O
MATERIALISMO
I. — Por que devemos
estudar o materialismo?
II. — De onde vem o
materialismo?
III. — Como e por que
evoluiu o materialismo.
IV. — Quais são os
princípios e os argumentos materialistas?
1. É a matéria que
produz o espírito.
2. A matéria existe
fora de todo o espírito.
3. A ciência, pela
experiência, permite-nos conhecer as coisas.
I.
— Por que devemos estudar o materialismo?
Vimos que, para este
problema: «Quais são as relações entre o ser e o pensamento?», não pode haver
mais que duas respostas, opostas e contraditórias.
Estudamos, no
capítulo precedente, a resposta idealista e os argumentos apresentados para defender
a filosofia idealista.
Torna-se necessário
examinar, agora, a segunda resposta a este problema fundamental (problema,
repetimo-lo, que se encontra na base de toda a filosofia), e ver quais são os
argumentos que o materialismo emprega em sua defesa. Tanto mais que o
materialismo é, para nós, uma filosofia muito importante, visto que é a do
marxismo.
É, pois, por
consequência, indispensável conhecer bem o materialismo. Indispensável,
sobretudo porque as concepções desta filosofia são muito mal conhecidas e foram
falsificadas. Indispensável, também, porque, pela nossa educação, pela
instrução que recebemos - seja primária ou mais desenvolvida -, pelos nossos
hábitos de viver e de raciocinar, estamos todos, mais ou menos, sem darmos
conta disso, impregnados de
concepções
idealistas. (Veremos, aliás, noutros capítulos, vários exemplos desta
afirmação, e porque é assim.)
É, portanto, uma
necessidade absoluta para os que querem estudar o marxismo conhecer a sua tese:
o materialismo.
II.
— De onde vem o materialismo?
Definimos, de uma
maneira geral, a filosofia como um esforço para explicar o mundo, o universo.
Mas sabemos que, segundo o estado dos conhecimentos humanos, as suas
explicações mudaram, e que duas atitudes, no decurso da história da humanidade, foram adotadas para explicar o
mundo: uma, anticientífica, fazendo apelo a um ou a espíritos superiores, a
forças sobrenaturais; a outra, científica, fundamentando-se em fatos e
experiências.
Uma destas concepções
é defendida pelos filósofos idealistas; a outra, pelos materialistas.
É por isso que, desde
o início destas aulas, dissemos que a primeira ideia que se devia fazer do
materialismo é que esta filosofia representa a «explicação científica do
universo».
Se o idealismo nasceu
da ignorância dos homens - e veremos como a ignorância foi mantida, sustentada
na história das sociedades por forças culturais e políticas que partilhavam as
concepções idealistas -, o
materialismo nasceu da luta das ciências contra a ignorância ou obscurantismo.
É por isso que esta
filosofia foi tão combatida, e é também por isso que, sob a forma moderna (o
materialismo dialético), é pouco conhecida, senão ignorada ou desconhecida do
mundo universitário oficial.
III.
— Como e por que evoluiu o
materialismo.
Contrariamente ao que
pretendem os que combatem esta filosofia e dizem que tal doutrina não evoluiu
desde há vinte séculos, a história do materialismo mostra-nos neste qualquer
coisa de vivo e sempre em movimento.
No decorrer dos
séculos, os conhecimentos científicos dos homens progrediram. No princípio da
história do pensamento, na antiguidade grega, os conhecimentos científicos eram
quase nulos, e os primeiros sábios, ao mesmo tempo, filósofos, porque, em tal
época, a filosofia e as ciências nascentes formavam um todo, sendo
uma o prolongamento
das outras.
Em seguida,
precisando as ciências a explicação dos fenômenos do mundo, precisões que
incomodavam e estavam mesmo em contradição com os dogmas das filosofias
idealistas, nasceu um conflito entre a filosofia e as ciências.
Estando estas em
contradição com a filosofia oficial dessa época, tornara-se necessário que se
separassem.
Por isso, o
melhor que têm a fazer é libertar-se, urgentemente, da balbúrdia filosófica, e
deixar aos filósofos as vastas hipóteses de tomar contacto com problemas
restritos, os que estão maduros para uma solução próxima.
Então,
faz-se esta distinção entre as ciências... e a filosofia11.
Mas o materialismo,
nascido com as ciências, ligado a elas e delas dependendo, progrediu, evoluiu
com elas, para chegar, com o materialismo moderno, o de Marx e Engels, a
reunir, de novo, a ciência e a filosofia no materialismo dialético.
