentar a incerteza nos estertores da Guerra Fria. Especialistas norte-americanos reclamam que os gastos militares europeus são hoje 20% do orçamento da OTAN; e eram 40% em 1980. Muitos estão indignados com o crescimento do antimilitarismo na Europa. Robert Kaplan reclama que “os europeus tendem a ver suas forças armadas como funcionários públicos metidos em uniformes ridículos. A ideia de que os militares existam para defender suas liberdades democráticas soa como piada aos ouvidos europeus”.
São dúvidas que os beligerantes intelectuais de Washington muito se dedicam a dissipar, porque os EUA ainda precisam da OTAN. O próprio Kaplan insiste que “a OTAN é a hegemonia norte-americana no varejo”. A OTAN ajuda a manter a coerência na Europa, sob controle dos EUA. Diminui o risco de a Alemanha ‘pivotear-se’rumo a uma aliança com a Rússia; e fornece um quadro organizacional para o projeto de encurralar a riqueza mineral recentemente descoberta no continente africano. Mais importante que isso, os EUA emergiram da euforia do momento unipolar tomados de terrível ressaca. Acordaram, dia seguinte, numa nova ordem mundial de competição intensa.
Uma Rússia reenergizada cuida de reafirmar sua influência na Ásia Central, na Europa Oriental e no Oriente Médio. Mas, muito pior que isso: a China ameaça ultrapassar economicamente os EUA em poucas décadas e está construindo a própria influência política em todo o planeta. Nesse novo ambiente apavorante, a OTAN será instrumento essencial para promover o poder dos EUA. Logo se ouvirão, cada vez mais veementes, exigências de que a Europa aumente o gasto para compra de armas, para lidar com a África e o Oriente Médio – enquanto os EUA ‘pivoteiam-se’ rumo ao leste. O ataque à Líbia e a loucura de Cameron e Hollande no esforço para fazer guerra à Síria sugerem que várias capitais ocidentais logo verão tudo isso não como ônus, mas como oportunidade para reviver gloriosas tradições colonialistas.
O pior cenário possível é que a OTAN seja usada para arrastar países europeus para guerras contra as novas forças que emergem para confrontar os EUA.
O principal objetivo estratégico de nosso grupo “Stop the War Coalition” [lit. “Parar a Coalizão de Guerra”, com sede na Grã-Bretanha] (http://www.stopwar.org.uk/) é quebrar o vínculo entre a política externa britânica e o “Projeto para o Novo Século Americano”. Para tanto, é crucialmente importante quebrar, antes, o vínculo entre a Grã-Bretanha e a OTAN.
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