PRIMEIRA LEI: A MUDANÇA DIALÉTICA
I. — O
que se entende pelo movimento dialético.
II. —
<<Para a dialética, não existe nada de definitivo, de absoluto, de
sagrado...» (ENGELS)
III. — O
processo.
I. — O que se entende
pelo movimento dialético.
A
primeira lei da dialética começa por constatar que «nada fica onde está, nada
permanece o que é». Quem diz dialética diz movimento, mudança. Por conseguinte,
quando se fala de se colocar no ponto de vista da dialética, isso quer dizer
colocar-se no do movimento, da mudança: quando quisermos estudar as coisas
segundo a dialética, estudá-las-emos nos seus movimentos, na sua mudança.
Eis uma
maçã. Temos duas maneiras de a estudar: por um lado, do ponto de vista
metafísico, por outro, do dialético.
No
primeiro caso, daremos uma descrição desse fruto, a sua forma, a sua cor.
Enumeraremos as suas propriedades, falaremos do seu gosto, etc.... Depois,
poderemos comparar a maçã com uma pera, ver as semelhanças, as diferenças e, enfim,
concluir: uma maçã é uma maçã, e uma pera é uma pera. Era assim que se
estudavam as coisas outrora, numerosos livros testemunham-no.
Se
queremos estudar a maçã do ponto de vista dialético, colocar-nos-emos no do
movimento; não do movimento da maçã quando rola e se desloca, mas do da sua evolução. Então, constataremos que a
maçã madura não foi sempre o que é. Primeiramente, era uma maçã verde. Antes de
ser uma flor, era um botão; e, assim, chegaremos até ao estado da macieira na
primavera. A maçã não foi, pois, sempre uma maçã, tem uma história; e, de fato,
não permanecerá o que é. Se cai, apodrecerá, decompor-se-á, libertará as
sementes, que darão, se tudo correr bem, um rebento, depois uma árvore.
Portanto, a maçã não foi e também não ficará sempre o que é.
Eis o que
se chama estudar as coisas do ponto de vista do movimento. É o estudo do ponto
de vista do passado e do futuro. Ao estudar assim, já não se vê a maçã presente
senão como uma transição entre o que era, o passado, e o que se tomará, o futuro.
Para
situar bem esta maneira de ver as coisas, vamos, ainda, tomar dois exemplos: a
terra e a sociedade.
Colocando-nos
no ponto de vista metafísico, descreveremos a forma da terra em todos os seus
detalhes.
Constataremos
que, na sua superfície, há mares, terras, montanhas; estudaremos a natureza do
solo. Depois, poderemos comparar a terra aos outros planetas ou à lua, e
concluiremos, enfim: a terra é a terra.
Enquanto
que ao estudar a história da terra do ponto de vista dialético, veremos que não
foi sempre o que é, sofreu transformações e, por conseguinte, sofrerá, no
futuro, de novo, outras mais. Devemos, portanto, considerar hoje que o estado
atual da terra é apenas uma transição entre as mudanças passadas e as futuras.
Transição
na qual as mudanças que se efetuam são imperceptíveis, embora sejam a uma
escala muito maior do que as que se efetuam na maturação da maçã.
Vejamos,
agora, o exemplo da sociedade, que nos
interessa particularmente. Apliquemos sempre os dois métodos: do ponto
de vista metafísico, dir-nos-ão que houve sempre ricos e pobres. Constataremos
que há grandes bancos, fábricas enormes. Dar-nos-ão uma descrição detalhada da
sociedade capitalista, que compararemos com as sociedades passadas (feudal,
escravagista), procurando as
semelhanças
ou as diferenças, e diremos: a sociedade capitalista é o que é.
Do ponto
de vista dialético, aprenderemos que a sociedade capitalista não foi sempre o
que é. Se constatarmos que, no passado, outras sociedades viveram um certo
tempo, será para deduzir que a capitalista, como todas as outras, não é
definitiva, não tem base intangível, mas, pelo contrário, é para nós apenas uma
realidade provisória, uma transição entre o passado e o futuro.