Estudaremos, mais
adiante, esta história e tal evolução, que estão ligadas ao progresso da
civilização, mas constatamos já, e é o que é muito importante fixar, que o
materialismo e as ciências não estão separados, e que aquele está absolutamente
dependente da ciência.
Resta-nos estabelecer
e definir as bases do materialismo, comuns a todas as filosofias que, sob
aspectos diferentes, se valem dele.
IV.
— Quais são os princípios e os
argumentos materialistas?
Para responder,
torna-se necessário voltar ao problema fundamental da filosofia, o das relações
entre o ser e o pensamento: qual deles é o principal?
Os materialistas
afirmam, em primeiro lugar, que há uma determinada relação entre o ser e o
pensamento, entre a matéria e o espírito. Para eles, é o ser, a matéria que é a
realidade primeira, e o espírito a realidade segunda, posterior, dependente da
matéria.
Portanto, para os
materialistas, não foi o espírito ou Deus que criaram o mundo e a matéria, mas
foi o mundo, a matéria, a natureza que criaram o espírito:
O
espírito não é mais que o produto superior da matéria12.
É por isso que, se
retomarmos a pergunta que pusemos no segundo capítulo: «Por que pensa o
homem?», os materialistas respondem que o homem pensa porque tem um cérebro e
porque o pensamento é o seu produto.
Para eles, não pode
haver pensamento sem matéria, sem corpo.
A
nossa consciência e o nosso pensamento, tão transcendentes que nos parecem, são
apenas produtos de um órgão material, corporal, o cérebro13.
Por consequência,
para os materialistas, a matéria, o ser, são qualquer coisa de real, existindo
fora do nosso pensamento, e não precisam dele, nem do espírito para existir. De
igual modo, este, não podendo existir sem matéria, não tem alma imortal e
independente do corpo.
Contrariamente ao que
dizem os idealistas, as coisas que nos cercam existem independentemente de nós:
são elas que nos dão os nossos pensamentos, e as nossas ideias são apenas o
reflexo das coisas no cérebro.
Por esse motivo,
perante o segundo aspecto do problema das relações do ser e do pensamento: - Que
relação há entre as nossas ideias sobre o mundo que nos rodeia e o próprio
mundo? O nosso pensamento está em condições de conhecer o mundo real? Podemos,
nas nossas concepções deste, reproduzir uma imagem fiel da realidade? Tal
problema é chamado, em linguagem filosófica, a questão da
identidade
do pensamento e do ser14.- os materialistas afirmam: sim! podemos conhecer o mundo, e
as ideias que fazemos dele são cada vez mais exatas, uma vez que podemos
estudá-lo com o (auxílio das ciências, que estas nos
provam
continuamente, pela experiência, que as coisas que nos rodeiam têm, na verdade,
uma realidade que lhes é própria, independente de nós, e que os homens podem
já, em parte, reproduzir, criar artificialmente tais coisas.
Resumindo,
diremos, pois, que os materialistas, face ao problema fundamental da filosofia,
afirmam:
1. Que
é a matéria que produz o espírito , e que, cientificamente,
nunca se viu este sem aquela.
2. Que
a matéria existe fora de todo o espírito e não
precisa deste para existir, tendo uma existência que lhe é particular, e que,
por consequência, contrariamente ao que dizem os idealistas, não são as nossas
ideias que criam as coisas, mas, pelo contrário, são estas que nos dão aquelas.
3. Que
somos capazes de conhecer o mundo , que as ideias que fazemos
da matéria e do mundo são cada vez mais exatas, uma vez que, com o auxílio das ciências,
'podemos precisar o que já conhecemos e descobrir o que ignoramos.
LEITURAS
11
René MAUHLANC: a Vida operária, 25
de Novembro de 1935.
12
Friedrich ENGELS: «Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã», Obras
Escolhidas de Marx e Engels em Três Tomos, Ed. Avante 1985, Tomo III, pp
375-421
13 Friedrich ENGELS: «Ludwig Feuerbach e o fim da
filosofia clássica alemã», Obras Escolhidas de Marx e Engels em TrêsTomos, Ed.
Avante 1985, Tomo III, pp 375-421
14
Friedrich ENGELS: «Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã», Obras
Escolhidas de Marx e Engels em Três Tomos, Ed. Avante 1985, Tomo III, pp
375-421
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