HÁ
UMA TERCEIRA FILOSOFIA? O AGNOSTICISMO
I. -
Porque uma terceira filosofia?
II. – Argumentação desta filosofia?
III. – De onde vem esta filosofia?
IV. – As suas conseqüências.
V. - Como refutar esta “terceira” filosofia?
VI. – Conclusão.
I. – Porque uma terceira filosofia?
Pode
parecer-nos, depois, destes primeiros capítulos, que, afinal deve ser bastante
fácil orientarmo-nos no meio de todos os raciocínios filosóficos, uma vez que só
duas grandes dividem entre si todas as teorias: o idealismo e o materialismo. E
que, além disso, os argumentos que militam em favor do materialismo dominam a
convicção de maneira definitiva.
Parece,
portanto, que, depois de algum exame, tenhamos encontrado o caminho que conduz
a filosofia da razão: o materialismo.
Mas,
as coisas não são tão simples. Como já assinalamos, os idealistas modernos não
tem a franqueza do Bispo Berkeley. Apresentam as suas idéias
Com muito mais artifícios, sob uma forma obscurecida
pelo emprego de uma terminologia “nova”, destinada a fazê-las tomar, por pessoas ingênuas, pela filosofia
“mais moderna”16.
Vimos
que à pergunta fundamental da filosofia podem ser dadas duas respostas,
totalmente opostas, contraditórias e inconciliáveis. São claras, e não permitem
nenhuma confusão.
E,
com efeito,, até cerca de 1710, o problema era posto assim: de um lado, os que
afirmavam a existência da matéria fora de nosso pensamento – eram os
materialistas; do outro, os que, com Berkeley, negavam a existência da matéria,
e pretendiam que esta existia apenas em nós, no nosso espírito – eram os
idealistas.
Mas,
nessa época, progredindo as ciências, outros filósofos intervieram, os quais
tentaram desempatar idealistas e materialistas, criando uma corrente
filosófica que lançasse a confusão entre
essas duas teorias: tal confusão tem a sua origem na procura de uma terceira
filosofia.
II. - Argumentação dessa terceira filosofia.
A
Base desta filosofia, elaborada depois de Berkeley, é que é inútil procurar
conhecer a natureza real das coisas, e que nunca conheceremos senão as
aparências.
É por
isso que se chama a esta filosofia agnosticismo (do grego a, negação, e
gnósticos, capaz de conhecer, portanto: “incapaz de conhecer”)
Segundo
os agnósticos, não se pode saber se o mundo e, na realidade, espírito ou
natureza. É-nos possível conhecer as aparências das coisas, mas não a
realidade.
Retomamos
o exemplo do sol. Vimos que não é, como o pensavam os primeiros homens um disco
achatado e vermelho. Esse disco não era, portanto, mais que uma ilusão, uma
aparência ( a aparência é a idéia superficial
que temos das coisas; não é sua realidade).
Eis
porque, considerando que os idealistas e materialistas se disputam para saber
se as coisas são matéria ou espírito, se existem ou não fora de nosso
pensamento, se nos é possível ou não conhecê-las, os agnósticos dizem que se
pode, na verdade, se conhecer a aparência, mas nunca a realidade.
Os
nossos sentidos, dizem, permitem-nos ver e sentir as coisas, conhecer os
aspectos exteriores, as aparências; estas aparências existem, portanto, para
nós; constituem o que se chama, em linguagem filosófica, a “coisa para nós”.
Mas não podemos conhecer a coisa independente de nós, com a realidade que lhe é
própria, o que se chama a “coisa em si”
Os
idealistas e os materialistas, discutindo continuamente sobre esses assuntos,
são comparáveis a dois homens que tivessem, um, óculos azuis, o outro,
cor-de-rosa; passeariam na neve, e discutiriam para saber qual sua cor verdadeira.
Suponhamos que nunca poderiam tirar os óculos. Poderão um dia conhecer a
verdadeira cor da neve?...Não. Pois bem os idealistas e os materialistas, que
disputam para saber qual das duas facções tem razão, trazem óculos azuis e
cor-de-rosa. Nunca conhecerão a realidade. Terão um conhecimento da neve “para
eles”; cada um vê-la-á à sua maneira, mas nunca a conhecerão “em si mesma”. Tal
é o raciocínio dos agnósticos.
III. - De onde vem essa filosofia?
Os
fundadores dessa filosofia são Hume (1711-1776), que era escocês, e Kant
(1724-1804), um alemão. Ambos tentaram conciliar o idealismo e o materialismo.
Eis
uma passagem dos recicínios de Hume, citados por Lenine no seu livro
“Materialismo e empiriocriticismo”:
Pode considerar-se como evidente que os homens são
propensos, por instinto natural..., a fiar-se na sua opinião, e que, sem o
menor raciocínio,supomos sempre a de um universo exterior, independente da
nossa percepção, que existiria mesmo que fôssemos destruídos com todos os seres
dotados de sensibilidade...