Vemos,
por alguns destes exemplos, que considerar as coisas do ponto de vista
dialético é considerar cada coisa como provisória, como tendo uma história no
passado, e devendo ter outra no futuro, tendo um começo, e devendo ter,um
fim...
II. — «Para a
dialética, não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado...»
Para a dialética,
não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de
todas as coisas e em todas as coisas, e, para ela, nada existe além do processo
ininterrupto do devir e do transitório48.
Eis uma
definição que sublinha o que acabamos de ver, e que vamos estudar:
«Para a dialética, não há nada de definitivo-». Isto quer dizer que, para a dialética, tudo tem um passado e terá
um futuro; que, por conseguinte, nada é de uma vez para sempre, e o que é hoje não é definitivo.
(Exemplos
da maçã, da terra, da sociedade.)
Para a
dialética, não existe nenhum poder no mundo, nem para além dele, que possa
fixar as coisas num estado definitivo, portanto, «nada de absoluto». (Absoluto significa: que não está
submetido a qualquer condição; por conseguinte, universal, eterno, perfeito.)
«Nada de sagrado», isto não quer dizer que a
dialética despreze tudo. Não! Uma coisa sagrada é aquela que se considera como
imutável, que não se deve nem tocar nem discutir, mas só venerar. A sociedade
capitalista é «sagrada», por exemplo. Pois bem! A dialética diz que nada escapa ao movimento, à
mudança, às transformações da história.
«Caducidade» vem de «caduco», que significa: que cai; uma
coisa caduca é a que envelhece e deve desaparecer. A dialética mostra-nos que o
que está caduco já não tem razão de ser, que tudo está destinado a desaparecer.
O que é jovem torna-se velho; o que hoje tem vida morre amanhã, e nada existe,
para a dialética, «além do processo ininterrupto do devir e do transitório».
Portanto,
colocar-se do ponto de vista dialético é considerar que nada é eterno, salvo a
mudança. É considerar que nenhuma coisa particular pode ser eterna, senão o
«devir».
Mas, o
que é o «devir» de que Engels fala na sua definição?
Vimos que
a maçã tem uma história. Tomemos agora, por exemplo, um lápis, que também tem a
sua.
Este
lápis, que hoje está usado, foi novo. A madeira de que é feito sai de uma
prancha, e esta de uma árvore.
Vemos,
pois, que a maçã e o lápis têm cada um a sua história, e, uma e outro, não
foram sempre o que são.
Mas, há
uma diferença entre essas duas histórias? Certamente!
A maçã
verde tornou-se madura. Podia, sendo verde, se tudo corresse bem, não se tornar
madura? Não, devia amadurecer, assim como, caindo à terra, deve apodrecer, decompor-se,
libertar as sementes.
Enquanto
que a árvore de onde vem o lápis pode não se tornar prancha, e esta não se tornar lápis. Este pode, ele próprio, ficar sempre inteiro, não
ser afiado.
Constatamos,
portanto, entre estas duas histórias, uma diferença. No caso da maçã, é a maçã
verde que se tornou madura, se nada de anormal se produziu, e é a flor que se tornou
maçã. Por conseguinte, a uma dada fase, outra se segue necessariamente, inevitavelmente (se nada
parar a evolução)..
Na
história do lápis, pelo contrário, a árvore pode não se tornar prancha, esta
não se tornar lápis, este não ser afiado. Logo, a uma dada fase, pode não se seguir a outra. Se a história do
lápis percorre todas essas fases, é graças a uma intervenção estranha - a do
homem.
No caso
da maçã, encontramos fases que se sucedem, a segunda derivando da primeira, etc. Ela segue o «devir» de que
fala Engels. No exemplo do lápis, as fases justapõem-se, sem resultar uma da outra.
É que a maçã, essa segue um processo natural.