Mas, esta opinião primordial e universal é
prontamente desacreditada pela filosofia mais superficial, que nos ensina que
nada (para além da imagem ou da percepção será jamais acessível ao nosso
espírito e que as sensações são apenas canais seguidos por essas imagens, não
estando em condições de estabelecer, elas próprias, uma relação direta,
qualquer que seja, entre o espírito e o objeto. A mesa que vemos parece-nos
mais pequena quando nos afastamos, mas a mesa real, que existe independentemente
de nós, não muda; o nosso espírito percebeu, portanto, apenas a imagem da mesa.
Tais são as indicações evidente da razão17.
Vimos
que Hume admite, em primeiro lugar, o que é por demais evidente: a “existência
de um universo exterior” que não depende de nós. Mas, imediatamente, recusa-se
a admitir tal existência como uma realidade objetiva. Para ele, não é mais que
uma imagem, e os nossos sentidos, que constatam essa existência, essa imagem,
são incapazes de estabelecer uma relação, qualquer que seja, entre o espírito e
o objeto.
Numa
palavra, vivemos no meio de coisas como no cinema, onde constatamos, na tela,
as imagens dos objetos, a sua existência, mas onde, por detrás das próprias
imagens, isto é, por detrás da tela, nada há.
Agora,
se quisermos saber como nosso espírito tem conhecimento dos objetos, isso pode
ser devido
A energia da nossa própria inteligência ou a ação de
qualquer espírito invisível e desconhecido, ou, então, a qualquer causa menos
conhecida ainda18.
IV. - As
suas conseqüências.
Eis
uma teoria fascinante que, aliás, esta muito difundida. Encontramo-la, sob
diferentes aspectos, no decorrer da história, entre as teorias filosóficas , e
nos nossos dias, em todos que pretendem “ficar neutros e manter-se numa reserva
cientifica”.
É-nos
necessário, portanto, examinar se esses raciocínios são justos e que
conseqüências deles resultam.
Se
nos é verdadeiramente impossível, como afirmam os agnósticos, conhecer a natureza verdadeira das coisas, e se o
nosso conhecimento se limita as suas aparências, não podemos pois, afirmar a
existência da realidade objetiva, e saber se as coisas existem por elas
próprias. Para nos, por exemplo, o automóvel é uma realidade objetiva; o
agnóstico, esse diz-nos que tal não é certo, que não se pode saber se é um
pensamento ou uma realidade. Interdita-nos,portanto, de sustentar que o nosso
pensamento é o reflexo das coisas. Vemos que estamos em pleno raciocínio idealista, porque, entre
afirmar que as coisas não existem ou, muito simplesmente, que não podemos saber
se existem, a diferença não é grande!
Vimos
que o agnóstico distingue as “coisas para nós” e “as coisas em si”. O estudo
das coisas para nós é, pois, possível: é a ciência; mas, o estudo da coisa em
si é impossível, porque não podemos conhecer o que existe fora de nos.
O
resultado deste raciocínio é o seguinte: o agnóstico aceita a ciência; e, como
esta só pode ser utilizada para expulsar da natureza toda força sobrenatural,
é, perante ela, materialista.
Mas,
apressa-se a acrescentar que a ciência, dando-nos só aparências, jamais prova,
por outra via, que não haja na realidade outra coisa alem da matéria, ou sequer
que esta exista ou não existe Deus. A razão humana nada pode saber, e nem tem
que intrometer-se. Se há outros meios para conhecer as “coisas em si” como a fé
religiosa, o agnóstico não o quer saber tão pouco, e não reconhece o direito de
discutir isso.
O
agnóstico é,portanto, quanto a conduta da vida e à construção da ciência, um
materialista que não ousa afirmar o seu materialismo, procurando, antes de
mais, não se meter em dificuldades com os idealistas, não entrar conflito com
as religiões. É “um materialista envergonhado”19.
A
conseqüência é que, duvidando do valor profundo da ciência, vendo nela apenas
aparências, esta terceira filosofia nos propõe não atribuir nenhuma verdade à
ciência e considerar como perfeitamente
inútil saber qualquer coisa, tentar
contribuir para o progresso.
Os
agnósticos dizem: outrora, os homens viam o sol como um disco achatado, e acreditavam
que era assim na realidade; enganavam-se. Hoje, a ciência diz-nos que o sol não
é tal como o vemos, e pretende explicar tudo. Sabemos, portanto, que se engana
muitas vezes, destruindo num dia o que construiu na véspera. Erro ontem,
verdade hoje, mas erro amanhã. Assim, sustentam os agnósticos, não podemos
saber; a razão não nos traz nenhuma
certeza. E se outros meios além da razão, como a fé religiosa, pretendem
dar-nos certezas absolutas, nem mesmo a ciência nos pode impedir de acreditar
nisso. Diminuindo a confiança na ciência, o agnosticismo prepara, assim, o
regresso das religiões.
V. - Como refutar esta “terceira” filosofia?
Vemos
que, para provar as suas afirmações, os materialistas se servem, não apenas da
ciência, mas, também, da experiência, que permite controlar as ciências. Graças
ao “critério da prática”, podemos saber, conhecer as coisas.
Os
agnósticos dizem-nos que é impossível afirmar que o mundo exterior existe ou
não.
Ora,
pela prática, sabemos que o mundo e as coisas existem. Sabemos que as idéias
que fazemos destas são fundamentais, que as relações que estabelecemos entre
elas e nós são reais.
Desde que empregamos estes objetos, em uso próprio,
segundo as qualidades que neles percebemos, submetemos a uma prova infalível a exatidão ou
inexatidão das nossas percepções sensoriais. Se estas são falsas, o uso dos
objetos que nos sugeriram é falso; por conseqüência, a nossa tentativa deve
falhar: Mas se logramos alcançar o nosso fim, se constatamos que nosso objeto
corresponde à representação que temos dele, que dá o que esperamos da sua
utilização, é a prova positiva que, no quadro
destes limites, as nossas percepções do objeto e das suas qualidades
concordam com a realidade fora de nós. E se, pelo contrário, falhamos, não
estamos geralmente longe de descobrir a causa de nosso insucesso; achamos que a
percepção que serviu de base à nossa tentativa, ou era, por si, incompleta ou
superficial, ou fora ligada de uma maneira que não justificava a realidade aos
dados de outras percepções. É o que chamamos um raciocínio defeituoso. É por
isso, quanto mais cuidamos da educação e
utilização correta dos nossos sentidos, cingindo a nossa ação aos
limites prescritos pelas nossas
percepções corretamente obtidas e utilizadas, mais freqüentemente acharemos que
o resultado de nossa ação demonstra a conformidade das nossas percepções com a
natureza objetiva dos objetos percebidos. Até aqui, não há um único exemplo de
que dos nossos sentidos, cientificamente controlados, tenham engendrado no
nosso cérebro representações do mundo exterior que estejam, pela sua própria
natureza, em desacordo com a realidade, ou que haja incompatibilidade imanente
entre o mundo exterior e as percepções sensíveis que temos a esse respeito20.
Retomando
a frase de Engels, diremos: “Só se prova que o pudim existe, comendo-o”
(provérbio Inglês). Se não existisse ou fosse apenas uma idéia, depois de o ter
comido, a nossa fome não estaria de modo algum apaziguada. Assim, é-nos
perfeitamente possível conhecer as coisas, ver se nossas idéias correspondem a
realidade. É-nos possível controlar os dados da ciência pela experiência e a
destreza que traduzem, em aplicações práticas, os resultados teóricos das
ciências. Se podemos fazer borracha sintética, é porque a ciência conhecia a
“coisa em si” que é a borracha.
Vemos,
pois, que não é inútil procurar saber quem tem razão, um vez que, através dos
erros teóricos que a ciência pode cometer, a experiência nos dá cada vez mais a
prova de que é na verdade a ciência que tem razão.
VI. -
Conclusão.
Depois
do século XVIII, nos diferentes pensadores que deram maior ou menor contributo
ao agnosticismo, vemos que esta filosofia é sacudida, ora pelo idealismo, ora
pelo materialismo. Acoberto de palavras novas, como diz Lenine, pretendendo
mesmo servir-se das ciências para apoiar os seus raciocínios, mas não fazem que
criar a confusão entre as duas teorias, permitindo, assim, a alguns terem uma
filosofia cômoda, que lhes dá a possibilidade de declarar que não são
idealistas, porque se servem da ciência, mas que também não são materialistas, porque não ousam ir
até ao fim dos seus argumentos, porque não são conseqüentes.
Que é, pois, o agnosticismo, diz Engels, se não um
materialismo envergonhado? A concepção da natureza que o agnóstico tem é
inteiramente materialista. Todo o mundo natural é governado por leis, e não
admite a intervenção de uma ação exterior; mas acrescenta por precaução: “Não possuímos
o meio de afirmar ou negar a existência de um qualquer ser supremo para além do
universo conhecido”21.
Esta
filosofia faz, portanto, o jogo do idealismo, e, no fim das contas, porque são
inconseqüentes nos seus raciocínios, os agnósticos
tendem para o idealismo. “Raspai o agnóstico, diz Lenine, encontrareis o
idealista”.
Vimos
que pode saber-se , do materialismo ou do idealismo, quem tem razão.
Vemos,
agora, que as teorias que pretendem conciliar estas duas filosofias não podem,
de fato, senão afirmar o idealismo, que não trazem uma terceira resposta à
pergunta fundamental da filosofia, e que, por conseqüência, não há terceira filosofia.
Leituras
16 Lenine: “Materialismo e empiriocriticismo”,
Ed. Avante 1982
17 Idem.
18 Idem.
19 Engels: “Do socialismo utópico ao socialismo
científico”, Introdução, Obras Escolhidas de Marx e Engels em três Tomos, PP.
140-149
20 Engels: idem...
21
Engels: idem...
Nenhum comentário:
Postar um comentário