III. — O processo.
(Palavra
que vem do latim, e quer dizer: marcha em frente, ou o ato de avançar, de
progredir.)
Por que é
que a maçã verde se torna madura? É por causa do que contém, por causa de
encadeamentos internos que a obrigam a amadurecer; é porque era, mesmo antes de estar madura, uma maçã, que não podia
deixar de amadurecer.
Quando se
examina a flor que se tornará maçã, depois, a maçã verde que se tornará madura,
constata-se que os encadeamentos que impelem a maçã na sua evolução atuam sob o
domínio de forças internas a que chamamos autodinamismo, o que significa: força que
vem do próprio ser.
Quando o
lápis era ainda prancha, foi preciso a intervenção do homem para o fazer
tornar-se lápis, porque nunca a prancha se transformaria, só por si, em lápis.
Não houve forças internas, autodinamismo, processo.
Portanto,
quem diz dialética, não diz só movimento, mas, também, autodinamismo.
Vemos,
pois, que o movimento dialético contém em si o processo, o autodinamismo, que
lhe é essencial.
Com
efeito, nem todo o movimento ou mudança é dialético. Se tomarmos uma pulga, que
vamos estudar do ponto de vista dialético, diremos que não foi nem será sempre
o que é; se a esmagarmos, certamente, haverá, para ela, uma mudança, mas será
dialética? Não. Sem nós, não seria esmagada. Essa mudança não é dialética, mas mecânica.
Devemos,
por conseguinte, prestar muita atenção quando falamos da mudança dialética.
Pensamos que, se a terra continuar a existir, a sociedade capitalista será
substituída por uma outra e depois por
outra. Isto será uma mudança dialética. Mas, se a terra explodir, a sociedade
capitalista desaparecerá, não por uma mudança autodinâmica, mas por uma
mecânica.
Numa
outra ordem de ideias, dizemos que há uma disciplina mecânica quando não é
natural. Mas é autodinâmica quando é livremente consentida, isto é, quando vem
do seu meio natural. Uma disciplina mecânica é imposta de fora; vem de chefes
que são diferentes dos que comandam. (Compreendemos, então, quanto a disciplina
não mecânica, a autodinâmica, não está ao alcance de todas as organizações!)
É-nos
preciso, pois, evitar servir-nos da dialética de uma maneira mecânica. É uma
tendência que nos vem do nosso hábito metafísico de pensar. Não é necessário
repetir, como um papagaio, que as coisas não foram sempre o que são. Quando um
dialético diz isso, deve procurar nos fatos o que as coisas foram antes.
Porque
dizer isso não é o fim de um raciocínio, mas o começo dos estudos para observar
minuciosamente o que as coisas foram antes.
Marx,
Engels, fizeram estudos longos e precisos acerca do que foi a sociedade
capitalista antes deles.
Observaram
os detalhes mais ínfimos, para notar as mudanças dialéticas. Lenine, para
descrever e criticar as mudanças da sociedade capitalista, analisar o período
imperialista, fez estudos muito precisos, consultou numerosas estatísticas.
Quando
falamos de autodinamismo, também nunca devemos fazer dele uma frase literária,
devemos empregar essa palavra apenas com conhecimento de causa, e para os que a
compreendam totalmente.
Enfim,
depois de ter visto, ao estudar uma coisa, quais são as suas mudanças
autodinâmicas, e dito qual se constatou, é preciso estudar, procurar de onde
vem que seja autodinâmica.
É por
isso que a dialética, as pesquisas e as ciências estão estreitamente ligadas.
A dialética
não é um meio de explicar e de conhecer as coisas sem as ter estudado, mas o de
estudar bem e fazer boas observações, pesquisando o começo e o fim das coisas,
de onde vêm e para onde vão.
48 Friedrich EINGELS: «Ludwig Feuerbach»
Próximo: SEGUNDA LEI: A AÇÃO RECIPROCA
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